A CONSTRUÇÃO DA MULHER NEGRA NO LIVRO OLHOS D’ÁGUA: UMA ANÁLISE DO SUJEITO NO CONTO “LUAMANDA” DE CONCEIÇÃO EVARISTO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15550940
Adrianne Cristine Saraiva Santos dos Santos1
Christiane do Socorro Ramos dos Santos1
Ingrid Ferreira Corrêa1
Jamilly de Fátima Pinheiro Santos1
RESUMO
Para além da investigação da frase e do enunciado, analisar o discurso é uma maneira mais profunda para entender o processo de produção discursiva que permeia a vida humana a partir de conjunturas sociais, históricas e culturais. A Análise de Discurso pode ser um aporte teórico e metodológico interessante para a análise do texto literário. Nesse sentido, o presente artigo faz um estudo das influências ideológicas que embasam o discurso em “Luamanda”, conto escrito por Conceição Evaristo, presente no livro Olhos D'água (2014). Essa narrativa abriga uma personagem feminina, homônima do título, e suas relações sociais e amorosas com pessoas de diferentes sexos e idades. São utilizados na análise, eminentemente bibliográfica e de caráter qualitativo, os conceitos de sujeito no campo psicanalítico freudiano, a partir, também, da perspectiva de Pêcheux, e de identidade na pós-modernidade, com foco no pensamento de Zygmund Bauman. Investiga-se como ocorre a construção de identidade da personagem como uma mulher negra marginalizada. As conclusões indicam que os termos compostos empregados nas construções da narrativa são prenúncios da própria apresentação da identidade feminina de Luamanda, que é plural, mutável e passível de reconstruções diante de suas vivências e relações sociais.
Palavras-chave: Sujeito. Discurso. Luamanda. Mulher negra.
ABSTRACT
Beyond investigating the phrase and the utterance, analyzing discourse is a deeper way of understanding the process of discursive production that permeates human life from social, historical and cultural perspectives. Discourse Analysis can be an interesting theoretical and methodological approach to analyzing literary texts. In this sense, this article studies the ideological influences that underpin the discourse in Luamanda, a short story written by Conceição Evaristo in the book Olhos D'água (2014). This narrative features a female character with the same name as the title, and her social and romantic relationships with people of different sexes and ages. The analysis, which is eminently bibliographical and qualitative in nature, uses the concepts of subject in the Freudian psychoanalytical field, also from the perspective of Pêcheux, and identity in postmodernity, with a focus on the thinking of Zygmund Bauman. It investigates how the character's identity is constructed as a marginalized black woman. The conclusions indicate that the compound terms used in the constructions of the narrative are harbingers of the presentation of Luamanda's female identity, which is plural, mutable and subject to reconstruction in the light of her experiences and social relationships.
Keywords: Subject. Discourse. Luamanda. Black woman.
1 INTRODUÇÃO
Os estudos de Análise do Discurso (AD) são elementares para a percepção do funcionamento de construções discursivas e ideológicas do ser humano. Tal característica confere a essa perspectiva, uma riqueza de objetos investigativos ao longo do tempo. Nesse sentido, nota-se fundamental propor, neste trabalho, uma das interfaces que a AD abarca e aprimora: a Literatura. Aqui, consoante a Mello (2005), o qual afirma que ambas as categorias mescladas são realidade, há a necessidade de estimular estudos que acompanhem as reformulações dessa área.
Desse modo, é perceptível que as mudanças ocorridas na Análise do Discurso focalizaram nos efeitos de significação materializados em inúmeros textos, incluindo os literários tal qual postula Rodrigues (2014) a respeito da incorporação de objetos investigativos religiosos, publicitários, jornalísticos, jurídicos e outros. Assim, o analista pode, a partir de então, deleitar-se em produções que ultrapassem o sentido objetivo, possibilitando a existência de diversas interpretações.
Tendo isso em vista, o presente artigo possui como motriz o enriquecimento dessa proposição – Literatura/Análise do Discurso – via a investigação das influências ideológicas basilares do discurso em “Luamanda”, conto componente do livro Olhos d’Água de Conceição Evaristo, uma vez que de acordo com Gonzalez (2020), as escritas advindas das vivências dessa autora proporcionam um arcabouço particular de verificação, dando consciência a um sujeito ambivalente: ser mulher e ser mulher negra dentro de um sistema patriarcal e racista. Sob tal viés, como as noções discursivas do narrador constroem uma representação do sujeito (mulher negra) no conto?
