VIOLÊNCIA CONTRA O TRABALHADOR DURANTE A PANDEMIA SOB UMA PERSPECTIVA MARXISTA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15750027
Guilherme Artur Ferreira1
Lauriane Ferreira Barboza2
Pedro de Lima Nóbrega3
Sabrina Aparecida Fernandes4
Victoria Zidoi Cestari5
Daniela Emilena Santiago6
RESUMO
O desenvolvimento capitalista tem se configurado, para a teoria social de Marx, como um condicionante a vários tipos de violências e de violações, e, dentre elas temos as que estão e são situadas por conta do trabalho. Nesse sentido, a teoria social de Marx se configura como uma possibilidade crítica de compreender como a classe trabalhadora experencia um rol amplo de violações visto ser, a sociedade capitalista, aquela que aprofunda as desigualdades sociais. Nesse sentido, elementos como a desregulamentação do trabalho, a perda dos direitos trabalhistas potencializa as desigualdades sociais potencializam a desigualdade e a exclusão social. O presente trabalho aborda tais elementos, por meio de um reflexão teórica, recorrendo a base teórica de Marx e com apoio ainda que outros autores contemporâneos que discutem a questão do trabalho na sociedade capitalista contemporânea. O enfoque teórico final esteve orientado para a reflexão sobre o impacto das questões trabalhistas frente a desregulamentação do trabalho no contexto pandêmico, demonstrando que o desenvolvimento econômico capitalista potencializada a desigualdade social.
Palavras-chave: Trabalho em Marx. Pandemia. Direitos Trabalhistas.
ABSTRACT
Capitalist development has been configured, for Marx's social theory, as a condition for various types of violence and violations, and among them we have those that are and are situated due to work. In this sense, Marx's social theory is configured as a critical possibility of understanding how the working class experiences a wide range of violations, since capitalist society is the one that deepens social inequalities. In this sense, elements such as the deregulation of work and the loss of labor rights increase social inequalities and increase inequality and social exclusion. This work addresses these elements through a theoretical reflection, using Marx's theoretical basis and with support from other contemporary authors who discuss the issue of work in contemporary capitalist society. The final theoretical focus was oriented towards the reflection on the impact of labor issues in the face of the deregulation of work in the context of the pandemic, demonstrating that capitalist economic development has increased social inequality.
Keywords: Work in Marx. Pandemic. Labor Rights.
1 INTRODUÇÃO
O operário em construção
Vinicius de Moraes
[...]De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente [...]7
Na poesia de Vinicius de Moraes vemos uma clara menção a exploração da mão de obra de trabalho e da incapacidade que a classe trabalhadora tem para atender suas necessidades apenas por meio do salário. Através da história, as formas de trabalho que estruturam as sociedades foram e ainda são atravessadas pelas diversas formas de violência contra os trabalhadores. Violência esta manifestada como exploração e violação de direitos do trabalhador em função da produção e manutenção dos privilégios socioeconômicos para uma elite que forma e mantém a estrutura social desigual nas sociedades.
As violências e as formas de trabalho caminham em comunhão desde a escravidão na antiguidade greco-romana, por volta do século XIV a.c.. Segundo Ferreira, Kalakun & Scheifler (2018) as escravidões eram oriundas de capturas em guerras pelo exército vencedor, obrigados a realização de compulsório e considerados propriedade privada de seus captores ou compradores, não tendo acesso a qualquer forma de cidadania, direitos legais e submetidos a maus-tratos e situações de violência física e moral.
Ainda sob a perspectiva de Ferreira, Kalakun & Scheifler (2018) o modo de produção da sociedade feudal europeia, entre os séculos V e XV foi marcado pela servidão baseada na relação entre senhor e servo. Onde, apesar de não serem considerados propriedade dos seus senhores, os servos trabalhavam para a subsistência do feudo e pela fidelidade ao seu senhor, numa relação de subserviência, regida pela lógica da ordenação e da violência.
