A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO TRABALHISTA NO MEIO DOS E-SPORTS: UMA ANÁLISE À LUZ DO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17427210


Calebe Domingues1
Valber Cruz Cereza2


RESUMO
O presente artigo analisa a ausência de regulamentação trabalhista no cenário dos e-sports, à luz do Direito do Trabalho brasileiro. A profissionalização dos esportes eletrônicos no país revela um mercado bilionário e em constante expansão, no qual os pro-players atuam em condições laborais que, embora apresentem características típicas de vínculo empregatício, como habitualidade, subordinação e onerosidade, permanecem à margem das garantias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Lei Pelé. A pesquisa, de natureza qualitativa e caráter exploratório, fundamenta-se em revisão bibliográfica e documental, buscando compreender os desafios jurídicos enfrentados pelos atletas digitais e discutir a necessidade de um marco regulatório específico que reconheça suas peculiaridades profissionais. Conclui-se que a atual legislação brasileira é insuficiente para assegurar direitos básicos aos trabalhadores dos e-sports, tornando indispensável a formulação de políticas públicas e normas jurídicas que garantam proteção, segurança contratual e dignidade a essa nova categoria de profissionais.
Palavras-chave: E-sports; Direito do Trabalho; Pro-players; Regulamentação jurídica; Relações laborais digitais.

ABSTRACT
This article analyzes the lack of labor regulation in the e-sports industry under the perspective of Brazilian Labor Law. The professionalization of electronic sports reveals a billion-dollar and fast-growing market in which pro-players work under conditions that, although meeting the essential criteria of an employment relationship—such as regularity, subordination, and payment—remain outside the protection granted by the Brazilian Consolidation of Labor Laws (CLT) and the Pelé Law. This qualitative and exploratory research, based on bibliographic and documentary review, aims to understand the legal challenges faced by digital athletes and to discuss the need for a specific regulatory framework that recognizes their professional particularities. The study concludes that the current Brazilian legislation is insufficient to guarantee basic labor rights to e-sports professionals, making it essential to develop public policies and legal standards that ensure protection, contractual security, and dignity for this emerging professional category.
Keywords: E-sports; Labor Law; Pro-players; Legal regulation; Digital labor relations.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os e-sports, ou esportes eletrônicos, transformaram-se em um fenômeno global, conquistando espaço não apenas no universo do entretenimento, mas também como uma modalidade profissional altamente rentável. No Brasil, o setor movimenta bilhões de reais anualmente e atrai milhares de jovens que enxergam nos jogos eletrônicos uma carreira promissora. A popularização das competições, aliada ao crescimento de plataformas de streaming, elevou os pro-players ao status de atletas digitais, com rotinas de treinos rigorosos, contratos publicitários, participação em campeonatos nacionais e internacionais e envolvimento em ações comerciais complexas.

Apesar da profissionalização crescente, estudos como o de Soares; Freitas; Azevedo (2023), apontam que os atletas de e-sports enfrentam jornadas exaustivas e condições de trabalho marcadas por informalidade, ausência de direitos trabalhistas básicos e insegurança contratual. Pesquisas indicam que, mesmo inseridos em uma estrutura de alta performance, muitos desses trabalhadores atuam como freelancers ou microempreendedores individuais, sem qualquer respaldo jurídico formal para garantir sua proteção social ou previdenciária (Oliveira; Oliveira; Sales, 2022). Tal realidade evidencia um descompasso entre a evolução do mercado digital e a rigidez do ordenamento jurídico atual, gerando desafios que afetam diretamente a dignidade do trabalhador e o equilíbrio das relações laborais contemporâneas (Oliveira; Oliveira; Sales, 2022).

Além disso, autores como Zani e Oliveira (2022) ressaltam que o atual arcabouço jurídico, representado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela Lei Pelé, mostra-se insuficiente para absorver as particularidades do setor de e-sports, deixando um vácuo normativo que fragiliza o reconhecimento do vínculo empregatício e a regulação da atividade dos pro-players. A jurisprudência ainda é escassa e incerta, e o Poder Legislativo não acompanhou, até o momento, a complexidade desse novo tipo de relação laboral. Em paralelo, o cenário de hiperconectividade digital, característico das carreiras digitais, impõe uma pressão constante por produtividade e disponibilidade, o que compromete o direito ao descanso e à desconexão, elementos fundamentais para a saúde e a longevidade profissional (Martinez, 2023).

Este trabalho tem como foco analisar se a legislação trabalhista brasileira é suficiente para garantir proteção jurídica aos atletas de e-sports ou se seria necessária a criação de um marco regulatório próprio para a categoria. A pesquisa será delimitada à análise das relações laborais de jogadores profissionais de e-sports no Brasil, inseridos em estruturas organizadas de competição, com contratos, patrocínios e obrigações comerciais. O estudo não abrangerá o universo gamer como um todo, nem aspectos técnicos dos jogos ou impactos psicossociais da atividade. A abordagem será qualitativa e exploratória, com base em revisão bibliográfica e documental, considerando aspectos como vínculo empregatício, proteção contratual e direitos fundamentais do trabalhador digital frente à atual realidade jurídica.

