A FRAGILIZAÇÃO DA REFORMA TRABALHISTA FRENTE AOS PRINCÍPIOS DA CONSOLIDAÇÃO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10349791
Lucas Daniel Rodrigues Dente¹
Orientador: Prof. Esp. Nelson Pereira Batista Filho
INTRODUÇÃO
Como matéria derivada do direito civil com o entendimento majoritário de caráter privado, compactuando de princípios se não totalmente iguais, semelhantes ao do âmbito cível como uma espécie de evolução da mesma, bem como a proteção do contrato de trabalho e das regulações do acordado entre as partes, a Consolidação Trabalhista fora elaborada com o intuito da proteção do trabalhador que em sua condição social e econômica não se encontra em pé de igualdade frente ao empregador, este era o antigo pensamento do legislador.
Nas primeiras discussões busca-se este estudo o entendimento doutrinário a respeito da fragilidade socioeconômica do empregado frente ao empregador, tratando os desiguais de formas desiguais a fim de uma equiparação de poderes.
A abordagem inicial se dá desde os primórdios da criação da Legislação Trabalhista, advinda em pleno Estado Novo e as características que esta trouxe para a nova relação entre empregado e empregador.
De mais a mais, o estudo demonstra os princípios que nortearam sua criação, a proteção dada ao trabalhador e o entendimento mitigador que a Reforma Trabalhista trouxe.
Com esta, as principais mudanças no âmbito teórico e prática trazem os novos desafios da doutrina, o que será objeto desta revisão bibliográfica.
Como principal alteração impactante advindo com a Reforma, este trabalho tem como foco os reflexos acima do princípio protetor, espinha dorsal da Consolidação dos Direitos Trabalhistas, que reforçam a necessidade da intervenção protecionista do Estado, conquanto, modificada pela reforma trabalhista de 2017.
Em consequência, as alterações advindas pela reforma trazem à tona as possibilidades de inconstitucionalidades, como exemplo o embate entre quando o acordo for menos favorável ao trabalhador que a convenção coletiva.
CAPÍTULO 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL
A legislação trabalhista no Brasil tem seu marco inicial no ano de 1930 com a criação por Getúlio Vargas do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio, através do Decreto nº 19.433 de 26 de novembro de 1930. No ano seguinte, a criação do Departamento Nacional de Estatística, vinculado ao ministério, cuja função era mapear o cenário socioeconômico do país, através do Serviço de Estatística da Previdência e do Trabalho. (BIAVASCHI, 2005, p. 117).
Após, com a instauração da ditadura de Vargas, em 1937 promulga-se uma nova Constituição, demonstrando o olhar corporativista e a influência da oligarquia.
Assim disserta Silva (2000, p. 185):
A Constituição de 1937 instituiu a organização corporativa da ordem econômica, dispondo em seu art. 140 que a economia da produção será organizada em corporações e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a assistência e a proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções delegadas do poder público.
A nova ordem constitucional estabelecia:
a)o Conselho da Economia Nacional, composto de representantes dos vários ramos da produção nacional (art. 57); b) a intervenção do Estado no domínio econômico, tendo como objetivos: (1) suprir as deficiências da iniciativa individual; (2) coordenar os fatores de produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir, no jogo das competições individuais, o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado (art. 135); c)o trabalho era visto como meio de subsistência do indivíduo, constituindo-se em um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-se condições favoráveis e meios de defesa (art. 135); d)a proibição, quanto à greve e lockout, declarando-os recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional (art. 139); e)quanto aos sindicatos, o sistema legal “baseou-se em institutos que caracterizaram a forma autoritária de organização sindical, dentre os quais a necessidade de reconhecimento do sindicato pelo Estado, a natureza pública das funções sindicais, o prévio reconhecimento sindical elaborado pelo Estado, o princípio do sindicato único, a contribuição sindical, a intervenção do Estado e o poder punitivo sobre os sindicatos, alguns incompatíveis com a realidade social e econômica, outros exigindo reavaliação”. 5 Para adequar a legislação sindical de 1934 (Decreto 24.594, de 12/7/1934), o governo federal expediu o Dec.-lei 1.402, de 5/7/1939; f)os contratos coletivos de trabalho passaram a ser aplicáveis a todos os trabalhadores que estivessem representados pelas entidades signatárias (art. 137, a).(FERREIRA e CAVALCANTE, 2019, p. 97).
Com a promulgação, houve ainda a criação da justiça do trabalho, lançada oficialmente na data de 1º de abril de 1941, visando um aprimoramento de vários institutos já existentes, como o Conselho Permanente de Conciliação e Arbitragem, as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento, uma junção evolutiva de todos os institutos, com fulcro na tentativa de resolução dos litígios trabalhistas e tendo como órgão as Juntas, os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, estes últimos, alterados em 1946, passando-se a denominar-se Tribunal Regional do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho, incluindo-os como parte do poder judiciário, conforme disserta Ferreira e Cavalcante (2019, p. 98).
Dado o advento da Justiça do Trabalho no ano de 1941, viu-se de suma importância uma codificação, conforme muito bem disserta Luz e Santin (2010, p.272).
Para Antunes (2006, p. 83): A obra maior da engenharia política getulista foi trazer as classes trabalhadoras para a agenda do Estado, politizar a “questão social”, tirá-la do espaço exclusivo da criminalização e das delegacias policiais.
A junção das leis cujo objeto tem-se o direito do trabalho foi elaborada incialmente no ano de 1943, pelo então ditador Getúlio Vargas, no período que ficou conhecido como Estado Novo, sua criação, ficou registrado como Decreto-Lei nº 5.452 de 2º de maio de 1943, e tinha como principal função regulamentar as relações entre o empregado e o empregador. (NASCIMENTO, 2003, p. 75)
Já antes desse período, o governo Vargas sinalizava-se a dar importância às questões trabalhistas, com o advento da Constituição de 1934, ainda durante o Governo Provisório, Vargas fora o primeiro a preceituar direitos trabalhistas, no capítulo Ordem Econômica e Social, direitos como:
{...} a) a proibição de diferença de salários para um mesmo trabalho, por motivo de idade de sexo, nacionalidade ou estado civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição de trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16 anos e, em indústrias insalubres a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos {...} (BARROS, 2016, p. 55).
Entre este lapso temporal, do início das resoluções de cunho trabalhista em 1930, até a promulgação da primeira codificação, verifica-se uma preocupação de Getúlio Vargas com a institucionalização da proteção do trabalho, uma vez que seu objetivo era fazer do Brasil um país fortemente industrializado.
Para Biavaschi (2005, p. 121): Getúlio tinha presente essa realidade. Seu projeto era claro: industrializar o país e transformá-lo numa nação moderna, com as massas proletárias integradas e protegidas por meio de normas sociais eficazes.
Em 1943, como dissertado anteriormente, fora promulgado a Consolidação das Leis do Trabalho– CLT, onde juntou-se as leis esparsas instituídas por Vargas em apenas uma codificação.
A evidente influência trazida pelas ideologias fascistas italianas se fez demonstrar no ordenamento introduzido por Vargas, vislumbrado no ideal corporativista da intervenção Estatal, para os doutrinadores Ferreira e Cavalcante (2019, p.118), tratava-se de uma unificação econômica, ou seja, o Estado representando uma tentativa de unir as forças de produção e do trabalho.
Quanto sua natureza jurídica, como uma ramificação do Direito Civil de forma a ser um direito privado, levando em conta que os contratos trabalhistas são uma evolução do ocorrido no âmbito cível e que apesar de matérias diferentes ainda compactuam dos mesmos princípios.
Há uma preponderância de normas privadas, não descartando o fato de haver normas públicas, que de tão poucas em comparação com o privado não se pode dizer em uma balança equilibrada entre os dois gêneros, sobrepondo assim o direito privado como principal, já que tanto no direito civil como no comercial estes também dispõem de direitos públicos e mesmo assim não deixam de ser parte dos direitos privados.