O modelo atual de produção, inaugurado na idade moderna, por volta do século XV, é caracterizado principalmente pelas relações assalariadas, pelos meios de produção como propriedades privadas e a exploração velada do trabalhador. Esta forma de produção e exploração capitalista transforma o trabalhador numa engrenagem substituível e superexplorada, alienada da própria produtividade.
O presente escrito tem por objetivo apresentar a temática da violência atrelada às formas de trabalho, inspirados e orientados pela ótica da teoria da violência marxista, seus desdobramentos com relação às desigualdades e por fim apresentar como a atual exploração do trabalhador, sobretudo em contexto pandêmico do Covid-19 e o formato remoto do trabalho afetam a vida e a saúde física e mental do trabalhador. Para elaborá-lo foi realizada leitura de textos contemplando artigos e livros sobre a questão do trabalho, a partir do viés marxista. Nesse sentido houve aporte à base teórica que situam o pensamento marxista contemporâneo e também a respeito das questões que envolvem o trabalho na sociedade capitalista. Essas reflexões foram orientadas para o contexto pandêmico, momento em que a precarização das relações trabalhistas se mostrou latente. Pensar sobre tais fenômenos atualmente se mostra como necessário tendo em vista que a realidade laboral de grande parte da classe trabalhadora ainda se mantém como extremamente comprometida e precarizada.
Outrossim, a elaboração do presente manuscrito se dá por meio da apresentação das bases iniciais de nossa reflexão por meio da aproximação com o pensamento marxista, para, na sequência avançar para a questão específica e que está associada a precarização das relações de trabalho.
2 O APROFUNDAMENTO DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NA TEORIA SOCIAL DE MARX E OS CONDICIONANTES PARA A CLASSE TRABALHADORA
Para Marx, “a violência é a parteira de toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova” (Marx, 2013, p. 998), e a transição entre o sistema feudal e o capitalista seguiu essa premissa. O processo de acumulação primitiva, ou seja, o ponto de partida do modo de produção capitalista foi marcado principalmente pela violenta expropriação da terra pertencente aos camponeses, a qual era para eles o meio de subsistência. Segundo o autor a produção feudal baseava-se no compartilhamento do solo entre os vassalos e o poder do senhor feudal não era determinado por sua renda, mas sim pelo número de seus súditos. Entretanto, entre os séculos XV e XVI na Inglaterra, os camponeses passaram a ser expulsos de suas terras – geralmente devido à transformação das lavouras em pastagens para ovelhas destinadas à produção de lã. Conforme Marx,
[...] o grande senhor feudal que, na mais tenaz oposição à Coroa e ao Parlamento, criou um proletariado incomparavelmente maior tanto ao expulsar brutalmente os camponeses das terras onde viviam e sobre as quais possuíam os mesmos títulos jurídicos feudais que ele quanto ao usurpar-lhes as terras comunais. [...] As habitações dos camponeses e os cottages dos trabalhadores foram violentamente demolidos ou abandonados à ruína. (Marx, 2013, p. 965).
Inicialmente, a legislação tenta, sem resultados, lutar contra esse processo. Porém, Marx (2013) afirma que no século XVIII a própria lei passa a colaborar com o roubo dessas propriedades por meio das chamadas Leis para o Cercamento de Terra: “decretos de expropriação do povo, isto é, decretos mediante os quais os proprietários fundiários presenteiam a si mesmos, como propriedade privada, com as terras do povo” (Marx, 2013, p. 971). Vale ressaltar que as crescentes manufaturas não foram capazes de incorporar o proletariado livre com a mesma rapidez com que estes foram expulsos de suas terras. Sendo assim, conforme Marx (2013), muitos tornaram-se moradores de rua ou assaltantes, fazendo surgir no século XV por toda a Europa leis contra a “vagabundagem” que abarcavam pena de prisão, açoites, marcas a ferro e execução de quem fosse considerado desocupado. Além disso, houve também a proibição do pagamento de salários acima dos valores determinados pela legislação e as leis anti coalizão de trabalhadores que perduraram até o século XIX.