Diante da crescente profissionalização dos e-sports e do envolvimento de atletas digitais em atividades intensas, contínuas e lucrativas, surge uma inquietação central: por que esses trabalhadores, que atuam sob regras, metas e subordinação, seguem à margem das garantias trabalhistas previstas na CLT? A ausência de vínculo formal e de um marco normativo específico expõe os pro-players à precarização e à insegurança jurídica, sem direitos assegurados como jornada de trabalho definida, descanso semanal ou cobertura previdenciária. Assim, o problema que orienta esta pesquisa é: a atual legislação trabalhista brasileira, notadamente a CLT e a Lei Pelé, é suficiente para garantir proteção aos atletas de e-sports, ou seria necessária a criação de um marco regulatório próprio para esta nova categoria profissional?

Parte-se da hipótese de que a legislação trabalhista brasileira vigente, incluindo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei Pelé, não é suficiente para assegurar proteção adequada aos atletas profissionais de e-sports, uma vez que essas normas não contemplam as especificidades da atuação desses trabalhadores digitais. A ausência de regulamentação própria contribui para a informalidade nas relações contratuais e para a violação de direitos fundamentais, tornando necessária a criação de um marco regulatório específico que reconheça e proteja juridicamente essa nova categoria profissional.

Analisar a insuficiência da legislação trabalhista brasileira diante da realidade profissional dos atletas de e-sports, com o intuito de identificar a necessidade de um marco regulatório específico que contemple os direitos desses trabalhadores digitais, promovendo maior segurança jurídica, dignidade profissional e reconhecimento formal da atividade no ordenamento jurídico nacional.

A escolha deste tema se justifica pela crescente relevância dos e-sports como atividade profissional no cenário nacional e internacional, movimentando bilhões de reais e mobilizando milhares de atletas, espectadores e patrocinadores. No entanto, apesar da visibilidade e da rotina intensa de trabalho exigida dos pro-players, observa-se uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico brasileiro, que não oferece respaldo legal adequado a essa nova categoria de trabalhadores digitais. A ausência de regulamentação trabalhista específica contribui para a precarização, a informalidade e a insegurança contratual, violando princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho.

Do ponto de vista acadêmico, o tema propõe uma reflexão crítica sobre a adaptação do Direito do Trabalho frente às transformações trazidas pela tecnologia e pela economia digital, contribuindo para o avanço teórico e prático da área jurídica. Institucionalmente, o estudo se alinha aos objetivos da formação jurídica, ao estimular o pensamento jurídico contemporâneo e a proposição de soluções inovadoras. Socialmente, a pesquisa visa colaborar para a construção de políticas públicas mais justas e inclusivas, promovendo proteção aos novos perfis de trabalhadores e estimulando a formulação de um marco legal que atenda às demandas reais do setor dos e-sports.

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de natureza básica, pois teve como finalidade ampliar o conhecimento jurídico sobre a proteção trabalhista de novas categorias profissionais, sem necessariamente visar à aplicação imediata de seus resultados. A abordagem será qualitativa, uma vez que se buscará interpretar, analisar e compreender os aspectos jurídicos e sociais que envolvem a atuação dos atletas de e-sports, com base na leitura crítica de fontes teóricas e documentais. Quanto aos objetivos, a pesquisa foi fe exploratória e descritiva, pois pretende investigar um campo ainda pouco estudado no Direito do Trabalho e, ao mesmo tempo, descrever a realidade atual dos pro-players e os desafios jurídicos enfrentados.

Quanto aos procedimentos metodológicos, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica e documental, com base em doutrina especializada, legislação nacional e estrangeira, jurisprudência de tribunais do trabalho, artigos científicos, projetos de lei e pareceres jurídicos. A coleta de dados ocorreu por meio de seleção crítica e analítica de materiais disponíveis em bibliotecas físicas e digitais, especialmente na Biblioteca da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, no Google Acadêmico, na Scielo e na Plataforma Lattes. Também foram consultadas decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outros tribunais regionais, além de periódicos jurídicos e sites especializados em e-sports.

A proposta de leitura bibliográfica foi realizada com base em critérios reflexivos e analíticos, priorizando autores reconhecidos na área de Direito do Trabalho, Direito Digital e Direito Desportivo, com especial atenção às obras publicadas nos últimos cinco anos. Como apoio, foram utilizados recursos complementares como notícias jurídicas atualizadas, entrevistas publicadas em portais confiáveis e dados de mercado de empresas do setor de e-sports, a fim de contextualizar a realidade prática. A metodologia adotada possibilitará, portanto, uma análise crítica e fundamentada da temática abordada, respeitando os princípios da pesquisa científica e o rigor acadêmico exigido.

3. DESENVOLVIMENTO

3.1. Os E-sports Como Fenômeno Profissional Contemporâneo

Os e-sports, ou esportes eletrônicos, podem ser definidos como competições organizadas de jogos digitais, nas quais jogadores individuais ou equipes disputam prêmios e reconhecimento, em campeonatos online ou presenciais, com ampla cobertura de mídia e transmissão em plataformas de streaming. Segundo a Confederação Brasileira de e-Sports (CBES), os e-sports são "competições profissionais de games que ocorrem em uma plataforma digital, envolvendo dois ou mais competidores (sejam indivíduos ou equipes), em partidas online ou presenciais sincrônicas e montadas de forma a permitir o acompanhamento de uma audiência" (Araújo, 2021).

Esta definição, contudo, não captura integralmente a complexidade do fenômeno contemporâneo. Diferentemente do perfil casual dos gamers amadores, os pro-players se destacam por transformar a prática dos jogos eletrônicos em uma atividade profissional estruturada, caracterizada por treinos diários sistematizados, contratos de patrocínio milionários, dedicação integral a equipes organizadas e participação em torneios de alto nível competitivo.

A transição do ambiente lúdico para o competitivo representa uma mudança paradigmática que impulsionou a consolidação de uma indústria bilionária. Segundo dados da Juniper Research, o mercado de e-sports e streaming de jogos deve crescer 70% nos próximos quatro anos, com projeção de movimentar US$ 3,5 bilhões em 2025, contra US$ 2,1 bilhões atualmente (Araújo, 2021). No contexto global, os games se tornaram mais lucrativos do que a indústria de Hollywood e a indústria musical combinadas, arrecadando US$ 137 bilhões ao redor do mundo em 2018, enquanto o cinema alcançou US$ 42 bilhões e a indústria musical US$ 19 bilhões no mesmo período.

Estudos como o de Faria, Freitas e Lemos (2020) evidenciam que, embora o mercado brasileiro de e-sports esteja em expansão acelerada, os jogadores enfrentam desafios significativos no reconhecimento profissional e institucional da atividade. Essa disparidade entre o crescimento econômico do setor e a proteção jurídica dos trabalhadores revela uma lacuna estrutural que demanda atenção urgente do ordenamento jurídico nacional.

A rotina dos pro-players assemelha-se, em diversos aspectos fundamentais, à de atletas tradicionais, mas incorpora elementos únicos do ambiente digital que complexificam sua categorização jurídica. Além dos treinos técnicos intensivos, que podem durar entre 8 a 14 horas diárias, eles participam de campeonatos internacionais, produzem conteúdo para redes sociais, realizam transmissões ao vivo (lives), gerenciam parcerias comerciais com patrocinadores e seguem rigorosamente as orientações de equipes técnicas especializadas.

Conforme destacam Schiavetto e Brito (2021), os pro-players podem dedicar em média 10 horas diárias de treino, com rigorosa disciplina e organização de suas agendas de treino e competição. Possuem equipes multidisciplinares, incluindo técnicos, nutricionistas, preparadores físicos, psicólogos esportivos e gestores, para que consigam competir concentrados e preparados. Esta estrutura organizacional formal e a carga horária, que frequentemente excede os limites constitucionais estabelecidos para trabalhadores convencionais, são acompanhadas por uma estrutura de subordinação hierárquica evidente.

Pesquisas mostram que esses profissionais podem dedicar entre oito e doze horas diárias ao aprimoramento de suas habilidades, muitas vezes sob pressão constante de resultados e metas comerciais estabelecidas por organizações empresariais (Soares; Freitas; Azevedo, 2022). A dedicação extrema e a estrutura organizacional formal reforçam a noção de que os ciberatletas devem ser reconhecidos como trabalhadores formais, o que ainda não ocorre de maneira consolidada no ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo Medeiros e Sayeg (2022), a ausência de uma regulamentação jurídica específica agrava a informalidade e dificulta a aplicação de direitos fundamentais previstos no ordenamento trabalhista. Esta lacuna normativa não apenas prejudica os trabalhadores individualmente, mas também compromete o desenvolvimento sustentável do próprio setor, que se vê privado de marcos regulatórios claros para orientar suas práticas empresariais.

3.2. O Mercado Brasileiro de E-sports: Dimensões Econômicas e Sociais

No Brasil, o mercado de e-sports tem registrado crescimento expressivo e consistente ao longo da última década. O país é atualmente o 13º mercado mundial de e-sports, movimentando em torno de US$ 1,5 bilhão por ano (Araújo, 2021). De acordo com estudo de Faria, Freitas e Lemos (2020), o Brasil se destaca no cenário global dos e-sports, apresentando crescimento expressivo em termos de visibilidade midiática, interesse do mercado e engajamento do público, o que o posiciona entre os países com maior audiência e envolvimento nesse setor.

Um exemplo emblemático da popularidade dos e-sports no Brasil ocorreu em agosto de 2015, quando 12 mil pessoas foram ao estádio Allianz Parque, em São Paulo, para acompanhar ao vivo uma partida de League of Legends (Araújo, 2021). Para efeito de comparação, a final do League of Legends de 2015 teve mais de 36 milhões de espectadores, enquanto os 6 jogos finais da NBA tiveram 20 milhões de espectadores (Schiavetto; Brito, 2021).

Os maiores campeonatos nacionais, como o CBLOL (Campeonato Brasileiro de League of Legends), o Brasileirão de Rainbow Six Siege e os torneios de CS:GO, atraem patrocínios de grandes marcas multinacionais e nacionais, com prêmios que podem chegar a milhões de dólares. O CBLOL, por exemplo, movimenta anualmente cerca de R$ 15 milhões em premiações e patrocínios, segundo dados da Riot Games Brasil (2023). Estes números demonstram a maturidade econômica do setor e sua capacidade de gerar renda substancial.

O Ministério da Cultura já reconheceu oficialmente os videogames como forma de manifestação cultural, podendo os interessados em desenvolvê-los receber recursos da Lei Rouanet (Lei nº 8.313/91) (Araújo, 2021). Esta medida representa um primeiro passo no reconhecimento institucional da importância cultural e econômica dos e-sports no país.

No entanto, mesmo diante desse cenário promissor e da evidente profissionalização do setor, a maioria dos pro-players atua como freelancers ou microempreendedores individuais (MEIs), sem vínculo empregatício formal e sem acesso a direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas, décimo terceiro salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou previdência social. Esta situação paradoxal revela uma desconexão entre a realidade econômica do setor e sua regulamentação jurídica.

Como aponta Almeida (2020), a ausência de vínculo empregatício formal coloca esses atletas em posição de vulnerabilidade estrutural, dificultando o acesso a garantias essenciais à dignidade do trabalho e à proteção social. Esta vulnerabilidade é agravada pela natureza temporalmente limitada das carreiras nos e-sports, onde a maioria dos jogadores atinge seu pico de performance entre os 18 e 25 anos, necessitando de proteção previdenciária adequada para o período pós-carreira.

Essa ausência de reconhecimento formal reforça a precarização e a insegurança das relações contratuais no setor. Os jogadores dependem predominantemente de contratos comerciais de prestação de serviços, muitas vezes redigidos de forma unilateral pelas organizações, com cláusulas restritivas que limitam sua autonomia profissional e estabelecem metas de desempenho que podem ser subjetivas ou inalcançáveis.

Conforme observam Schiavetto e Brito (2021), os contratos iniciais dos pro-players são frequentemente baseados nos princípios da boa-fé e confiança, mesmo que não haja pagamento de salários mensais inicialmente. São oferecidos todos os elementos necessários (equipamentos, moradia, alimentação, treinos) para desenvolver a modalidade e avaliar o desempenho do atleta. Após um tempo considerável, assina-se o contrato para que se torne rentável a atividade exercida, mas os primeiros passos do atleta são norteados por contratos fundamentados em princípios gerais do direito.

Análises de contratos típicos do setor revelam a presença frequente de cláusulas abusivas, incluindo: (a) exclusividade absoluta que impede o jogador de participar de outras competições ou atividades remuneradas; (b) cessão integral de direitos de imagem sem contrapartida adequada; (c) multas rescisórias desproporcionais que funcionam como mecanismo de retenção forçada; (d) ausência de garantias mínimas de remuneração em caso de lesões ou problemas de saúde; e (e) possibilidade de rescisão unilateral imotivada por parte da organização.

Este contexto contratual desequilibrado, aliado à falta de legislação específica e à ausência de representação sindical organizada, torna urgente a discussão sobre a necessidade de um modelo regulatório capaz de equilibrar os interesses econômicos legítimos do setor com a proteção social indispensável dos trabalhadores digitais (Medeiros; Sayeg, 2022). A criação de tal modelo regulatório não apenas protegeria os direitos dos trabalhadores, mas também proporcionaria maior segurança jurídica para as organizações, facilitando investimentos e o desenvolvimento sustentável do setor.

O Direito do Trabalho no Brasil surgiu historicamente com a missão precípua de proteger o trabalhador em face da desigualdade estrutural de poder em relação ao empregador, consolidando princípios fundamentais como a proteção ao hipossuficiente, a dignidade da pessoa humana, a função social do contrato e a primazia da realidade sobre a forma. Estes princípios, desenvolvidos ao longo do século XX, refletem uma compreensão amadurecida sobre a necessidade de intervenção estatal para equilibrar relações naturalmente assimétricas.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943 durante o governo Vargas, ainda constitui o principal marco regulatório das relações de trabalho no país, embora tenha sido concebida para um contexto industrial e urbano que difere radicalmente das novas formas laborais digitais contemporâneas. A CLT foi estruturada tendo como paradigma o trabalho fabril, caracterizado pela presença física, horários rígidos, supervisão direta e produção material tangível.

A evolução acelerada do mercado de trabalho, impulsionada por tecnologias disruptivas e plataformas digitais, exige um reexame crítico da eficácia normativa frente às novas realidades ocupacionais, como a dos pro-players e outros trabalhadores da economia digital (Faria; Freitas; Lemos, 2020). Esta necessidade de reexame não implica o abandono dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, mas sim sua reinterpretação e adaptação às novas configurações laborais.

Na ausência de regulamentação específica, os princípios gerais de direito que possuem características monovalentes se aplicam à modalidade e-sports. Conforme o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, na lacuna da lei, o juiz julgará invocando a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, no intuito de orientar e nortear a interpretação da norma (Schiavetto; Brito, 2021).

Mesmo que exista autonomia legislativa desportiva, os princípios de direito civil são aplicáveis de forma integral, notadamente o da boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé objetiva é consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça em todas as áreas do direito, estabelecendo um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais. No caso concreto dos e-sports, onde jogadores/atletas competem como equipes de forma simultânea, mas cada qual em sua singularidade, fica quase impossível estabelecer horas "trabalhadas", hora para repouso, alimentação, treinamento, descanso, lazer e estudar.

Surge também o princípio da confiança, de suma importância, pois se deposita confiança no indivíduo diante do cenário sem regulamentação. Ambos os princípios caminham unidos, pois não se admite em nosso ordenamento jurídico que se crie perspectiva sobre outrem, fundamentada na confiança e boa-fé para posterior frustração, sendo inclusive passível de indenização quando há quebra desses princípios nessa "relação de trabalho" (Schiavetto; Brito, 2021).

3.3. Requisitos do Vínculo Empregatício: Análise Crítica Aplicada aos E-sports

Segundo o art. 3º da CLT, para a caracterização de vínculo empregatício, é necessário que haja a presença simultânea de quatro requisitos essenciais: habitualidade (não eventualidade), pessoalidade, onerosidade e subordinação (BRASIL, 1943). A aplicação destes requisitos aos pro-players de e-sports revela complexidades que desafiam a interpretação tradicional da norma.

Habitualidade: Este requisito é facilmente verificável na atividade dos pro-players, que mantêm rotinas de treino e competição regulares, muitas vezes durante todo o ano, com apenas breves períodos de descanso entre temporadas. A continuidade da atividade é evidente e supera, em muitos casos, a regularidade encontrada em empregos convencionais.

Pessoalidade: A prestação de serviços pelos pro-players é eminentemente pessoal, uma vez que suas habilidades específicas, estilo de jogo e performance individual são elementos centrais do contrato. A impossibilidade de substituição por terceiros é característica inerente à atividade, satisfazendo plenamente este requisito.

Onerosidade: A contraprestação financeira está presente na forma de salários fixos, premiações, bonificações por performance e receitas de patrocínio. Muitos pro-players recebem remuneração mensal fixa das organizações, além de participação nos prêmios conquistados, configurando claramente o caráter oneroso da relação.

Subordinação: Este é o requisito mais complexo e controverso na análise dos e-sports. A subordinação tradicional, caracterizada pela submissão a ordens diretas e controle hierárquico rígido, manifesta-se de forma adaptada no ambiente digital. Os pro-players seguem estratégias definidas por técnicos, cumprem horários de treino estabelecidos pela organização, participam de competições determinadas pela equipe e estão sujeitos a sanções disciplinares. Contudo esta subordinação coexiste com elementos de autonomia técnica na execução das jogadas, criando uma configuração híbrida que desafia a interpretação clássica.

No entanto, a crescente flexibilização das formas de trabalho, especialmente com o avanço da tecnologia e das plataformas digitais, tem desafiado a aplicação tradicional desses conceitos. Fenômenos como o trabalho de motoristas de aplicativos, influenciadores digitais e streamers têm exigido um repensar jurídico, buscando alternativas interpretativas que capturem a realidade das novas formas de subordinação e dependência econômica.

Os pro-players, por sua vez, ocupam uma posição híbrida no espectro das relações de trabalho: embora atuem de forma altamente profissional e com subordinação evidente às equipes e organizações, muitas vezes são enquadrados formalmente como prestadores de serviços autônomos, sem reconhecimento formal como empregados. Esta classificação jurídica inadequada resulta em uma série de consequências práticas prejudiciais tanto para os trabalhadores quanto para o desenvolvimento sustentável do setor.

Essa situação reforça um debate mais amplo sobre a adequação das normas trabalhistas tradicionais às atividades digitais emergentes. Como argumentam Medeiros e Sayeg (2022), é possível e necessário aplicar, de forma analógica e evolutiva, princípios e regras do Direito Desportivo e do Direito do Trabalho a esses profissionais, a fim de assegurar-lhes os direitos fundamentais inerentes a qualquer relação de trabalho subordinado.

A reflexão que se impõe é se os pro-players devem ser enquadrados no modelo tradicional de vínculo empregatício, com as adaptações necessárias, ou se é necessária a criação de um novo arcabouço jurídico específico para o trabalho digital competitivo. Esta questão não é meramente acadêmica, mas possui implicações práticas imediatas para milhares de trabalhadores e para o desenvolvimento de um setor econômico em rápida expansão.

Apesar do crescimento exponencial dos e-sports e de sua evidente profissionalização, a legislação brasileira ainda não dispõe de normas específicas para regulamentar adequadamente o trabalho dos pro-players. A Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), que regula o desporto no Brasil, não abrange de forma clara e abrangente as peculiaridades do cenário digital, sendo voltada majoritariamente aos esportes físicos tradicionais e às suas estruturas organizacionais convencionais.

Atualmente, a legislação brasileira só entende como profissional a atividade do atleta que estiver vinculado a uma entidade de prática desportiva, por intermédio de um contrato de trabalho com remuneração previamente pactuada (Araújo, 2021). O parágrafo quarto do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 dispõe acerca da aplicação subsidiária da Consolidação das Leis do Trabalho ao contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, enquanto o parágrafo terceiro do art. 94 da mesma lei autoriza outras modalidades desportivas a aplicar as mesmas regras do futebol.

Os Tribunais Regionais do Trabalho têm decisões reconhecendo relação empregatícia entre atletas e entidades de prática desportiva diferentes do futebol, desde que preenchidos os requisitos inerentes à relação de emprego insculpidos no art. 3º da CLT. Contudo, a aplicação analógica da CLT também se mostra limitada, pois os contratos firmados com organizações de e-sports nem sempre atendem aos requisitos tradicionais de subordinação e habitualidade, conforme interpretados pela jurisprudência consolidada.

A Lei Pelé, embora tenha representado um avanço significativo na regulamentação do esporte profissional brasileiro, foi concebida em um contexto pré-digital, quando os e-sports eram inexistentes ou incipientes. Suas disposições sobre contratos de trabalho desportivo, direitos e deveres de atletas, e organização de competições pressupõem a existência de modalidades esportivas físicas, com características que nem sempre se aplicam adequadamente ao ambiente virtual.

3.4. Tentativas de Regulamentação Nacional e Resistência Legislativa

No âmbito legislativo brasileiro, encontram-se atualmente em trâmite no Congresso Nacional diversos projetos de lei que buscam regulamentar os e-sports. O Projeto de Lei nº 3.450/2015, de autoria do Deputado Federal João Henrique Holanda Caldas (PSB/AL), visa alterar o art. 3º da Lei Federal nº 9.615/1998, acrescentando-lhe o inciso V, que passaria a dispor sobre o "Desporto virtual, assim entendido jogos eletrônicos transcorridos individual ou coletivamente, contra a máquina ou em rede, como também a competição entre profissionais e amadores do gênero" (Araújo, 2021).

Posteriormente, foi apensado a essa proposição legislativa o Projeto de Lei nº 7.747/2017, de autoria da Deputada Mariana Carvalho, que "institui o esporte virtual". Não obstante, a Comissão de Esporte (CESPO) emitiu parecer em dezembro de 2019, optando pela rejeição das propostas de lei mencionadas, sob a justificativa de que as entidades reconhecem a importância da categoria em plena ascensão, contudo, entendem que os jogos eletrônicos não estão contemplados na definição de "esporte".

Mais recentemente, foi inserido para análise no Senado Federal o Projeto de Lei nº 383/2017, de autoria do Senador Roberto Rocha (PSDB/MA), para dispor sobre a regulamentação da prática esportiva eletrônica. Segundo a ementa da PL, busca-se definir como esporte as atividades que, fazendo uso de artefatos eletrônicos, caracterizam a competição de dois ou mais participantes, no sistema de ascenso e descenso misto de competição, com utilização do round-robin tournament systems, o knockout systems, ou outra tecnologia similar e com a mesma finalidade.

O Projeto de Lei nº 383/2017 ainda está em tramitação e já teve três emendas desde o despacho inicial, além de ter sido aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). O projeto também propõe a celebração anual do Dia do Esporte Eletrônico, sempre em 27 de junho, data da fundação da empresa americana Atari (Schiavetto; Brito, 2021).

Contudo, a regulamentação do e-sport ainda encontra resistência significativa no Poder Legislativo, em especial na Câmara dos Deputados. Jogadores, times e empresas desenvolvedoras de games temem que a atual redação da proposta trave o crescimento do setor e isole o Brasil nas competições internacionais. A violência presente em jogos como Counter Strike, Rainbow Six e outros utilizados em competições de e-sports preocupa os políticos brasileiros, bem como os impactos da exposição a jogos violentos a longo prazo (Araújo, 2021).

A regulamentação dos jogos eletrônicos como esporte também encontra resistência na população em geral. No placar do Portal e-Cidadania, a maioria dos internautas reprova a PL nº 383/2017, com grande diferença: foram registrados cerca de 43.198 votos contrários ao projeto, contra 6.444 favoráveis à regulamentação nos atuais termos (Araújo, 2021).

A jurisprudência trabalhista brasileira sobre e-sports também é incipiente, havendo poucos casos em que o Poder Judiciário foi chamado a se pronunciar sobre o reconhecimento do vínculo empregatício de ciberatletas. Esta escassez de precedentes reflete tanto a novidade do fenômeno quanto a tendência dos conflitos serem resolvidos extrajudicialmente, muitas vezes em condições desfavoráveis aos trabalhadores.

Um exemplo emblemático e frequentemente citado ocorreu na 69ª Vara do Trabalho de São Paulo, que reconheceu a existência de relação de emprego em um caso envolvendo uma organização de e-sports e um jogador profissional, destacando a rotina exaustiva, a dependência econômica do atleta e a subordinação hierárquica evidente (Soares; Freitas; Azevedo, 2022). Esta decisão, embora isolada, estabeleceu precedente importante ao aplicar os critérios tradicionais do vínculo empregatício ao contexto específico dos e-sports.

Contudo, essas decisões ainda são pontuais e não possuem efeito vinculante para outros casos ou tribunais, criando um cenário de insegurança jurídica tanto para trabalhadores quanto para organizações. A ausência de uma jurisprudência consolidada impede a formação de entendimentos uniformes e dificulta a previsibilidade das decisões judiciais.

Em estudo recente, Minatto, Borba e Barbetta (2023) argumentam que os contratos dos atletas podem impactar diretamente no desempenho esportivo e financeiro das organizações, o que reforça a urgência de diretrizes contratuais mais claras e equilibradas. Esta interdependência entre aspectos jurídicos e performance competitiva evidencia a necessidade de uma regulamentação que considere as especificidades do setor.

3.5. Experiências Internacionais e Direito Comparado

Em âmbito internacional, diversos países têm adotado políticas regulatórias específicas voltadas para os e-sports, reconhecendo-os como modalidades esportivas legítimas e garantindo direitos básicos aos jogadores. Vários países já estão reconhecendo a disputa de videogames como modalidade esportiva, incluindo Itália, Rússia, Finlândia, Malásia, Coreia do Sul, China, Índia, Irã e África do Sul (Araújo, 2021).

A Coreia do Sul desponta como pioneira na regulamentação do e-sport, tendo investido no videogame como uma forma de desenvolvimento físico, psíquico e social. O país criou a International e-Sports Federation (IeSF), com o intuito de "promover o e-sport como um verdadeiro esporte, ultrapassando barreiras sociais, culturais e de linguagem". Além disso, fundou a Korean e-Sports Association (KeSPA) nos anos 2000, com o intuito de regularizar o cenário de e-sports no país. A KeSPA conseguiu o desenvolvimento de um salário mínimo para os jogadores profissionais, além de uma licença reconhecendo tal pessoa como jogador profissional.

Provando ser vanguardista no assunto, o governo sul-coreano aprovou uma lei conhecida como Shutdown Law, que proíbe menores de 16 anos de jogarem jogos online entre o horário de meia-noite às seis da manhã. Esse tipo de lei possui similares em outros países asiáticos, como Tailândia e China (Araújo, 2021).

A França desponta como precursora na regulamentação dos e-sports no âmbito europeu. A lei francesa 2016-1321, no seu artigo 321-8, traz a definição de videogame e também dispõe regras sobre seus campeonatos, definindo que "uma competição de videogame consiste em pelo menos dois jogadores ou equipes de jogadores por uma pontuação ou uma vitória". A mesma lei modificou o Código Trabalhista local, alterando o artigo 7124-1, que trata das atividades desempenhadas por menores de 16 anos que precisam de autorização do governo, introduzindo as competições de videogames como atividade regulamentada.

Além disso, o Decreto Francês n. 2017-871 trata da organização, participação e inclusive premiação dos campeonatos de e-sports, estabelecendo um marco regulatório abrangente que inclui definição legal de competições de jogos eletrônicos, regulamentação de contratos de trabalho para jogadores profissionais, proteção especial para menores de idade, e criação de um regime tributário específico para o setor (Araújo, 2021).

Os Estados Unidos, embora não possuam uma regulamentação federal específica, têm desenvolvido práticas regulatórias através de órgãos estaduais e associações privadas. A criação de sindicatos de jogadores em algumas modalidades e o reconhecimento de vistos específicos para atletas de e-sports internacionais demonstram o amadurecimento institucional do setor.

O grande interesse entre o público infanto-juvenil, associado ao rápido desenvolvimento dos jogos eletrônicos e sua grande popularidade e lucratividade, fez com que essa modalidade esportiva passasse a integrar o programa oficial dos Jogos Asiáticos, realizados na China em 2022. O Comitê Olímpico Internacional (COI), inicialmente avesso ao reconhecimento dessa modalidade esportiva, já analisa a possibilidade de incluir os esportes eletrônicos na Olimpíada de Paris em 2024 (Araújo, 2021).

Estas experiências internacionais evidenciam que a regulamentação específica dos e-sports não apenas é possível, mas também necessária para o desenvolvimento sustentável do setor. Os modelos internacionais demonstram que é possível conciliar a proteção dos direitos dos trabalhadores com a preservação da dinâmica competitiva e da inovação tecnológica característica dos e-sports.

A revista Forbes publicou um artigo em 2017, no qual um grupo de advogados comentavam sobre a escassez legal na temática, principalmente em relação aos seguintes pontos: estrutura regulatória; questões sobre apostas; investimentos na atividade; publicidade; propriedade intelectual; stream; vistos imigratórios; contratos dos atletas; equipamentos e arenas; benefícios em relação a universidades. De acordo com os especialistas, as problemáticas levantadas deveriam ser compreendidas pelo legislativo, para que o e-sport se estabeleça e consiga se desenvolver assim como as demais atividades esportivas (Araújo, 2021).

No Brasil, a ausência de legislação específica evidencia a necessidade urgente de criar um marco normativo que contemple a natureza híbrida dessa profissão, considerando suas características únicas sem ignorar os princípios fundamentais de proteção ao trabalhador. Esse marco deveria incluir aspectos trabalhistas (jornada, remuneração, férias), previdenciários (contribuição, aposentadoria), de saúde ocupacional (prevenção de LER/DORT, saúde mental) e contratuais (direitos de imagem, exclusividade, rescisão), garantindo não apenas o reconhecimento jurídico da categoria, mas também condições dignas de trabalho, similares às já asseguradas a outros atletas profissionais.

3.6. Desafios Específicos dos E-sports no Direito do Trabalho

Um dos aspectos mais complexos da regulamentação dos e-sports refere-se à jornada de trabalho. Os pro-players frequentemente excedem as 8 horas diárias constitucionalmente estabelecidas, dedicando entre 10 a 14 horas diárias a atividades relacionadas ao trabalho: treinos individuais e em equipe, análise de jogadas, participação em competições, produção de conteúdo e atividades promocionais.

Conforme destacam Schiavetto e Brito (2021), no contexto das competições em esportes eletrônicos, onde jogadores/atletas competem como equipes de forma simultânea, mas cada qual em sua singularidade, fica quase impossível estabelecer horas "trabalhadas", hora para repouso, alimentação, treinamento, descanso, lazer e estudar. Sem contar a necessidade dos acompanhamentos de profissionais na área de nutrição, médicos, psiquiátricos, educadores físicos, fisioterapeutas, entre outros profissionais que são designados ao cuidado da equipe cibernética.

Esta carga horária excessiva levanta questões importantes sobre saúde ocupacional e direito ao descanso. A natureza digital da atividade não elimina os riscos à saúde física e mental dos trabalhadores. Pelo contrário, estudos médicos indicam alta incidência de lesões por esforço repetitivo (LER), distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), problemas visuais e transtornos de ansiedade entre pro-players.

A saúde ocupacional nos e-sports apresenta desafios únicos que requerem abordagem especializada. Os riscos incluem: (a) lesões físicas decorrentes do uso prolongado de equipamentos (síndrome do túnel do carpal, tendinites, problemas posturais); (b) problemas de saúde mental relacionados à pressão competitiva, exposição pública e instabilidade de carreira; (c) distúrbios do sono causados por horários irregulares e competições internacionais em fusos horários diferentes; e (d) problemas visuais decorrentes da exposição prolongada a telas.

A ausência de regulamentação específica impede a implementação de programas de saúde ocupacional adequados, deixando os trabalhadores expostos a riscos que poderiam ser prevenidos ou mitigados com medidas apropriadas.

Os e-sports envolvem questões complexas de direitos de imagem e propriedade intelectual que não encontram paralelo exato em outras modalidades esportivas. Os jogadores não apenas competem, mas também criam conteúdo, desenvolvem personas públicas e geram valor através de suas performances que são transmitidas e reproduzidas digitalmente.

Conforme explicam Schiavetto e Brito (2021), o Direito de uso de imagem é a capacidade que o indivíduo possui de controlar a exposição e utilização de seu nome, imagem, voz e características pessoais. Seu consentimento dá-se através do Contrato de licença de uso, cessão e autorização de imagem, tratando-se de um mecanismo que protege os direitos da personalidade. Regulado pelo Código Civil como um dos direitos da personalidade, é intransmissível, indisponível e irrenunciável.

A cessão de direitos de imagem, comum nos contratos atuais, frequentemente ocorre sem contrapartida adequada ou limitações temporais, criando situações de exploração que seriam inaceitáveis em outros contextos profissionais. A regulamentação específica deveria estabelecer limites claros para a cessão de direitos e garantir participação equitativa dos jogadores nas receitas geradas por sua imagem e performance.

Como observam os autores, não se trata somente de aspectos comerciais, os aspectos legais devem ser rigorosamente analisados. A negociação para a exploração deve ser realizada de forma objetiva, considerando não só os aspectos comerciais - afinal é uma ótima oportunidade para que a imagem do clube e do atleta se difundam - como também os legais, para que se previna qualquer tipo de lacuna na negociação e mitigue riscos de eventuais disputas judiciais.

Esta análise aprofundada demonstra a complexidade e a urgência da questão regulatória dos e-sports no Brasil. Durante o desenvolvimento desta fundamentação teórica, pode-se observar que o e-sport está em inquestionável evolução. Os torneios de videogames estão cada vez mais profissionalizados, atingindo milhões de interessados, sendo reconhecidos socialmente e financeiramente, porém carecem de amparo jurídico.

Com a irrefutável importância do esporte para a sociedade, a regulação do desporto fez-se necessária a ponto que o legislador teve que criar leis específicas para os esportes tradicionais. Neste momento, com a evolução da sociedade, faz-se novamente necessário repensar o que é o esporte e preencher lacunas na lei para que os cyber-atletas não permaneçam sem seus direitos resguardados.

Portanto, é necessário que o Poder Judiciário se atente às transformações do mercado e atue para que a essência da lei seja promovida, evidenciando a necessidade de uma abordagem jurídica inovadora que preserve os princípios fundamentais de proteção ao trabalhador enquanto se adapta às realidades da economia digital contemporânea.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada evidencia que o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro, estruturado a partir de paradigmas industriais do século XX, mostra-se inadequado para lidar com as novas formas de trabalho digital emergentes, como as desempenhadas pelos atletas profissionais de e-sports. Embora esses trabalhadores apresentem todos os elementos caracterizadores de vínculo empregatício: habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação, a ausência de legislação específica e a limitação interpretativa da CLT e da Lei Pelé resultam em relações contratuais marcadas pela informalidade, pela insegurança jurídica e pela precarização das condições de trabalho.

O estudo demonstra que o crescimento exponencial do setor e a sua importância econômica e social exigem uma resposta jurídica imediata, voltada à criação de um marco regulatório próprio que reconheça os e-sports como modalidade esportiva legítima e os pro-players como trabalhadores sujeitos à proteção legal. Tal regulamentação deve contemplar aspectos trabalhistas, previdenciários e de saúde ocupacional, assegurando direitos fundamentais como jornada digna, descanso, remuneração justa, cobertura previdenciária e proteção da imagem.

Portanto, conclui-se que a atualização do Direito do Trabalho é condição essencial para garantir equilíbrio nas relações laborais contemporâneas e efetivar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana no contexto digital. A criação de um marco normativo específico para os e-sports representa não apenas uma necessidade jurídica, mas também um passo decisivo para o reconhecimento formal e a valorização social dos ciberatletas no Brasil.

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1 Graduando do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI). E-mail: [email protected]

2 Professor universitário, advogado. Mestre em políticas públicas. Correio Eletrônico: [email protected].