Assim alega Cassar (2015, p.51):
A segunda corrente, defendida por Sergio Pinto Martins, Hugo Gueiros, Rodrigues Pinto e Délio Maranhão, classifica o Direito do Trabalho como de natureza privada, já que decorre de um contrato feito entre particulares, normalmente sujeitos privados. Apesar de sua natureza privada, é um direito regulamentado por lei, isto é, com cláusulas legais mínimas, porém isto não o descaracteriza como de natureza privada. Ora, alguns outros ramos do Direito também têm cláusulas mínimas estipuladas por lei, demonstrando um dirigismo estatal, uma intervenção do Estado nas relações particulares e privadas: direito do consumidor, direito de família, planos médicos, seguros etc
Outro ponto é a simples pergunta, se somos um direito público, há intervenção da administração-Estado em todas as áreas, o que sabemos não ser real, dando a mostra de que a maior parte das regras é de ordem privada.
Ao que refere-se à liberdade das entidades sindicais, (art. 8º, I da CF/1988), a vedação à interferência do Estado na organização sindical confirma a natureza privada do Direito do Trabalho assim como argumenta Garcia (2015, p. 683). Dessa forma garante que os fundamentos da ordem sindical sejam livres e democráticos, sem intervenção estatal.
A Constituição Federal de 1988 trouxe significantes mudanças no direito trabalhista, não só no que tange a liberdade das entidades sindicais.
Conforme elucidado por Delgado (2008, p. 126-127 apud LUZ e SANTIN 2010, p. 273), as principais e mais contundentes modificações introduzidas pela Constituição vigente, são:
A nova Constituição firmou largo espectro de direitos individuais, cotejados a uma visão e normatização que não perdem a relevância do nível social e coletivo em que grande parte das questões individuais deve ser proposta. Nesse contexto é que ganhou coerência a inscrição que produziu de diversificado painel de direitos sociotrabalhistas, ampliando garantias já existentes na ordem jurídica, a par de criar novas no espectro normativo dominante. Na linha isonômica, que é sua marca pronunciada, igualizou direitos entre empregados urbanos e rurais (art. 7º, caput, CF/88), estendendo a mesma conduta aos trabalhadores avulsos (art. 7º, XXXIV). De par disso, avançou, significativamente, o rol de direitos cabíveis à categoria empregatícia doméstica (parágrafo único, art. 7º, CF/88). Ampliou as proteções jurídicas à empregada gestante, seja através do mais largo prazo de licença previdenciária – 120 dias (art. 7º XVIII, CF/88), seja através da garantia de emprego instituída, com prazo até cinco meses após o nascimento (art. 10, II, “b”, ADCT, CF/88). Ao lado disso, ampliou de um para cinco dias a interrupção do contrato de trabalho para o pai, no período de nascimento do filho (art. 7º, XIX, e 274 art. 10, § 1º, ADCT, combinados com art. 473, III, CLT). Supriu, ainda, o aviso prévio de oito dias (art. 487, I, CLT), ampliando o prazo para trinta dias (art. 7º, XXI, CF/88). Também estendeu para cinco anos o prazo bienal de prescrição do art. 11, CLT, mitigando os efeitos derruidores do antigo preceito celetista excessivamente restritivo (art. 7º, XXIX, “a”, CF/88). Na temática da extinção do contrato de emprego, a Carta de 1988 caracterizou-se, contudo, por certa perplexidade, não firmando conduta definitiva sobre o tema. Estendeu o FGTS, como visto, a todo empregado (art. 7º, III, CF/88), ampliando o acréscimo rescisório (art. 10, I, CF/88: fala-se em “multa fundiária”) e minorando, desse modo, os efeitos negativos da dispensa para o empregado. Mas, em contrapartida, extinguiu a velha indenização celetista (art. 7º, I, CF/88; art. 447, caput, CLT), remetendo à legislação complementar a fixação de indenização compensatória.
Para Cassar (2015, p.82):
A Constituição preserva os direitos mínimos indisponíveis assegurados aos trabalhadores. Os arts. 5º, 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelecem direitos mínimos aos trabalhadores, que devem ser preservados. Neles reúnem-se as disposições basilares sobre Direito do Trabalho, que são parâmetros iniciais na aplicação deste Direito. Os direitos mínimos são irrenunciáveis e são preservadores da dignidade humana.
A historicidade da criação dos preceitos trabalhistas, seus fundamentos, suas ideologias e inspirações são de suma importância, ainda ponderando importante entender seu lapso temporal, as ideias e anseios dos governos de cada época.
A importância de Getúlio Vargas para a instauração da justiça do trabalho e da codificação das leis de proteção ao trabalhador é de extremo reconhecimento, mesmo que tenha sido boa parte instaurada em períodos onde não vigoravam a democracia.
A influência da Revolução Industrial e de todos os momentos históricos entre às décadas entre 1930 até 1943, demonstram-se presentes na consolidação, como a carta del lavoro italiana. (GARCIA, 2015, p.27)
Advinda a Constituição Federal de 1988, consagrou-se a importância dos direitos trabalhistas e da proteção do empregado, sua hipossuficiência reconhecida, conquanto mitigada, com a Lei 13.467/2017, como doravante será demonstrado.
1.1. Princípios norteadores da Consolidação
A Consolidação das Leis do Trabalho redigida e promulgada pelo então líder brasileiro Getúlio Vargas, no ano de 1943, como outrora já mencionado, fora uma unificação, com suas devidas complementações e acréscimos de leis trabalhistas esparsas, demonstrando sua visão corporativista e a influência oligárquica da época. (SILVA, 2000, p. 187).
Como toda codificação de leis, sua inspiração baseia-se em princípios norteadores que condizem com o necessário para sua efetiva busca do almejado.
Deste modo, verifica-se que com o advento da Constituição Federal de 1988, foi-se estabelecido princípios que não só devem ser basilares para o convívio da sociedade como um todo, como qualquer regramento anterior ficou-se submetido à adequação.
Assim, a CLT se encontrou na necessidade de hierarquicamente se submeter às normas constitucionais, dando primazia ao respeito da dignidade humana do trabalhador, visando os valores sociais do trabalho. (ROMAR, 2018, p.62)
Imperioso destacar o elucidado pela CF/1988, em consonância com a primazia pela garantia dos valores sociais do trabalho, ao garantir, junto ao artigo 193 “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
Ainda nessa premissa, a CF/1988 indica em seu artigo 170 quais os princípios gerais de suma importância, como elucida o doutrinador Romar (2018, p.63).
O art. 170 da Constituição Federal indica como princípios gerais da atividade econômica a valorização do trabalho humano (caput), a justiça social (caput), a função social da propriedade (III — esta também prevista no art. 5º, XXIII, CF) e a busca do pleno emprego (VIII). Também o princípio da isonomia enunciado pelo art. 5º, caput e I, da Constituição é inegavelmente aplicável ao Direito do Trabalho. Da mesma forma, aplicam-se ao Direito do Trabalho a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art. 5º, X, CF), a liberdade de trabalho (art. 5º, XIII, CF), a liberdade de associação (art. 5º, XVII a XX, CF), a não discriminação (art. 5º, XLI e XLII, CF). Em relação à não discriminação em matéria trabalhista, o art. 7º da Constituição Federal proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX), proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (inciso XXXI) e proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (inciso XXXII).
Cabe destacar que os princípios garantidos pela Constituição devem ser respeitados dentro do direito trabalhista, com papel constitutivo de ordem jurídica, cabendo destacar os seguintes: a) contraditório e a ampla defesa; b) a igualdade; c) isonomia entre as partes; e) devido processo legal.
O contraditório e ampla defesa, advindos e garantidos por nossa Constituição Federal, é utilizado para que a igualdade entre as partes presente na lide seja respeitada, conferindo-lhes iguais direitos para que produzam as provas cabíveis e permitidas em lei, para o convencimento do juiz.
Tal princípio é garantido pela CF/1988 em seu art. 5º inciso LV.
Assim, por ser o princípio do contraditório decorrente da busca por uma igualdade e isonomia, ou seja, já abarcando o próximo princípio supramencionado em parágrafos anteriores, proporciona aos litigantes o direito de se pronunciarem sobre os atos praticados dentro do processo.
Na mesma linha de pensamento, Tavares (2012, p.760) observa:
Ampla defesa é o asseguramento de condições que possibilitam ao réu apresentar, no processo, todos os elementos de que dispõe. [...] Contraditório é decorrência direta da ampla defesa, “impondo a condução dialética do processo (par conditio)”. Ademais, pode-se seguramente afirmar que o princípio do contraditório vincula-se ao princípio maior da igualdade substancial.