Destarte, a violência durante a acumulação primitiva de capital não esteve só na forma como os campos foram expropriados, mas também na exploração que os então trabalhadores livres sofreram após esse processo, tendo que se adaptar a uma nova lógica de produção, na qual eles não possuíam domínio nenhum da propriedade produtiva, e sem contar com qualquer direito trabalhista que os assegurasse melhores condições de vida. Conforme Marx,
A burguesia emergente requer e usa a força do Estado para “regular” o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites favoráveis à produção de mais-valor, a fim de prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio trabalhador num grau normal de dependência. Esse é um momento essencial da assim chamada acumulação primitiva. (Marx, 2013, p. 984).
Contudo, a acumulação primitiva não se valeu apenas desse meio para se consolidar, os burgueses e Estados europeus também lucraram com a expropriação de outros povos ao redor do mundo, como discorre Marx:
A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saque das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva. A eles se segue imediatamente a guerra comercial entre as nações europeias, tendo o globo terrestre como palco. [...] Tais métodos, como, por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal. Todos eles, porém, lançaram mão do poder do Estado, da violência concentrada e organizada da sociedade, para impulsionar artificialmente o processo de transformação do modo de produção feudal em capitalista e abreviar a transição de um para o outro. (op.cit., p. 998).
O sistema colonial que prosseguiu enriquecendo os cofres das metrópoles por séculos – e ainda continua – representa uma das formas mais predatórias da exploração capitalista. Os europeus locupletaram-se com o domínio da América a partir do século XVI por meio do genocídio e escravização dos povos nativos – além da utilização de mão de obra escravista africana – e da exploração da sua terra e riquezas minerais. Frantz Fanon afirma, no século XX, em relação à colonização do continente africano: “O colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em seu estado bruto e só pode inclinar-se diante de uma violência maior.” (Fanon, 1968, p. 46).
Ademais, o capital não se apropriou de meios violentos apenas durante seu alvorecer, a classe trabalhadora, ainda hoje, tem seus direitos violados pela desigualdade do sistema capitalista. No contexto brasileiro, isso fica evidente à luz da teoria marxista da dependência – na qual a América Latina está em uma posição de dependência que mantém o capital nos países considerados “desenvolvidos”. Baseando-se em Peto (2020), para compensar essa diferença na acumulação capitalista, a burguesia latina se sustenta na superexploração da força de trabalho – que no Brasil soma-se ao histórico escravista, afetando principalmente a população preta.
2.1 Formas de Violências sociais, no trabalho - exploração (na atualidade)
Nas últimas décadas, a estrutura do sistema capitalista vem sofrendo mudanças em seu molde de negócio. Durante o modelo fordista e taylorista era intensa a alienação do trabalhador frente à seu ofício, mas ainda existiam regulamentações acerca dos direitos do proletariado. Com a introdução da internet e disseminação de aplicativos digitais, o mundo vivenciou uma grande mudança no modelo de produção acentuando a superexploração da força de trabalho. O cenário do trabalho na era digital vem atrelado ao advento do infoproletariado, que são trabalhadores totalmente dependentes de algum item tecnológico para venda de sua força de trabalho. Essa categoria é denominada por Antunes (2020) como escravos digitais, que concerne “a combinação esdrúxula entre auto incremento tecnológico e recuperação de formas pretéritas – as mais aviltantes – de exploração do trabalho, que chamo, no meu livro O privilégio da servidão, de escravos digitais”.
