A DIMENSÃO LÚDICA COMO LINGUAGEM NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17239462
Harley Charles de Oliveira Santos
RESUMO
Os jogos e as brincadeiras exercem um papel fundamental no processo de aprendizagem, promovendo o desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo e social das crianças, especialmente quando integrados à prática pedagógica por meio da ludicidade. Embora não se trate de uma abordagem recente, o uso intencional dessas práticas pode trazer inovações tanto para o trabalho dos educadores quanto para o processo de aprendizagem infantil. Este trabalho, de natureza bibliográfica, tem como objetivo provocar reflexões que sensibilizem o leitor, contribuindo para possíveis mudanças de paradigmas. Além de seu papel pedagógico, os jogos e brincadeiras também favorecem os vínculos afetivos e ajudam a aliviar tensões familiares, reforçando a importância das interações no ambiente escolar e familiar.
Palavras-chave: Jogos; Brincadeiras; Aprendizagem.
ABSTRACT
Games and play activities play a fundamental role in the learning process, promoting the cognitive, motor, affective, and social development of children, especially when incorporated into educational practice through playfulness. Although this approach is not new, the intentional use of games and play can bring innovations both to educators' work and to children’s learning processes. This bibliographic study aims to encourage reflections that raise awareness and potentially lead to paradigm shifts. Beyond their educational role, games and play also help strengthen affective bonds and alleviate family tensions, highlighting the importance of interactions in both school and family environments.
Keywords: Games; Play; Learning.
1. INTRODUÇÃO
A alfabetização é um dos pilares da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo frequentemente alvo de grande preocupação por parte dos profissionais da educação. No entanto, muitos educadores ainda negligenciam o uso de recursos didáticos que podem potencializar esse processo, como os jogos e as atividades lúdicas. Essa resistência está, muitas vezes, associada à falta de formação adequada sobre o uso pedagógico dos jogos ou à permanência de práticas tradicionais centradas na memorização e na repetição mecânica de conteúdos.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece o brincar como eixo estruturante da prática pedagógica na Educação Infantil, e como metodologia ativa de ensino nos anos iniciais, apontando que o aprendizado deve ocorrer por meio de experiências significativas e interativas. Nesse contexto, os jogos se apresentam como ferramentas potentes para o desenvolvimento integral da criança, promovendo a aprendizagem de forma prazerosa, envolvente e contextualizada.
Este trabalho, de natureza bibliográfica, tem como objetivo geral demonstrar que os jogos podem ser utilizados como recursos didáticos no processo de ensino-aprendizagem da alfabetização, contribuindo não apenas para o desenvolvimento da linguagem escrita, mas também para a formação cognitiva, emocional e social dos alunos. Pretende-se ainda refletir sobre a importância da ludicidade no ambiente escolar e provocar uma sensibilização que possibilite mudanças de paradigmas na prática pedagógica.
Ao jogar, a criança é estimulada a pensar, comparar, analisar, nomear, associar, calcular, classificar, criar e comunicar-se, desenvolvendo habilidades essenciais para sua inserção social e escolar. Dessa forma, os jogos educativos não apenas favorecem a aquisição da leitura e da escrita, mas também promovem o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da cooperação e do senso crítico.
Considerando esse cenário, este estudo busca fundamentar teoricamente a relevância dos jogos no contexto educacional e oferecer subsídios para que os educadores possam repensar suas práticas, alinhando-se às diretrizes da BNCC e aos princípios da educação integral.
1.1 O jogo como instrumento educativo
Ao longo da história da educação, diversos estudos demonstraram a relevância do jogo e da ludicidade como instrumentos de mediação no processo de aprendizagem, especialmente nos anos iniciais. O jogo, por ser parte natural da infância, aproxima o aluno do conhecimento de forma espontânea e significativa. A BNCC reforça essa perspectiva ao destacar o brincar como uma das formas principais de as crianças se expressarem, explorarem o mundo e construírem saberes nos campos de experiência e componentes curriculares.
Autores como Dewey (1952), Piaget (1976), Ilyich (1976) e Kishimoto (1994) defendem que o jogo educativo oferece condições para que a criança compreenda a realidade por meio de experiências práticas e simbólicas, conectando os conteúdos escolares a situações do cotidiano. Piaget, por exemplo, compreende o jogo como uma forma de assimilação da realidade, um meio pelo qual a criança recria simbolicamente o mundo e desenvolve suas estruturas cognitivas.
