A DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL E SEUS IMPACTOS ESTRUTURAIS SOBRE A EDUCAÇÃO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15551013


Lucas Cassemiro Cruz1
Atila Barros2


RESUMO
O presente ensaio analisa, sob uma perspectiva crítica e interdisciplinar, os impactos da desigualdade social estrutural sobre o sistema educacional brasileiro. Partindo de uma abordagem que articula os pensamentos de Paulo Freire, Jessé Souza e Michel Foucault, investiga-se como a educação, ao invés de promover emancipação, frequentemente atua como dispositivo de reprodução de hierarquias sociais. Argumenta-se que a escola brasileira, marcada por uma lógica meritocrática excludente e por práticas pedagógicas descontextualizadas, reforça a subalternização de sujeitos historicamente oprimidos, especialmente aqueles oriundos das periferias urbanas e da população negra. A análise revela a persistência de um modelo educacional que nega os saberes populares e institucionaliza o fracasso escolar como responsabilidade individual.
Palavras-chave: desigualdade estrutural; educação libertadora; exclusão escolar

ABSTRACT
This article offers a critical and interdisciplinary analysis of the structural social inequality that shapes the Brazilian educational system. Drawing on the theoretical contributions of Paulo Freire, Jessé Souza, and Michel Foucault, it examines how education, rather than fostering emancipation, often functions as a mechanism for reproducing social hierarchies. The argument is made that Brazilian schools, entrenched in an exclusionary meritocratic logic and pedagogical practices detached from students' lived realities, contribute to the subalternization of historically oppressed groups, particularly those from urban peripheries and Black communities. The analysis reveals the persistence of an educational model that devalues popular knowledge and frames school failure as an individual fault.
Keywords: structural inequality; liberating education; school exclusion

INTRODUÇÃO

A desigualdade social no Brasil configura-se como um fenômeno persistente, multifacetado e estruturalmente enraizado nas camadas mais profundas do processo histórico de formação social do país. Não se trata, portanto, de uma realidade conjuntural ou episódica, mas de uma engrenagem sistêmica que sustenta a ordem social vigente e que se perpetua por meio de dispositivos institucionais, simbólicos e culturais. O Brasil foi constituído sob a égide de uma lógica de exclusão estrutural, cuja gênese remonta à colonização violenta, marcada pelo genocídio das populações originárias, pela escravização brutal e massiva de povos africanos e pela consolidação de uma elite agroescravista que monopolizou o acesso à terra, ao conhecimento formal e às instâncias de poder político e econômico. Essa elite fundiária, intelectual e política estabeleceu as bases de um Estado patrimonialista, que historicamente operou segundo os interesses de classes dominantes, mantendo as massas populares em estado de invisibilidade e subalternidade.

Nesse sentido, como argumenta Santos (2019), os efeitos da escravidão não se encerraram com a assinatura da Lei Áurea, em 1888[3], mas persistem, atualizados, nas dinâmicas contemporâneas de exclusão e marginalização. A população negra e parda, herdeira direta da violência escravagista, permanece confinada aos estratos sociais mais vulneráveis, sendo sistematicamente privada de acesso pleno à cidadania. Trata-se de uma continuidade estrutural que se manifesta não apenas na precariedade material, como moradia, saúde, emprego e renda, mas também em esferas simbólicas e subjetivas, como o silenciamento das identidades e dos saberes não hegemônicos, a desqualificação das culturas populares e a negação da experiência histórica dos grupos racializados.

No campo educacional, essa desigualdade estrutural expressa-se de modo particularmente perverso, assumindo diversas formas de exclusão – explícitas e sutis – que operam tanto na organização física e pedagógica das instituições quanto nos discursos que legitimam a escola como espaço neutro e universal. A precariedade da infraestrutura nas escolas periféricas, a escassez de recursos didáticos, a ausência de políticas de permanência, a alta rotatividade docente e a descontinuidade de programas de valorização da diversidade são apenas algumas das faces desse problema. No entanto, há também um nível mais profundo e ideológico de reprodução da desigualdade: a imposição de uma narrativa meritocrática que, ao ignorar as condições materiais adversas vividas por crianças e jovens das classes populares, transforma a exclusão em responsabilidade individual, despolitizando os efeitos do racismo estrutural, da desigualdade econômica e da violência urbana.

É nesse contexto que Paulo Freire (1996), em sua crítica radical à pedagogia bancária, nos convoca à construção de uma educação verdadeiramente libertadora, que reconheça a historicidade dos sujeitos oprimidos e valorize suas experiências concretas de vida como ponto de partida para o processo educativo. A pedagogia do diálogo, proposta por Freire, rejeita a ideia de que os educandos são recipientes vazios à espera do saber do outro. Ao contrário, compreende-os como sujeitos epistêmicos, portadores de saberes legítimos e capazes de transformar a realidade à sua volta por meio da práxis consciente. Para Freire, a educação não pode estar a serviço da manutenção do status quo, mas deve comprometer-se com a superação das injustiças sociais que desumanizam.