Logo, pretende-se investigar, nesta pesquisa, como o discurso do narrador reflete a construção da mulher negra em “Luamanda”, sobretudo, analisando 1) a constituição desse sujeito; 2) a aparição da voz da mulher negra e 3) a escrevivência na produção do texto.
Para tanto, utilizar-se-á como estrutura: a) Referencial Teórico: Helena Brandão e Michael Pêcheux na apresentação de campo; bem como Sigmund Freud e Zygmunt Bauman no estudo do sujeito e da identidade; b) tendo por base metodológica: bibliográfica e exploratória; e c) culminando na análise do corpus – conto Luamanda e seus dados (frases e expressões).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Análise do Discurso: apresentação do campo
A escola francesa de análise do discurso (AD) nasce nos anos de 1950 com os trabalhos sobre enunciação dos teóricos R. Jakobson e E. Benveniste. Esses trabalhos tornam relevantes os estudos que questionam a influência do autor e a sua relação com o enunciado. A partir desses trabalhos, a AD nasce tendo como base a interdisciplinaridade, visto que ela é a preocupação de muitas outras áreas, que focam na influência do sujeito no enunciado, como de historiadores e de alguns psicólogos, assim sendo definida inicialmente como “o estudo linguístico das condições de produção de um enunciado”. (BRANDÃO, 2004, p. 16, 17).
Entretanto, apenas em 1960 com Michel Pêcheux que a análise do discurso começa a ser estudada de forma mais concreta. Pêcheux vê a AD como uma teoria do sentido, sendo assim dialogada sobre as duas bases da AD que são o discurso e a ideologia, tendo influência de Althusser que dialoga sobre as formações ideológicas e de Michael Foucault que estuda sobre formações discursivas (FD). Assim, é fato que para Pêcheux a ideologia, por necessitar ser estudada de forma material, irá se utilizar da linguagem e essa se apresenta como o local privilegiado em que a ideologia se materializa. Não obstante, ele afirmou, a partir dos estudos de Michael Focault, que o discurso é um conjunto de enunciados à medida que eles provêm da mesma formação discursiva.
Logo, entende-se que a análise do discurso é regida por normas, visto que o discurso é um comportamento social que está submetido tanto as normas gerais, como comportamentos sociais, quanto a normas particulares que controlam cada ato de linguagem.
2.2. O sujeito freudiano, o sujeito discursivo para Pêcheux e a identidade em Bauman
De acordo com Torezan & Aguiar (2011, p. 535), o sujeito é constituído por meio de duas concepções, a linguagem e por condições existentes até mesmo antes do nascimento do sujeito, sejam essas condições ambientais, culturais, sociais etc. Portanto, para a Psicanálise, a constituição do sujeito é essencialmente social, acontece por meio de relações com o outro, mediada pela linguagem. Ou seja, é um ato dialógico e internacional. É a partir dessa perspectiva que se entende a constituição do sujeito em Freud.
A perspectiva psicanalista não é essencialista na concepção do sujeito. Um bebê, por exemplo, somente se torna sujeito quando passa a interagir com o outro, no caso, em primeiro lugar, com a mãe e se constrói à medida que existe essa relação interacional. A satisfação dos desejos e pulsões da criança (no caso, a alimentação por meio da mama) está sujeita à necessidade de contato com o outro, logo, permitindo uma constituição do sujeito (SBARDELOTTO et al. 2016, p. 126).
Freud, todavia, não acreditava em um sujeito unívoco. Pelo contrário, o sujeito é fragmentado em instâncias conscientes e inconscientes, sendo o inconsciente o objeto de estudos freudianos. De acordo com Greitens (2017, p. 8), “Freud coloca que é nas lacunas das manifestações conscientes que o inconsciente se manifesta. Nessas lacunas emerge um desconhecido que se impõe e produz [...] Esse desconhecido é o sujeito do inconsciente" (GREITENS, 2017, p. 8).
De acordo com Freud (p. 75-76 [s.d.]):
nossa experiência cotidiana mais pessoal nos familiariza com pensamentos espontâneos cuja origem não conhecemos [...] todos esses atos conscientes permanecem desconexos e incompreensíveis se insistimos na pretensão de que através da consciência experimentamos tudo o que nos sucede em matéria de atos psíquicos, mas se inscrevem numa coerência demonstrável se neles interpolamos os atos inconscientes inferidos. (FREUD, p. 75-76, s.d)
Freud, com essa concepção, reflete sobre um sujeito que não é ontológico, constituído a partir de suas relações sociais, culturais e simbólicas, e construído a partir de suas relações com outros sujeitos. Além disso, aquilo que o sujeito interpreta de si é apenas uma parte que lhe é permitido compreender por seus processos mentais. Parte da memória dos sujeitos é recalcada pelo inconsciente e permanece inacessível. Ou seja, em suma, o sujeito para a Psicanálise é social, inter-relacional, dialógico e fragmentado.
É fato que o sujeito para AD não é um indivíduo, mas um sujeito do discurso que é carregado de influências sociais, ideológicas e históricas. Desse modo, Pêcheux (1995) dialoga em seu livro Semântica e Discurso que o sujeito se constitui a partir de uma determinada formação discursiva com a qual ele se identifica, sendo assim, denominado de forma-sujeito. Ele apresenta diferentes modalidades para dialogar sobre o sujeito da enunciação e o sujeito universal das FD na forma-sujeito, a primeira e, como afirma Pêcheux (1995, p. 167)
a forma-sujeito (pelo qual o “sujeito do discurso” se identifica com a formação discursiva que o constitui) tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso, isto ´´e, ela simula o interdiscurso no intradiscurso, de modo que o interdiscurso aparece como o puro “já dito” do intradiscurso, no qual ele se articula por “co-referência”. (PÊCHEUX, p.167, 1995)
E dessa forma que o sujeito realiza a incorporação-dissimulação do interdiscurso assim tornando-se uma unidade (imaginária) do sujeito, entretanto, essa forma só ocorre pela reprodução dos saberes que já dominam a forma-sujeito. Na segunda modalidade, Pêcheux dialoga sobre as diferentes posições do sujeito dentro de uma mesma formação discursiva, ou seja, o sentido é produzido se houver relação do sujeito com a forma-sujeito e se ele se identifica com uma determinada FD. Então, de acordo com GRIGOLETTO apud PÊCHEUX (2007) diferentes indivíduos, relacionando-se com o sujeito de saber de uma mesma FD, constituem-se em sujeitos ideológicos e podem ocupar uma mesma ou diferentes posições. sendo assim denominada de posição-sujeito. Enquanto a terceira modalidade trata sobre a subjetividade e discurso, para Pêcheux o sujeito se apropria de conceitos científicos e de identificação com as organizações políticas que geram a desidentificaçao do sujeito, sendo uma transformação/deslocamento da forma sujeito.
Portanto, entende-se que não existe discurso sem sujeito e não existe sujeito sem ideologia, logo nossas ideologias virão de acordo com nossas vivências, assim iremos a partir da identificação incorporar uma determinada FD.
A questão da identidade em Bauman remete consideravelmente à concepção do sujeito freudiano, à medida que o pensador polonês considera que "a 'identidade' só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, 'um objetivo'; como uma coisa que ainda se precisa constituir a partir do zero" (2005, p. 21-22). Além disso, a perspectiva de Bauman é de que as identidades são líquidas, fluidas, estão em constante transmutação.
3 METODOLOGIA
A metodologia utilizada nesta pesquisa é de cunho bibliográfico com natureza exploratória, possui abordagem qualitativa, visando examinar o contexto e condições da produção literária. Levando em consideração a narrativa ficcional, analisa-se como ocorre a construção de identidade da personagem feminina como uma mulher negra marginalizada, que tem seu corpo como forma de expressão dos anseios de liberdades das expressões femininas. A análise de dados ocorreu através da leitura e compreensão do grupo sobre o conto Luamanda.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
4.1 Descrição do corpus
O conto Luamanda é uma narrativa presente no livro Olhos D'água, de Conceição Evaristo. O enredo aborda a formação de um sujeito (Luamanda) desde sua infância, focalizando uma perspectiva do desenvolvimento de sua sexualidade. O nome da personagem, Luamanda, pode ser visto como uma alegoria à Lua e as fases pelas quais o satélite natural passa. Assim como as fases da Lua são passageiras, cíclicas, e mutáveis, também a identidade de Luamanda se apresenta dessa maneira. As fases de vida pelas quais Luamanda passa no enredo são oito.
A primeira, a fase do primeiro amor, é uma etapa de descobertas. Quando a mãe de Luamanda percebe a descoberta do interesse da menina pelo sexo oposto, dá-lhe uma surra, o que faz com que a criança se perguntei o que é verdadeiramente o amor, já que é algo que lhe trouxe dor e sofrimento. A segunda fase, a de amores platônicos, Luamanda, antes na infância, passa à puberdade. Na sua fase de adolescência, inicia sua vida sexual ativa, transformando sua percepção sobre sua sexualidade e sua perspectiva sobre o amor.
Na maternidade, Luamanda passa à descoberta de que os filhos são a extensão de si, do Eu. Vive em prol dos filhos. Na quarta fase de sua vida, redescobre sua sexualidade a partir de uma relação homossexual. Na quinta e sexta fase, respectivamente, Luamanda se relaciona com um homem mais novo e com um homem mais velho, fazendo-a experiênciar sua vida por meio da vivacidade de um e da história de vida do outro. A última, Luamanda, assim como a cíclica Lua, retorna o início, quando acreditava que o amor, embora pudesse fazê-la se sentir bem, também poderia ser algo que lhe trazia sofrimentos, pois sua vivência naquele momento era com um parceiro agressor.
Durante todas essas fases, o narrador conta a história a partir de fases e conjuntos de palavras compostas, o que permite ao leitor não fazer uma interpretação única da identidade de Luamanda. Esses segmentos serão analisados a seguir.
Quadro 1 – Frases relacionadas à personagem
Nunca ninguém havia lhe dado mais de quatro décadas de vida. |
É, estava inteirinha, apesar de tantos trambolhões e acidentes de percurso em sua vida-estrada |
Mas estava tão úmida, tão aquosa aquela superfície misteriosamente plana, tão aberta e igual a sua, que Luamanda afundou-se em um doce e feminil carinho. |
E quando se sentiu coberta por pele, poros e pelos semelhantes aos seus, quando a sua igual dançou com leveza a dança-amor com ela, saudade alguma sentiu, vazio algum existiu, pois todas as fendas de seu corpo foram fundidas nas femininas oferendas da outra. |
As produções de Conceição Evaristo carregam, sobremaneira, a condição da civilização negra no Brasil, a qual está subjugada a inúmeros desafios em sua existência. Em específico, a situação da mulher na sociedade moderna. Essa particularidade pretendida pela autora, é trazida para a sua escrita por intermédio de construções ricas e não convencionais, ou seja, nada do que se diz é a finalidade última, suas formações linguísticas buscam dispor de uma familiarização com o que é contado - (re) conhecimento. Assim, Eduardo Duarte (2020) afirma
O projeto estético-ideológico presente na obra de Conceição Evaristo não deixa dúvidas quanto ao engajamento na denúncia da condição feminina e afrodiaspórica, num país governado pela hegemonia dos valores brancocêntricos, herdados de três séculos e meio de escravatura: “minha escrita está sempre marcada pela condição de mulher negra na sociedade brasileira”, afirma a autora em diversas oportunidades. (2020, p. 83)
Desse modo, tais frases supracitadas - no quadro anterior - revelam alguns pontos fundamentais a serem discutidos e que, segundo Côrtes, Duarte e Pereira (2018), compõem a escrita de Conceição Evaristo: a alteridade, a crítica social, a historicidade, a ancestralidade e a reflexão do ser mulher.
Nessa perspectiva, o narrador ao proferir “É, estava inteirinha, apesar de tantos trambolhões e acidentes de percurso em sua vida-estrada”(EVARISTO, 2016:59), sugere, com a utilização desse articulador linguístico apesar, uma manifestação de algo anterior, uma construção que poderia impedir a primeira ação - estar “inteirinha”-, todavia, serve como base para o reconhecimento da existência de além - a historicidade, a luta ora hodierna ora ancestral que forma a mulher do conto.
Outro período, já mencionado, válido para demonstrar essa investigação é
E quando se sentiu coberta por pele, poros e pelos semelhantes aos seus, quando a sua igual dançou com leveza a dança-amor com ela, saudade alguma sentiu, vazio algum existiu, pois todas as fendas de seu corpo foram fundidas nas femininas oferendas da outra.(EVARISTO, 2016)
No qual, percebe-se o uso recorrente do advérbio de tempo quando para situar o leitor em tempo e em espaço, sobretudo, para estimular a alteridade e a reflexão do ser mulher, possibilitando a identificação com a personagem e sua história - real ou fictícia-, a partir da noção de sujeito trabalhada por Pêcheux (1995), o qual postula sobre esse elemento ser constitutivo da linguagem e configurador de práticas discursivas e ideológicas.
Quadro 2 – Expressões compostas relacionadas à personagem
Corpo-coração | Corpo-histórias |
Vida-estrada | Tempo-evento |
Gozo-dor | Útero-alma |
Alma-amor | Alma-menina |
Ao que diz respeito à produção de Conceição Evaristo abordar as questões referentes ao que a autora chama de hifenização – esse jogo de palavras, utilizando palavras compostas – perpassa sua experiência enquanto poetisa, inclusive esta é uma particularidade na escrita em prosas que tratam temáticas contundentes quanto a condição de mulher racializada de Luamanda. Esta criação não se resume somente a ludicidade de palavras, mas a de aglutinação como no nome da personagem principal Luamanda formado pelo substantivo Lua e o verbo mandar, apresenta também a idéia das fases da Lua que refletem as personalidades que a autora apresenta à personagem durante o conto, outra significação vem da presença dos costumes Banto e Iorubá que apresenta referências a narrativas místicas africanas, como palavras metafóricas ou como formas de referir-se direta/indiretamente as diásporas africanas e seus desdobramentos no presente-cotidiano.
Não obstante, esse jogo de palavras com o nome de Luamanda constrói para a análise do discurso, mais especificamente para Pêcheux um sujeito ideológico, como afirma GRIGOLETTO (2007, p.2) diferentes indivíduos, relacionando-se com o sujeito de saber de uma mesma FD, constituem-se em sujeitos ideológicos e podem ocupar uma mesma ou diferentes posições. Assim, o nome Luamanda, homônimo ao conto, demonstra que ela ocupa diferentes posições dentro de uma mesma formação discursiva.
Assim como a palavra Luamanda que é uma palavra composta como foi explicada anteriormente, as palavras descritas no quadro também possuem esta mesma relação e identificam o sujeito personagem como ideológico, tornando o entendimento que a personagem principal se transmuta em 8 fases compreendida como a lua, sendo assim, uma personagem fragmentada e multifacetada. Tratando-se de identidade, podemos compreender um sujeito com identidade fluida que ora identifica-se e age de uma forma, ora de outra. A utilização de vida-estrada no trecho ‘’ É, estava inteirinha, apesar de tantos trambolhões e acidentes de percurso em sua vida-estrada (EVARISTO, 2016:59) ‘’ refere-se aos caminhos traçados por ela, assim Conceição faz uso de suas palavras ‘’siamesas’’, essa vida-estrada reflete os desejos, curiosidade e a busca contínua de liberdade redescobrindo suas fases e as vivenciando de maneiras distintas
Outro termo que retrata a personagem é ‘’alma-menina’’ que retrata as diversas luamandas existentes a que é menina, adolescente, mulher, mãe, avó, amiga, companheira, “alma-menina no tempo”, a que é mulher de um homem só, mãe e pai de seus cinco filhos, mulher de uma mulher, de um jovem rapaz, de um idoso, e mais do que tudo isso, a personagem é mulher de si mesma, mesmo sendo mulher desses amores eles primeiro os foram dela, sendo uma troca justa de amor.
Ao longo do conto Luamanda míngua e renasce assim como a Lua, torna-se viajante de suas escolhas, sobre o tal processo de mudança da identidade do indivíduo, o teórico Stuart Hall, no livro ‘’A identidade cultural na pós-modernidade’’, afirma:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2006:13).
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo faz uma análise do conto “Luamanda”, de Conceição Evaristo, utilizando como base teórica os conceitos de sujeito de Freud e de Michel Pêcheux, assim como o conceito de identidade para Bauman. Desta forma a análise de dados dividiu-se em duas sessões a de frases e a de palavras compostas, visto que, a sessão referente ao quadro 1 analisa a identidade da personagem a partir do posicionamento enunciativo do narrador sobre Luamanda, enquanto a segunda sessão referente ao quadro 2 faz uma análise das palavras compostas e a forma como elas caracterizam o sujeito. Portanto, a partir das análises foi constatado que o sujeito-personagem Luamanda se constitui em sujeito ideológico e pode ocupar uma mesma ou diferente posição dentro de uma FD, ou seja, ela é fragmentada e se transmuta a cada romance vivido.
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