Segundo Dewey (1952), o desenvolvimento pleno da criança ocorre quando ela interage com seu ambiente natural de forma ativa e significativa. Nessa linha, Piaget (1976) ressalta que o jogo favorece a transição entre o concreto e o abstrato, sendo essencial na alfabetização, pois permite que a criança desenvolva a linguagem escrita a partir de suas experiências sensoriais e motoras. Já para Ilyich (1976), o jogo é um canal de expressão da visão de mundo da criança, sendo uma das formas mais autênticas de revelar sua percepção do outro e de si mesma.
Conforme Kishimoto (1994), o jogo, ao ser inserido no ambiente escolar como estratégia pedagógica, se transforma em um aliado poderoso do processo ensino-aprendizagem. Por meio de situações lúdicas, é possível aproximar os estudantes dos conteúdos culturais e acadêmicos de forma atrativa e eficaz. A autora ainda destaca que todas as áreas do conhecimento podem se beneficiar de práticas baseadas em jogos e brincadeiras.
No contexto escolar, o jogo promove o desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras, sociais, emocionais e linguísticas. Quando joga, a criança observa, deduz, analisa, classifica, cria hipóteses, compara informações e expressa seus sentimentos, integrando o conhecimento à sua vivência cotidiana.
Além disso, o uso do jogo como recurso didático possibilita ao professor uma observação mais aprofundada das potencialidades, dificuldades e avanços dos alunos, permitindo intervenções pedagógicas mais intencionais e personalizadas. Os jogos tornam-se, assim, instrumentos de avaliação diagnóstica e formativa.
Importante ressaltar que a ludicidade é também um direito da criança, conforme reconhecido por legislações nacionais e internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Esses documentos garantem o acesso ao brincar como parte fundamental do desenvolvimento infantil, devendo ser promovido e assegurado por instituições de ensino, famílias e pelo Estado.
A criança aprende e se desenvolve plenamente quando o ambiente escolar oferece experiências significativas, afetivas e contextualizadas. Os jogos, nesse cenário, não são apenas uma ferramenta de ensino, mas parte essencial da construção da identidade, da autonomia e da cidadania da criança.
1.2 O jogo como instrumento educativo na perspectiva de teóricos da educação
A utilização de jogos no processo educacional é amplamente defendida por diversos teóricos clássicos da educação, os quais enfatizam sua importância no desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e social da criança. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a brincadeira como uma das principais formas de expressão e aprendizado na infância, sendo um direito garantido da criança e um eixo estruturante das práticas pedagógicas nos anos iniciais da Educação Básica (BRASIL, 2017).
Entre os teóricos que destacaram o valor do jogo no processo educativo estão Maria Montessori, John Dewey, Friedrich Froebel, Johann Pestalozzi, Comenius, Ovide Decroly, Jean Piaget e Lev Vygotsky.
Segundo Montessori, a educação deve respeitar a liberdade e a autonomia da criança, permitindo que ela explore o ambiente e os materiais de maneira livre e significativa. Os jogos, nesse contexto, atuam como instrumentos que favorecem o desenvolvimento da concentração, da coordenação e da independência, sendo os objetos escolhidos pela própria criança de acordo com seu interesse e nível de desenvolvimento (FERRARI, 2008).
Dewey (1952) compreende o jogo como uma atividade essencialmente ligada à experiência. Para ele, o conhecimento não é transmitido, mas construído por meio da interação entre o sujeito e o ambiente. Assim, o jogo torna-se uma ferramenta de aprendizagem ativa, que respeita o ritmo e os interesses da criança, promovendo a construção de saberes significativos.
Para Froebel, o jogo é a expressão natural da criança e deve ser integrado ao processo educativo como forma de exteriorização de suas ideias e sentimentos. Ele introduziu os "dons" e "ocupações" em sua proposta pedagógica, destacando a importância do brincar como um meio de construção do conhecimento e de aproximação com o mundo social (BARBOSA, 1996).