No início do século a tecnologia foi vendida como possível forma de libertação das longas jornadas de trabalho, mas o que se obteve na realidade é um modelo de trabalho cada vez mais precarizado. De acordo com Antunes (2020), é nesse contexto que surge o fenômeno da uberização do trabalho, nome derivado do aplicativo UBER, empresa que atua como intermediária entre motoristas autônomos que utilizam seus carros particulares e o cliente, mas não proporciona qualquer vínculo empregatício para esses profissionais. Essa dinâmica não mais se restringe a motoristas de aplicativos ou entregadores de comida, pois tem se expandido também para áreas como psicólogos, diaristas, professores, entre outros:
O trabalho uberizado – e isso em si já é trágico – não se restringe aos trabalhadores que trabalham em plataformas como Uber ou iFood. Há hoje plataformas de diversas modalidades de trabalho: médicos, engenheiros, empregadas domésticas, jornalistas, professores. Todos os trabalhadores desse amplo campo dos serviços tendem a se converter em trabalhadores uberizados. (Antunes, 2020, s/p.)
Na categoria de autônomos esses profissionais não têm garantias formais, assumindo todos os riscos que envolvem a venda do serviço, bem como a detenção dos meios de produção sem apropriação total da renda gerada, ficando completamente isenta a empresa de qualquer responsabilidade para com eles. Em um contexto de informalidade, o trabalhador não tem direito a salário mínimo, licença maternidade, horas extras ou qualquer outra garantia estabelecida pela CLT direcionando grande parte do contingente da classe trabalhadora para “a informalidade, a terceirização e a flexibilização da força de trabalho” (Antunes, 2018, p. 56). Nesse cenário as empresas não precisam mais deter os meios de produção ou arcar com garantias trabalhistas, maximizando o mais-valor gerado, aumentando a acumulação de capital.
As políticas dos últimos anos elaboradas pelo Estado também impactaram significativamente esse fenômeno. Em 2017, durante o governo de Michel Temer, foi sancionada a Reforma Trabalhista que alterou regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), acentuando a precarização ao instituir diversas mudanças. Dentre elas destacam-se a possibilidade de contratação de trabalhadores autônomos de forma exclusiva, sem que seja considerado vínculo empregatício, brecha essa que possibilita a manutenção da categoria dos infoproletários supracitada, sendo “a aprovação da reforma trabalhista pela figura tenebrosa de [Michel] Temer, ao defender e aprovar o trabalho intermitente, foi a porta de entrada que os capitais precisavam para criar essa modalidade nova que denomino de escravidão digital” (Antunes, 2020, s/p.). Bem como a isenção da contribuição sindical obrigatória pelos trabalhadores assalariados, medida que enfraquece uma importante forma de mobilização do trabalhador.
Durante a pandemia da COVID-19 em 2020 as mudanças estabelecidas pelo governo Temer, atreladas ao desamparo evidenciado pelo governo de Jair Bolsonaro, foram cruciais para realçar a fragilidade sofrida pelos trabalhadores brasileiros, tendo sérias consequências à classe trabalhadora. Atentando à multiplicidade e abrangência de seus efeitos nocivos à população mundial, contempla-se essa pandemia como um fator intensificador dos fenômenos preexistentes da precarização do trabalho. Nesse sentido, a pandemia funciona como uma espécie de espelho social, refletindo e manifestando as desigualdades e adversidades que imperam no país - que se mostram intensamente presentes nos contextos trabalhistas.
2.2 Como a violação dos direitos dos trabalhadores afetou a classe no âmbito subjetivo
Mais que uma crise sanitária, a pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2 deve ser compreendida, ainda, como uma grave crise humanitária. Visando conter o aumento de casos e mortes, alguns governos instauraram medidas de isolamento social, muitas atividades econômicas foram paralisadas e o trabalhador autônomo em situação informal viu-se da noite para o dia sem renda alguma para sobrevivência. Também, sem auxílio efetivo do Estado, diversas pequenas empresas tiveram que fechar, ocasionando um grande contingente de trabalhadores assalariados demitidos. Já os profissionais da saúde sofreram com a falta de EPI's e riscos altíssimos de contaminação.