A essa crítica, soma-se a análise de Jessé Souza (2024), que em A Ralé Brasileira desnuda os mecanismos institucionais, culturais e simbólicos responsáveis pela naturalização da "subcidadania" no Brasil. Souza denuncia a constituição de uma estrutura social rigidamente hierarquizada, sustentada pela inferiorização sistemática das classes populares, em especial dos grupos racializados. Em sua análise, a escola aparece não como um espaço neutro de promoção do conhecimento, mas como um dos principais instrumentos de reprodução das desigualdades. Ao impor uma cultura escolar distanciada das vivências concretas dos estudantes periféricos, o sistema educacional contribui para o sentimento de inadequação, fracasso e desvalia, alimentando uma lógica de exclusão simbólica que antecede, acompanha e perpetua a exclusão material. O desprezo pelas culturas locais, pelos modos de falar, vestir e viver dos alunos pobres reforça a distância entre o saber escolar e o saber comunitário, tornando a escola um espaço hostil ao pertencimento.

Complementando esse olhar sociológico, Michel Foucault (1977), ao investigar os modos de constituição do poder disciplinar nas sociedades modernas, oferece um aporte fundamental para compreender a escola como uma tecnologia de normalização, vigilância e controle dos corpos e das subjetividades. Em Vigiar e Punir, o autor evidencia a transição das sociedades de soberania – centradas no poder de morte do soberano, para as sociedades disciplinares, onde o poder opera de forma capilarizada, por meio de instituições como a prisão, o hospital, o quartel e, sobretudo, a escola. A disciplina, nesse modelo, não se impõe pela força bruta, mas por mecanismos sutis de observação, avaliação, categorização e correção de condutas. Nesse sentido, a educação deixa de ser concebida como direito universal e torna-se dispositivo de seleção, exclusão e conformação dos sujeitos às normas dominantes. A vigilância constante, seja pela presença física do professor, pelos sistemas de avaliação, pela organização do tempo e do espaço – inscreve no corpo do aluno uma gramática do controle, transformando-o em objeto e efeito de um poder que não cessa de produzir identidades dóceis e úteis à ordem estabelecida.

O presente ensaio propõe, diante desse panorama, uma análise crítica e interdisciplinar sobre os impactos estruturais da desigualdade social na educação brasileira, articulando as contribuições teóricas de Jessé Souza, Michel Foucault e Paulo Freire. Busca-se, com isso, lançar luz sobre os mecanismos ocultos e naturalizados que perpetuam a exclusão dentro do próprio espaço que deveria ser instrumento de emancipação. O texto está organizado em cinco seções: a introdução, onde se delineia o problema e os objetivos do estudo; a exposição do método de pesquisa adotado, fundamentado em análise teórico-documental; a análise dos impactos estruturais da desigualdade sobre o sistema educacional brasileiro; a discussão das críticas sociais que emergem desse cenário à luz dos autores mobilizados; e, por fim, as considerações finais, nas quais se apontam caminhos possíveis para a construção de uma educação que rompa com os pilares históricos da exclusão e contribua para a efetiva democratização do saber e da cidadania no Brasil.

INFÂNCIA, POBREZA E EXCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A realidade da infância e adolescência brasileira permanece atravessada por desigualdades estruturais que comprometem profundamente o direito à educação. Em pleno século XXI, a coexistência de pobreza multidimensional com a exclusão escolar revela o caráter seletivo e excludente do projeto social vigente. Segundo dados recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 2023, aproximadamente 28,8 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos encontravam-se em situação de pobreza multidimensional no Brasil, o que representa cerca de 55,9% dessa população etária. Dentre esses, cerca de 9,8 milhões (18,8%) viviam em condições de pobreza extrema, caracterizadas por privações simultâneas de renda, acesso à educação, saneamento básico, moradia digna e segurança alimentar.

Esses dados apontam para uma vulnerabilidade estrutural que afeta diretamente o acesso e a permanência de crianças e adolescentes na escola. Ainda segundo o UNICEF, aproximadamente 2 milhões de jovens entre 11 e 19 anos estavam fora da escola em 2023, o que representa cerca de 11% da população nessa faixa etária. A exclusão escolar manifesta-se com maior intensidade nas faixas etárias de 4 a 5 anos e de 15 a 17 anos, que, juntas, concentram mais de 90% das crianças e adolescentes que não frequentam regularmente a escola.

O vínculo estreito entre pobreza e evasão escolar evidência que a exclusão educacional no Brasil não pode ser compreendida isoladamente, mas deve ser lida como parte de uma engrenagem mais ampla de reprodução das desigualdades sociais. Crianças e adolescentes oriundos das classes populares enfrentam obstáculos complexos: a necessidade precoce de inserção no mercado de trabalho informal, a ausência de políticas públicas territorializadas e sensíveis às especificidades locais, a precariedade das infraestruturas escolares e, sobretudo, a ausência de um projeto educacional que reconheça e valorize seus saberes, suas identidades e suas experiências de vida.