No tocante ao princípio da igualdade e/ou da isonomia, suscintamente, vale-se elencar os dizeres do doutrinador Tavares (2012, p.1321)
O princípio da igualdade exige o tratamento idêntico, proibindo a discriminação infundada, baseada em questões de ordem pessoal dos envolvidos. As diferenças naturais existentes entre as pessoas não podem servir para justificar um tratamento jurídico diverso, salvo quando esse tratamento realizar diretamente um valor constitucionalmente determinado.
O princípio do devido processo legal, também pilar constitucionalmente garantido, através do art. 5º inciso LIV da CF/1988, afirma que, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, sendo assim, ninguém será submetido a leis injustas ou inconstitucionais, sendo um garantidor da justiça.
Neste pensar, Agra (2018, p.259) declara:
O due process of law, terminologia provinda do direito inglês, significa que, para um cidadão sofrer o alcance de uma norma, seja em processo judicial seja em processo administrativo, torna-se necessário que o parâmetro da legalidade seja obedecido.
Esses princípios constitucionais são utilizados como fontes de direito e norteiam a CLT.
A CLT utiliza desses princípios basilares de nosso ordenamento jurídico como forma de extrair a melhor compreensão e melhor busca de justiça nos tratamentos com os causos trabalhistas.
Para Agra (2018, p. 68) “O fator teleológico dos princípios centrais é garantir a homogeneidade do ordenamento, impedindo que as normas constitucionais estaduais causem antinomias e arrefeçam a capacidade concretiva da Constituição Federal”.
Desta forma, não é errado dizer que os princípios constitucionais aqui mencionados como basilares para a efetiva utilização do direito trabalhista são um norte a ser seguido e uma referência hierarquicamente privilegiada na criação de quaisquer que sejam as reformas.
Os princípios norteadores do Direito Trabalhista voltam-se para o indivíduo, parte integrante da sociedade.
Com os princípios da igualdade, do contraditório, do devido processo legal, foi-se aprimorando e adequando-se os princípios próprios da Consolidação, se fundamentando em uma série de pressupostos abstratos de caráter jurídico, tornando as normas eficazes.
Portanto, importante ater-se a estes princípios, para a construção de qualquer reforma.
CAPÍTULO 2 - REFORMA TRABALHISTA – LEI N 13.467/2017
2.1. Natureza jurídica
Muito embora a CLT tenha sido criada no ano de 1943, inúmeras mudanças em seus textos foram realizadas até os dias de hoje.
Antes mesmo da Reforma trabalhista – Lei nº 13.467/2017, que alterou cerca de cinquenta e quatro artigos, revogou nove artigos e criou quarenta e três novos artigos, já havia sido a CLT modificado inúmeras outras vezes,
No ano de 1951, ainda sob o comando de Getúlio Vargas, eleito dessa vez de forma democrática, houve a instituição do aviso prévio de 30 dias para os empregados que reincidirem o contrato sem justa causa. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Em 1962, sob o comando de João Goulart, houve a criação do 13º salário, até então denominado bônus de natal. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Seguindo, em 1966 houve a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –FGTS – já no período da ditadura militar, sob o comando do mandatário Artur Costa e Silva. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
No ano de 1977, houve a estipulação de que as férias passariam a ter 30 dias corridos, tal norma apresentou-se através do Decreto nº 1.535, conquanto apenas com o advento da Constituição Federal de 1988 houve o percentual de 1/3 adicionado. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Após o advento da Constituição Federal em 1988, que regulamentou diversos pontos dos direitos trabalhistas através do seu artigo 7º, houve no ano de 1991 nova alteração, com a criação do percentual mínimo de empregados deficientes, com cotas de 2% a 5%, a depender da quantidade de funcionários da empresa. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Ainda, outras importantes mudanças ocorreram e que imperioso se faz destacar-se antes de debruçar-se à reforma propriamente dita, como por exemplo, a criação do banco de horas, quando previstos em acordo coletivo, criada sob a égide do então presidente Fernando Henrique Cardoso. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Ainda sob o comando do presidente Fernando Henrique Cardoso foram criadas medidas para a inibição de descriminação na contratação das mulheres e o cômputo como jornada de trabalho do tempo de deslocamento despendido pelo empregado até seu local de trabalho. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Já no ano de 2008, sob o comando do então presidente Luis Inácio Lula da Silva, houve a criação do incentivo fiscal para empresas que ampliassem de 120 dias para seis meses o período de licença maternidade e de 5 à 20 dias a licença paternidade, regulamentada pela Lei 11.770 de 09 de setembro de 2008. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
A nova redação do art. 6º da CLT, trazida pela Lei nº 12.551/2011, ainda trouxe novas mudanças, com a equiparação da subordinação dos trabalhos realizados no local de trabalho, com as realizadas à distância. (FOLHA, 2017, p.4-5. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1934725-veja-as-principais-mudancas-de-leis-trabalhistas-desde-a-criacao-da-clt.shtml. Acesso em: 26 ago. 2021).
Vide que diversas mudanças ocorreram desde o advento e criação da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Apesar das diversas alterações sofridas desde o advento da Consolidação, a principal delas até o momento é a Lei nº 13.467/2017, denominada popularmente de reforma trabalhista, que nasceu com a necessidade de adequação do conjunto de leis à nova sociedade que surge e que vem a surgir, como novos tipos de relações trabalhistas.
Sua imperiosidade ocorre pelo fato de que as mudanças alteraram a base da Consolidação, seus princípios mais importantes.
A origem da reforma deu-se no ano de 2016, através do Projeto de Lei nº 6.787, elaborado pelo então ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, conforme demonstra o sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, (2017).
Após debates dentro do Congresso Nacional, fora transformado em na lei supramencionada.
Com a pressão dos investidores, a reforma acabou ocorrendo de uma forma ágil, pois para os empreendedores, a lei tinha tornado obsoleta, necessitando de uma reforma, assim como declarou o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso ao dizer que “Temos viajado muito mundo afora e é impressionante o gap do Brasil em relação ao resto do mundo em termos de relações de trabalho.”, alegando que o protecionismo da legislação trabalhista atrapalhava o desenvolvimento do país, conforme descreve Pereira (2017, p. B6) em reportagem junto ao site do Senado Federal.
Conceitua Romar (2018, p.66), que:
Ressalte-se, ainda, que outra das grandes modificações introduzidas pela Lei n. 13.467/2017 é a prevalência do negociado sobre o legislado. Partindo do pressuposto de que a lei não dá conta de contemplar todas as situações e de atender às necessidades particulares de cada categoria, o legislador valorizou a negociação coletiva, considerando-a válida mesmo que esta contrarie certos preceitos legais.
Tais mudanças obtinham o objetivo de diminuir a taxa crescente de desemprego que fechou 2018 com o equivalente a 12 milhões de desempregados. (POLITO, CONCEIÇÃO, 2019, Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/01/31/desemprego-no-brasil-atinge-mais-de-12-milhoes-no-fim-de-2018.ghtml, Acesso em: 29.dez. 2020).
Conquanto, para Correia e Messa (2019, p.79), “essas diversas alterações na legislação trabalhista, com diversas leis e atos normativos vigendo em curtos períodos de tempo, trazem insegurança jurídica e diversos questionamentos que levarão anos até serem pacificados pelos tribunais.”
2.2. Principais mudanças no âmbito teórico e prático
As principais mudanças no âmbito teórico, trazidos pela reforma, deu-se nos campos da retirada da obrigação dos descontos para as entidades sindicais; a possibilidade da negociação se sobrepor ao preceituado pela legislação; regulamentação do teletrabalho; a descrição do trabalho intermitente; a retirada das horas in itinere; a possibilidade da divisão das férias em até três períodos; a possibilidade do acordo coletivo se sobrepor à convenção coletiva, mesmo que menos benéfica ao trabalhador; entre outras mudanças.
O impacto causado pelo advento da reforma se deu tanto na esfera material quanto na processual.
No campo processual, com o advento da reforma instalou-se a possibilidade da condenação em honorários sucumbenciais e periciais, a possibilidade de acordos trabalhistas extrajudiciais; mudanças para a concessão da assistência judiciária gratuita, a indicação dos valores antes da fase de liquidação.
As principais mudanças das quais o advogado especialista neste ramo do direito necessitou debruçar-se aos novos preceitos, como supramencionado, são:
a. Honorários Sucumbenciais:
Anteriormente ao advento da reforma trabalhista, não havia a possibilidade de que o obreiro fosse condenado em sucumbência quando seus pedidos fossem julgados integralmente ou parcialmente improcedentes.