De acordo com Guimarães, Gonçalves & Cardoso (2021):
O fato de determinadas categorias profissionais estarem mais vulneráveis aos riscos de contaminação e com maior exposição ao vírus revela desigualdades sociais que constituem o cenário trabalhista brasileiro, dando sinais de que o atual vírus não distingue quem contamina mas (...) atinge pessoas de formas diferentes. (op.cit., p.43)
Sem amparo do governo federal, muitos se viram em situação de desemprego, onde os mais afetados se encontram nas camadas mais vulneráveis se concentrando principalmente na população negra. Assim, segundo Peto (2020) os efeitos da pandemia da COVID-19, no qual os óbitos mais frequentes foram de pretos e pardos, “A falta de acesso a condições mínimas de moradia, como saneamento básico, aumenta exponencialmente os riscos de contaminação. Além disso, [...] a maior parte da classe trabalhadora empregada em enfermagem é composta de pessoas pretas.” (Peto, 2020, p. 22).
No cenário da pandemia, o Home Office (trabalho remoto) foi adotado pelas empresas, públicas e privadas, como forma de manter suas atividades em andamento, adicionando mais pessoas à categoria de infoproletário e evidenciando sua problemática. Assim, observa-se que em função do estímulo causado pela pandemia da Covid-19 nos fenômenos da precarização do trabalho e da desigualdade, seus efeitos nocivos para com a saúde mental da classe trabalhadora serão também acentuados.
Nesta conjuntura, uma pesquisa realizada pela Universidade do Sul da Califórnia (USC), observou um alto índice de complicações clínicas provocadas pela migração do trabalho presencial para o remoto. De acordo com os resultados, 64% dos trabalhadores sofreram com complicações físicas e 75% com complicações mentais. Houve um aumento de cerca de 1,5 hora por dia na carga horária e relatos, por parte dos trabalhadores, de maior insatisfação com os empregos. As mulheres, sobretudo as mães, são as mais afetadas pela mudança, em razão da acentuação de sua "dupla jornada" de trabalho. Nota-se, por meio dessa pesquisa, o longo caminho a ser percorrido para que o sistema casa-escritório tenha o mínimo de sustentabilidade no longo prazo, no ponto de vista de saúde e do bem-estar, mesmo que os métodos convencionais de trabalho também não o tenham.
Netto (2013), em Suicídio e Trabalho, aborda como a precariedade do trabalho conserva a capacidade de tornar o trabalhador suscetível a cometer ações extremadas como o suicídio:
Xavier (1988) denunciou a ocorrência de mais de uma centena de mortes relacionadas ao trabalho no Brasil somente no setor bancário, entre 1993 e 1995. Destas, pelo menos 72 foram devidas ao suicídio. Uma das cartas deixadas por trabalhadores [...] evidencia significativamente as relações do suicídio com o trabalho. [...] escrita por um trabalhador do BANEB (Banco da Bahia), em 1993, antes de tirar sua vida: “Este suicídio não tem ninguém culpado, a não ser o BANEB, pois não suporto mais esta vida de cão [...]. (Netto, 2013, p. 129).
Sob o ponto de vista da pandemia como intensificadora da preexistente precarização do trabalho e do trabalho no capital como responsável por grande sofrimento,
(...)o aumento da desigualdade social, a precarização das relações de trabalho, a diminuição da renda das famílias e a falta de investimentos do Estado em políticas de saúde mental, tende a aumentar o número de suicídios em um território ou região. (Junior, 2020, p.18)
À vista disso, os riscos da ampliação das taxas de suicídio no contexto pandêmico, expressa a negligência do sistema vigente para com a classe trabalhadora, bem como acusa a violência existente nesse sistema que mata e deixa morrer.
