USO DE TELAS NA INFÂNCIA E SEUS IMPACTOS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17822570


Leonardo Simões dos Santos1
Tatiane Oliveira Barbosa2


RESUMO
Este artigo visa analisar os impactos do uso das telas na infância e suas implicações para o processo de ensino e aprendizagem, considerando a crescente presença das tecnologias digitais no cotidiano das crianças. A imersão precoce em dispositivos como smartphones, tablets, televisores e computadores têm transformado modos de interação, brincadeiras, vínculos sociais e ritmos de aprendizagem. Na primeira infância, período marcado por intensa plasticidade cerebral, experiências presenciais, exploração sensorial e brincadeiras corporais são fundamentais para o desenvolvimento integral. A exposição frequente às telas, especialmente quando ocorre sem mediação adequada, pode alterar padrões de atenção, reduzir a tolerância ao tempo pedagógico, dificultar a concentração e interferir na formação de hábitos de estudo. Entretanto, o uso equilibrado e orientado das tecnologias pode assumir papel positivo, ampliando repertórios, estimulando a linguagem, favorecendo práticas lúdicas e enriquecendo experiências educativas. Nesse sentido, a mediação adulta, especialmente de professores e familiares constitui elemento decisivo para transformar o uso das telas em oportunidade formativa, garantindo que os conteúdos acessados e as interações ocorram de modo consciente, crítico e contextualizado. A escola desempenha papel estratégico nesse cenário, pois vivencia diretamente as repercussões do uso digital no comportamento, na atenção e nas interações das crianças. Ao mesmo tempo, precisa incorporar tecnologias de maneira intencional, articulando recursos digitais a práticas pedagógicas significativas. Do lado das famílias, a construção de limites, rotinas equilibradas e diálogo constante contribui para um uso mais saudável, prevenindo excessos e promovendo vínculos afetivos. Assim, compreender o uso das telas na infância requer uma abordagem que considere riscos e potencialidades, reconheça a criança como sujeito ativo e integre práticas educativas, afetivas e sociais para promover um desenvolvimento integral e equilibrado.
Palavras-chave: Telas; Infância; Tecnologias.

ABSTRACT
This article aims to analyze the impacts of screen use in childhood and its implications for the teaching and learning process, considering the growing presence of digital technologies in children’s daily lives. Early immersion in devices such as smartphones, tablets, televisions, and computers has transformed modes of interaction, play, social bonds, and learning rhythms. In early childhood a period marked by intense brain plasticity face-to-face experiences, sensory exploration, and physical play are fundamental for integral development. Frequent exposure to screens, especially when it occurs without adequate mediation, can alter attention patterns, reduce tolerance for pedagogical time, hinder concentration, and interfere with the formation of study habits.
However, balanced and guided use of technology can play a positive role, expanding repertoires, stimulating language, supporting playful practices, and enriching educational experiences. In this sense, adult mediation especially by teachers and family members constitutes a decisive element in transforming screen use into a formative opportunity, ensuring that the content accessed and the interactions that occur do so in a conscious, critical, and contextualized manner. The school plays a strategic role in this scenario, as it directly experiences the repercussions of digital use on children's behavior, attention, and interactions. At the same time, it must incorporate technologies intentionally, articulating digital resources with meaningful pedagogical practices. For families, establishing limits, balanced routines, and ongoing dialogue contributes to healthier use, preventing excesses and strengthening affective bonds.
Thus, understanding screen use in childhood requires an approach that considers both risks and potentialities, recognizes the child as an active subject, and integrates educational, emotional, and social practices to promote integral and balanced development.
Keywords: Screens; Childhood; Technologies.

1. INTRODUÇÃO

O uso de telas, como televisores, computadores, tablets e smartphones, tornou-se constante no cotidiano infantil desde os primeiros anos de vida. A facilidade de acesso e a diversidade de conteúdos contribuem para seu uso em lazer e em atividades educativas. Contudo, a frequência e a forma de utilização suscitam reflexões sobre seus impactos no desenvolvimento infantil, abrangendo aspectos cognitivos, sociais, emocionais e físicos.