Tal entendimento vinha com fulcro no preceituado pela Súmula 219, I, do Tribunal Superior do Trabalho, bem como na Súmula 329 também do TST.
O entendimento que pairava era o de que, a imposição da sucumbência ao obreiro feria o direito da capacidade postulatória das partes, preceituada no artigo 791 da CLT, desta forma, o empregado sentia mais segurança na busca pela tutela jurisdicional, pois se resguardava sua hipossuficiência, com a reforma houve abrupta mudança, afastando o empregado do acesso à justiça, porém ao mesmo tempo, restringindo aventuras jurídicas.
Desta forma disserta Silva (2017, p. 94):
Afastou-se um degrau a mais do princípio da gratuidade e da facilitação do acesso à justiça, mas temos de encarar a realidade de uma época em que o exercício da capacidade postulatória se tornou uma caricatura de si mesma. Não sei se falo apenas por mim, se não pelos advogados e magistrados militantes ao longo desses anos todos, mas será bem chocante quando chegarem as primeiras notícias de empregados condenados no pagamento dos honorários do advogado da empresa.
Em contrapartida, disserta Delgado (2017, p.49) sobre o elevado risco econômico que a nova reforma trouxe vide:
Nessa mesma linha, a criação, pela nova lei, de um novo grupo de regras censórias dentro do processo do trabalho (Seção IV -A do Capítulo li do Título X da CLT, composta pelos arts. 793-A até 793-D). Esse novo grupo de regras significativamente censórias transforma o processo judicial trabalhista, para os litigantes menos abastados, em um cenário de elevado risco, que lança mensagem negativa sobre o caminho constitucional do amplo acesso à justiça.
A reforma trouxe consigo a letra do artigo 791-A, neste o entendimento de que, mesmo munido das benesses da justiça gratuita, ainda há a condenação em honorários sucumbenciais estabelecendo ainda os percentuais mínimos e máximos a serem arbitrados.
Ainda quanto à beligerância encontrada com o advento desta nova norma, havia ainda a discussão do arbitramento ou não da sucumbência em caso de improcedência parcial da reclamação trabalhista. Para tal resolução, a Quarta turma do Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo 425-24.2018.5.12.0006, proferidos pelo ministro relator Alexandre Luiz Ramos declinou-se no seguinte sentido:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 791-A §3º DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHCECIMENTO E PROVIMENTO. I. A Corte Regional descreveu tratar-se de “acolhimento parcial do pedido” e negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Reclamada, afastando a condenação do Reclamante ao pagamento de honorárias sucumbências, por entender “não se tratar o caso de sucumbência recíproca”. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (art. 791-A, § 3º, da CLT) sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência pacificada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconheço a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: tratando-se de reclamação trabalhista ajuizada após a vigência da Lei nº 13.467/2017, como no presente caso, deve ser aplicado o disposto no art. 791-A, e parágrafos, da CLT, sujeitando-se a parte reclamante à condenação em honorários de sucumbência, mesmo sendo beneficiária da gratuidade de justiça. Nos termos do art. 791-A, § 3º, da CLT, quando houver procedência parcial da causa deverá o juiz definir honorários de sucumbência recíproca. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST, 2020)
Deste modo, nota-se o ônus e o bônus desta nova legislação, por um lado uma inibição de aventuras jurídicas, visto que, há a possibilidade do obreiro em ser condenado em sucumbência, e em contrapartida, há nítido impacto no acesso a justiça por parte do trabalhador.
b. Da Liquidação:
Sobre a liquidação dos pedidos, Leite (2018, p.16) entende que essa exigência em qualquer ação trabalhista dificulta a parte lesada buscar pela tutela jurisdicional.
O novel § 3º do art. 840 da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, dispõe que se a petição inicial não contiver pedido certo, determinado e com indicação de seu valor, implicará extinção dos pedidos sem resolução do mérito. E se a petição inicial tiver apenas um pedido sem aqueles requisitos, especialmente se o pedido não for líquido? Penso que o juiz deverá interpretar o § 3º do art. 840 da CLT conforme a Constituição (CF, art. 5º, XXXV), de modo a considerar que a liquidez do pedido é faculdade do autor, e não obrigação. Trata-se de situação semelhante à obrigatoriedade de passagem pela Comissão de Conciliação Prévia, como consta do art. 625-D da CLT, que foi interpretado conforme a Constituição no sentido de ser faculdade do autor a submissão da demanda à CCP (STF ADI 2.139- 7), de modo que qualquer juiz ou tribunal pode/deve, incidentalmente, interpretar o § 3º do art. 840 da CLT conforme a CF para assegurar ao autor o pleno exercício do seu direito fundamental de acesso à justiça. (LEITE, 2018, p.16)
Nesse sentido, não há como se olvidar que as dificuldades de ordem prática e a obstacularização do acesso à Justiça devem ser sopesadas, sempre com vistas à manutenção do escopo da jurisdição de pacificação social.
Nesta senda, posiciona-se Delgado (2017, p. 336):
A nova redação do § 1 º, embora tenha aprofundado os aspectos formais quanto aos requisitos da petição inicial, especialmente quanto aos pedidos nela constantes, não fez menção - tal como o texto legal originário - à causa de pedir que, do ponto de vista técnico, envolve também os fundamentos de direito correspondentes ao pedido. Preservou o novo texto legal a exigência de que o autor realize, na petição de ingresso, "a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio", ou seja, os fundamentos de fato relativos ao litígio e respectivos pleitos. Porém manteve a regra anterior, relativa à ausência de necessidade cabal de exposição dos fundamentos de direito correspondentes ao litígio e respectivos pedidos. A conjugação dos fundamentos de fato e de direito é que confere estrutura à causa de pedir no processo judicial.
Por isso, o novo requisito legal demanda uma solução interpretativa razoável e adequada ao próprio caráter teleológico da Justiça do Trabalho.
Imperioso destacar o entendimento jurisprudencial do seguinte tema:
Nesse sentido, segue a jurisprudência:
INDICAÇÃO DE VALORES DOS PEDIDOS NA INICIAL. MERA ESTIMATIVA QUE NÃO LIMITA A LIQUIDAÇÃO. A indicação de valores dos pedidos na petição inicial, conforme nova redação do art. 840, § 1º, da CLT, consiste em mera estimativa, não se exigindo a exata quantificação e não se impondo que seja utilizado como limite na fase de liquidação. Interpretação por analogia à prática adotada em ações de rito sumaríssimo, previsto no art. 852-B da CLT. Recurso provido neste ponto. (TRT-2 10000504820205020318 SP, Relator: RICARDO APOSTOLICO SILVA, 1ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 05/10/2020).
Nesse sentido, compreende-se que o requisito de pedido com valor certo não exige a liquidação dos pedidos, mas a mera atribuição de valor estimativo.
c. Do acesso a gratuidade da justiça:
Como já mencionado, com o advento da reforma trabalhista houve mudanças quanto ao acesso às benesses da gratuidade judiciária.
Além das mudanças quanto ao acesso, as mais impactantes inovações se dão ainda quanto aos honorários sucumbenciais.
Ocorre que, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita, acaso torne-se sucumbente, a obrigação do pagamento se estende além dos próprios autos, podendo alcançar ganhos obtidos em outro processo, ou ainda, mesmo, há a possibilidade de cobranças mesmo após dois anos do trânsito em julgado da demanda.
Para Delgado (2017, p. 50) há grande perversidade no modo em que o legislador redigiu o tema, por trazer ainda mais insegurança àqueles que, em grande maioria, são desempregados que buscam seus direitos trabalhistas em face de seu antigo empregador, tirando até mesmo, a segurança da gratuidade judiciária, vide:
A perversidade legal estende-se aos honorários advocatícios devidos pelo beneficiário da justiça gratuita. Ao invés de serem natural encargo da União (art. 52, LXXIV, CF; Súmula n. 457, TST, por analogia, se for o caso), respeitados patamares monetários módicos previamente fixados por regra jurídica - tal como hoje acontece com os honorários periciais -, o beneficiário da justiça gratuita sucumbente em honorários advocatícios mantém-se, pela nova lei, como efetivo devedor (novo § 42 do art. 791-A da CLT). Dessa maneira, responderão pelo seu encargo processual os seus créditos obtidos no respectivo processo ou em outro processo (art. 791-A, § 42, CLT). Mais do que isso: não havendo tais créditos, a pessoa humana beneficiária da justiça gratuita poderá ser excutida nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou a referida obrigação, se o advogado credor demonstrar "que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade" (novo § 42 do art. 791-A da CLT).
