SIMILARIDADES E DISSIMILARIDADES ENTRE O SOMATÓRIO DAS CONCENTRAÇÕES DOS HPAS PRIORITÁRIOS NO SOLO SUPERFICIAL DO COMPLEXO DE MANGUINHOS, RIO DE JANEIRO (RJ)
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12614751
Danielle de Almeida Carvalho
Rosália Maria Borges de Oliveira
Sérgio Rabello Alves
Sérgio Alves da Silva
RESUMO
O objetivo deste estudo foi avaliar as similaridades e dissimilaridades entre o somatório das concentrações dos HPAs prioritários, contaminantes químicos ambientais nocivos à saúde humana, no solo superficial do Complexo de Manguinhos. É uma região tipicamente industrial, possui muitos galpões e fábricas que, embora inativos, podem conter uma grande quantidade e variedade de passivos nocivos à saúde humana. Situação que é agravada por se transformar em bairro majoritariamente residencial que pode expor seus moradores ao contato cotidiano com substâncias perigosas. A metodologia deste estudo consistiu no levantamento das informações disponíveis em diversos documentos, através de uma extensa pesquisa bibliográfica sobre a região e a obtenção dos dados primários de concentração de HPAs no solo superficial da área de estudo. Assim, o problema pode ser caracterizado a partir da sistematização dos dados qualitativos e quantitativos obtidos. Foram utilizados também dados meteorológicos que foram comparados com os dados de concentração dos contaminantes. Foram coletadas amostras de solo superficial em 69 pontos distribuídos estatisticamente em todo território. A coleta foi realizada nas 4 estações do ano de 2014, totalizando 263 amostras. Foi realizada uma comparação estatística entre a mediana do somatório das concentrações dos HPAs em cada um dos pontos e a mediana dos dados meteorológicos: direção do vento, velocidade do vento, temperatura, pressão e umidade através da análise de cluster com a técnica de grupamento igualmente pareado, uma técnica classificatória multivariada utilizada para explorar as similaridades entre os pontos, considerando simultaneamente todas as variáveis medidas. Assim, foi possível verificar que a influência da concentração dos contaminantes químicos é mais significativa que a influência das condições meteorológicas, o que pode ser observado nos grupamentos finais formados. O conjunto dos dados obtidos sugere que a contaminação do solo no território investigado é decorrente, principalmente, de atividade humana e do fluxo intenso de veículos automotores.
Palavras-chave: Dendrograma. HPA(s). Manguinhos. Solo contaminado.
ABSTRACT
The objective of this study was to evaluate the similarities and dissimilarities among the sum of concentrations of priority PAHs, environmental chemical contaminants contraindicated for human health, in the surface soil of the Manguinhos Complex. It is a typically industrial region, which has many warehouses and factories that, although inactive, can contain a large quantity and variety of human health liabilities. A situation that is made worse by transforming it into a mostly residential neighborhood that can expose its residents to daily contact with dangerous substances. The methodology of this study consists of surveying the information available in various documents, through an extensive bibliographical research on the region and obtaining primary data on the concentration of PAHs in the surface soil of the study area. Thus, the problem can be characterized based on the systematization of the qualitative and quantitative data obtained. Meteorological data were also used and compared with contaminant concentration data. Topsoil samples were collected at 69 points statistically distributed throughout the territory. Collection was carried out in the 4 seasons of 2014, totaling 263 samples. A statistical comparison was made between the median of the sum of PAH concentrations at each of the points and the median of the meteorological data: wind direction, wind speed, temperature, pressure and humidity through cluster analysis with the equally grouping technique, paired, a multivariate classification technique used to explore similarities between points, simultaneously considering all measurements. Thus, it was possible to verify that the influence of the concentration of chemical contaminants is more significant than the influence of adverse conditions, or that it can be observed in the final groups formed. The set of data obtained suggests that soil contamination in the investigated territory is mainly due to human activity and the intense flow of motor vehicles.
Keywords: Dendogram. PAHs. Manguinhos. Contaminated soil.
1 INTRODUÇÃO
Os espaços originalmente chamados de favelas tiveram a sua denominação modificada ao longo do tempo. A terminologia favela foi substituída por termos como comunidades e/ou complexos, sendo classificados como aglomerados subnormais ou bairros (Costa e Fernandes, 2013).
Existem várias teorias a respeito da origem das favelas. A teoria mais utilizada é que a primeira favela surgiu com a ocupação, por ex-combatentes da Guerra de Canudos, nas encostas do Morro de Santo Antônio e no Morro da Providência, que por possuir uma vegetação predominante típica da caatinga, chamada “favela”, ficou conhecido como Morro da Favela, o que deu origem a denominação Favela, mas que só na década de 1920 passou a ser usado para denominar outras comunidades carentes (Silva, 2010; O Globo, 2017).
Essa ocupação se deu pela falta de moradias na cidade para abrigar a população crescente. Assim, surge mais um formato para aprofundar o processo de separação das classes sociais (Silva, 2010).
O termo “complexo” foi incialmente aplicado por órgãos policiais e posteriormente pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o grupamento de favelas de algumas regiões compostas por mais de um espaço ou comunidade, delimitado principalmente por seus próprios moradores (Costa e Fernandes, 2013). O PAC foi um programa coordenado pelo Governo Federal constituído de um grupo de ações com o objetivo de promover o crescimento econômico e social de regiões específicas no Brasil. O PAC/Manguinhos foi o primeiro grande investimento e a primeira intervenção significativa na região de Manguinhos. As ações anteriores do Estado foram obras pontuais e limitadas. Por ser uma favela de grande porte e alta complexidade, não foi inserida no programa chamado Favela-Bairro ocorrido em 1993 (Bianco, 2011).