A primeira infância é marcada por uma aprendizagem que ocorre por meio de experiências concretas, contato direto com pessoas, objetos e ambientes, exploração sensorial, movimento e interação social. A presença constante das telas pode modificar essas vivências, influenciando o tempo dedicado ao brincar, à comunicação e à construção de vínculos.

Embora parte desse uso aconteça no ambiente doméstico, seus reflexos surgem também no contexto escolar, com mudanças no comportamento, na atenção e nas interações, refletindo hábitos e rotinas familiares que influenciam diretamente o desenvolvimento infantil.

A discussão sobre o uso de telas é importante e relevante porque se trata de uma realidade que atravessa todas as camadas sociais e afeta diretamente o desenvolvimento infantil. Em um contexto em que os dispositivos digitais se tornam cada vez mais presentes no cotidiano das famílias, compreender seus efeitos é essencial para orientar práticas educativas, subsidiar políticas públicas e promover ações de prevenção e conscientização. O tema também ganha relevância por envolver a formação integral da criança, influenciando desde habilidades cognitivas até aspectos emocionais e sociais.

A Educação Infantil, por ser a etapa em que se consolidam bases importantes para o desenvolvimento integral, é estratégica para observar essas transformações. Professores que atuam com crianças acompanham de perto a aprendizagem e a convivência, identificando relações entre hábitos digitais e demandas escolares, incluindo dificuldades, avanços e ajustes pedagógicos.

O uso de telas pode impactar o processo de ensino e aprendizagem tanto de forma positiva quanto negativa. Quando utilizado de maneira equilibrada e orientada, pode ampliar repertórios, favorecer a linguagem, apoiar atividades lúdicas e oferecer recursos pedagógicos que enriquecem a prática docente. No entanto, seu uso excessivo ou inadequado pode prejudicar a atenção, reduzir o engajamento em atividades concretas, dificultar a autorregulação emocional e interferir na capacidade de socialização. Entender esses impactos é fundamental para que a escola estabeleça critérios e intencionalidade no uso pedagógico das tecnologias.

Apesar de a temática integrar debates na educação e na saúde, ainda existem lacunas na sistematização de dados que reflitam contextos escolares específicos. Em muitos casos, faltam estratégias para mediar o uso de telas, promover a participação da família e orientar formas equilibradas de inserção tecnológica, considerando aspectos culturais, socioeconômicos e emocionais que influenciam diretamente as práticas e escolhas no cotidiano escolar.

Compreender a percepção docente é passo relevante para ampliar a discussão sobre o papel da escola diante desse fenômeno. Essa análise permite identificar desafios e oportunidades para práticas pedagógicas alinhadas às demandas atuais, fortalecendo o diálogo entre escola e família, incentivando o uso consciente e construtivo das telas na Educação Infantil e promovendo estratégias colaborativas que favoreçam o desenvolvimento integral das crianças.

2. TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

O uso das tecnologias na educação acompanha o percurso histórico de transformação social e o uso das tecnologias na educação é resultado de um processo histórico que acompanha a própria evolução social e cultural da humanidade.

A escola, como instituição responsável pela mediação do conhecimento, sempre se apropriou de instrumentos e linguagens disponíveis em cada época para aperfeiçoar as formas de ensinar e aprender. Desde a utilização de recursos impressos até a chegada dos dispositivos digitais, observa-se uma transformação gradual nas práticas pedagógicas e nas relações entre educadores, estudantes e saberes (Kenski, 2019). Essa transição reflete uma nova concepção de aprendizagem, em que o conhecimento é construído de maneira colaborativa, interativa e contextualizada.

No contexto contemporâneo, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) deixaram de ser apenas ferramentas de apoio para se tornarem elementos estruturantes dos processos formativos. Segundo Valente (2018), a presença das tecnologias redefine o papel do professor, que passa a atuar como mediador das interações e organizador de experiências de aprendizagem.

Essa mediação tecnológica amplia o espaço escolar para além das paredes da sala de aula, favorecendo a criação de ambientes digitais e híbridos de aprendizagem. Morán (2018) complementa que o uso pedagógico das tecnologias está diretamente associado à capacidade de promover a autonomia, a curiosidade e o protagonismo do estudante na construção de seu conhecimento.