Jessé Souza (2024), ao analisar a condição da “ralé brasileira”, denuncia o modo como o sistema escolar naturaliza o fracasso das classes subalternas, imputando-lhes a responsabilidade individual por uma exclusão que é, na verdade, sistematicamente produzida. Para o autor, “as camadas populares são excluídas de seus direitos simbólicos, representadas como incapazes e moralmente inferiores, o que legitima sua exclusão dos bens escassos da educação de qualidade” (Souza, 2024a, p. 145). Nesse cenário, a escola deixa de ser um espaço de ascensão e se converte em mais um instrumento de distinção e hierarquização social.

Michel Foucault (1975), por sua vez, alerta para a dimensão disciplinar da instituição escolar como dispositivo de poder que normatiza condutas, regula comportamentos e fabrica subjetividades dóceis. Em sua análise genealógica das instituições modernas, Foucault aponta a escola como uma das principais engrenagens da sociedade disciplinar, cuja função é formar corpos úteis e obedientes. A exclusão escolar, nesse contexto, não é uma falha do sistema, mas um efeito desejado de uma lógica que hierarquiza saberes, classifica sujeitos e administra vidas sob o imperativo da racionalidade neoliberal.

Diante desse panorama, torna-se imprescindível a construção de políticas educacionais comprometidas com a justiça social e com a inclusão efetiva das infâncias e juventudes historicamente marginalizadas. Isso exige o rompimento com a lógica da culpabilização individual e a construção de um projeto pedagógico que reconheça os sujeitos populares não como carentes ou deficitários, mas como portadores de saberes legítimos e agentes de transformação social.

MÉTODO

A presente investigação inscreve-se no campo da pesquisa qualitativa, orientada por uma abordagem teórico-bibliográfica e analítico-interpretativa, comprometida com uma leitura crítica e interdisciplinar da realidade educacional brasileira. Longe de se limitar à simples descrição de fenômenos, a pesquisa assume um posicionamento epistemológico que problematiza as estruturas históricas, institucionais e simbólicas responsáveis pela perpetuação da desigualdade social no interior do sistema educacional. Nesse sentido, o referencial teórico mobilizado é composto por autores cujas obras oferecem contribuições decisivas à compreensão das dinâmicas de poder, exclusão e resistência: Michel Foucault, Jessé Souza e Paulo Freire.

A metodologia adotada baseia-se na análise densa e sistemática de obras referenciais nos campos da sociologia crítica, da filosofia da educação e da teoria social contemporânea. Trata-se de uma hermenêutica da realidade educacional a partir da articulação entre categorias analíticas e contextos empíricos, tendo como eixo de investigação os dispositivos de reprodução das desigualdades estruturais, notadamente aquelas que se manifestam nas práticas pedagógicas, na organização institucional da escola e nos discursos que legitimam a meritocracia como justificativa para o fracasso escolar das classes populares.

O corpus da pesquisa abrange livros, artigos acadêmicos, dissertações e teses, além de documentos oficiais de políticas públicas educacionais, todos selecionados segundo critérios de relevância teórica, atualidade e consonância com o objeto problematizado. Também foram incorporadas obras interdisciplinares que evidenciam os impactos históricos da herança escravocrata e do racismo estrutural na construção da subalternidade no espaço escolar, bem como os mecanismos de exclusão simbólica que operam através das práticas curriculares e das avaliações padronizadas. Assim, a seleção do material não se orienta apenas por uma lógica temática, mas por sua capacidade de iluminar, em profundidade, as engrenagens que sustentam a desigualdade como um projeto histórico.

O método de análise empregado é inspirado na proposta de análise de conteúdo, conforme sistematizada por Bardin (1977), adaptada aqui como uma estratégia interpretativa crítica. A leitura das obras não se dá de forma linear ou descritiva, mas como um exercício dialógico que busca extrair categorias teóricas capazes de revelar os sentidos latentes nos textos e nas práticas sociais que eles descrevem ou interpelam. As categorias emergentes são, então, confrontadas com dados e narrativas sobre a realidade educacional brasileira, num movimento de cruzamento teórico-empírico que visa desnudar os fundamentos ideológicos das políticas educacionais e das estruturas que as sustentam.

Não se trata, portanto, de uma pesquisa que almeje respostas definitivas ou soluções pragmáticas. Ao contrário, o propósito é tensionar os discursos hegemônicos que naturalizam a desigualdade escolar, promovendo uma reflexão crítica sobre as determinações histórico-estruturais que configuram a educação como instrumento de disciplinamento, hierarquização e silenciamento das vozes dissidentes. Em consonância com o pensamento de Paulo Freire, a investigação aposta na potência política da educação como prática da liberdade, uma prática que, para se efetivar, exige não apenas o reconhecimento das opressões, mas a construção coletiva de caminhos de emancipação.

Assim, a abordagem metodológica aqui delineada busca desestabilizar os lugares-comuns das análises tecnocráticas, propondo um olhar crítico que articula subjetividade, historicidade e luta de classes como chaves interpretativas centrais para compreender os impasses e desafios da educação brasileira no enfrentamento das desigualdades sociais.