Pestalozzi defende que o desenvolvimento da criança ocorre por meio da ação integrada entre o coração, a mente e as mãos. Para ele, os jogos e brincadeiras estimulam a aprendizagem autônoma, baseada na vivência prática e nas experiências afetivas, sendo mais importante desenvolver habilidades e valores do que apenas transmitir conteúdos (FERRARI, 2004).
Comenius já indicava, desde o século XVII, o uso dos jogos no ensino como uma forma de respeitar o desenvolvimento natural da criança, conferindo aos jogos valor formativo, pois tornam a aprendizagem mais prazerosa e efetiva (FERRARI, 2004).
O educador belga Decroly considerava que a aprendizagem deve partir dos interesses e necessidades da criança, sendo o jogo uma atividade que articula o pensamento global com a organização em partes, promovendo a descoberta e a sistematização do conhecimento (WAJSKOP, 1999).
Jean Piaget (1976) organizou os jogos em três grandes categorias, conforme os estágios do desenvolvimento cognitivo: Jogos de exercício: característicos da primeira infância, baseiam-se na repetição de movimentos e ações por prazer funcional. Jogos simbólicos: aparecem quando a criança desenvolve a função simbólica, utilizando objetos ou situações para representar a realidade. Jogos de regras: surgem a partir dos sete anos, quando a criança passa a compreender e respeitar regras sociais, desenvolvendo o pensamento lógico e a cooperação.
Para Piaget, os jogos não apenas refletem o desenvolvimento cognitivo, mas também o impulsionam, permitindo à criança construir ativamente seu conhecimento.
Lev Vygotsky (2007), por sua vez, destaca que o jogo simbólico tem um papel central no desenvolvimento psicológico da criança, pois permite a criação de situações imaginárias em que ela exerce funções cognitivas superiores, como o autocontrole, a memória voluntária e a atenção dirigida. A brincadeira, nesse sentido, é uma atividade mediadora entre a criança e a cultura, promovendo a internalização de signos e a construção da linguagem.
Vygotsky também ressalta que a alfabetização deve estar vinculada ao lúdico, e que atividades como o desenho, a dramatização e os jogos simbólicos são fundamentais para o desenvolvimento da linguagem escrita. O educador deve, assim, atuar como mediador no processo de transição entre diferentes formas de linguagem, organizando ações pedagógicas que favoreçam essa passagem (VYGOTSKY, 2007).
Com base nessas contribuições teóricas, é possível afirmar que os jogos e brincadeiras não apenas auxiliam na aprendizagem de conteúdos escolares, mas também promovem o desenvolvimento integral da criança, fortalecendo sua autonomia, criatividade e habilidades sociais. Isso reforça a necessidade de incluir o lúdico no planejamento pedagógico como um recurso essencial, e não apenas complementar.
1.3 Os jogos como facilitadores da aprendizagem na perspectiva da legislação e políticas educacionais brasileiras
A valorização dos jogos e brincadeiras como recursos pedagógicos fundamentais no processo de ensino-aprendizagem é respaldada por diversas legislações brasileiras, bem como por diretrizes curriculares que reconhecem o lúdico como um direito da criança e um instrumento promotor de seu desenvolvimento integral.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959) já estabelecia, em seu Princípio VII, que toda criança tem direito ao lazer, ao jogo e à recreação, atividades estas dirigidas à educação e ao desenvolvimento social. Esse princípio foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e das Diretrizes Curriculares Nacionais, culminando com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O artigo 227 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, garantindo sua proteção integral.
Complementarmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), no artigo 16, assegura o direito ao brincar, ao praticar esportes e a se divertir. Já o artigo 59 do mesmo diploma legal estabelece que os municípios, com apoio dos estados e da União, devem estimular e facilitar a destinação de recursos e espaços públicos para ações culturais, esportivas e de lazer voltadas à infância e juventude.
Nesse mesmo sentido, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) e a BNCC (BRASIL, 2017) reconhecem a brincadeira como eixo estruturante das práticas pedagógicas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Conforme a BNCC: “A brincadeira é uma atividade fundamental para a infância, pois envolve múltiplas dimensões do desenvolvimento da criança: física, cognitiva, linguística, afetiva, social, cultural e ética” (BRASIL, 2017, p. 38).
