A COMERCIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13846776


Angela Pinto dos Santos1


RESUMO
Este artigo explora a comercialização da educação e capacitação em cuidados paliativos no Brasil, analisando suas implicações para a formação de profissionais e a qualidade do atendimento. Com base em uma revisão de literatura e na análise de dados secundários, identificamos os principais desafios enfrentados na oferta de cursos e formações, bem como as oportunidades para o fortalecimento da educação nesta área. Os resultados indicam uma crescente demanda por formação de qualidade, destacando a necessidade de regulamentação e padronização de conteúdo. Concluímos que a capacitação em cuidados paliativos deve ser abordada de maneira crítica, considerando a ética e a qualidade do cuidado prestado.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos, Educação, Capacitação, Comercialização, Brasil.

ABSTRACT
This article explores the commercialization of education and training in palliative care in Brazil, analyzing its implications for the training of professionals and the quality of care. Based on a literature review and secondary data analysis, we identified the main challenges faced in offering courses and training, as well as opportunities to strengthen education in this area. The results indicate a growing demand for quality training, highlighting the need for regulation and standardization of content. We conclude that training in palliative care must be approached critically, considering ethics and the quality of care provided.
Keywords: Palliative Care, Education, Training, Commercialization, Brazil.

1. Introdução

A educação em cuidados paliativos tem ganhado destaque nas últimas décadas, especialmente no contexto brasileiro, onde a demanda por serviços de saúde que respeitem a dignidade e a qualidade de vida dos pacientes em fase final aumentou consideravelmente. No entanto, a crescente comercialização dessa educação levanta questões sobre a qualidade e a eficácia da formação oferecida. Este artigo busca investigar como essa comercialização impacta a capacitação de profissionais e, por conseguinte, a qualidade dos cuidados paliativos.

2. Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa qualitativa, combinando revisão de literatura e análise de dados secundários. A revisão de literatura abrangeu artigos, livros e documentos relacionados à educação em cuidados paliativos, com foco em publicações entre 2010 e 2024. Além disso, foram analisados relatórios e dados de instituições que oferecem cursos na área, visando identificar tendências e lacunas na formação de profissionais.

3. Revisão de Literatura

A crescente comercialização da educação em saúde, especialmente na área dos cuidados paliativos, levanta questões importantes sobre a efetividade da formação oferecida e suas consequências na prática profissional. A oferta de cursos, muitas vezes, é impulsionada por uma demanda crescente por formação nessa área, refletindo a necessidade urgente de qualificação dos profissionais de saúde para atender a um número cada vez maior de pacientes em situações críticas.

A literatura sobre cuidados paliativos destaca a importância da formação contínua e da especialização dos profissionais de saúde. Segundo Pereira et al. (2022), a capacitação adequada é fundamental para garantir que os profissionais possam oferecer um cuidado sensível e de qualidade. Entretanto, a crescente comercialização de cursos de capacitação, muitas vezes com conteúdo não regulamentados, pode comprometer essa qualidade. Autores como Silva e Costa (2021) argumentam que a falta de padronização na formação resulta em um atendimento inconsistente e inadequado. Essa formação deve abranger não apenas conhecimentos técnicos, mas também aspectos emocionais, éticos e comunicacionais, que são fundamentais para o exercício dessa prática.

A prática em cuidados paliativos é complexa e desafiadora, exigindo não apenas conhecimento técnico e habilidades clínicas, mas também uma forte base psicológica. Profissionais que atuam nessa área frequentemente enfrentam dilemas emocionais e éticos que não são suficientemente abordados nas faculdades nos cursos de saúde ou em cursos de capacitação. Essa lacuna na formação pode impactar a qualidade do cuidado oferecido aos pacientes e suas famílias.

Um dos aspectos psicológicos mais significativos na atuação do profissional paliativista é a capacidade de lidar com a finitude. O reconhecimento da morte como parte inevitável da vida é fundamental para que o profissional possa oferecer um cuidado sensível e respeitoso. Segundo Heidegger (1927), a compreensão da própria finitude é crucial para o desenvolvimento de uma existência autêntica. Assim, profissionais que não têm a oportunidade de refletir sobre sua própria mortalidade podem encontrar dificuldades em se conectar de maneira empática com os pacientes e suas famílias.

Os cuidados paliativos visam a promoção da qualidade de vida e a alívio do sofrimento, considerando a perspectiva integral do paciente (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). No entanto, muitos profissionais da saúde não recebem a formação necessária durante sua graduação ou em capacitações posteriores. Estudos indicam que a falta de formação específica pode impactar negativamente a qualidade do cuidado oferecido, além de gerar insegurança e estresse nos profissionais (CUNHA et al., 2020; LIMA et al., 2019).

Os profissionais de saúde que trabalham em cuidados paliativos estão frequentemente expostos a situações de estresse intenso, que podem levar ao burnout. De acordo com Maslach e Leiter (2016), o burnout é um estado de exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal, que afeta negativamente tanto o profissional quanto a qualidade do atendimento ao paciente. A falta de treinamento específico para lidar com essas emoções pode exacerbar esses sintomas, resultando em uma capacidade reduzida de prestar cuidados adequados.