IMPACTOS ESTRUTURAIS NA EDUCAÇÃO

A estrutura educacional brasileira, marcada por desigualdades históricas e sociais, é atravessada por práticas institucionais que reproduzem hierarquias e exclusões. A escola, longe de constituir-se como espaço universal de acolhimento e emancipação, opera frequentemente como mecanismo de reforço das divisões de classe, raça e território. Jessé Souza (2024) enfatiza que o sistema educacional nacional está estruturado para manter a “ralé” brasileira em posições subordinadas, não apenas economicamente, mas também simbolicamente, por meio da negação do reconhecimento social.

Os dados estatísticos evidenciam uma assimetria brutal entre os diferentes segmentos da sociedade: enquanto escolas privadas de elite contam com infraestrutura de ponta, projetos pedagógicos integradores e acesso facilitado a bens culturais, a maioria das escolas públicas periféricas opera em regime de carência estrutural. A ausência de bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas e até mesmo de saneamento básico compromete o desenvolvimento pleno dos estudantes. Conforme Foucault (1975), a normalização da precariedade funciona como tecnologia de poder que naturaliza a exclusão, invisibilizando sua origem histórica e política. Além das desigualdades materiais, há o impacto simbólico das práticas pedagógicas que operam segundo uma lógica meritocrática excludente. Freire (2003) denuncia a pedagogia bancária que ignora a realidade dos educandos e trata o conhecimento como algo a ser depositado unilateralmente pelo professor. Tal modelo perpetua a alienação dos estudantes das camadas populares e impede a construção de uma educação crítica e dialógica. Em um país onde o acesso à cultura letrada é profundamente desigual, exigir desempenho padronizado sem considerar as condições objetivas de aprendizagem é uma forma de violência simbólica.

Outro ponto relevante refere-se à racialização da desigualdade educacional. A herança da escravidão continua a impactar o perfil dos que ocupam os espaços escolares em distintas posições: majoritariamente brancos nos postos de gestão e docência; negros e pardos, como maioria entre os discentes em situação de fracasso ou evasão escolar. Essa segregação racializada é analisada por Foucault (2008) a partir da noção de biopolítica, que administra vidas descartáveis e opera pela diferenciação entre os corpos que devem viver e os que podem morrer, ou, neste caso, que podem fracassar.

Em complemento, a atuação das políticas públicas educacionais tem sido, muitas vezes, insuficiente ou mesmo contraditória. Programas como o Fundeb, o Bolsa Família e as cotas raciais no ensino superior constituem avanços importantes, mas não conseguem reverter sozinhos um sistema estruturado na desigualdade. O que se observa, como indica Jessé Souza (2024), é uma resistência das elites em permitir que a educação funcione como via de mobilidade social, já que isso implicaria compartilhar os privilégios historicamente acumulados.

Assim, os impactos estruturais da desigualdade social na educação não se resumem à carência de recursos, mas abrangem dispositivos de exclusão simbólica, disciplinar e epistemológica. A escola torna-se, assim, espaço de reprodução da lógica de dominação, mascarada pelo discurso da neutralidade e do mérito. Tal constatação exige, para além da denúncia, a construção de alternativas educativas verdadeiramente comprometidas com a transformação social.

CRÍTICA SISTÊMICA AO MODELO EDUCACIONAL HEGEMÔNICO

A construção de um projeto pedagógico radicalmente democrático, comprometido com a justiça social e com a valorização dos saberes populares e periféricos, constitui não apenas uma demanda ética, mas uma urgência histórica diante da persistente reificação das desigualdades no interior das práticas educacionais. Nesse horizonte, propõe-se uma ruptura com os alicerces epistemológicos da educação bancária (Freire, 2003) e com os dispositivos disciplinares que, segundo Foucault (1977), operam como máquinas de subjetivação, controle e docilização dos corpos.

A escola tradicional, concebida sob a lógica meritocrática e padronizadora, perpetua o silenciamento das vozes dissidentes e a deslegitimação dos saberes oriundos das camadas populares. Michel Foucault, em "A ordem do discurso" (1995), analisa os regimes de verdade que regulam quais conhecimentos são considerados legítimos e quais são excluídos. Esses mecanismos de exclusão discursiva manifestam-se no âmbito escolar por meio da desqualificação sistemática dos saberes populares, periféricos, orais, experienciais e afetivos. Como observa Foucault, “o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou encobre) o desejo; é também o objeto do desejo” (Foucault, 1995, p. 10). Nesse contexto, a proposta de um projeto pedagógico radicalmente democrático deve articular a justiça cognitiva à justiça social. Tal articulação implica reconhecer que a produção de saber está atravessada por relações de poder e que a hegemonia do conhecimento eurocentrado, cientificista e universalizante deve ser tensionada por epistemologias do Sul, saberes ancestrais, práticas culturais populares e formas de inteligência coletivamente elaboradas nos territórios periféricos.

A contribuição de Jessé Souza é fundamental para compreender como o sistema educacional brasileiro reitera as desigualdades de classe através de mecanismos simbólicos que naturalizam a inferiorização das camadas populares. Em "A ralé brasileira" (2024), Souza evidencia como a exclusão educacional é instrumentalizada por uma cultura de distinção social que associa o capital cultural das elites à inteligência, à competência e ao merecimento, ao passo que desqualifica os saberes da ralé como ignorância ou desvio. “A classe dominante [...] define a si mesma como portadora do ‘bom gosto’ e do ‘conhecimento legítimo’, ao passo que impõe às classes populares o estigma da vulgaridade e da incompetência” (Sousa, 2024a, p. 97).

Essa dinâmica está diretamente relacionada ao que Foucault (2008) denomina de "biopolítica": um modelo de gestão das populações que hierarquiza vidas e regula condutas com base em dispositivos normativos, nos quais a escola ocupa um lugar central como tecnologia de governo. Em "Vigiar e punir" (1975), o autor denuncia como a instituição escolar estrutura-se a partir da racionalidade disciplinar, organizando o tempo, o espaço e os comportamentos de forma a moldar subjetividades conformes aos interesses do sistema produtivo. Em contrapartida, a pedagogia de Paulo Freire oferece uma base sólida para a construção de uma educação libertadora, dialógica e emancipadora. Freire propõe uma prática pedagógica baseada no reconhecimento do aluno como sujeito de saber, na valorização da experiência vivida e na relação horizontal entre educador e educando. Como destaca o autor: “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 47).

Um projeto pedagógico radicalmente democrático deve, portanto, assumir como eixo estruturante a desconstrução das hierarquias epistemológicas, culturais e sociais que marginalizam sujeitos e saberes. Tal projeto requer a reconfiguração das práticas curriculares, a inclusão de narrativas subalternizadas, o reconhecimento da pluralidade das infâncias e juventudes e o engajamento político com os territórios populares. Como afirma Jessé Souza em "O pobre de direita" (2024), a “vingança dos bastardos” ocorre quando o sistema nega continuamente o reconhecimento e a dignidade das classes populares, levando à adesão ressentida a projetos políticos excludentes. A educação, neste caso, pode ser tanto um instrumento de emancipação quanto de perpetuação da opressão.

Nesse sentido, é urgente repensar o papel da escola como espaço de produção de subjetividades e de disputas simbólicas. A escola radicalmente democrática deve se organizar não como aparelho de normalização, mas como campo de acolhimento das diferenças, de fortalecimento das identidades plurais e de formação para o conflito político, compreendido como motor da democracia. Trata-se de romper com a lógica da neutralidade tecnocrática e assumir a educação como prática social, situada e comprometida com a transformação das estruturas de dominação.

Essa proposta se articula, ainda, com os fundamentos do pensamento de Vygotsky (1997), ao reconhecer a centralidade do contexto histórico-social no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Ao valorizar a interação social como mediadora da aprendizagem e da construção do conhecimento, Vygotsky oferece subsídios teóricos para uma educação que reconhece o potencial criativo das crianças e jovens oriundos das periferias e compreende o saber como produto coletivo.

A defesa de um projeto pedagógico radicalmente democrático, ancorado na justiça social e na valorização dos saberes populares, é um ato de resistência frente à barbárie institucionalizada que transforma a escola em aparelho reprodutor da desigualdade. Retomar o compromisso ético e político com os oprimidos é afirmar que não há educação neutra: ou ela é instrumento de libertacão ou será cómplice da opressão. Para isso, é imprescindível tensionar os discursos que sustentam a exclusão e abrir espaço para a escuta das vozes silenciadas. Como alerta Foucault (2006), “a história da loucura é também a história do silenciamento daqueles que não têm voz dentro do código da razão dominante”. Dar voz aos saberes periféricos é, assim, um gesto radicalmente pedagógico e profundamente político.

CRÍTICAS SOCIAIS À DESIGUALDADE EDUCACIONAL

A crítica social à desigualdade educacional no Brasil deve ultrapassar o plano meramente descritivo e alcançar uma análise mais profunda das estruturas de poder que sustentam e reproduzem essa realidade. Não basta denunciar a exclusão escolar ou indicar sua correlação com a pobreza: é imprescindível investigar os alicerces históricos, institucionais e simbólicos que tornam essa exclusão possível e, mais do que isso, aceitável. Nesse processo, a escola emerge como uma das engrenagens centrais do aparato de reprodução das desigualdades. Longe de ser uma instância neutra de transmissão de saberes, a instituição escolar deve ser compreendida, à luz das formulações foucaultianas, como uma tecnologia de poder que opera na formação dos corpos e das subjetividades, disciplinando comportamentos, instituindo normas e moldando condutas sob o regime do discurso dominante (Foucault, 1995).

Na contemporaneidade, o aparato educacional se entrelaça com os dispositivos biopolíticos de gestão da vida, nos quais a governamentalidade neoliberal transforma cada sujeito em empresa de si mesmo, responsabilizando-o pelo seu próprio sucesso ou fracasso. A avaliação padronizada, a categorização por desempenho e o controle permanente do tempo e do corpo escolar constituem um regime de visibilidade e vigilância que captura os indivíduos e os submete à lógica da performatividade. Como argumenta Jessé Souza (2024), esse processo está ancorado na culpabilização da pobreza: os pobres não são vítimas de um sistema excludente, mas supostamente culpados por sua própria condição, considerados moralmente inferiores, incapazes ou preguiçosos. Trata-se de uma narrativa hegemônica que despolitiza a miséria, deslocando a responsabilidade do Estado e das elites para o indivíduo.

Essa lógica se manifesta também na linguagem gerencial que passou a colonizar o campo educacional. A escola, outrora concebida como espaço de formação humana integral, é agora tratada como “organização eficiente”, “empresa de resultados”, “ambiente de excelência”. Os professores são convertidos em “gestores de aprendizagem” e os alunos em “empreendedores de si”, em um processo que desumaniza as relações escolares e reifica o conhecimento, reduzido a competências quantificáveis e conteúdos mercantilizáveis. Foucault (2011) alerta que o discurso não é mero reflexo da realidade, mas instrumento de poder que define o que pode ser dito, por quem e com quais efeitos. Assim, a naturalização da lógica de mercado na educação impede o pensamento crítico e reprime as vozes dissonantes.

Em oposição a essa racionalidade tecnocrática, Paulo Freire (1996) propõe uma pedagogia da esperança e da liberdade, fundada no reconhecimento da historicidade dos sujeitos e na valorização de seus saberes. A educação, para Freire, é um ato eminentemente político, e o silêncio diante da opressão não é neutralidade, mas cumplicidade. A recusa em discutir o racismo, a desigualdade de classe, o machismo e outras formas de opressão no espaço escolar significa pactuar com a ordem vigente. Ensinar é um ato de coragem ética, e educar para a liberdade exige criar espaços de diálogo autêntico, onde os educandos possam se reconhecer como sujeitos históricos, capazes de intervir no mundo.

A crítica social à educação brasileira também deve enfrentar a exclusão estrutural das múltiplas subjetividades que compõem o tecido social do país. As juventudes negras, indígenas, periféricas, LGBTQIA+ e com deficiência enfrentam barreiras materiais e simbólicas que limitam seu acesso, permanência e sucesso na escola. A imposição de um modelo homogêneo de sujeito educável, branco, masculino, heterossexual, normativo, representa uma violência epistêmica que silencia outras formas de existência. Werneck (1997) e Sassaki (2009) afirmam que a verdadeira inclusão só será alcançada quando a diversidade for reconhecida como constitutiva da escola e não como exceção tolerada.

Nesse sentido, torna-se urgente a construção de um projeto pedagógico radicalmente democrático, comprometido com a justiça social e com a valorização dos saberes populares e periféricos. Isso implica descolonizar os currículos, inserindo epistemologias do sul, saberes ancestrais e experiências culturais marginalizadas; democratizar os processos decisórios, garantindo a participação efetiva de estudantes, famílias e comunidades; e reconfigurar as práticas pedagógicas para que sejam dialógicas, inclusivas e transformadoras. A escola deve deixar de ser instrumento de controle e tornar-se espaço de emancipação.

Somente por meio da radicalização da democracia educacional será possível converter a crítica social em prática transformadora. Isso exige não apenas reformas administrativas, mas uma verdadeira reinvenção do sentido da educação pública, pautada por um compromisso ético com a equidade, com a dignidade humana e com a construção de uma sociedade plural e justa.

SABERES DA PERIFERIA E PRECONCEITO ESCOLAR

A valorização dos saberes oriundos das periferias urbanas e a desnaturalização do preconceito institucionalizado contra as identidades populares e racializadas constituem dimensões urgentes e incontornáveis para a construção de um projeto educacional comprometido com a justiça social no Brasil. A escola, embora proclamada como espaço de ascensão e emancipação, historicamente funcionou como aparelho ideológico de Estado que, conforme revela Louis Althusser e retoma Michel Foucault, opera na formação de subjetividades obedientes e na administração diferencial das populações a partir de seus desvios da norma.

Michel Foucault, ao longo de suas obras, especialmente em Vigiar e Punir (1975) e Microfísica do Poder (2011), demonstrou como as instituições modernas são atravessadas por dispositivos disciplinares que regulam os corpos e produzem hierarquias invisíveis, mas eficazes. A escola não escapa a esse modelo: ela não apenas ensina conteúdos, mas regula a linguagem, o corpo, o tempo, a emoção e os afetos. Dessa forma, qualquer saber que fuja à lógica do conhecimento hegemônico, eurocêntrico, branco, cientificista, é relegado à marginalidade e ao silenciamento. A "ordem do discurso" (Foucault, 1995) imposta pela racionalidade escolar seleciona quais vozes podem ser ouvidas e quais devem ser eliminadas. Em territórios periféricos, marcados por memórias de resistência, saberes coletivos e práticas culturais enraizadas na ancestralidade africana, nos conhecimentos da oralidade, nas lutas por sobrevivência e criatividade, tais saberes são sistematicamente deslegitimados. Como aponta Tahinan da Cruz Santos (2019), “as marcas da escravidão não cessaram com a abolição; elas foram reconfiguradas no racismo estrutural que ainda hoje define os espaços de presença e ausência dos corpos negros nas estruturas de poder” (p. 50).

Esse racismo estrutural se expressa de forma contundente no cotidiano escolar, onde identidades periféricas e negras são cotidianamente alvejadas por práticas de controle, desconfiança e exclusão simbólica. Os alunos da periferia, muitas vezes, têm sua linguagem corrigida com violência simbólica, sua cultura considerada inferior e seus corpos vistos como ameaça. Não é casual que tais sujeitos estejam entre os que mais sofrem com a evasão escolar, com a medicalização excessiva e com o fracasso educacional rotulado como incapacidade individual. A contribuição de Souza (2024a, 2024b), é decisiva para a compreensão desses processos. Em A ralé brasileira, o autor denuncia como a educação no Brasil foi desenhada para manter intacta a distinção de classes, mascarando com o discurso da meritocracia a reprodução da desigualdade. A ralé, nas palavras de Souza, não é apenas economicamente empobrecida: ela é simbolicamente desumanizada, privada do reconhecimento público e condenada à invisibilidade. Em O pobre de direita, Souza argumenta que esse estigma de inferioridade internalizado pela população periférica, e inculcado via instituições como a escola, gera um ressentimento que pode ser manipulado por discursos autoritários e excludentes, culminando em alianças entre os oprimidos e seus algozes.

Diante desse cenário, a pedagogia freiriana apresenta-se como horizonte de reconfiguração radical. Em Pedagogia do Oprimido (2003) e Pedagogia da Autonomia (1996), Paulo Freire propõe uma educação que não apenas reconheça os saberes populares, mas que parta deles para a construção de um saber emancipador. Para Freire, “ensinar exige o reconhecimento de que a educação é uma forma de intervenção no mundo” (1996, p. 24), e, portanto, é necessário que o educador se disponha a escutar, acolher e dialogar com a experiência vivida do educando.

A valorização dos saberes da periferia exige, assim, uma epistemologia insurgente, que desloque a centralidade do conhecimento formal e permita a inclusão de saberes ancestrais, saberes do cuidado, da sobrevivência, da solidariedade e da arte. Tais saberes são produções coletivas que resistem ao epistemicídio imposto pela modernidade colonial, denunciado por diversos pensadores decoloniais, mas também presente nas obras de Foucault, ao tratar dos saberes subjugados como saberes locais, desqualificados e excluídos do regime de verdade dominante (História da Loucura, 2006). Nesse sentido, a escola que ignora a cultura periférica e que insiste em apagar a história da população negra e pobre é cómplice de uma violência ontológica. Para romper com esse ciclo, é fundamental que o projeto pedagógico assuma uma perspectiva inclusiva não apenas na dimensão formal, mas também na valorização simbólica dos sujeitos historicamente marginalizados.

Valorizar os saberes da periferia é mais do que uma demanda pedagógica: é um imperativo ético e político. O preconceito com a identidade dos alunos não é uma falha isolada de educadores, mas parte de uma engrenagem estrutural que naturaliza a desigualdade como destino. Romper com essa lógica exige coragem epistemológica, abertura para o diálogo e o compromisso com uma educação profundamente enraizada na vida. Dar centralidade aos saberes populares é, enfim, abrir espaço para a construção de uma nova gramática educacional, onde o conhecimento deixa de ser instrumento de domínio para tornar-se prática de liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos impactos estruturais da desigualdade social na educação brasileira evidencia, de forma incontornável, que o sistema educacional não é, e jamais foi, um campo neutro nem tampouco inócuo em relação às dinâmicas de poder que atravessam a sociedade. Ao contrário, trata-se de uma engrenagem central na reprodução das assimetrias históricas e sociais que sustentam a ordem excludente e hierarquizada sobre a qual o Brasil foi erigido. A escola, inserida num campo de forças tensionado por disputas simbólicas, econômicas e políticas, constitui-se como um espaço estratégico de (re)produção de hegemonias, onde os discursos da igualdade formal e da meritocracia frequentemente ocultam os mecanismos profundos de exclusão, silenciamento e negação de identidades. A promessa de ascensão pelo esforço individual, amplamente disseminada, serve não como instrumento de emancipação, mas como retórica ideológica que desresponsabiliza o Estado e transfere ao indivíduo a culpa por sua condição social.

A partir das contribuições teóricas de Jessé Souza (2024), especialmente em A Ralé Brasileira, torna-se possível desnudar a natureza profundamente excludente do sistema educacional brasileiro. Para o autor, a educação, longe de ser um instrumento privilegiado de mobilidade social, opera de forma a manter intacta a estrutura de dominação vigente, legitimando a inferiorização dos segmentos populares por meio da desqualificação de seus saberes e da imposição de códigos culturais alheios às suas experiências de vida. Essa dinâmica é o que Souza denomina de “naturalização da subcidadania”, isto é, o processo pelo qual se inculca nos sujeitos populares a ideia de que sua posição social é resultado de sua própria incapacidade, e não da violência estrutural que os mantém à margem. A escola, nesse sentido, converte-se em um aparelho simbólico que aprisiona subjetividades, reproduzindo e legitimando a exclusão por meio da pedagogia da culpa, da homogeneização curricular e da recusa ao reconhecimento da diversidade epistemológica.

As reflexões genealógicas de Michel Foucault (1977), por sua vez, são fundamentais para compreender como se articulam os dispositivos de poder e saber no cotidiano escolar. Em Vigiar e Punir, o filósofo demonstra como as instituições modernas, entre elas a escola, organizam-se como espaços disciplinares, voltados à normatização dos corpos e das condutas, produzindo sujeitos dóceis, previsíveis e funcionais aos imperativos do capital. A escola é, nesse quadro, uma instância de vigilância e controle, onde o tempo é cronometrado, o espaço é compartimentado e o saber é fragmentado e hierarquizado. A avaliação padronizada, os rankings de desempenho, a categorização precoce dos estudantes por supostas “habilidades cognitivas” não são práticas neutras, mas expressões da lógica biopolítica que transforma o direito à educação em privilégio seletivo, subordinando-o à racionalidade gerencial, à eficiência produtiva e à rentabilidade futura do sujeito.

A biopolítica, como regime de gestão das populações, não opera apenas excluindo, mas hierarquizando vidas, definindo quais corpos devem ser investidos com saber e quais devem ser descartáveis dentro da economia do conhecimento. Dessa forma, a escola, ao classificar, avaliar e selecionar, participa ativamente de um processo de ordenação social que legitima a desigualdade sob o disfarce da equidade. A exclusão educacional, portanto, não se dá apenas pela ausência de acesso, mas também pela presença violenta de uma educação que desqualifica, vigia, regula e molda corpos para sua submissão.

Nesse cenário, a pedagogia de Paulo Freire emerge como uma alternativa ética, epistemológica e política à lógica reprodutora do sistema educacional dominante. Em Pedagogia do Oprimido (2003) e Pedagogia da Autonomia (1996), Freire propõe uma ruptura radical com os modelos tradicionais de ensino, denunciando a chamada “educação bancária”, na qual o professor deposita conteúdos no aluno, tratado como recipiente vazio. Para Freire, a educação deve partir da realidade concreta dos educandos, valorizando suas experiências, suas linguagens, seus modos de existir e resistir, como fundamentos para a construção do conhecimento crítico. Trata-se de uma pedagogia da escuta e do diálogo, que reconhece no outro não apenas um sujeito de direitos, mas também um sujeito epistêmico, legítimo produtor de saberes.

A pedagogia freireana recusa a homogeneização curricular e reivindica o reconhecimento da diversidade como princípio fundante de toda prática educativa emancipadora. A superação da desigualdade educacional, para Freire, exige mais do que reformas superficiais ou programas de inclusão compensatória: requer uma reconfiguração profunda do projeto educacional, fundada na radicalização democrática, na justiça social e na reinvenção das relações de poder no interior das escolas. Isso implica rever os currículos e suas epistemologias eurocentradas, reconfigurar as práticas pedagógicas, reequilibrar as relações entre docentes e discentes e, sobretudo, construir uma escuta ativa dos sujeitos historicamente silenciados, reconhecendo neles potência transformadora.

Em última instância, enfrentar os impactos estruturais da desigualdade social sobre a educação exige mais do que boa vontade técnica ou eficiência administrativa. Trata-se de um imperativo ético, político e civilizatório. A transformação da escola em espaço de acolhimento, pluralidade, justiça e escuta não é apenas uma possibilidade teórica, mas uma necessidade histórica diante da brutalidade da exclusão que marca a experiência educacional de milhões de brasileiros. O direito à educação não pode ser reduzido a uma formalidade jurídica ou a uma métrica quantitativa de acesso. Deve ser compreendido como direito à produção de subjetividades livres, conscientes e comprometidas com a construção de um outro mundo possível, mais justo, mais plural e verdadeiramente democrático.

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1 Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá (Unesa), Campus Teresópolis, RJ. E-mail: [email protected]

2 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). E-mail: [email protected]

3 A Lei Áurea (Lei nº 3.353), sancionada em 13 de maio de 1888, foi a norma jurídica que decretou a abolição formal da escravidão no Brasil. Com apenas dois artigos, ela revogou a legalidade da escravização de africanos e seus descendentes no país: Art. 1º: É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil. Art. 2º: Revogam-se as disposições em contrário (Brasil, 1888).