A partir dessa concepção, os jogos são entendidos como instrumentos metodológicos que promovem aprendizagens significativas, respeitando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Esses direitos, conforme a BNCC, incluem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.
Além disso, os jogos e brincadeiras possibilitam o desenvolvimento de competências gerais da educação básica, como o pensamento científico, crítico e criativo; o repertório cultural; a comunicação; e o trabalho em equipe. Portanto, seu uso em sala de aula não deve ser visto como mera recreação, mas como uma estratégia pedagógica intencional e planejada, alinhada aos objetivos de aprendizagem.
Nesse contexto, o lúdico atua como mediador entre o conhecimento e o sujeito, promovendo a autonomia, o protagonismo infantil e a construção de saberes contextualizados. O brincar com intenção educativa contribui para a aprendizagem de conteúdos curriculares ao mesmo tempo que favorece o desenvolvimento emocional e social, essencial à formação integral da criança.
Negar à criança o direito de brincar e aprender de maneira prazerosa é negligenciar um de seus direitos fundamentais e limitar seu desenvolvimento. Portanto, cabe ao professor, como mediador do processo educativo, articular o uso dos jogos com os objetivos pedagógicos, respeitando o ritmo e a singularidade de cada aluno.
Por fim, os jogos são ferramentas poderosas que possibilitam avaliar as aprendizagens de forma dinâmica, permitindo observar o raciocínio lógico, a linguagem, a criatividade, a cooperação e a resolução de problemas. Eles possibilitam múltiplas formas de expressão e registro, essenciais para uma avaliação formativa e inclusiva.
2 A RELAÇÃO ENTRE A FAMÍLIA E A LUDICIDADE
A ludicidade é um dos caminhos mais eficazes para integrar o conhecimento à vida cotidiana da criança. Por meio das brincadeiras, as crianças expressam emoções, interagem com o mundo e constroem significados. O brincar é, portanto, mais do que uma atividade de lazer — é uma ferramenta de aprendizagem e desenvolvimento integral, reconhecida tanto por pesquisadores quanto pelas diretrizes curriculares nacionais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A BNCC (BRASIL, 2017) enfatiza que o desenvolvimento da criança se dá de forma integral, envolvendo as dimensões física, afetiva, intelectual, social e cultural. Nesse processo, a família ocupa um papel central, sendo o primeiro grupo social com o qual a criança estabelece vínculos. É nesse contexto que se iniciam as experiências lúdicas, essenciais para o aprendizado.
No entanto, as condições sociais, econômicas e culturais interferem diretamente nesse processo. Muitas crianças são privadas do direito de brincar devido à precariedade das condições familiares, à ausência de espaços adequados ou mesmo à negligência de adultos que não reconhecem o valor do brincar. Essa realidade é agravada por situações como o trabalho infantil, a desestruturação familiar e a falta de tempo de qualidade entre pais e filhos.
2.1 A importância da participação da família no brincar
Diversos estudos apontam que o envolvimento da família no processo lúdico potencializa o desenvolvimento infantil. De acordo com Sampaio (2011), o brincar pode ser considerado um fator de proteção emocional e social, pois ajuda a criança a elaborar experiências, resolver conflitos e desenvolver competências cognitivas, sociais e afetivas. A autora também afirma que a resiliência infantil é fortalecida quando o ambiente familiar oferece estímulos positivos e afetuosos.
A família não deve apenas permitir que a criança brinque, mas participar ativamente dessas experiências, seja por meio do diálogo, da observação ou da interação direta nas brincadeiras. Isso favorece vínculos afetivos e estimula o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, previstas nas competências gerais da BNCC, como a empatia, a cooperação e o autoconhecimento.
Quando a ludicidade é integrada à rotina familiar, o brincar deixa de ser uma atividade isolada da escola e passa a ser um elo entre os dois ambientes, promovendo uma formação contínua e contextualizada. A escola, por sua vez, deve reconhecer o papel da família e buscar estratégias para fortalecer essa parceria.
2.2 Fatores que dificultam a ludicidade no ambiente familiar
A urbanização acelerada, o trabalho excessivo dos pais, a presença dominante da tecnologia (como televisão, tablets e celulares) e o empobrecimento das interações sociais têm prejudicado significativamente a vivência lúdica nas famílias brasileiras. Conforme Zamberlan e Biasoli-Alves (1997), o tempo reduzido de convivência familiar impacta negativamente na qualidade das interações, comprometendo o desenvolvimento da criança.