Quanto ao acesso às benesses, também houve significante alteração, objeto inclusive de ações de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, que serão doravante dissertadas.
As benesses da justiça gratuita são direitos chancelados pela Constituição Federal de 1988, com o intuito de acesso à justiça, capitulados junto ao artigo 5º, incisos XXXV, onde garante que a Lei não afastara o poder judiciário do julgamento de lesão de direitos e o inciso LXXIV que traz o dever do Estado de garantia do acesso a justiça aos menos abastados.
Anteriormente ao advento da reforma, apenas a mera declaração sob as penas da lei da hipossuficiência ou a percepção de salário igual ou inferior ao dobro do mínimo eram requisitos para a concessão das benesses, sendo ainda disposto em seu artigo 790 da CLT.
O advento da Lei 13.467/2017 trouxe a mudança do artigo 3º do artigo 790 da CLT, dispondo que, “àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social".
Ainda, houve a criação do parágrafo 4º do artigo 790, dissertando que “O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.”
As mudanças no campo da gratuidade judiciária, foram tema de discordâncias que resultaram na impetração da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5766, elaborada pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, que entendeu ter a reforma trazido desregulamentação das relações trabalhistas.
Para Barros (STF, 2017, Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5250582. Acesso em: 14 set. 2021):
Na contramão dos movimentos democráticos que consolidaram essas garantias de amplo e igualitário acesso à Justiça, as normas impugnadas inviabilizam ao trabalhador economicamente desfavorecido assumir os riscos naturais de demanda trabalhista e impõe-lhe pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos no processo, de natureza alimentar, em prejuízo do sustento próprio e do de sua família, afirma o procurador-geral.
Outrossim, a reforma modificou não apenas as leis presentes na CLT no campo teórico como também no cenário prático, que viu por muitos como uma forma de afastar o trabalhador da justiça trabalhista, suscitando em ações diretas de inconstitucionalidade, ficando a cargo do advogado a maestria de buscar da melhor forma os interesses de seu cliente, em contrapartida, as mudanças também tiveram em tese sua benesse, ao tentar sufocar as aventuras jurídicas, com pedidos exorbitantes e irreais, através da instauração dos honorários sucumbenciais, que agora faz parte do ordenamento jurídico trabalhista também para o trabalhador, até mesmo nas mudanças para a obtenção da justiça gratuita.
2.3. Aplicação da reforma trabalhista e o direito intertemporal
Nos casos em que o contrato de trabalho tenha se firmado e sido mantido nas regras da lei anterior, anteriores ao advento da reforma, não há a possibilidade da aplicação dos termos da Reforma Trabalhista.
Nesse cerne, deve ser aplicado o princípio da condição mais benéfica e o da norma mais favorável ao trabalhador, respaldado nos artigos 5º, XXXVI, CF, art. 6º, caput, da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro - LINDB e Convenção nº 98, da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Assim, em homenagem à segurança jurídica e à vedação da decisão surpresa (art. 10, do CPC) e nos termos da Instrução Normativa n. 41/2018 do C. TST, as regras processuais deverão ser aplicadas segundo o momento em que praticado o ato (tempus regit actum), bem como também de acordo com o princípio do isolamento dos atos processuais.
No mais, claro foi o entendimento do TST através da Instrução Normativa n. 41/2018, ao determinar, em seu artigo 1º, que a aplicação dos dispositivos da reforma não deve atingir situações pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da legislação revogada.
Art. 1º A aplicação das normas processuais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, alteradas pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, com eficácia a partir de 11 de novembro de 2017, é imediata, sem atingir, no entanto, situações pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada. (TST, 2018)
Segundo o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga (TST, 2018) “O objetivo foi assegurar o direito adquirido processual, o ato jurídico processual perfeito e a coisa julgada”
In casu, quando os fatos ocorridos fazerem referência a período anterior à aplicação da reforma, inaplicáveis são seus dispositivos como um todo, pois, do contrário, atentaria contra os princípios que regem a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho.
CAPÍTULO 3. PRINCÍPIOS DA CLT x REFORMA LEI Nº 13.467/2017
Um princípio é uma fonte, um vocábulo que designa concretamente o lugar onde brota alguma coisa, como fontes d’água ou nascente, a expressão fontes do direto significa o lugar de onde provém a norma jurídica.
Para Reale (2002, p.217) princípios são como alicerce, um sistema de conceitos, desta forma, toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios:
Restringindo-nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis (REALE, 2002, p 217).
Neste entendimento, ao aderir o pensamento de que quaisquer mudanças e reformas em uma consolidação com princípios concretos devem ser levadas em consideração estes princípios e utilizados como base para eventuais mudanças.
A Constituição da República Federativa do Brasil sancionada em 1988, popularmente conhecida como a constituição cidadã, veio através de princípios sólidos fortalecerem uma nova era na sociedade, onde a proteção ao homem e a sua dignidade seja a espinha dorsal do nosso sistema jurídico, como bem destacou Schmitz e Schöning (2020, p. 14).
O princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais e a premissa fundamental do Estado Democrático de Direito, dessumindo-se como a fonte ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais.
Kant (2007 p. 32), em seus mais renomados pensamentos, disserta em – Fundamentação da Metafísica dos Costumes - a defesa de que no reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade.
Assim quando uma coisa tem um preço pode ser substituída por algo equivalente, noutro modo, quando não há possibilidade de atribuir um preço, quando este está acima de qualquer valor compreende-se a dignidade.
Resumindo o pensamento de Kant (2007, p.32) indo o contrário ao ditado popular que todos temos um preço, o nosso ordenamento jurídico é pautado na tese de que não temos um preço, somos pelo simples fato de sermos humanos dotados de dignidade, assim relatou Kant (2007, p. 32):
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr outra em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade. […] aquilo […] que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade.
Levando de volta para o gênero em questão, toda e qualquer lei trabalhista elaborada, deve respeitar a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e parâmetro.
Na esfera trabalhista, o princípio preponderante e parâmetro é o chamado princípio protetor.
O princípio da proteção ao trabalhador está caracterizado pela intensa intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita, em muito, a autonomia da vontade das partes. Desta forma, o Estado legisla e impõe regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a estrutura basilar de todo contrato de emprego. (CASSAR, 2015, p.200)
Quando elaborado a Consolidação Trabalhista visto a diferença entre o empregado e o empregador em termos econômicos, o legislador pensou então em uma forma de equilibrar a balança da justiça, já que não poderia colocá-los no mesmo patamar econômico, igualou então na igualdade jurídica da relação laboral, dando uma proteção mais evidente ao trabalhador considerado hipossuficiente.
Para Delgado (2017, p. 213) trata-se de:
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia — o obreiro —, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.
Aos novos moldes da popular reforma trabalhista, houve uma relativização no significado de hipossuficiência, a inclusão do artigo 444 da CLT trouxe a possibilidade de mais autonomia da vontade do trabalhador, este recebendo salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do RGPS, poderá sem contar com a assistência sindical firmar contrato laboral com o empregador, também, deu a possibilidade de se firmar uma cláusula compromissória de arbitragem que se define como uma convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato, assim como é dado pelo artigo 4º da lei 9.307 de 23/09/1996.
Em contrapartida ao pensamento do legislador em querer dar mais autonomia negocial ao empregado frente ao empregador, relativizando a hipossuficiência de sua condição como empregado a professora Cassar (2018, p. 28) disserta:
O trabalhador ingressa na relação de emprego em desvantagem, porque vulnerável economicamente, dependente daquele emprego para sua sobrevivência, aceitando condições cada vez menos dignas de trabalho, daí a necessidade de um princípio protetivo para equilibrar esta relação desigual.
Nesta senda continua:
“O princípio da proteção ao trabalhador tem fundamento na desigualdade, diferente do Direito Civil, em que teoricamente as partes contratantes possuem igualdade patrimonial. No Direito do Trabalho há uma desigualdade natural, pois o capital possui toda a força do poder econômico. Desta forma, a igualdade preconizada pelo Direito do Trabalho é tratar os desiguais de formal desigual..” (CASSAR, 2015, p. 201).