Essa característica exige da escola uma postura aberta à inovação e ao diálogo com as linguagens digitais. Bacich e Moran (2020) defendem que as metodologias ativas representam uma resposta pedagógica a essa realidade, pois valorizam a participação efetiva dos estudantes e o uso de recursos digitais como parte do processo investigativo.

Freire (2019) ensina que a tecnologia, quando articulada ao projeto político-pedagógico da escola, pode se tornar instrumento de libertação, desde que utilizada com intencionalidade e criticidade. Essa perspectiva humanizadora, centrada na autonomia e na consciência crítica, reforça a necessidade de compreender o uso das tecnologias como parte de um processo educativo emancipador. Assim, mais do que adotar equipamentos ou plataformas, trata-se de integrar a tecnologia à prática pedagógica de forma reflexiva e ética.

Contudo, observa-se um movimento crescente de valorização da cultura digital docente, conforme argumentam Martins e Coutinho (2021), que destacam a importância de compreender as tecnologias como aliadas do processo formativo e não como substitutas da ação pedagógica.

Ferreira e Nunes (2022) acrescentam que a mediação docente é o elemento que dá sentido ao uso das tecnologias. A eficácia das práticas digitais não reside apenas no domínio técnico, mas na capacidade do professor de criar vínculos entre o conteúdo, a realidade dos alunos e as potencialidades dos meios digitais. Para os autores, essa mediação é o que diferencia a simples exposição de conteúdos online da verdadeira aprendizagem significativa.

Conforme argumenta Morán (2018), o desafio da escola contemporânea é transformar a tecnologia em aliada da aprendizagem, superando o uso instrumental e promovendo a compreensão crítica da informação. Educar na cultura digital exige, sobretudo, uma postura ética e reflexiva diante das possibilidades tecnológicas.

A tecnologia é uma aliada poderosa da aprendizagem, mas é preciso usá-la de forma criativa e crítica, integrando-a a metodologias que estimulem o pensar, o comunicar-se e o agir de modo ético.
O mais importante não é o equipamento em si, mas o sentido que damos a ele na prática pedagógica. A escola precisa aprender a aprender com as tecnologias, reinventando-se continuamente para responder aos desafios de uma sociedade em rede (MORÁN, 2018, p. 73-74)

Essa citação sintetiza o papel transformador das tecnologias na educação: mais do que recursos, elas são mediadoras de novas experiências cognitivas.

Além disso, as tecnologias vêm sendo integradas aos currículos escolares por meio de documentos normativos como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que reconhece a cultura digital como uma das dez competências gerais da educação básica (BRASIL, 2017).

Essa diretriz estabelece que os estudantes devem aprender a compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica e ética. Assim, a presença das tecnologias no currículo não se restringe ao uso de equipamentos, mas abrange a construção de uma cidadania digital pautada em valores humanos e sociais.

Ferreira e Nunes (2022) observam que o papel do professor é fundamental nesse processo, pois cabe a ele orientar o uso responsável e crítico das tecnologias, evitando tanto a dependência tecnológica quanto o uso superficial dos recursos digitais.

Os autores Costa e Silva (2022) destacam que a utilização das TIC deve considerar a intencionalidade pedagógica e o contexto sociocultural dos alunos. Em comunidades onde o acesso ainda é limitado, a mediação docente se torna ainda mais importante, pois é ela que garante a equidade de oportunidades de aprendizagem.

As tecnologias digitais também vêm impulsionando o surgimento de novas metodologias educacionais, como a sala de aula invertida, a aprendizagem baseada em projetos e o ensino híbrido.

Nesse sentido, Valente (2018, p. 61) observa que “o uso das tecnologias na educação não deve ser visto como uma solução imediata para os desafios escolares, mas como parte de um processo de transformação que envolve cultura, linguagem e relações humanas”, destacando que a tecnologia é mediadora, não substituta da ação docente, e seu valor depende do sentido atribuído pelo professor à sua prática.