Além do conhecimento técnico, o preparo emocional e as habilidades de comunicação são essenciais. Os profissionais de saúde enfrentam situações de grande carga emocional, como a morte e o luto, o que requer um entendimento profundo da própria finitude e a capacidade de oferecer suporte emocional adequado aos pacientes e suas famílias (LÓPEZ & OCHOA, 2021).

A comunicação empática é um componente vital nos cuidados paliativos, pois facilita a construção de um relacionamento de confiança entre o profissional e o paciente, promovendo um ambiente mais acolhedor (FRIED et al., 2020). Contudo, muitos cursos de formação não abordam adequadamente as habilidades de comunicação necessárias para tratar de temas delicados, como a morte e o luto. Segundo McClement e Watanabe (2016), a empatia é uma habilidade essencial que deve ser desenvolvida ao longo da formação, pois facilita a conexão emocional e ajuda os profissionais a lidar com a dor e o sofrimento dos pacientes.

Além das habilidades práticas, é crucial que os profissionais paliativistas recebam apoio psicológico e treinamento em autocuidado. O suporte psicológico pode ajudar os profissionais a gerenciar o estresse e a carga emocional associada ao cuidado de pacientes em fim de vida. Segundo Figley (2002), a compaixão é um aspecto fundamental na profissão, mas também pode levar a um desgaste emocional significativo se não for adequadamente gerida.

A publicação da Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em maio de 2024 deu início a uma proliferação de cursos de capacitação a distância em cuidados paliativos. Entretanto, muitos desses cursos permitiram que profissionais da saúde se declarassem capacitados para atuar como paliativistas após a conclusão, mesmo sem uma base curricular robusta que realmente preparasse os alunos para essa prática complexa.

Em um hospital específico, foram entrevistados pacientes e familiares em cuidados paliativos sobre a qualidade do atendimento prestado, sem que soubessem quais profissionais haviam sido capacitados a distância ou presencialmente. A análise das respostas revelou diferenças significativas na prestação dos serviços, destacando a importância da formação adequada dos profissionais de saúde. Os entrevistados relataram a ausência de uma comunicação empática e eficaz, a falta de informações consistentes, o uso inadequado de terminologias, a carência de medicações para dor e vômito, além do desamparo da família, profissionais nervosos com as situações postas diariamente e da falta de um profissional que abordasse questões relacionadas à espiritualidade.

Em outra pesquisa realizada em diversos sites, constatou-se a existência de cursos de capacitação em cuidados paliativos com carga horária variando de 8 a 200 horas-aula. Esses cursos podem ser encontrados em plataformas como LinkedIn, Instagram e Google, entre outros. Diante disso, surge uma questão importante a ser analisada: será que esses profissionais estarão realmente aptos a lidar com a finitude da vida após a conclusão dessas formações?

Os desafios para a formação de profissionais em cuidados paliativos incluem a escassez de cursos de especialização e a falta de reconhecimento da importância dessa área na formação acadêmica (SILVA et al., 2022). A implementação de programas de educação continuada e a inclusão de conteúdos sobre cuidados paliativos nos currículos das graduações em saúde são estratégias que podem contribuir para a melhoria da formação dos profissionais (Garcia et al., 2021).

No entanto, a expansão de cursos a distância, que prometem capacitar profissionais em cuidados paliativos, muitas vezes ocorre sem a devida regulamentação e supervisão. Essa comercialização desenfreada pode levar à produção de formações de baixa qualidade, onde a ênfase recai sobre a quantidade em vez da qualidade. Assim, é fundamental investigar como essa dinâmica impacta a capacitação dos profissionais e, por consequência, a qualidade dos cuidados paliativos prestados.

Estudos indicam que a formação inadequada pode resultar em profissionais que não estão totalmente preparados para lidar com os desafios emocionais e éticos envolvidos nos cuidados paliativos. A falta de experiências práticas, aliada à ausência de uma formação sólida em aspectos fundamentais, como a comunicação empática e a gestão da dor, pode comprometer a eficácia do atendimento e a dignidade dos pacientes.

Além disso, a comercialização de cursos muitas vezes não considera as especificidades das realidades locais, levando a uma padronização que ignora as necessidades e contextos particulares dos pacientes e de suas famílias. Profissionais capacitados de maneira superficial podem se sentir despreparados para lidar com a complexidade do cuidado paliativo, resultando em um atendimento que não atende às expectativas e necessidades dos pacientes em fim de vida.

Os cursos a distância enfrentam desafios ainda maiores, como a falta de interação presencial entre os profissionais e os pacientes, o que limita a troca de experiências e a construção de redes de apoio. Além disso, a automotivação e a disciplina são essenciais para o sucesso do aprendizado online, uma vez que a flexibilidade do formato pode levar à procrastinação e ao abandono do curso. Outro ponto importante é a verificação da real aptidão do profissional para atuar presencialmente.

Outro desafio é garantir que os cursos ofereçam conteúdo de alta qualidade e que os instrutores, muitas vezes capacitados apenas no formato a distância, sejam qualificados e experientes na área de cuidados paliativos. A acreditação e a padronização dos cursos a distância são fundamentais para assegurar a credibilidade da formação oferecida. Além disso, é crucial que as atividades com pacientes e familiares sejam realizadas de forma presencial.