A disparidade entre os dois lados à relação jurídica-trabalhista deve ser levada em consideração não apenas a questão econômica, mas também o fator social, comunitário, coletivo e até psicológico, pois abrange uma abarrocada de circunstâncias que podem levar ao empregador tirar vantagem da situação do empregado que por diversos motivos e dificuldades abre mão de seus direitos em prol de um emprego para sustentar sua família.
Para Garcia (2015, p. 55) fala-se em “posições socioeconômicas desiguais”, ou seja, a diferenciação da realidade de ambos não se encontra apenas no campo econômico.
O polo mais fraco da relação jurídica de emprego merece um tratamento jurídico superior, por meio de medidas protetoras, para que se alcance a efetiva igualdade substancial, ou seja, promovendo-se o equilíbrio que falta na relação de trabalho, pois, na origem, os seus titulares normalmente se apresentam em posições socioeconômicas desiguais. (GARCIA, 2015, p.55)
Por ser um princípio de extrema importância e relevância foi subdividida em três tópicos para melhor entendimento. Seriam elas:
3.1. Regra do in dubio pró-operário
Traz a observância de que se duas normas sobre mesmo aspecto se colidir será sempre acolhida a mais benéfica ao trabalhador, nesta sendo o judiciário tem decidido na mantença deste preceito.
RECURSO ORDINÁRIO. INTERPRETAÇÃO. CLÁUSULA NORMATIVA. "IN DUBIO PRO OPERARIO". No Direito do Trabalho, se uma cláusula contratual ou normativa é dúbia ou admite mais de uma interpretação, a correta exegese é aquela que permite sanar a dúvida da forma mais favorável ao trabalhador. Trata-se do princípio do "in dubio pro operario". (TRT-1 - RO: 00106000220155010261 RJ, Relator: FLAVIO ERNESTO RODRIGUES SILVA, Data de Julgamento: 26/04/2017, Décima Turma, Data de Publicação: 17/06/2017).
Dentro do debate doutrinário encontra-se certa resistência e debate sobre as premissas do princípio, pois pode acabar havendo uma falha na justiça de forma isonômica ao sempre pender para o lado mais benéfico para o trabalhador, assim elucida Delgado (2017, p. 229):
O caráter democrático e igualitário do direito do Trabalho já conduz ao desequilíbrio inerente às suas regras jurídicas, a seus princípios instituídos, sendo que o direito processual do trabalho já produz a necessária sincronia entre esse desequilíbrio e a teoria processual do ônus das provas e demais presunções sedimentadas em favor do obreiro, características desse ramo jurídico. Não se entende, contudo, obviamente, o mesmo desequilíbrio a figura do juiz e a função judicante - sob pena de se comprometer à essência de sua própria noção de justiça.
Contudo diante das novas reformulações advindas da Lei 13.467/17, acarretou-se mudanças e mitigações neste tópico em específico, como podemos ver no artigo art. 8º, § 3º, e art. 611-A, § 1º, CLT:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. § 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (art. 8º, § 3º, e art. 611-A, § 1º, CLT). Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - banco de horas anual; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (...)
Dentre outros incisos presente no supracitado artigo.
Vide que o legislador demonstra sua inclinação em favorecer a classe empregadora, flexibilizando as leis do trabalho, abrindo margem para a redução de direitos anteriormente resguardados.
Nesta senda, disserta Cassar (2018, p. 30):
O caput do art. 611-A da CLT autoriza a ampla flexibilização, aumentando o leque de possibilidades de direitos previstos em lei que podem ser reduzidos ou suprimidos. A norma não teve o objetivo de ampliar direitos, pois isso sempre foi possível.
Em comparação ao que regia a antiga CLT a reforma traz a ideia de intervenção mínima do Estado nos casos trabalhistas tendeu a prevalecer que acordos coletivos possam se sobrepor a lei mesma que prejudicial ao empregado, sendo que o acordo coletivo é maior em termos de poder que a própria convenção, tornando mais fácil ao empregador administrar as regras discutidas e possivelmente impostas no acordo já que este tem mais poder que a própria lei.
3.2. Regra da norma mais favorável
Entende-se sobre este dispositivo anterior à reforma vigente que sempre deverá ser aplicado a norma mais favorável ao empregado independente da ordem hierárquica da mesma, na intenção não prejudicar o trabalhador. Vejamos o exemplo: Se nas horas extras feitas pelo empregado uma norma constitucional disser que se deva acrescer de cinquenta por cento seu valor de remuneração e outra norma porém ordinária redigir em cem por cento sobre o mesmo conteúdo, prevalece a norma mais favorável ao empregado, nesse caso a ordinária mesmo sendo hierarquicamente inferior a uma norma constitucional.
Representa regra de aplicação universal e é preconizada pela Organização Internacional do Trabalho, na sua Constituição, art. 19, item oito:
Art. 19. Em nenhum caso poderá considerar-se que a adoção de um convênio ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de um convênio por qualquer Membro, prejudicará qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis que as que figurem no convênio ou na recomendação.
Advinda à nova reforma altera-se o entendimento antes vigente na CLT, ao que reluz o novo dispositivo em seu artigo 620, os acordos coletivos ou consolidações, prevalecerão nos casos citados no artigo, sendo assim o negociado prevalecerá sobre o legislado, mesmo que em prejuízo ao trabalhador, ao contrário da antiga redação: “Art. 620 – As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”
Vide a nova legislação: Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.
Desta forma o legislador quis passar que os acordos coletivos têm mais poder por se tratar de uma análise conjunta das melhores condições ao trabalhador, entendeu-se que o específico sempre prevalecerá sobre o geral, mesmo que menos benéfica ao trabalhador.
Notável que mesmo anterior as mudanças da reforma já havia a discussão de qual norma seguir em caso de conflito, sendo comumente utilizado a teoria do conglobamento, donde utiliza-se de forma conjunta, e jamais fracionada, a norma mais benéfica ao trabalhador
Com relação à referida teoria, Delgado (2017, p. 198), assim conceitua:
A teoria do conglobamento, por sua vez, constrói um procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas sumamente diverso do anterior. Para essa segunda teoria não cabe se fracionarem preceitos ou institutos jurídicos, realizando-se a comparação, em busca da norma mais favorável, a partir da totalidade dos sistemas ou diplomas jurídicos comparados (neste caso, trata-se do chamado conglobamento amplo, total ou puro) ou, pelo menos, a partir de um bloco relevante e coerente dessa totalidade (neste caso, trata-se do conglobamento mitigado ou setorizado).
Conquanto, mesmo acordo coletivo em tese ser o mais favorável pois está diante das necessidade individuais do determinado local de trabalho, este coloca-se em evidente impasse com a teoria adotada e o viés principiológico que o texto apresenta, sem ressalvas, não dá margens para que o subprincípio, à norma mais favorável, seja aplicado, já que em qualquer hipótese o acordo coletivo prevalece, em uma via de mão dupla, no mesmo momento em que o legislador busca dar mais autonomia para as negociações entre as partes ele mitiga o entendimento do princípio, deixando o trabalhador às margens do entendimento do empregador, não restringindo os acordos que possam ser prejudiciais à parte hipossuficiente da relação laboral.
Disserta desta maneira Delgado (2017, p. 67):
Por flexibilização trabalhista entende-se a possibilidade jurídica, estipulada por uma norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das normas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para a sua incidência. Ou seja, trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com a autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma coletiva negociada.
É necessário o legislador se atentar em buscar um equilíbrio entre o benéfico para o empregador e para o empregado, para que não haja injustiças e decisões imperativas.
Entretanto, mister trazer à pauta que têm os tribunais buscado fazer-se manter o entendimento da norma mais favorável, a saber:
TEORIA DO CONGLOBAMENTO. Pela teoria do conglobamento, é possível a pactuação, em convenções ou acordos coletivos, de cláusulas aparentemente desfavoráveis aos empregados, mas que, no conjunto, atendam, e muito, aos interesses da categoria profissional representada. Significa dizer que devem ser aplicadas somente as regras mais benéficas ao empregado, mas como um todo, ou seja, aplica-se a integralidade das regras de uma ou a integralidade das regras de outra, mas não partes combinadas dos dois conjuntos de regras formado apenas pelas mais vantajosas a um dos litigantes. (TRT-2 10007493120205020062 SP, Relator: ALVARO ALVES NOGA, 17ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 18/02/2021)
Nisto, o entendimento se faz é que os tribunais têm-se pautado pela busca a um equilíbrio, sempre visando não haver regras forjadas a fornecer vantagens apenas para um dos litigantes, conquanto, o engessamento dado pela reforma de prevalência do acordo sobre a convenção coletiva, dificulta a busca pelo equilíbrio, e principalmente pela prevalência do princípio protetor.
