O TRABALHO DO PSICÓLOGO NUMA PERSPECTIVA SOCIAL: A POBREZA E A PSICOLOGIA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17968895
Ana Luiza Coelho de Britto Maluf1
Gabriele Cristyna Santos de Menezes2
Lais de Paula Capatto3
Maria Julia Cunha Rodrigues4
Maria Júlia dos Santos Madeira Olegário5
Daniela Emilena Santiago6
RESUMO
Este trabalho teórico discute a pobreza a partir das contribuições da Psicologia Social crítica, com ênfase na perspectiva de Ignacio Martín-Baró. A análise parte da compreensão de que a pobreza não constitui um fenômeno natural ou resultado de falhas individuais, mas uma construção histórica e política vinculada às relações de dominação e às desigualdades estruturais que caracterizam as sociedades latino-americanas. Sustenta-se que, para compreender a pobreza de maneira ampla, é necessário examinar não apenas suas dimensões materiais, mas também seus efeitos simbólicos e subjetivos, que se expressam em processos de estigmatização, desvalorização social e limitação das possibilidades de participação cidadã. A partir da Psicologia da Libertação proposta por Martín-Baró, o estudo argumenta que o papel da Psicologia Social implica desideologizar as interpretações que culpabilizam indivíduos, dar visibilidade às experiências concretas das populações empobrecidas e fortalecer práticas coletivas de resistência e emancipação. Assim, a pobreza é entendida como expressão da questão social e produto de estruturas de opressão que requerem intervenções que articulem transformação social, promoção de direitos e participação comunitária. Conclui-se que a Psicologia Social, ao assumir uma postura crítica e comprometida com a justiça social, oferece aportes fundamentais para compreender e enfrentar as múltiplas dimensões da pobreza, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa e democrática.
Palavras-chave: Psicologia Social. Pobreza.
ABSTRACT
This theoretical work discusses poverty from the perspective of critical Social Psychology, with an emphasis on the work of Ignacio Martín-Baró. The analysis starts from the understanding that poverty is not a natural phenomenon or the result of individual failures, but a historical and political construction linked to relations of domination and structural inequalities that characterize Latin American societies. It argues that, to understand poverty comprehensively, it is necessary to examine not only its material dimensions, but also its symbolic and subjective effects, which are expressed in processes of stigmatization, social devaluation, and limitation of possibilities for citizen participation. Based on the Psychology of Liberation proposed by Martín-Baró, the study argues that the role of Social Psychology involves de-ideologizing interpretations that blame individuals, giving visibility to the concrete experiences of impoverished populations, and strengthening collective practices of resistance and emancipation. Thus, poverty is understood as an expression of the social question and a product of oppressive structures that require interventions that articulate social transformation, the promotion of rights, and community participation. It is concluded that Social Psychology, by assuming a critical stance committed to social justice, offers fundamental contributions to understanding and addressing the multiple dimensions of poverty, contributing to the construction of a more equitable and democratic society.
Keywords: Social Psychology. Poverty.
INTRODUÇÃO
O assunto em pauta no decorrer do trabalho visa compreender como a psicologia social se apropria e compreende a pobreza e trabalha com ela. Inicialmente devemos compreender como a psicologia social é posta em prática atualmente. Isso porque a psicologia social é um ramo da psicologia onde se estuda as relações entre o indivíduo e o meio no qual está inserido, e como atuam um sobre o outro. A pobreza sendo uma questão de consequência histórica, tanto politicamente quanto socialmente falando, pode estar diretamente ligada às questões que a psicologia social traz à tona.
Neste viés, trataremos aqui sobre como a pobreza está diretamente ligada ao meio em que o indivíduo é inserido, como a psicologia social pode estar sendo interligada a essas situações e como a pobreza é entendida para a psicologia. Para a elaboração do mesmo foram realizadas leituras variadas as respeito do tema, as quais seguem sistematizadas no corpo do texto, reforçando assim o compromisso social da Psicologia frente aos problemas sociais que se agudizam a luz do sistema capitalista.
A escolha pelo tema em si adveio da frequência dos autores no curso de Psicologia onde foram problematizados vários temas, e, dentre eles a questão do empobrecimento da população, sobretudo a população brasileira. O estudo da pobreza no Brasil revela-se fundamental diante de sua persistência histórica e de sua natureza multidimensional. Embora tenha havido avanços pontuais nas últimas décadas, a pobreza permanece como um dos principais desafios estruturais do país, manifestando-se na desigualdade de renda, na precariedade habitacional, na baixa escolarização e no acesso limitado a serviços públicos essenciais. Conforme destaca Amartya Sen (2000), a pobreza não pode ser compreendida apenas como insuficiência de renda, mas como privação de capacidades. Essa perspectiva é especialmente pertinente ao contexto brasileiro, no qual desigualdades sociais, étnico-raciais e territoriais se entrecruzam, restringindo oportunidades e limitando o exercício pleno da cidadania.
Autores brasileiros também enfatizam a centralidade de compreender a pobreza como fenômeno socialmente produzido. Para Souza (2017), a pobreza no Brasil é resultado de processos históricos que consolidaram um modelo de desenvolvimento excludente, marcado pela concentração de renda e pela reprodução de privilégios. Já Barros, Henriques e Mendonça (2000) apontam que a desigualdade brasileira tem caráter estrutural, dificultando a mobilidade social e reforçando ciclos intergeracionais de vulnerabilidade. Tais análises reforçam a necessidade de investigações capazes de identificar como políticas públicas, condições econômicas e relações sociais contribuem para a manutenção ou redução da pobreza.
Além disso, o estudo se justifica pela relevância de avaliar o papel das políticas sociais e sua efetividade na mitigação das desigualdades. Autores como Lavinas (2013) argumentam que políticas de transferência de renda, embora fundamentais, não são suficientes para romper o ciclo da pobreza, sendo necessário articular estratégias mais amplas, como acesso à educação de qualidade, inclusão produtiva e expansão dos sistemas de proteção social. Nesse sentido, compreender os limites e alcances dos programas existentes é indispensável para orientar ações governamentais mais eficazes.
Por fim, investigar a pobreza no Brasil é essencial para subsidiar decisões públicas e para fortalecer o debate acadêmico sobre desenvolvimento, justiça social e direitos humanos. Como ressalta Ivo (2008), a análise crítica das desigualdades é condição indispensável para construir políticas sociais democráticas e comprometidas com a equidade. Assim, este estudo se justifica pela necessidade de aprofundar a compreensão dos determinantes estruturais da pobreza no país e de produzir evidências capazes de orientar intervenções que promovam inclusão e justiça social.
POBREZA: CONCEITO E CONTEXTUALIZAÇÃO
Para que seja possível traçar um paralelo entre a pobreza e a atuação da psicologia junto a ela, vamos inicialmente, através de três artigos sobre o tema, definir conceitos que nos auxiliem a criar linhas limítrofes para essa discussão.
A pobreza é a evidência concreta das desigualdades sociais (condição de extrema diferença entre aqueles que têm acesso aos bens e serviços e os que vivem às margens do sistema). Essa definição, de Guzzo (2016), tem continuidade na ideia de que é necessário entender a pobreza não como uma condição histórica, sem possibilidade de enfrentamento, e sim como uma consequência da política econômica que combina a produção de riqueza pelos trabalhadores e a concentração de renda pelos proprietários dos meios de produção.
Na mesma linha, Mendes e Costa (2019) conceituam a pobreza como uma manifestação da “questão social”, que por sua vez é constitutiva da sociedade capitalista, oriunda da contradição capital-trabalho e da lógica de acumulação capitalista. O artigo destaca a ideia de Montaño (2012), que explica que na tradição marxista, essa questão social é um conceito, não uma categoria, pois não existe na realidade: o que se encontra são suas manifestações, entre elas, a pobreza, o desemprego estrutural, etc.
Mendes e Costa (2019) analisam a pobreza como uma expressão central da questão social, compreendendo-a não como fenômeno natural ou decorrente de falhas individuais, mas como resultado de contradições estruturais do modo de produção capitalista. Os autores argumentam que a pobreza se mantém e se reproduz porque está vinculada à forma como a sociedade organiza o trabalho, distribui a riqueza e estrutura o acesso aos direitos sociais.
No texto, os autores ressaltam que a pobreza deve ser entendida em sua dimensionalidade histórica, econômica e política, e não reduzida aos indicadores de renda. Eles destacam que a questão social emerge justamente da desigualdade inerente ao capitalismo, que cria processos permanentes de exclusão, precarização do trabalho, concentração de renda e negação de direitos. Assim, a pobreza é interpretada como manifestação concreta dessas desigualdades, expressando tensões entre classes sociais.
Os autores também enfatizam que o enfrentamento da pobreza depende da ação estatal e da consolidação de políticas públicas universais e integradas. A produção de respostas à questão social, segundo os autores, ocorre por meio de políticas sociais que mediam conflitos e procuram reduzir os efeitos mais dramáticos da desigualdade estrutural. Entretanto, eles alertam que políticas focalizadas ou assistencialistas tendem a atuar apenas sobre os sintomas da pobreza, deixando intocados os processos que a produzem.
Por fim, os autores defendem que compreender a pobreza como questão social exige reconhecer que se trata de um fenômeno coletivo, estrutural e político, que ultrapassa a dimensão moral ou individual. Tal compreensão é essencial para formular políticas sociais comprometidas com a universalização de direitos, a redução das desigualdades e a efetivação de uma cidadania substantiva.
De volta a Guzzo (2016), temos o ponto de vista de Valsiner (2009), que define a pobreza como de origem material, mas também de sentimentos, pensamentos ou ideias. Ao refletir-se sobre pobreza, de imediato pensamos na acumulação de riquezas. Porém esse é um conceito que deve ser compreendido em uma relação relativa e dialética, pois a existência da pobreza está diretamente vinculada a existência da riqueza.
Em Guzzo (2016), a pobreza é discutida como um fenômeno que ultrapassa a dimensão econômica e se inscreve na produção social das desigualdades. A autora enfatiza que a pobreza é resultado de processos históricos e políticos que restringem o pleno desenvolvimento humano, configurando-se como violação de direitos e como expressão das assimetrias estruturais presentes na sociedade contemporânea. Nesse sentido, a pobreza não é entendida como falha individual, mas como produto de condições sociais injustas que limitam oportunidades, recursos e possibilidades de participação cidadã.
Guzzo mobiliza o ponto de vista de Valsiner (2009), que, a partir da Psicologia Cultural, compreende a pobreza como um fenômeno produzido e mantido por barreiras simbólicas, sociais e institucionais. Para Valsiner, a pobreza é construída culturalmente e atua como marcador que delimita o lugar social de indivíduos e grupos, influenciando suas trajetórias, expectativas e formas de subjetivação. Assim, a pobreza não se reduz à falta de renda, mas envolve processos de marginalização e naturalização de desigualdades, que são reforçados pela cultura e pelas instituições.
Guzzo utiliza essa perspectiva para demonstrar que a pobreza afeta diretamente o desenvolvimento humano ao criar contextos restritivos, nos quais crianças, jovens e adultos vivenciam limitações contínuas de acesso a bens materiais, culturais e simbólicos. Inspirada em Valsiner, a autora argumenta que políticas públicas precisam considerar as múltiplas camadas — históricas, culturais, institucionais e subjetivas — que estruturam a pobreza, superando abordagens assistencialistas e focalizadas.
Dessa forma, tanto Guzzo (2016) quanto Valsiner (2009) convergem ao afirmar que a pobreza deve ser compreendida como produzida socialmente, carregada de significados culturais que afetam o desenvolvimento e a construção das identidades, exigindo respostas coletivas, amplas e transformadoras.
Trazendo os olhares para o Brasil, Mendes e Costa (2019) apresentam a pobreza (máxima expressão da questão social) como oriunda da perpetuação de um antagonismo entre classes, baseado nas dimensões étnico/raciais, de gênero e de concentração de renda, cujas raízes estão na colonização, no regime escravocrata e no sistema de monocultura latifundiária. Dessa forma, produz-se aqui um cenário histórico de profundas desigualdades e uma situação de dependência e subordinação ao capitalismo, que se retroalimentam.
A pobreza caracteriza regiões que são consideradas “em desenvolvimento”, entendendo-se como desenvolvimento, nesse caso, o resultado de processos econômicos na produção de riquezas. De acordo com Guzzo, considerar um país desenvolvido ou em desenvolvimento levando em conta apenas o Produto Interno Bruto (PIB), não revela de modo real as condições de vida da população. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), utilizado pelo Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD), indica como o capitalismo mantém a condição econômica da riqueza com o sacrifício e péssimas condições de vida da população.
Dentro dessa perspectiva, Guzzo (2016) indica que uma mudança na avaliação da pobreza e riqueza no mundo demanda, ainda, muito debate e enfrentamento político, além de construções teóricas e práticas oriundas da Psicologia, capazes de uma leitura crítica do que significa viver na pobreza. Mendes e Costa, em seu artigo, buscam contribuir para o entendimento e trabalho do psicólogo em interface com a pobreza que caracteriza a realidade brasileira e sua expressão nos sujeitos e cotidiano. Refletem sobre as implicações psicossociais da pobreza e na atuação profissional, em especial em políticas públicas que sejam condizentes com a realidade e necessidade da população.
A POBREZA E A PSICOLOGIA
Para Guzzo (2016) a pobreza tem múltiplas dimensões que estão interrelacionadas e causam grande impacto na vida, afetando o processo de desenvolvimento da subjetividade. A população que diariamente vive sem emprego fixo, dificuldade de moradia, à margem de condições saudáveis de alimentação e saneamento básico não encontram-se nessa condição porque assim o desejam e é esse cotidiano de sofrimento, desânimo, doenças e falta de perspectiva impossibilitam um nível de vida digno e respeitoso.
Em Guzzo (2016), a autora argumenta que a pobreza deve ser compreendida como um fenômeno multidimensional, manifestado em diversas expressões sociais, psicológicas e culturais. Para Guzzo, a pobreza não se restringe à ausência de recursos financeiros — embora esta seja uma dimensão importante —, mas envolve um conjunto de processos que limitam o desenvolvimento humano, fragilizam vínculos sociais e produzem desigualdades persistentes.
Uma das ideias centrais defendidas pela autora é que a pobreza se expressa em múltiplos níveis. No nível material, manifesta-se na falta de renda, insegurança alimentar, precariedade habitacional e acesso insuficiente a serviços essenciais. No nível institucional, a pobreza aparece na exclusão de políticas públicas, na oferta desigual de educação e saúde e na dificuldade de acessar mecanismos de proteção social. No nível relacional e subjetivo, Guzzo destaca que a pobreza gera estigmas, sentimentos de desvalorização, menor participação social e limitações na construção da autonomia e do projeto de vida.
Guzzo (2016) enfatiza que essas expressões não ocorrem de maneira isolada; ao contrário, são interdependentes e se reforçam mutuamente. A autora ressalta que a pobreza cria contextos que restringem oportunidades, dificultam o desenvolvimento futuro e alimentam ciclos de exclusão intergeracional. Assim, compreender a pobreza como um fenômeno complexo é fundamental para romper com visões que tendem a culpabilizar indivíduos e famílias, deslocando a análise para as estruturas sociais que produzem e mantêm tais desigualdades.
Para a autora, analisar as múltiplas expressões da pobreza é também reconhecer seus efeitos sobre a subjetividade e sobre o desenvolvimento psicológico. Inspirada na Psicologia Cultural e na Psicologia Social Crítica, Guzzo (2016) defende que a pobreza é acompanhada de processos simbólicos que naturalizam a desigualdade e justificam a marginalização de determinados grupos. Portanto, superar a pobreza requer intervenções que articulem dimensões econômicas, políticas, culturais e subjetivas, fortalecendo direitos e promovendo condições efetivas de inclusão social.
Carr e Sloan (in Guzzo, 2016) colocam que tomar consciência sobre as dinâmicas comportamentais da pobreza é uma alternativa psicossocial desafiante para a psicologia. A cultura da pobreza tem assegurado o comprometimento no desenvolvimento das pessoas, sendo considerado o principal fator nesse processo. Decorrente disso, o estigma de ser e continuar sendo pobre mantêm-se fortalecido.
Hoje, elementos críticos que se dirigem às necessidades das pessoas pobres são elementos importantes da relação psicologia e pobreza, tais como segurança, fortalecimento (organização da comunidade e participação coletiva) e oportunidades (na construção do futuro). A pobreza está em toda a parte e a discussão a seu respeito, do ponto de vista da psicologia, deve considerar os processos de desenvolvimento individual, relacional e comunitário que permitam seu enfrentamento.
Martin-Baró (1996) define que o trabalho profissional do psicólogo deve ser definido em função das circunstâncias concretas da população a que deve atender. Em um perspectiva centro-americana, ele defende que não está na mão dos psicólogos mudar as estruturas socioeconômicas, porém, “ [...] se o psicólogo, por um lado, não é chamado a intervir nos mecanismos socio-econômicos que articulam as estruturas de injustiça, por outro é chamado a intervir nos processos subjetivos que sustentam e viabilizam essas estruturas injustas [...]”(op. cit.,p.45). Sendo assim, a principal tarefa da Psicologia deve ser conduzir as pessoas e grupos a um processo de tomada de consciência da realidade, para que entendam sobre quem são dentro da sociedade.
Em Martín-Baró (1996), o autor sustenta que a pobreza é uma realidade produzida historicamente pelas relações de dominação, e não um fenômeno natural ou resultado de insuficiências individuais. Para ele, compreender a pobreza exige examinar as estruturas sociais, econômicas e políticas que geram desigualdade e limitam o desenvolvimento dos povos latino-americanos. Nesse sentido, a Psicologia não pode restringir-se a uma abordagem clínica ou individualizante, pois tal postura apenas encobre as causas estruturais da opressão e contribui para a reprodução da ordem social injusta.
Martín-Baró (1996) argumenta que a Psicologia deve assumir um papel crítico e transformador, comprometido com a libertação das populações empobrecidas. Em sua perspectiva, cabe ao psicólogo romper com a tendência hegemônica de naturalizar ou psicologizar a pobreza e, em vez disso, desideologizar a realidade, isto é, revelar as condições históricas que produzem exclusão e marginalização. Essa tarefa implica questionar discursos que culpabilizam indivíduos, bem como denunciar políticas e práticas institucionais que perpetuam a desigualdade.
Para o autor, a Psicologia precisa também reconhecer e fortalecer os sujeitos coletivos que emergem nas populações pobres. Ele defende que a intervenção psicológica deve partir da experiência concreta das comunidades, valorizando seus saberes, suas formas de organização e suas estratégias de resistência. A pobreza, em sua análise, afeta tanto a vida material quanto a subjetividade, criando sentimentos de impotência, fatalismo e desvalorização que podem ser superados apenas mediante processos comunitários de conscientização e participação social.
Assim, o papel da Psicologia, segundo Martín-Baró (1996), é contribuir para que indivíduos e grupos adquiram novas formas de compreensão de sua condição social e desenvolvam capacidades de ação coletiva. Essa atuação demanda uma ética comprometida com a justiça social e a transformação das estruturas que sustentam a pobreza. A Psicologia da Libertação, proposta pelo autor, considera que enfrentar a pobreza significa promover condições de emancipação, reforçando vínculos comunitários, fomentando a solidariedade e alimentando a capacidade de crítica e ação política.
Em síntese, Martín-Baró (1996) afirma que a Psicologia deve ir além do alívio do sofrimento individual: precisa alinhar-se às lutas sociais, denunciar as raízes da desigualdade e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, onde a pobreza não seja tratada como destino, mas como injustiça histórica a ser superada coletivamente.
Nesse contexto, não podemos deixar de falar sobre Silvia Lane. Seu livro “O que é Psicologia Social” define que o enfoque da Psicologia Social “é estudar o comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente”. Conhecer como o homem insere-se no processo histórico, tornando-se agente com o poder de transformar a sociedade em que vive é uma preocupação atual dessa vertente psicológica. Permitir ao homem desenvolver a consciência em si, ou seja, questionar o papel a ele dado pela sociedade como sua única opção de “ser”, instrumentalizá-lo para que possa questionar o quanto sua história de vida pode não ser exclusivamente determinada pelas condições históricas de seu grupo social nunca foi tão atual.
A consciência de si pode alterar a identidade social, na medida em que, questionamos os papéis quanto à sua determinação e função histórica. Porém este processo não é simples, pois os grupos e papéis que o definem são “cristalizados e mantidos por instituições que, pelo seu próprio caráter, estão bem aparelhadas para anular ou amenizar os questionamentos e ações de grupo, em nome da “preservação social” (Lane, 2006). Há a criação de uma ilusão de que “os papéis são naturais e necessários e que a identidade é consequência de opções livres que fazemos no nosso conviver social, quando, de fato, são as condições sociais decorrentes da produção da vida material que determinam nossos papéis e a nossa identidade social.” (Lane, 2006, p.43).
Mendes e Costa (2019) apontam para a necessidade da compreensão da pobreza como uma das expressões da questão social, mirando nas forças motrizes da sociedade capitalista, de forma a contribuir para condições mais equânimes de vida. Os profissionais que atuam em contextos de pobreza no capitalismo necessitam compreender que tal sociedade está construída sobre princípios “não humanos”, como o individualismo, a competitividade e a acumulação que, como consequência, geram crises. Isso consiste em um desafio para a Psicologia, uma vez que para o capitalismo existir, a maioria da sociedade vive em condições desumanas e cabe ao psicólogo superar a falta de uma leitura conjuntural de maneira a potencializar sua atuação em contextos de pobreza.
CONCLUSÃO
Frente ao material acima apresentado, podemos concluir que o papel do psicólogo frente a pobreza deve ser o de agente que deve instrumentalizar as pessoas para que rompam com a situação de manipulação e opressão criada pelo sistema capitalista. Atuar em políticas públicas , colaborando para que as pessoas possam desenvolver e compreender suas habilidades e utilizá-las para romper com a vulnerabilidade conduzirá o grupo e o indivíduo a consciência em si, rompendo com as amarras da opressão e da desigualdade social.
Desta forma, é necessário ressaltar que o trabalho da psicologia social/psicólogos sociais ao entrar em contato com indivíduos que vivem em estado de vulnerabilidade socioeconomica é, além de auxiliá-lo com suas angústias, realizar o exercício do pensamento crítico de forma a nutrir o entendimento de que a posição social que lhe foi atribuída sofre influências diretas de forças além de seu alcance, tal qual o modelo econômico vigente.
A partir dos artigos citados a cima, conclui-se a necessidade de um olhar mais atento a esse grupo de pessoas, pois devido ao nível precário de existência em que ele está inserido, estas pessoas deixam de lado suas questões íntimas, podendo inclusive acarretar uma modificação em sua personalidade, modo de pensar e viver, levando em consideração o fato das preocupações econômicas desencadearem uma série de distúrbios psicológicos como depressão e ansiedade, que se não tratados com a devida atenção, podem tornar o indivíduo um ser ainda mais vulnerável a explorações de trabalho e situações que o adoeçam mais.
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1 Graduanda em Psicologia pela Unip, campus Assis-SP. E-mail: [email protected]
2 Graduanda em Psicologia pela Unip, campus Assis-SP. E-mail: [email protected]
3 Graduanda em Psicologia pela Unip, campus Assis-SP. E-mail: [email protected]
4 Graduanda em Psicologia pela Unip, campus Assis-SP. E-mail: [email protected]
5 Graduanda em Psicologia pela Unip, campus Assis-SP. E-mail: [email protected]
6 Docente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis. Mestre em Pedagogia e Psicologia pela Unesp de Assis, Mestre em História pela Unesp de Assis e Doutora em História pela Unesp de Assis. E-mail: [email protected]