3 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posto isso, ao analisar a visão histórica de como os abusos com os designados para servirem como mão de obra por meio dos estudos de Ferreira, Kalakun & Scheifler (2018) fica evidente que a violência e a violação dos direitos do trabalhador estão enraizadas profundamente na sociedade moderna. Logo, torna-se claro que as antigas guerras europeias serviram como base para os modelos econômicos futuros, sendo eles o feudalismo, o imperialismo e o capitalismo, de forma que todos os modelos se baseiam em extrair o máximo possível da energia vital do trabalhador visando o enriquecimento daqueles que possuem o poder ou os meios de produção. Sendo assim, pode-se dizer que os modelos econômicos a partir do feudalismo possuem como essência a presença de um trabalhador sem direitos, proporcionando ambientes de trabalho análogos à escravidão.
Ademais, Marx (2013) reforça como o acúmulo de bens pode favorecer a opressão do proletariado. Por meio do acúmulo de riquezas proporcionados pelos sistemas econômicos do imperialismo e, eventualmente, o capitalismo, os cidadãos mais ricos apropriaram-se dos meios de produção, tornando-se burgueses, e estes, por sua vez, buscavam um retorno para seus investimentos. Portanto, visando maximizar os lucros, os detentores dos meios de produção forneciam aos seus empregados apenas o que seria essencial para a subsistência do mesmo, ou seja, inicialmente os trabalhadores não possuíam planos de saúde, direito às férias e um valor mínimo de salário igual ocorre na atualidade. em contexto de trabalho formal
Além disso, também ficou evidente que, a partir do final do século XX, o surgimento da internet e da terceirização de serviços também favoreceram a permanência dos abusos ao proletariado na sociedade. Posto isso, é apresentado o conceito de escravos digitais de Antunes (2020), ou seja, o trabalhador na era digital, para que possa trabalhar, depende do uso massivo da tecnologia . Todavia, também não se pode deixar de lado o processo de terceirização dos serviços, isto é, a contratação de serviços secundários por uma empresa, de modo que esta não precise se comprometer com os direitos dos empregados. Dessa maneira, a tecnologia, que foi vendida como possível forma de libertação das longas jornadas de trabalho e a contratação de trabalhadores por empresas terceirizadas que deveriam garantir os direitos de seus funcionários, mostram-se, na realidade, como um modelo de trabalho cada vez mais precarizado.
Por fim, Netto (2013) ressalta que trabalhar em isolamento social também é prejudicial. Então, ao não realizar uma diferenciação entre o ambiente de trabalho e o ambiente de descanso durante o período pandêmico da atualidade, cria-se uma atmosfera tóxica ao trabalhador, a qual é propícia ao desenvolvimento de transtornos mentais e problemas psicológicos. Portanto, fica evidente que a tentativa de obter o máximo de lucro realizada pelos detentores dos meios de produção e do poder descrita por Marx, atitude que está enraizada profundamente na sociedade capitalista, é crucial para compreender situações de violência e violação dos direitos dos trabalhadores na atualidade.
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XIAO, Yijing; BECERIK-GERBER, Burcin Des; LUCAS, Gale PhD; ROLL, Shawn C. PhD Impactos do trabalho em casa durante uma pandemia de COVID-19 no bem-estar físico e mental de usuários de estações de trabalho de escritório. Revista de Medicina Ocupacional e Ambiental: março de 2021 - Volume 63 - Edição 3 - p 181-190.
1 Graduando em Psicologia pela Unesp de Assis-SP. E-mail: [email protected]
2 Graduanda em Psicologia pela Unesp de Assis-SP. E-mail: [email protected]
3 Graduando em Psicologia pela Unesp de Assis-SP. E-mail: [email protected]
4 Graduanda em Psicologia pela Unesp de Assis-SP. E-mail: [email protected]
5 Graduanda em Psicologia pela Unesp de Assis-SP. E-mail: [email protected]
6 Docente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis. Mestre em Psicologia pela Unesp de Assis, Mestre em História pela Unesp de Assis e Doutora em História pela Unesp de Assis e-mail: [email protected]
7 Disponível em https://www.viniciusdemoraes.com.br/br/poesia/texto/224/o-operario-em-construcao. Acesso: 12 de jun. 2025.