3.3. Regra da Condição mais benéfica
A luz da nova reforma, rege-se:
Artigo 468 do Decreto Lei nº 5.452 de 01 de Maio de 1943 Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Conforme disserta Delgado (2017, p. 175) o referido artigo apresenta imperioso princípio, o da inalterabilidade contratual lesiva, onde, protege-se o trabalhador para que não haja nova norma que signifique condição pior ou menos vantajosa ao empregado, salvo por mútuo consentimento.
Aqui pauta-se o princípio da irrenunciabilidade, onde o ato voluntário do empregado em abrir mão de certos direitos não é aceito, por entender a questão social que leva o indivíduo a abrir mão de seus direitos para conseguir se empregar e se estabilizar financeiramente, entende-se então como direitos indisponíveis para o trabalhador, de acordo com os apontamentos da doutrinadora Saraiva e Souto (2018, p.145), tem-se que:
O instituto da renúncia e da transação tem, no âmbito trabalhista, seu campo de aplicação reduzido, principalmente pelo fato de as normas do Direito do Trabalho serem imperativas, obrigatórias, cogentes, limitando a autonomia da vontade exatamente para proteger o trabalhador hipossuficiente, a parte mais fraca da relação jurídica laboral.
Advinda à nova reforma este princípio também foi fragilizado ao entender que o trabalhador possa ser hipersuficiente na relação com o empregador. O legislador neste caso conceitua o empregado com nível superior como hipersuficiente técnico e o que receber remuneração igual ou superior a duas vezes o limite máximo do RGPS como hipersuficiente econômico, em condições que possa dar a relação igualdade de forças, assim o trabalhador pode negociar com o empregador condições mesmo que menos benéficas, por presumir que sua categoria econômica ou técnica lhe dá plenos entendimentos do que está negociando com o empregador, não necessitando mais da chamada exacerbada tutela do Estado ao trabalhador.
Assim preleciona Delgado (2018, p. 435-436 apud CALVO 2019)
Note-se que a Lei da Reforma Trabalhista não está se referindo aos altos executivos de grandes empresas, com poderes estatutários e/ou contratuais impressionantes, além de ganhos contratuais diferenciados e estratosféricos (entre salários, verbas não salariais, a par de utilidades e benefícios diversos). Não: a nova regra legal está se reportando simplesmente aos empregados que sejam portadores de diploma de curso superior e que percebam salário mensal igual ou superior ao dobro do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. (DELGADO, 2018, p. 435-436 apud CALVO 2019, online)
Conforme preceitua o Artigo 444:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Entendeu o legislador portanto a possibilidade presente da irrenunciabilidade ser mitigada em casos específicos previstos no artigo 611-A, onde, considerado hipersufiente, ou seja, afastado a tutela Estatal, poderia sim o empregado abrir mão de certos direitos para chegar com em um consenso com seu empregador.
Neste sentido Cassar (2015, p. 45):
O valor do salário recebido pelo empregado não deveria alterar a natureza jurídica do direito. Entender que os empregados que recebem igual ou mais que o valor máximo que duas vezes os benefícios previdenciários podem livremente dispor sobre os direitos trabalhistas relacionados no art. 611-A da CLT e/ou renunciar as benesses previstas nas normas coletivas é negar a vulnerabilidade do trabalhador, que depende do emprego para sobreviver e, com relativa facilidade, concordaria com qualquer ajuste para manutenção do emprego.
Nota-se que o artigo supramencionado acabou por prejudicar o já preceituado no artigo 468 da CLT onde veda que que modificações que resultem direta ou indiretamente prejuízos ao empregado, pois, uma vez entendido que o trabalhador está em pé de igualdade com o empregador, as negociações serão sempre mais valorosas ao patrão.
CAPÍTULO 4 - (IN) CONSTITUCIONALIDADE DOS NOVOS PRECEITOS DA CLT
Entre os assuntos que podíamos abordar sobre a inconstitucionalidade de certos preceitos da dita reforma trabalhista atentaremos apenas ao que tange o tema proposto.
A hierarquia Kelsiana, antes já mais flexível no ramo trabalhista, uma vez que o princípio da norma mais favorável dava a possibilidade de uma lei ordinária se sobrepor a uma Constitucional, agora torna-se mais evidente, com a possibilidade do acordo coletivo se sobrepor até mesmo à legislação vigente.
Nesta senda, Delgado (2017, p. 215), disserta:
Como princípio de interpretação do Direito, permite a escolha da interpretação mais favorável ao trabalhador, caso antepostas ao intérprete duas ou mais consistentes alternativas de interpretação em face de uma regra jurídica enfocada. Ou seja, informa esse princípio que, no processo de aplicação e interpretação do Direito, o operador jurídico, situado perante um quadro de conflito de regras ou de interpretações consistentes a seu respeito, deverá escolher aquela mais favorável ao trabalhador, a que melhor realize o sentido teleológico essencial do Direito do Trabalho.
De acordo com o artigo 620 da nova reforma, o acordo coletivo sempre prevalecerá sobre convenção, mesmo que desfavorável ao trabalhador, e é neste momento que encontra-se o impasse.
O direito trabalhista, por ser matéria autônoma, rege-se por determinados princípios que servem de base para o legislador, dentre eles o principal é o princípio protetor, abordado nesta dissertação, a não observância dos princípios, principalmente um basilar, como o protetor, é uma afronta a toda a legislação trabalhista, no entendimento do ministro Celso de Mello (2013, p.54), a ofensa a um princípio é clara demonstração de inconstitucionalidade:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2013, p. 54)
Sendo assim o legislador reformista não necessitaria obrigatoriamente em seguir o princípio, mas se a constituição vigente, a de 1988 a seguir, este legislador deverá observar o princípio, e é isso que ocorre no princípio da norma mais favorável inserida no princípio protetor.
De acordo com o artigo 7º caput, da Constituição Federal de 1988, estabelece que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aqueles arrolados nos incisos, bem como outros “que visem à melhoria de sua condição social. Repita-se, portanto: “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, assim como elucida o advogado e pós-graduado em direito matéria e processual do trabalho Calixto (2018).
Seguindo na mesma perspectiva, Delgado (2017, p. 194) disserta que:
O princípio direcionador basilar do Direito do Trabalho, que melhor incorpora e expressa seu sentido teleológico constitutivo, é, como visto, o princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Assim, aplicar-se-á ao caso concreto — sendo naquele caso hierarquicamente superior — a norma mais favorável ao empregado. O vértice da pirâmide normativa, variável e mutável — ainda que apreendido segundo um critério permanente —, não será a Constituição Federal ou a lei federal necessariamente, mas a norma mais favorável ao trabalhador.
Dessa forma verifica-se que a norma mais favorável está incumbida no artigo 7º caput, onde afirma que todo trabalhador tem direito à norma que melhore sua condição social.
A forma em que o legislador reformista descreve de forma categórica a prevalência do acordado sobre o legislado mesmo que prejudicial vai de encontro com a Constituição exatamente neste quesito, é obrigatório que haja uma melhora na condição social do trabalho, há uma verdadeira intransponibilidade constitucional que não deve ser quebrada através de força de lei ordinária.
Para Mahin (2017, Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-27/opiniao-reforma-clt-vontade-coletiva-continua-submetida-constituicao. Acesso em: 28.set. 2019) “o propósito da alteração legislativa é evidente: restringir ao máximo o exercício do controle de legalidade e de constitucionalidade de convenções e acordos coletivos de trabalho pela justiça do trabalho”.
Há um embate se a convenção coletiva for mais favorável ao trabalhador que o acordo, pois mesmo que o artigo específico diga prevalecer o acordo, a Constituição dirá que se a convenção coletiva visar uma melhoria da condição social mais eficaz é esta, respeitando a hierarquia, que deverá ser adotada, caso o contrário haveria uma inconstitucionalidade na decisão.
Por decorrência das mudanças advindas com a reforma, tanto no campo teórico quanto prático, houve o ajuizamento de diversas ações diretas de inconstitucionalidades junto ao Supremo Tribunal Federal, sendo as de maior relevância para o tema aqui em questão as seguintes:
ADI 5870 (STF,2017) – Ajuizada pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho, traz como enfoque a mudança abrupta trazida pela reforma trabalhista no que tange a valoração da indenização por danos morais. A exordial pleiteia a suspensão dos incisos I a IV do parágrafo 1º do artigo 223-G, onde limita os valores a serem arbitrados pelo juízo.