Além disso, a vulnerabilidade social e a pobreza aumentam a incidência de problemas cognitivos e socioemocionais (Nunes, 1994), uma vez que muitas crianças são expostas a ambientes carentes de estímulos, proteção e afeto. A ausência de jogos simbólicos e experiências compartilhadas pode comprometer o desenvolvimento da linguagem, da imaginação e da criatividade.
Brougère (1994) destaca que os brinquedos e os jogos são elementos de impregnação cultural, e por meio deles a criança estabelece uma relação ativa com o mundo. Essa interação simbólica permite que ela ressignifique objetos e experiências, o que contribui para a construção de identidade, valores e sentidos.
2.3 Perspectivas teóricas sobre ludicidade e ambiente familiar
A ludicidade, quando analisada sob diferentes vertentes teóricas, revela sua profundidade e complexidade no desenvolvimento humano:
Na perspectiva histórico-cultural, Vygotsky (2007) afirma que o brinquedo desempenha múltiplas funções no desenvolvimento infantil, sendo um espaço de imaginação, autocontrole, resolução de conflitos e aprendizado por meio da mediação social. Brincar é, para ele, uma atividade que promove a internalização de valores sociais e amplia a zona de desenvolvimento proximal da criança.
Na visão cognitivista, autores como Piaget relacionam os tipos de jogos (de exercício, simbólicos e de regras) aos estágios do desenvolvimento cognitivo. Brincar não é apenas expressar-se, mas também pensar, refletir e construir significados (AMORIM; OLIVEIRA; MARIOTTO, 1997).
Sob a ótica psicanalítica, o brincar está ligado às emoções, desejos e conflitos internos da criança. É no ato de brincar que muitas questões subjetivas são elaboradas, dando espaço para o crescimento emocional.
Em todos esses enfoques, a mediação familiar é essencial. Quando os pais se envolvem nas brincadeiras, não apenas fortalecem laços afetivos, mas também ampliam os estímulos cognitivos e emocionais. Além disso, tornam-se modelos de comportamento e linguagem, contribuindo significativamente para o processo de aprendizagem.
2.4 Implicações para a escola
A escola precisa reconhecer que a aprendizagem não ocorre apenas em seu espaço físico e institucional. O ambiente familiar é um espaço complementar e formador, e o trabalho pedagógico deve considerar essa realidade. Por isso, é fundamental criar pontes entre escola e família por meio de projetos, oficinas, reuniões e ações que estimulem o brincar em casa.
De acordo com a BNCC, as experiências vividas pelas crianças fora da escola fazem parte de sua bagagem cultural e devem ser valorizadas. O professor, ao planejar suas práticas, precisa considerar essas vivências e propor atividades que respeitem a diversidade familiar, fomentem a ludicidade e estimulem o diálogo entre os diferentes espaços educativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessa temática, é importante reconhecer que a utilização dos jogos como recurso pedagógico e didático contribui significativamente para a qualidade do processo de aprendizagem, ao estimular as crianças, que, por sua vez, se mostram mais engajadas e dedicadas. A busca por práticas pedagógicas que atendam às reais necessidades dos alunos deve ser um ponto central de reflexão para todos os profissionais da educação.
Quando estimulada a aprender em um ambiente acolhedor e sem tensão, a criança tende a apresentar uma redução significativa da agressividade, além de se integrar melhor na sociedade, construir conhecimentos, desenvolver sensibilidade, habilidades e criatividade. Nesse contexto, escolas, famílias e comunidade precisam refletir sobre o uso dos jogos como um recurso essencial para a educação.
É por meio dos jogos que a criança se desenvolve de forma integral: reduz comportamentos agressivos, constrói saberes, estimula a inteligência e aprende a conviver em grupo. Assim, os jogos não devem ser vistos como um simples passatempo, mas como ferramentas pedagógicas fundamentais. Eles fortalecem sentimentos de aceitação, cumplicidade, companheirismo e trabalho em equipe.
Portanto, é necessário buscar novas concepções e intervenções educativas, bem como aprimorar aquelas já existentes, com base em estudos específicos e práticas fundamentadas.
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