Os cursos a distância representam uma estratégia para atender à crescente demanda por formação nessa área. No entanto, é necessário incluir na grade curricular atividades avaliativas presenciais ou estágios com pacientes e familiares em cuidados paliativos, tanto em estabelecimentos de saúde quanto em domicílios. Além disso, deve-se considerar a análise do perfil psicológico para a atuação do profissional, sendo a certificação concedida somente após a aprovação em todas as etapas. Somente assim será possível avaliar a capacitação desse profissional, juntamente com outras formas de avaliação. Entre a teoria e a prática, há uma distância significativa.

Portanto, é essencial promover uma reflexão crítica sobre a qualidade da formação em cuidados paliativos e o impacto da sua comercialização. Uma abordagem que valorize a formação integral, que inclua componentes teóricos e práticos, bem como a análise das habilidades interpessoais e emocionais necessárias, é fundamental para garantir que os profissionais de saúde estejam verdadeiramente preparados para oferecer um cuidado de qualidade, respeitoso e centrado no paciente . Para garantir a eficácia desses cursos, é fundamental que instituições educacionais, profissionais de saúde e organismos reguladores trabalhem em conjunto para desenvolver currículos de alta qualidade e garantir a formação contínua de todos os profissionais envolvidos.

4. Resultados e Discussão

A análise dos dados revelou que a maioria das instituições que oferecem cursos de cuidados paliativos no Brasil não possui um currículo padronizado. Embora existam algumas iniciativas que buscam regulamentar a formação, como a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a educação em cuidados paliativos, a implementação ainda é incipiente. Além disso, muitos cursos são oferecidos por instituições com foco exclusivamente no lucro, o que levanta preocupações sobre a ética na formação.

Alguns profissionais paliativistas entrevistados destacaram que a comercialização de cursos pode resultar em um aumento no número de profissionais capacitados, mas a qualidade desses cursos é frequentemente questionada. Os profissionais expressaram a necessidade de uma formação prática e teórica que respeite as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os cuidados paliativos.

Ter um número expressivo de profissionais com certificação em cuidados paliativos não é suficiente se, durante a prática, esses profissionais não conseguem oferecer o verdadeiro cuidado paliativo que pacientes e familiares necessitam. A qualificação e a competência do profissional são essenciais não apenas para atender adequadamente os pacientes e suas famílias, mas também para colaborar de forma efetiva com as equipes multiprofissionais que atuam em diversos serviços de saúde pelo país.

A formação do profissional em cuidados paliativos envolve não apenas a capacidade técnica, mas também a habilidade psicológica de lidar com a finitude dos outros, além de reconhecer sua própria finitude. Nos cuidados paliativos, a finitude é um tema central, desafiando os profissionais de saúde a abordarem a morte de maneira sensível, proporcionando conforto e dignidade aos pacientes em fase final de vida. É essencial uma preparação para a perda, e a abordagem das emoções envolvidas é fundamental para garantir um cuidado eficaz.

Os aspectos psicológicos do trabalho em cuidados paliativos são fundamentais para a prática, mas muitas vezes não são abordados nas formações acadêmicas e capacitações. A reflexão sobre a finitude, a gestão das emoções, o desenvolvimento de habilidades de comunicação e o autocuidado são elementos essenciais que devem ser integrados na formação dos profissionais. Portanto, é necessário que as instituições educacionais e de capacitação reconheçam essa lacuna e promovam uma formação mais holística e abrangente, que prepare os profissionais para os desafios emocionais que encontrarão em sua prática.

5. Considerações Finais

A comercialização da educação em cuidados paliativos no Brasil apresenta tanto desafios quanto oportunidades. É crucial que haja um esforço conjunto entre instituições de ensino, órgãos reguladores e profissionais da saúde para garantir que a formação em cuidados paliativos seja de alta qualidade e ética. A regulamentação e a padronização dos cursos são passos fundamentais para melhorar a formação dos profissionais e, consequentemente, a qualidade do atendimento aos pacientes e familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Mestra em Bioética pela Universidad Europea del Atlántico, Especialização em Educação Inclusiva pela Universidade Castelo Branco – Rio de Janeiro/RJ, Especialização em Saúde do Idoso – Gestão e Assistência em Gerontologia pela Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro /RJ, Especialização Internacional de Qualidade e Segurança do Paciente pela FIOCRUZ/RJ, Bacharel em Serviço Social pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA – Canoas/RS, Conteudista dos cursos da UFMA/EAD, Pesquisadora Bolsista CNPQ do Projeto CER Brasil e do projeto Programa Especial de Inclusão Social, Igualdade e Cidadania, Consultora da OPAS/OMS, Bolsista da FIOTEC/MS nas áreas do envelhecimento, oncologia pediátrica, pessoa com deficiência, saúde da pessoa idosa, atenção domiciliar e cuidados paliativos. E-mail: [email protected] Link CV LATTES: http://lattes.cnpq.br/1391459345673848. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2140-6128.