A argumentação de inconstitucionalidade tem fulcro no preceituado pelo artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal, que impõe a garantia de indenização ampla do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho.
Em parecer da Procuradoria-Geral da República houve o entendimento de procedência da presente demanda usando ainda como argumentação a tragédia ocorrida em Brumadinho-MG, que causou impactos irreversíveis aos trabalhadores e seus familiares, sendo que, o engessamento do quantum indenizatório traria injustiça quando o dano for exorbitante.
A ação ainda pende de julgamento.
ADI 6002 (STF, 2018) – Ajuizado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, questiona a constitucionalidade da determinação de indicação do valor “certo, determinado e com indicação de seu valor” –, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito.
Conforme já dissertado em tópico próprio, a liquidação ainda na fase inicial encontra-se fora das possibilidades, uma vez que, trata-se de exigência incompatível com o princípio constitucional do acesso à justiça, conforme dissertado na exordial da ação supramencionada.
Em parecer da então Procuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge, paira razões nos preceitos arguidos, opinando assim pela procedência da ação de forma parcial, no sentido que haveria a necessidade de demonstração de estimativas dos valores, conquanto sem a necessidade de liquidá-los. (STF, 2018, Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5537399. Acesso em: 14 set. 2021).
A presente demanda tem como relator Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski e ainda pende julgamento. (STF, 2018, Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5537399. Acesso em: 14 set. 2021).
ADI 5766 (STF, 2017). Ajuizada pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, por restrições dadas pela Lei 14.467/2017 quanto ao acesso à justiça gratuita.
Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. (BRASIL, 2017)
Ao regido pelo § 4 o do art. 791-A da CLT, visa à inconstitucionalidade da seguinte expressão: “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa,”.
Para Excelentíssimo Procurador, a expressão fere diretamente à Constituição Federal, conforme dispõe a exordial da supramencionada demanda, no seguinte sentido:
A norma desconsidera a condição econômica que determinou concessão da justiça gratuita e subtrai do beneficiário, para pagar despesas processuais, recursos econômicos indispensáveis à sua subsistência e à de sua família, em violação à garantia fundamental de gratuidade judiciária (CR, art. 5o , LXXIV). (STF, 2017, p.19, Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5250582. Acesso em: 14 set. 2021).
Visa ainda a inconstitucionalidade da expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita,” presente no § 2 o do art. 844 da CLT, que dispõe:
Art. 844, § 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (BRASIL, 2017).
Tal previsão fere a garantia prevista junto ao artigo 5º inciso XXXV e LXXIV, da Constituição Federal, onde trata dos direitos a inafastabilidade da jurisdição e a assistência judiciária integral aos necessitados. A presente demanda têm como relator Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso e ainda pende de julgamento. (STF, 2017, Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5250582. Acesso em: 14 set. 2021).
Os doutrinadores Delgado e Delgado (2017, p. 73-80) trazem ainda outras temáticas instauradas com o advento da reforma que fazem frente com as normas internacionais de direitos humanos.
A Lei n. 13.467/2017 também desnatura o conceito de justiça social - meta da OIT direcionada ao amplo acesso à justiça e aos direitos trabalhistas e que se encontra alicerçada nos princípios da proteção, da progressividade social e da vedação do retrocesso.
O primeiro exemplo levantado é a flexibilização da jornada de trabalho, promovida pela reforma Lei nº 14.467/2017, por ir de encontro com o preceituado pelo artigo 7º, XIII da Constituição Federal de 1988.
A inconstitucionalidade se encontra no artigo 59, §5º e 6º da CLT, que entrega a possibilidade de que o banco de horas e sua compensação sejam pactuados entre empregado e empregador de forma tácita ou escrita, o que faz frente à Constituição que disserta que as compensações de horários de trabalho somente serão validadas caso pactuado por convenção ou acordo coletivo de trabalho.
A segunda temática levantada por Delgado e Delgado (2017, p.76), versa sobre a inconstitucionalidade do artigo 71, §4º da CLT que alterou a supressão do intervalo intrajornada de caráter salarial para caráter indenizatório, em afronta ao direito de descanso do obreiro, neste sentido disserta:
As normas jurídicas que regulam os intervalos intrajornadas são imperativas e direcionadas à preservação da saúde e segurança obreiras. Seu desrespeito, na prática contratual, implica o pagamento do referido período como se tempo efetivamente trabalhado fosse. (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 76)
Há ainda a suposta afronta à Constituição Federal e a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho quanto às mitigações das medidas de proteção e saúde ao trabalhador.
Isso se dá por decorrência das possibilidades abrangentes trazidas com a reformar trabalhista, a exemplo está o preceituado junto ao art. 611-A, XII, da CLT que traz o enquadramento do grau de insalubridade por instrumento coletivo, bem como a prorrogação da jornada do obreiro em local insalubre sem a chancela de autoridades do Ministério do Trabalho.
Para Delgado e Delgado (2017, p.80):
É que as normas jurídicas que implementam políticas ou medidas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, com redução dos riscos inerentes ao trabalho, qualificam-se como normas imperativas estatais, impondo um efetivo dever ao próprio Estado - circunstância que impossibilita, naturalmente, a sua flexibilização ou supressão por instrumento coletivo negociado ou pela simples manifestação de vontade das partes contratantes, na esfera do contrato individual de trabalho. Direitos relacionados à saúde e à segurança no trabalho são, evidentemente, indisponíveis, condição que também impede a sua supressão por ato de renúncia ou de transação contratual.
Denota-se que a reforma trabalhista trazida através da Lei nº 14.467/2017 traz diversos pontos que estarão em discussões doutrinárias ou até mesmo através de ADI’s por muito tempo, uma vez que seu advento, embora necessário e te grande valia, deixou de pautar-se quanto aos princípios basilares da própria CLT, o que ocasiona divergências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa versa sobre a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas pelo então presidente Getúlio Vargas, esta dissertação pode trazer os intuitos tomados pela época, que fizeram crescer a necessidade de uma junção de leis esparsas, a fim de uma melhor proteção e geração de empregos.
Não apenas entender a criação, mas os princípios norteadores, que foram adaptados com o advento da Constituição Federal de 1988 e a necessidade hierárquica de respeito aos princípios essenciais do contraditório e da ampla defesa, da igualdade e do devido processo legal.
Conquanto, passados vastos anos, viu-se a necessidade de adequar a conjunção de leis trabalhistas à nova realidade da sociedade moderna.
Apresentado o decorrer da Reforma Trabalhista Lei nº 13.467/2017, ficou-se evidente que, em certos quesitos foi-se necessário seu advento, conquanto ocorreu-se o equívoco legislativo de não dar a devida importância aos princípios norteadores da Consolidação.
Como bem dissertado, o princípio protetor, não é apenas uma ferramenta abstrata para que a parte mais fraca na relação trabalhista possa ter alguma possibilidade de busca por seus direitos, mas um garantidor do princípio constitucional da isonomia.
Vê-se que, em cada subprincípio, derivado do princípio protetor, houve um enfraquecimento, seja com a possibilidade de colocar o trabalhador graduado e com salário igual ou superior a duas vezes do limite máximo dos benefícios do RGPS em mesma igualdade de negociação com seu empregador e/ou com a possibilidade do acordado se sobrepor a CCT e até mesmo a CLT.
O próprio intuito do legislador mitigou a função e o sentido do princípio protetor, uma vez que, a nova diretriz é a intervenção mínima do Estado, ao garantir a possibilidade de o legislado estar abaixo do acordado.
Conclui-se, contudo, que deverá haver novas rediscussões sobre a possibilidade de inconstitucionalidade, frente o evidente embate que a Reforma trará a justiça do trabalho, quando o acordo coletivo for por exemplo mais prejudicial ao trabalhador que a Convenção Coletiva ou a legislação, e tendo o poderio de se sobrepor independente de ser menos benéfica, sendo um evidente confronto com o princípio protetor, uma grave violação ao mesmo.
Deverá haver mudanças legislativas em breve, seja por declaração de inconstitucionalidade da literalidade da lei ou por interpretação diversa na constante.
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¹ Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito do Centro Universitário De Araras, Dr. Edmundo Ulson/UNAR, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Direito.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS