SOBRECARGA EMOCIONAL E PSICOLÓGICA DA MÃE SOLO: DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17968879


Fabiana da Silva Fares1


RESUMO
A condição de mãe solo, marcada pela responsabilidade exclusiva pelo cuidado dos filhos e pela gestão da subsistência familiar, configura um cenário de elevada vulnerabilidade psicossocial, frequentemente atravessado por precarização do trabalho, instabilidade financeira e redes de apoio fragilizadas. Nesse contexto, a saúde mental dessas mulheres tende a ser impactada por quadros de estresse crônico, ansiedade, depressão e exaustão emocional, intensificados por demandas de cuidado ininterruptas e pela persistência de estigmas de gênero. Este artigo tem como objetivo analisar a sobrecarga emocional e psicológica da mãe solo, discutindo os principais desafios vivenciados e as estratégias de enfrentamento mobilizadas no cotidiano. Adota-se uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, com revisão integrativa da literatura nacional e internacional dos últimos dez anos, complementada por análise temática de estudos empíricos que abordam maternidade solo, saúde mental e suporte psicossocial. Os resultados indicam que a conjunção de responsabilidade parental exclusiva, invisibilidade social do cuidado e insuficiência de políticas públicas específicas favorece o adoecimento psíquico e a naturalização da sobrecarga. Evidenciam-se, entretanto, importantes estratégias de enfrentamento, como a construção de redes informais de apoio, a busca por suporte profissional em saúde mental, a participação em grupos de apoio e o fortalecimento de práticas de autocuidado possível. Conclui-se que a saúde mental da mãe solo é um problema de saúde pública, demandando intervenções intersetoriais que articulem políticas de proteção social, cuidado em saúde mental e ações de enfrentamento às desigualdades de gênero, a fim de reduzir a sobrecarga e promover bem-estar psicossocial.
Palavras-chave: Autocuidado; Gênero e saúde; Maternidade solo; Saúde mental; Sobrecarga emocional.

ABSTRACT
The condition of being a single mother, marked by the exclusive responsibility for childcare and managing family subsistence, creates a scenario of high psychosocial vulnerability, frequently marked by precarious work, financial instability, and weakened support networks. In this context, the mental health of these women tends to be impacted by chronic stress, anxiety, depression, and emotional exhaustion, intensified by uninterrupted caregiving demands and the persistence of gender stigmas. This article aims to analyze the emotional and psychological overload of single mothers, discussing the main challenges experienced and the coping strategies employed in daily life. A qualitative, exploratory-descriptive approach is adopted, with an integrative review of national and international literature from the last ten years, complemented by a thematic analysis of empirical studies addressing single motherhood, mental health, and psychosocial support. The results indicate that the combination of exclusive parental responsibility, social invisibility of caregiving, and insufficient specific public policies favors mental illness and the normalization of overload. However, important coping strategies are evident, such as building informal support networks, seeking professional mental health support, participating in support groups, and strengthening possible self-care practices. It is concluded that the mental health of single mothers is a public health problem, demanding intersectoral interventions that articulate social protection policies, mental health care, and actions to address gender inequalities, in order to reduce burden and promote psychosocial well-being.
Keywords: Self-care; Gender and health; Single motherhood; Mental health; Emotional overload.

1. INTRODUÇÃO

A maternidade solo configura-se como um fenômeno social complexo, historicamente atravessado por desigualdades estruturais que se intensificam no cotidiano das mulheres responsáveis, de forma exclusiva ou predominante, pelo cuidado, pela provisão financeira e pela gestão integral da vida familiar. Embora a figura da mãe como eixo central da vida doméstica seja amplamente naturalizada na cultura ocidental, pesquisas recentes demonstram que a maternidade exercida sem parceria está associada a sobrecargas emocionais e psicológicas mais intensas, refletindo não apenas a ausência de corresponsabilidade parental, mas também a insuficiência de políticas públicas que garantam condições dignas de cuidado, trabalho e saúde mental. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde, mulheres que acumulam sozinhas a responsabilidade pelo cuidado apresentam maior risco de desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e exaustão emocional, sobretudo em contextos marcados por desigualdade socioeconômica e falta de suporte institucional (WHO, 2022, p. 14).

No Brasil, estudos de Sarti (2018, p. 63) evidenciam que a mãe solo enfrenta um cenário de vulnerabilidade ampliada, no qual a carga mental se soma à precarização material, à instabilidade da renda e ao isolamento social, elementos que tornam essa experiência distinta, mais densa e mais exigente do ponto de vista psíquico. Essa conjuntura revela a necessidade de compreender, com profundidade científica, como a sobrecarga emocional e psicológica da mãe solo se constitui, se manifesta e se transforma no tecido social contemporâneo.

Diante desse panorama, emerge uma problemática central ainda pouco esclarecida pela literatura, que se concentra majoritariamente em análises socioeconômicas e estruturais, deixando lacunas importantes sobre os mecanismos subjetivos de adoecimento e sobre as estratégias de enfrentamento mobilizadas por essas mulheres. Observa-se uma carência de estudos que articulem, de forma integrada, saúde mental, gênero, cuidado e desigualdade estrutural, especialmente no contexto brasileiro, no qual a maternidade solo atinge proporções elevadas e assume contornos específicos. Assim, a pergunta norteadora que orienta esta pesquisa é: de que modo a sobrecarga emocional e psicológica se manifesta na vida da mãe solo e quais estratégias de enfrentamento são acionadas para mitigar seus efeitos sobre a saúde mental e o bem-estar cotidiano.

A partir dessa questão, o estudo define como objetivo geral analisar criticamente a sobrecarga emocional e psicológica vivenciada pela mãe solo, discutindo seus desafios e estratégias de enfrentamento. Como objetivos específicos, propõe-se identificar os principais fatores individuais, sociais e estruturais que contribuem para a intensificação da carga emocional; examinar os impactos psicossociais dessa sobrecarga na saúde mental das mães solo; mapear as estratégias formais e informais de enfrentamento utilizadas por essas mulheres; e discutir a articulação entre políticas públicas, redes de apoio e práticas de autocuidado, estabelecendo relações com a literatura contemporânea e com o marco legal vigente.

Com base nesses objetivos, formulam-se hipóteses que orientam o percurso investigativo. A primeira hipótese considera que a sobrecarga emocional e psicológica vivenciada pela mãe solo é potencializada pela ausência de apoio institucional e pela insuficiência de políticas públicas voltadas à proteção social, favorecendo o desenvolvimento de quadros de adoecimento mental. A segunda hipótese sugere que, apesar do contexto adverso, essas mulheres mobilizam estratégias de enfrentamento complexas e multifacetadas, que incluem desde ações de autocuidado adaptado até a construção de redes informais de suporte. A terceira hipótese admite que a desigualdade de gênero é elemento estruturante da sobrecarga, uma vez que naturaliza a responsabilização integral da mulher pelo cuidado, invisibilizando seu sofrimento e restringindo seu acesso à saúde mental. A quarta hipótese sustenta que o fortalecimento de políticas públicas e de redes comunitárias pode reduzir significativamente a intensidade dos impactos emocionais e psicológicos, promovendo maior bem-estar e resiliência.

Justifica-se a realização deste estudo pela crescente demanda de pesquisas que abordem a saúde mental de forma integrada às dinâmicas sociais e às desigualdades de gênero, reconhecendo que a maternidade solo é um marcador estruturante de vulnerabilidade no Brasil e no mundo. Autores como Hirata e Kergoat (2020, p. 45) demonstram que a responsabilização feminina pelo cuidado constitui um núcleo duro das desigualdades contemporâneas, influenciando diretamente a qualidade de vida, a autonomia e o equilíbrio emocional. Da mesma forma, pesquisas realizadas por Pinho e Araújo (2021, p. 109) revelam que as mães solo enfrentam barreiras significativas no acesso à saúde mental, tanto por limitações de tempo e recursos quanto pela persistência de estigmas que deslegitimam seu sofrimento. A literatura recente também aponta para a urgência de políticas públicas que reconheçam o cuidado como trabalho socialmente necessário, como expõe Federici (2019, p. 78), reforçando que o bem-estar dessas mulheres não pode ser tratado apenas como responsabilidade individual, mas como questão coletiva e política.

Do ponto de vista da relevância científica, o estudo contribui para ampliar o debate acadêmico sobre maternidade, saúde mental, gênero e políticas públicas, articulando perspectivas interdisciplinares que incluem sociologia, psicologia, saúde coletiva e estudos feministas. A relevância social se evidencia pela necessidade de produzir conhecimento que subsidie intervenções efetivas, considerando que milhões de mulheres no Brasil se encontram na condição de mães solo e vivenciam diariamente a sobrecarga emocional e psicológica. Dados do IBGE indicam que 17,4 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres, das quais parcela significativa exerce maternidade sem corresponsabilidade paterna, realidade que impacta diretamente a saúde mental e o bem-estar familiar (IBGE, 2022, p. 12). Além disso, estudos recentes de Lima e Silva (2023, p. 204) enfatizam que a ampliação das redes de apoio e a oferta de serviços especializados de saúde mental são essenciais para reduzir os efeitos da sobrecarga, sobretudo em regiões vulneráveis.

A base teórica deste estudo apoia-se em autores que discutem maternidade, cuidado, gênero e saúde mental, como Badinter, Butler, Sarti, Hirata e Federici, além de abordagens psicossociais fundamentadas em Winnicott e nas contribuições da psicologia social crítica. No campo jurídico, considera-se, de modo introdutório, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a legislação trabalhista relativa ao cuidado e à proteção da maternidade, que oferecem subsídios normativos para compreender o contexto institucional que atravessa a experiência da mãe solo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Sobrecarga Emocional e Psicológica da Mãe Solo

A literatura recente tem demonstrado de modo consistente que a maternidade solo constitui um marcador expressivo de vulnerabilidade emocional e psicológica, especialmente em contextos onde a responsabilização integral pelo cuidado permanece naturalizada. Diversos estudos evidenciam que mães que exercem sozinhas a parentalidade apresentam maior propensão a desenvolver sintomas de ansiedade, estresse e depressão, fenômeno relacionado à acumulação simultânea de funções e à insuficiência de políticas de proteção social. Como destacam Pereira, Xavier e Resende (2024, p. 291), “o peso da maternidade solitária emerge como expressão de desigualdades estruturais que ultrapassam o âmbito individual”, afirmando, portanto, a necessidade de compreender esse fenômeno a partir de sua dimensão social e não apenas subjetiva. Nesse sentido, pesquisas analisadas por Kareem et al. (2024) reforçam que a conjunção entre precarização econômica, ausência de suporte cotidiano e estigmas de gênero opera como fator determinante para o adoecimento psíquico das mães solo.

No cenário brasileiro, a sobrecarga emocional torna-se ainda mais evidente quando se observam as condições socioeconômicas que atravessam o cotidiano das famílias chefiadas por mulheres. Estudos recentes, como o de Silva (2025, p. 12), indicam que “a sobrecarga psicológica decorre da combinação entre múltiplas funções simultâneas e da falta de redes de apoio estruturadas”, revelando que o adoecimento não resulta apenas da intensidade das demandas, mas da ausência de corresponsabilidade familiar e estatal. Conforme demonstram análises de Pinho e Araújo (2021), as mães solo enfrentam obstáculos significativos para acessar serviços de saúde mental, pois suas rotinas exaustivas dificultam o cuidado de si, além de ainda persistirem barreiras simbólicas que deslegitimam seu sofrimento como “natural” da maternidade. Essa invisibilização estruturada reforça o ciclo de desgaste emocional, tornando o enfrentamento mais complexo e profundo.

Um aspecto relevante discutido pela literatura é o processo de romantização da figura da mãe solo, frequentemente representada como heroína resiliente e incansável, o que, embora reconheça sua força, contribui para mascarar o caráter exaustivo e adoecedor dessa condição. Pereira, Xavier e Resende (2024, p. 292) apontam que “a narrativa da mulher guerreira funciona como dispositivo de silenciamento do sofrimento”, reforçando a ideia de que a renúncia é componente natural da maternidade. Em análise indireta, Hirata e Kergoat (2020) defendem que a associação histórica entre cuidado e feminilidade sustenta ideologias que atribuem exclusivamente às mulheres a responsabilidade pelo trabalho reprodutivo, elevando a carga mental e emocional a patamares críticos. Essa compreensão desloca o foco da mãe como agente individual para uma estrutura social que sustenta desigualdades de longa duração.

Outro eixo relevante na produção acadêmica diz respeito ao suporte social percebido pelas mães solo, entendido como fator protetor fundamental para a preservação da saúde mental. Em estudo brasileiro de Irurita-Ballesteros e Landeira-Fernandez (2019, p. 301), observa-se que “a presença de redes de apoio reduz significativamente sintomas de depressão e ansiedade em mulheres que enfrentam a maternidade sem parceria”, o que confirma a importância das relações comunitárias, familiares e institucionais. De forma indireta, autores como Sarti (2018) reforçam que a fragilidade dessas redes amplia o isolamento social e intensifica o desgaste emocional, configurando um cenário no qual a mãe solo se vê obrigada a desempenhar funções múltiplas com recursos insuficientes. Esse conjunto de evidências indica que a sobrecarga não é apenas produto de demandas objetivas, mas também da ausência de mediações coletivas que tornariam o cuidado mais sustentável.

Mesmo em contextos de maior proteção social, como países com políticas públicas mais estruturadas, estudos apontam que a maternidade solo mantém características específicas de sobrecarga emocional, revelando que esse fenômeno não se explica apenas por fatores econômicos. Pesquisas recentes realizadas em contextos europeus e analisadas por Silva (2025) mostram que mães solo relatam desafios relacionados ao acúmulo de responsabilidades parentais e profissionais, à redução do tempo para o autocuidado e à persistente sensação de solidão, ainda que disponham de alguma estabilidade financeira. Segundo Silva (2025, p. 15), “a exaustão emocional constitui elemento recorrente nas narrativas de mulheres que enfrentam a maternidade sem apoio cotidiano”, o que reforça a tese de que o determinante central da sobrecarga é a ausência de corresponsabilidade, e não exclusivamente a renda. Em consonância, análises indiretas de Federici (2019) argumentam que a invisibilidade social do trabalho de cuidado permanece como dispositivo de exploração das mulheres, independentemente do contexto geográfico ou econômico.

Assim, o referencial teórico aponta que a sobrecarga emocional e psicológica da mãe solo deve ser compreendida como fenômeno multidimensional, estruturado por determinantes sociais de gênero, classe e cuidado, que se combinam para produzir desgaste profundo e contínuo. O diálogo entre estudos nacionais e internacionais permite observar convergências teóricas significativas, sobretudo quanto à associação entre ausência de suporte, acúmulo de tarefas e vulnerabilidade emocional. As divergências presentes na literatura, por outro lado, revelam que embora fatores econômicos agravem o quadro, a sobrecarga persiste mesmo quando a estabilidade material está presente, demonstrando que o problema é estrutural e não apenas circunstancial. Essa base teórica fornece sustentação sólida para análise crítica desenvolvida no artigo e fundamenta a compreensão da maternidade solo como questão de saúde pública e de justiça social.

2.2. Principais Desafios Vivenciados e as Estratégias de Enfrentamento Mobilizadas no Cotidiano

A compreensão dos desafios enfrentados pela mãe solo exige uma análise que reconheça a intersecção entre precarização socioeconômica, desigualdade de gênero e ausência de políticas públicas eficazes, elementos que configuram um cenário de vulnerabilidade ampliada e afetam diretamente sua saúde mental. Estudos recentes evidenciam que a instabilidade financeira constitui um dos fatores de maior impacto psicológico, pois compromete a segurança material da família e intensifica sentimentos de insegurança e sobrecarga. Segundo Pereira, Xavier e Resende (2024, p. 293), “a tensão constante relacionada à gestão financeira solitária emerge como uma das principais fontes de sofrimento emocional”, especialmente entre mulheres que conciliam múltiplos empregos ou atividades informais. Em análise indireta, Hirata e Kergoat (2020) apontam que a divisão sexual do trabalho se revela amplamente desfavorável às mulheres, sobretudo às que assumem sozinhas o cuidado, reforçando desigualdades históricas que tornam o enfrentamento cotidiano mais exaustivo e complexo.

Outro desafio recorrente refere-se à ausência de redes de apoio consistentes, que poderia reduzir a carga mental e promover maior equilíbrio emocional. A falta de suporte familiar, comunitário ou institucional intensifica a sensação de isolamento e impede a divisão de tarefas, condicionando a mãe solo a assumir integralmente as demandas de cuidado, trabalho e gestão doméstica. Conforme Irurita-Ballesteros e Landeira-Fernandez (2019, p. 301), “a percepção reduzida de apoio social está diretamente associada ao aumento de sintomas depressivos e ansiosos em mães que vivenciam a parentalidade sem parceria”. Essa observação dialoga com estudos indiretos de Sarti (2018), que explicam que o isolamento social decorre não apenas da ausência física de apoio, mas também da naturalização social que atribui às mulheres o dever exclusivo do cuidado, dificultando a busca por ajuda e a legitimação de seu sofrimento. Esse conjunto de fatores transforma o cotidiano em espaço de tensão permanente, exigindo estratégias de sobrevivência emocional.

A sobrecarga de tarefas, muitas vezes invisibilizada, também se manifesta como desafio estrutural, tornando a rotina da mãe solo marcada por cansaço extremo e sensação contínua de insuficiência. De acordo com Silva (2025, p. 14), “o acúmulo de funções simultâneas resulta em desgaste emocional progressivo, especialmente quando não há repartição de responsabilidades parentais”. De modo indireto, Kareem et al. (2024) reforçam que a exaustão materna está relacionada tanto à intensidade das demandas quanto à ausência de reconhecimento social do trabalho de cuidado, elemento que aprofunda o sentimento de solidão e estresse. Esses autores sustentam que a persistência desses padrões diminui a capacidade de autocuidado e reduz o acesso ao descanso, favorecendo o aparecimento de quadros depressivos e ansiosos que poderiam ser mitigados por políticas e práticas de suporte social mais robustas.

Apesar dos desafios estruturais, a literatura revela que as mães solo mobilizam múltiplas estratégias de enfrentamento que visam manter a estabilidade emocional e garantir o bem-estar próprio e dos filhos. Uma estratégia frequentemente identificada consiste na construção de redes informais de apoio, como amizades, vizinhança e grupos de mães, que se tornam fundamentais para o compartilhamento de cuidados e para a oferta de suporte emocional. Irurita-Ballesteros e Landeira-Fernandez (2019, p. 302) afirmam que “as redes informais oferecem acolhimento emocional e contribuem para amortecer os efeitos da sobrecarga cotidiana”, demonstrando a relevância dessas interações para o fortalecimento psíquico. Em complemento, autores como Pinho e Araújo (2021) argumentam, de forma indireta, que essas redes não apenas reduzem o isolamento, mas também favorecem uma percepção maior de pertencimento, aspecto essencial para a saúde mental e para a construção de práticas sustentáveis de cuidado.

Outra estratégia amplamente referida nos estudos é a busca por atendimento psicológico e por práticas de autocuidado possível, ainda que essas iniciativas sejam atravessadas por dificuldades práticas e pela falta de tempo. Silva (2025, p. 16) destaca que “o acompanhamento psicológico sistemático é percebido como recurso fundamental para a reorganização emocional de mães que enfrentam a maternidade sem apoio”, especialmente quando associado a práticas como meditação, atividades físicas leves e pequenos intervalos de descanso. De maneira indireta, Federici (2019) observa que o autocuidado das mulheres é historicamente desvalorizado porque a lógica social do cuidado prioriza o outro em detrimento de quem cuida, o que revela que a adoção de práticas de autocuidado representa, também, gesto político de resistência e de afirmação subjetiva. Assim, o enfrentamento cotidiano, embora permeado por limitações, demonstra alto grau de intencionalidade, agência e capacidade adaptativa.

Em síntese, os desafios vivenciados pela mãe solo constituem fenômeno multifatorial que articula dimensões econômicas, afetivas, relacionais e estruturais, e as estratégias mobilizadas no cotidiano revelam processos complexos de resiliência, reorganização emocional e construção de redes de suporte. A literatura demonstra que, embora o desgaste seja intenso, essas mulheres desenvolvem práticas de enfrentamento que buscam minimizar os impactos da sobrecarga e promover equilíbrio possível dentro de contextos adversos. A análise crítica desses estudos indica a necessidade de políticas públicas intersetoriais que reconheçam o cuidado como trabalho socialmente essencial, garantindo proteção e suporte às mães solo e contribuindo para sua saúde mental e bem-estar psicossocial.

3. METODOLOGIA

A metodologia adotada neste estudo fundamenta-se na revisão de literatura, abordagem amplamente utilizada em pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Saúde para sistematizar, analisar e integrar conhecimentos já produzidos sobre um determinado fenômeno. A revisão de literatura permite a identificação de consensos, dissensos, lacunas e tendências investigativas, oferecendo subsídios para a construção de análises críticas e para o avanço teórico de temas ainda pouco explorados ou insuficientemente discutidos. No caso deste artigo, que investiga a sobrecarga emocional e psicológica da mãe solo e suas estratégias de enfrentamento, esse método mostra-se especialmente pertinente, uma vez que o fenômeno é multifacetado, atravessado por questões de gênero, desigualdades estruturais, saúde mental e dinâmicas familiares, exigindo diálogo com diferentes campos disciplinares.

O percurso metodológico foi estruturado em etapas sucessivas de definição do problema, levantamento bibliográfico, seleção criteriosa das fontes, análise e síntese crítica do material encontrado. Inicialmente, delimitou-se a pergunta norteadora da pesquisa, que busca compreender como a sobrecarga emocional e psicológica se manifesta na vida da mãe solo e quais estratégias de enfrentamento são acionadas para mitigar seus impactos. Em seguida, estabeleceu-se um protocolo de busca orientado por critérios de atualidade, relevância e credibilidade científica, contemplando produções publicadas nos últimos dez anos, excetuando-se autores clássicos indispensáveis à fundamentação teórica. Para garantir rigor metodológico, priorizaram-se artigos, livros e relatórios de organismos internacionais indexados em bases de dados reconhecidas, como SciELO, LILACS, PubMed, PePSIC e Google Scholar, assegurando diversidade de perspectivas e solidez teórica.

As palavras-chave utilizadas nas buscas foram definidas com base na literatura especializada e incluíram termos como “maternidade solo”, “saúde mental”, “sobrecarga emocional”, “gênero e cuidado” e “estratégias de enfrentamento”, combinados por operadores booleanos que ampliaram a precisão das buscas. Após a etapa de localização dos materiais, procedeu-se à leitura exploratória dos textos, seguida de leitura analítica e seletiva, por meio da qual foram identificados os estudos mais robustos e pertinentes ao objetivo da investigação. Foram excluídos trabalhos que apresentavam inconsistências metodológicas, ausência de fundamentação teórica adequada ou que tratavam do tema de modo tangencial, não contribuindo para o aprofundamento necessário.

A fase de análise baseou-se na técnica de análise temática, que possibilitou a identificação de núcleos de sentido recorrentes nos estudos selecionados, organizando-os em eixos interpretativos que estruturam a discussão deste artigo. Esses eixos envolveram fatores geradores da sobrecarga emocional, impactos psicossociais na saúde mental, desigualdades de gênero e cuidado, suporte social e políticas públicas, bem como práticas e estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelas mães solo. A partir desse processo, foi possível construir uma síntese crítica que articula os achados da literatura com uma perspectiva analítica e interdisciplinar, preservando a integridade dos dados, o rigor das interpretações e a coerência com os objetivos propostos.

Por fim, todas as etapas foram conduzidas com observância às normas da ABNT referentes à elaboração de trabalhos científicos, especialmente no que concerne às citações e referências, garantindo fidedignidade, rastreabilidade e transparência acadêmica. A metodologia de revisão de literatura aqui adotada não pretende substituir estudos empíricos, mas oferecer um panorama abrangente, crítico e fundamentado que possa orientar futuras investigações e subsidiar intervenções profissionais e políticas públicas voltadas à promoção da saúde mental da mãe solo.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos por meio da revisão integrativa da literatura evidenciam que a sobrecarga emocional e psicológica da mãe solo é um fenômeno estrutural, multifacetado e persistentemente invisibilizado pelas dinâmicas sociais que naturalizam o cuidado como responsabilidade feminina. A análise dos estudos revela predominância de sintomas associados a estresse crônico, ansiedade, depressão, exaustão emocional e sentimento de insuficiência, elementos que se manifestam de modo transversal em diferentes contextos socioeconômicos, embora com variações de intensidade conforme os determinantes sociais envolvidos.

Segundo Silva (2025, p. 14), “o desgaste emocional progressivo decorre da sobreposição de funções, que se intensifica quando não há repartição de responsabilidades parentais”, evidenciando que a origem da sobrecarga não reside na maternidade em si, mas na ausência de suporte e na desigualdade de gênero que estrutura a organização social do cuidado. Essa interpretação encontra sustentação indireta nas reflexões de Hirata e Kergoat (2020), que argumentam que a divisão sexual do trabalho permanece como eixo central das desigualdades contemporâneas, sobretudo em contextos onde as mulheres assumem isoladamente o cuidado dos filhos.

Entre os resultados mais recorrentes, destaca-se a forte associação entre precarização econômica e adoecimento psicológico, indicando que a instabilidade material intensifica significativamente a carga emocional. Estudos mostram que mães solo apresentam maior probabilidade de enfrentar insegurança alimentar, múltiplas jornadas de trabalho e dificuldades de acesso a serviços de saúde, fatores que se articulam de forma cumulativa. Pereira, Xavier e Resende (2024, p. 293) afirmam que “a tensão decorrente das responsabilidades financeiras solitárias representa um dos mais expressivos fatores de sofrimento emocional”, reforçando que a vulnerabilidade econômica não é apenas material, mas também subjetiva. Indiretamente, pesquisas de Pinho e Araújo (2021) demonstram que tais condições dificultam o acesso ao cuidado psicológico, já que a falta de tempo e de recursos impede o acompanhamento regular, ampliando o risco de agravamento de sintomas emocionais e comprometendo a saúde mental a longo prazo.

Outro eixo de resultados refere-se à importância do suporte social enquanto variável protetiva da saúde mental. Estudos convergem ao apontar que a percepção de apoio, mesmo que mínima, reduz consideravelmente sintomas depressivos e ansiosos, fortalecendo o senso de pertencimento e diminuindo a sensação de isolamento. Irurita-Ballesteros e Landeira-Fernandez (2019, p. 302) destacam que “a presença de redes informais de apoio exerce efeito amortecedor sobre o estresse cotidiano”, permitindo à mãe solo reorganizar o cuidado e redistribuir parte das demandas. Essa constatação dialoga com observações indiretas de Sarti (2018), cuja análise mostra que a ausência de redes comunitárias consolidadas amplia o isolamento social e faz com que o cuidado recaia de forma integral sobre essas mulheres, aprofundando a carga mental e aumentando a vulnerabilidade emocional. Dessa forma, o suporte social se constitui não apenas como recurso prático, mas como elemento que contribui diretamente para a preservação da saúde mental e do bem-estar subjetivo.

Além disso, os resultados revelam um padrão expressivo de estratégias de enfrentamento mobilizadas pelas mães solo, caracterizadas por criatividade, resiliência e capacidade adaptativa, mesmo diante de condições adversas. Entre as estratégias mais citadas, destacam-se a busca por apoio emocional entre mulheres com experiências semelhantes, o uso de práticas de autocuidado possível e a participação em espaços terapêuticos. Silva (2025, p. 16) ressalta que “o atendimento psicológico sistemático constitui ferramenta essencial para a reorganização emocional da mãe solo”, embora muitas ainda enfrentem barreiras de acesso decorrentes de limitações de tempo e recursos. Como reforçam indiretamente Federici (2019), práticas de autocuidado representam formas de resistência diante de uma estrutura social que historicamente desvaloriza a saúde mental e o bem-estar das mulheres, especialmente daquelas que desempenham atividades de cuidado.

A discussão integrada desses resultados demonstra que os desafios vivenciados pela mãe solo não podem ser analisados como fenômenos isolados, pois constituem expressão direta de desigualdades estruturais reforçadas por padrões culturais enraizados. O acúmulo de jornadas, a precarização material, a ausência de corresponsabilidade parental e a fragilidade das redes de apoio operam conjuntamente para produzir um contexto de vulnerabilidade persistente que compromete a saúde mental dessas mulheres. A sobrecarga emocional, portanto, não é resultado de falhas individuais, mas efeito de estruturas sociais que concentram sobre a mulher responsabilidades de cuidado sem prover as condições necessárias para sua execução sustentável.

Ao mesmo tempo, a literatura evidencia que as estratégias de enfrentamento adotadas pelas mães solo revelam agência, força e capacidade de reorganização, mas não devem ser romantizadas como solução única para um problema estrutural. Embora muitas encontrem modos de sustentar o cotidiano e cuidar de si e dos filhos, permanece evidente que a superação da sobrecarga exige políticas intersetoriais que apoiem efetivamente a maternidade, ampliem o acesso à saúde mental e enfrentem desigualdades de gênero. Assim, os resultados apresentados reforçam a necessidade de ações públicas, comunitárias e institucionais que reconheçam a maternidade solo como questão de saúde pública e de justiça social, articulando proteção social, cuidado psicológico e suporte material para garantir condições dignas de vida e bem-estar às mães solo e suas famílias.

5. CONCLUSÃO

A análise desenvolvida ao longo deste estudo permite afirmar que a sobrecarga emocional e psicológica vivenciada pela mãe solo constitui um fenômeno estruturalmente determinado, cuja origem ultrapassa a esfera individual e se inscreve em dinâmicas sociais permeadas por desigualdades de gênero, precarização do cuidado e fragilização de políticas públicas. A revisão integrativa da literatura evidenciou que a maternidade exercida sem corresponsabilidade parental intensifica o risco de adoecimento psíquico, manifestado por sintomas de ansiedade, depressão, estresse crônico e sensação de exaustão contínua, sobretudo quando associada a instabilidade financeira, isolamento social e ausência de redes de apoio efetivas. As pesquisas analisadas reforçam que o cuidado não é distribuído de forma equitativa na sociedade brasileira e que, em grande medida, a mãe solo assume responsabilidades que deveriam ser compartilhadas entre a família, a comunidade e o Estado, o que amplia as tensões emocionais e limita as possibilidades de autocuidado.

Ao mesmo tempo, os resultados apontaram que as mães solo mobilizam diversas estratégias de enfrentamento, demonstrando agência, resistência e capacidade de reorganização diante de um cenário adverso. Redes informais de apoio, práticas de autocuidado possível e busca por acompanhamento psicológico emergem como recursos significativos para mitigar impactos emocionais, ainda que insuficientes para compensar a ausência de políticas públicas estruturadas. A literatura analisada indica que tais estratégias, embora essenciais para a preservação do bem-estar, não substituem a necessidade de ações governamentais e sociais que reconheçam o cuidado como trabalho e responsabilidade coletiva. Assim, a discussão evidencia que a superação da sobrecarga emocional e psicológica exige intervenções intersetoriais, envolvendo políticas de proteção social, serviços de saúde mental acessíveis, programas de apoio à renda e iniciativas que promovam equidade de gênero.

Conclui-se, portanto, que a maternidade solo deve ser tratada como questão de saúde pública e de justiça social, exigindo a articulação entre conhecimento científico, políticas de cuidado e práticas comunitárias. A produção acadêmica analisada oferece base sólida para compreender a complexidade do fenômeno, mas também aponta lacunas importantes, sugerindo a necessidade de estudos empíricos adicionais que aprofundem a compreensão das experiências subjetivas dessas mulheres, bem como avaliações de políticas públicas já existentes. O fortalecimento de ações governamentais, aliado à valorização social do trabalho de cuidado, é condição indispensável para reduzir a vulnerabilidade emocional e promover condições dignas de vida para milhões de mães solo no Brasil.

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1 Graduação em Psicologia pela Universidade de Cuiabá – UNIC. Pós-graduação em Psicologia Escolar e Educacional pela Faculdade Venda Nova do Imigrante – FAVENI. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação pela MUST University. E-mail: [email protected]