Essa compreensão desloca a discussão das tecnologias como ferramentas para a concepção de tecnologias como práticas culturais e sociais. A escola passa, então, a ser um espaço de produção de conhecimento e de construção de identidades digitais.

A relação entre tecnologia e aprendizagem também passa pela valorização das experiências e saberes docentes. Martins e Coutinho (2021) defendem que a prática educativa deve incorporar o repertório cultural dos professores, promovendo o diálogo entre o conhecimento acadêmico e o saber prático.

Isso implica reconhecer a docência como uma profissão criativa, capaz de reinventar-se diante dos desafios contemporâneos. Como ensina Freire (2019), ensinar exige curiosidade, abertura ao novo e compromisso com a transformação social.

Logo, compreender o lugar das tecnologias na educação é reconhecer que sua presença vai além da instrumentalização. Trata-se de um movimento histórico e social que redefine o sentido do aprender e do ensinar, promovendo uma educação mais aberta, crítica e conectada à realidade do século XXI. Essa compreensão estabelece as bases para a próxima seção, que examina o papel do computador e da internet na escola como instrumentos de ampliação do acesso, da mediação e da construção do conhecimento.

3. USO DE TELAS, DESENVOLVIMENTO INFANTIL E OS IMPACTOS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

A presença das tecnologias digitais no cotidiano infantil tem se tornado um fenômeno amplamente discutido nas pesquisas contemporâneas sobre desenvolvimento humano. A expansão do acesso a computadores, dispositivos móveis e plataformas digitais alterou hábitos, modos de interação e formas de aprendizagem desde a primeira infância.

De modo geral, o acesso às telas ocorre em contextos variados, o que reforça a necessidade de considerar a infância como um período marcado por intensa plasticidade e por processos formativos sensíveis às experiências vividas.

Conforme pontua Paulus (2023), a exposição digital afeta circuitos neurais relacionados à atenção e ao controle inibitório, influenciando ritmos de desenvolvimento que dependem de interações presenciais, brincadeiras corporais e comunicação mediada por vínculos afetivos. Essa compreensão mostra que o debate não se resume ao tempo de tela, mas envolve a qualidade das interações e o papel dos adultos em orientar o uso.

Os estudos internacionais reforçam esse debate. Em análise longitudinal sobre mídia digital e infância, Nivins et al. (2024) observaram que a exposição constante a estímulos visuais rápidos tende a modificar padrões de engajamento atencional, favorecendo respostas mais imediatas e dificultando períodos prolongados de concentração.

As pesquisas também evidenciam que a relação entre telas e desenvolvimento infantil não é linear. O impacto depende de múltiplas variáveis, como idade, contexto de uso, tipo de conteúdo acessado e presença de adultos que favoreçam processos de interpretação e reflexão (Habowski, 2023).

Diante desse panorama, compreende-se que a mediação adulta exerce papel importante no processo de construção de sentidos. Quando há acompanhamento, diálogo e participação conjunta, as tecnologias podem se integrar a práticas educativas que ampliam experiências e promovem aprendizagens contextualizadas. Sem mediação, no entanto, aumenta a possibilidade de exposição prolongada, conteúdos inadequados e uso como mecanismo de distração, o que interfere no desenvolvimento socioemocional e no ritmo de aprendizagem (Kar et al., 2025).

Colaborando com os autores:

Computadores, Internet, videogames, dispositivos móveis são recursos corriqueiros no cotidiano das crianças. Para tanto, é viável afirmar que essa nova realidade assusta grande parte dos adultos, pois muitos não sabem utilizar essas interfaces e, consequentemente, orientar as crianças na compreensão de como se relacionar e produzir significados com as tecnologias. Os próprios adultos estão recaindo na dependência tecnológica e o resultado é uma inversão em termos de autoridade, pois muitas vezes são as crianças que ajudam os adultos e educadores, geralmente, perdidos entre as diferentes funções dos aparelhos. (INÁCIO et al;, 2019, p. 43).

A reflexão trazida pelas autoras destaca um ponto decisivo: a construção de significados no contato com dispositivos digitais depende da capacidade dos adultos de acompanhar as crianças, interpretar conteúdos, estabelecer limites e promover relações que conectem o uso das telas ao desenvolvimento integral. Quando essa mediação não ocorre, o espaço digital torna-se um ambiente de exploração solitária, marcado pela ausência de parâmetros que auxiliem a criança a compreender riscos, linguagens, valores e modos de interação.

As práticas educativas que envolvam escuta ativa, diálogo e oportunidades de brincadeiras presenciais contribuem para que a tecnologia seja incorporada de maneira crítica e criativa, fortalecendo competências importantes ao longo da trajetória escolar.

Entende-se que o uso de telas na infância deve ser abordado como fenômeno multidimensional, que exige a integração entre estudos científicos, práticas educativas e participação familiar. As análises recentes reforçam que os desafios não se restringem ao uso excessivo, mas abrangem o papel formativo das relações e dos contextos sociais que estruturam a experiência infantil com o ambiente digital.

Domingues-Montanari (2017), em síntese crítica amplamente citada nos debates sobre infância e telas, apresenta evidências clínicas que exploram efeitos comportamentais e psicológicos associados ao uso excessivo. A autora ressalta que a hiperestimulação sensorial proporcionada por dispositivos digitais pode interferir no desenvolvimento de habilidades emocionais que dependem de interações presenciais e de rotinas estáveis, como autocontrole, empatia e regulação do sono.

Pesquisas de Nivins et al. (2024) reforçam esse conjunto de evidências ao demonstrar que a exposição aos estímulos digitais modifica circuitos relacionados à atenção sustentada e à tomada de decisão, componentes importantes para o desempenho escolar e a formação de hábitos de estudo. Em citação direta curta, os autores afirmam que “o desenvolvimento cerebral é particularmente sensível a padrões repetitivos de uso digital” (Nivins et al., 2024, p. 16). Isso significa que, quando o uso das telas não está integrado a práticas de aprendizagem significativas, a criança pode desenvolver dificuldades para manter tarefas que exigem foco prolongado ou esforço cognitivo contínuo.

Em um de seus estudos, Radesky aponta que “a atenção compartilhada é um dos elementos mais afetados quando o uso das telas se dá de forma não supervisionada” (Radesky et al., 2015, p. 62). Esse dado é essencial para compreender por que a mediação adulta é decisiva para integrar experiências digitais às necessidades formativas da criança.

Além disso, estudos como o de Habowski (2023) chamam atenção para o deslocamento do brincar, atividade essencial na infância e que contribui para o desenvolvimento motor, social e imagético. A autora afirma que, embora as tecnologias possam ampliar repertórios simbólicos, elas não substituem as experiências corporais necessárias para a construção de referenciais sobre o mundo físico.

A contribuição de Sonia Livingstone amplia ainda mais esse debate ao incorporar a perspectiva dos direitos da criança na esfera digital. A autora defende que o acesso às tecnologias deve ser acompanhado por um conjunto de garantias que asseguram proteção, participação e desenvolvimento saudável. Em suas palavras, “a infância digital precisa ser vista à luz dos direitos da criança, e não apenas como questão de controle ou proteção” (Livingstone et al., 2020, p. 380). Essa visão introduz uma discussão ética importante, pois desloca o foco das restrições para a construção de ambientes digitais que respeitem e fortaleçam o desenvolvimento infantil.

Considerando o conjunto das pesquisas, percebe-se que os impactos do uso das telas na infância não se limitam ao indivíduo, mas envolvem dinâmicas familiares, escolhas educacionais e políticas públicas que regulam o acesso, o conteúdo e a forma de uso.

Compreender o uso das telas como parte da vida contemporânea implica reconhecer a criança como sujeito ativo, que constrói sentidos, interage com linguagens diversas e produz interpretações a partir de suas experiências. A mediação da família e da escola, portanto, não deve restringir, mas orientar, apoiar e favorecer relações equilibradas entre tecnologias, brincadeiras, vínculos afetivos e aprendizagens significativas.

Diante disso, a literatura analisada demonstra que o uso de telas na infância exige uma abordagem contextualizada, sensível às particularidades de cada família e às condições socioculturais que moldam o cotidiano infantil. O desenvolvimento saudável depende do equilíbrio entre experiências digitais e não digitais, articuladas a interações presenciais que fortaleçam a autonomia, a criatividade e a construção de vínculos. O uso das telas na infância não deve ser interpretado apenas como risco ou ameaça, mas como campo que requer orientação, cuidado e intencionalidade.

O impacto do uso de telas na infância tem sido amplamente debatido em pesquisas educacionais, neuropsicológicas e socioculturais, especialmente diante da forte presença das tecnologias digitais no cotidiano das crianças. Na perspectiva de Mendes (2022, p. 41), “a infância contemporânea é marcada pela imersão precoce em dispositivos digitais, cuja influência ultrapassa o entretenimento e alcança dimensões cognitivas e comportamentais essenciais ao desenvolvimento escolar”. Essa constatação reforça a necessidade de analisar como essa exposição interfere na aprendizagem, na atenção, no comportamento e na relação da criança com o conhecimento.

Do ponto de vista neurocognitivo, estudos apontam que o uso prolongado de telas pode alterar padrões de atenção sustentada, prejudicando a capacidade de concentração em atividades que exigem esforço contínuo. Segundo Freire e Ventura (2021, p. 58), “a velocidade dos estímulos digitais compromete o desenvolvimento de habilidades atencionais, gerando dificuldades para acompanhar explicações mais longas, rotinas de leitura e resolução de problemas”. Essa dificuldade aparece com frequência no ambiente escolar, onde as crianças demonstram maior impaciência e menor tolerância ao tempo pedagógico tradicional.

Além disso, o uso não mediado de tecnologias interfere na formação de hábitos de estudo. Em pesquisa realizada com crianças de quatro a sete anos, Oliveira (2023, p. 112) observou que “a alternância constante entre aplicativos, vídeos e jogos afeta a capacidade de manter a continuidade em atividades pedagógicas, criando padrões de dispersão que se estendem para a sala de aula”. Isso demonstra que a fragmentação da atenção no ambiente digital acaba influenciando diretamente a rotina escolar.

Por fim, a mediação adulta aparece como elemento central em praticamente todos os estudos. Conforme resume Antunes (2024, p. 27), “o fator determinante não é a tela em si, mas a qualidade das interações que acompanham seu uso, bem como os limites e orientações oferecidos pela escola e pela família”. Isso significa que o impacto das telas no processo de ensino e aprendizagem depende diretamente do contexto, do conteúdo acessado e do grau de participação dos responsáveis.

Em síntese, o uso das telas na infância influencia o processo de ensino e aprendizagem de maneiras diversas, afetando atenção, comportamento, habilidades sociais e hábitos de estudo. Entretanto, quando mediado e equilibrado, pode assumir papel positivo, ampliando possibilidades educativas e fortalecendo competências contemporâneas. O grande desafio das instituições de ensino e das famílias consiste em estabelecer limites, promover interações qualificadas e integrar tecnologias de forma crítica, consciente e pedagógica.

CONCLUSÃO

A análise realizada ao longo deste estudo permitiu compreender que o uso das telas na infância é um fenômeno complexo, atravessado por dimensões sociais, culturais, tecnológicas e pedagógicas. A presença constante dos dispositivos digitais na vida das crianças não pode ser avaliada de forma simplista, como estritamente benéfica ou prejudicial. Pelo contrário, exige uma compreensão contextualizada, que considere as evidências científicas disponíveis e a necessidade de práticas educativas capazes de reconhecer tanto seus riscos quanto suas potencialidades.

Estudos contemporâneos mostram que a exposição precoce e intensa às telas pode influenciar aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais, especialmente quando ocorre sem mediação adequada. Questões como atenção sustentada, controle inibitório e capacidade de concentração são diretamente afetadas, o que reforça a importância de um acompanhamento sensível às particularidades de cada fase do desenvolvimento infantil.

Ao mesmo tempo, é reconhecido que as tecnologias digitais, quando utilizadas de forma crítica, criativa e orientada, podem ampliar oportunidades de aprendizagem e favorecer novos modos de interação com o conhecimento. A escola, inserida em um contexto social permeado por tecnologias, precisa assumir o desafio de integrá-las ao currículo de maneira ética e reflexiva, garantindo que se tornem ferramentas que enriqueçam o processo educativo. Para isso, a mediação docente permanece como elemento fundamental, pois é ela que transforma dispositivos tecnológicos em experiências formativas significativas e evita que seu uso se limite a práticas superficiais ou meramente instrumentais.

Nesse cenário, a família também desempenha papel decisivo. Os impactos do uso das telas não dependem apenas do tempo de exposição, mas principalmente da qualidade das interações que acompanham esse uso. Quando há diálogo, limites equilibrados e presença ativa dos responsáveis, as experiências digitais tendem a auxiliar no desenvolvimento linguístico, cognitivo e socioemocional das crianças. Em contrapartida, a ausência de orientação pode favorecer comportamentos impulsivos, diminuir o interesse pelo brincar e prejudicar a construção de hábitos de estudo, evidenciando que a articulação entre escola e família é essencial para promover um uso saudável e educativo das tecnologias.

Assim, conclui-se que o uso das telas na infância deve ser compreendido como um fenômeno que reúne tanto riscos quanto oportunidades, exigindo políticas públicas, práticas escolares e ações familiares que promovam equilíbrio, criticidade e intencionalidade. O desafio não está em proibir ou eliminar as telas do cotidiano infantil, mas em orientar, qualificar e contextualizar seu uso, garantindo que contribuam para o desenvolvimento integral e para aprendizagens significativas. A responsabilidade é compartilhada entre escola, família e sociedade, que devem assegurar que a tecnologia seja instrumento de humanização, conhecimento e autonomia e não de dependência ou prejuízo formativo. Dessa forma, reafirma-se que o caminho mais eficaz é aquele que integra experiências digitais e não digitais, preservando o brincar, fortalecendo vínculos afetivos e promovendo uma educação alinhada às demandas contemporâneas sem perder de vista a essência da infância.

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1 Pós-Doutorando em Psicologia pela Universidad de Flores (Argentina), Doutorado em Educação pela Christian Business School (USA e France). - Doutorado Livre em Psicanálise pela American Andragogy University - EUA (conclusão 2023). - Mestrado em Educação pela Universidad de la Empresa – Uruguai (conclusão 2022). - Mestrado Livre em Teologia pela Faculdade Metodista Livre de São Paulo (conclusão 2008). - Mestrado com dupla titulação: Internacional en Psicologia Infantil y adolescente / Internacional en Coach e Inteligência Emocional Infantil y juvenil pela Esneca Bussiness School - Espanha (conclusão 2022). - MBA em Gestão Empresarial Estratégica de Negócios pela Universidade de São Paulo-USP (conclusão 2006). - Pós-graduação em Psicanálise pela Faculdade Iguaçu (conclusão 2023). - Curso de Extensão em Capacitação em Comunidades Terapêuticas pela UNESP (conclusão em 2011). – Graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (conclusão 2004). – Graduação em Psicologia pela Universidade São Marcos (conclusão 2012). – Graduação em História pela Faculdade Campos Eliseos (conclusão 2025). - Gerente de Relacionamento na GPS Pamcary Logistica e Gerenciamento de Risco Ltda. (1999 - atual) / Psicólogo Clínico (2012 - atual) / Foi Professor de Teologia pela Faculdade de Teologia Metodista Livre de São Paulo nas áreas de Psicologia Pastoral, Novo Testamento, Aconselhamento, Religiões comparadas e Ética (anos de ministração de aulas 2015-2018).

2 Doutoranda em Educação pela Christian Business School (France), Mestrado em Ciências da Educação na Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (Paraguai). Graduada em Pedagogia pelo Instituto Superior do Litoral do Paraná (2011), atua como Pedagoga Orientadora Educacional. Servidora Pública Municipal na cidade de Paranaguá no Paraná.