O Complexo de Manguinhos localiza-se, de acordo com os referenciais geopolíticos e gerenciais adotados pela Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro (PMCRJ), na zona suburbana da Leopoldina, integrando, juntamente com os bairros de Ramos, Bonsucesso e Olaria, a X Região Administrativa (RA) do Município.
Manguinhos possui uma população de aproximadamente 36 mil habitantes com cerca de 40% de crianças e adolescentes, e tem como principal característica sociopolítica ser composto por 13 comunidades ou favelas, nas quais as condições de vida são bastante problemáticas. As regiões mais pobres apresentam um panorama de extrema precariedade (IBGE, 2011; IPP, 2010).
Fazem parte do Complexo de Manguinhos as comunidades: CHP2, Comunidade Agrícola de Higienópolis, DESUP, Mandela de Pedra, Nelson Mandela, Nova Vila Turismo, Parque Amorim, Parque Carlos Chagas, Parque João Goulart, Parque Oswaldo Cruz, Samora Machel, Vila Turismo e Vila União, além do Campus da FIOCRUZ e do Abrigo Cristo Redentor (Bruno et al., 2016).
O Complexo de Manguinhos é uma região tipicamente industrial, possui ainda muitos galpões e fábricas que, embora inativos, podem conter uma grande quantidade e variedade de passivos nocivos à saúde humana. Situação que é agravada na medida em que, ao se transformar em bairro majoritariamente residencial, podem expor seus moradores ao contato cotidiano com substâncias perigosas.
Nesse contexto, a contaminação por Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos, os HPAs, merece atenção, pois são compostos persistentes no meio ambiente, possuem baixa solubilidade em água, (com exceção do naftaleno, que é relativamente solúvel) e alto coeficiente de partição octanol/água. Uma das principais formas de exposição humana aos HPAs é através da contaminação ambiental, sendo os compostos de petróleo provenientes das refinarias ou da combustão incompleta dos veículos automotores, fontes importantes de contaminação (Carvalho, 2020).
Sendo assim, a alta densidade demográfica dessa região, que abrigou um expressivo parque industrial e abriga algumas indústrias cujos efluentes afetam a saúde humana, além de sua localização entre vias expressas com intenso tráfego de veículos automotores, são aspectos que justificam a necessidade do aprofundamento dos estudos na região.
Esses estudos, sobre algumas questões resultantes do monitoramento socioambiental anteriormente citado, são extremamente importantes, tanto pela possibilidade de sinalizar a necessidade de novas políticas em saúde coletiva, quanto para subsidiar a definição de direcionamentos rumo à melhoria da qualidade ambiental nessas localidades e, consequentemente, da saúde de sua população, com um apontamento para um estudo de avaliação de risco das áreas contaminadas com a presença de uma população potencialmente exposta (Carvalho, 2020).
Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as similaridades e dissimilaridades entre o somatório das concentrações dos HPAs prioritários, contaminantes químicos ambientais nocivos à saúde humana, no solo superficial do Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro (RJ).
2 METODOLOGIA
A metodologia utilizada no desenvolvimento do estudo foi adaptada de Dantas (2008). O estudo foi desenhado utilizando diversas fontes secundárias e primárias de informação. Foi realizada uma pesquisa qualitativa e quantitativa através de um levantamento de dados das informações disponíveis em diversas fontes de documentos, com uma extensa pesquisa bibliográfica; e a obtenção dos dados primários de concentração de HPAs no solo superficial da área de estudo se deu através de análise por Espectrômetro de Massas acoplado a um Cromatógrafo Gasoso.
Com o uso dos dados obtidos através das fontes primárias e secundárias, foi caracterizado o problema a partir da sistematização dos dados qualitativos e quantitativos.
Por último, os dados meteorológicos e os dados de concentração dos HPAs no solo de Manguinhos foram utilizados para a construção dos testes estatísticos com o objetivo de caracterizar a região do estudo.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Foram coletadas amostras de solo superficial em 69 pontos distribuídos estatisticamente em todo território do complexo de Manguinhos, no Rio de Janeiro (RJ). A coleta foi realizada nas 4 estações do ano de 2014, totalizando 263 amostras. Como foram analisados 10 HPAs prioritários em cada amostra, totalizaram-se 2.630 análises (Bruno et al., 2016).
Foi realizada uma comparação estatística entre a mediana do somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários em cada um dos pontos de coleta e a mediana dos dados meteorológicos: direção do vento, velocidade do vento, temperatura, pressão e umidade, através da análise de cluster com a técnica de grupamento igualmente pareado (mesmo peso para todas as variáveis), uma técnica classificatória multivariada utilizada para explorar as similaridades entre os pontos, considerando simultaneamente todas as variáveis medidas.
O dendrograma foi o gráfico obtido através dessa análise com uma simplificação em duas dimensões de uma relação que é hexa-dimensional. Foi usado para visualizar o processo de agrupamento e analisar os níveis de distância dos grupos formados. A decisão do grupamento final foi o ponto em que os valores das distâncias mudaram consideravelmente (Mól et al., 2010).
Segundo Meyer (2002), não há um critério objetivo para um ponto de corte em um dendrograma construído com dados ambientais, ou seja, para determinar como formar os grupos a partir do desenho do dendrograma.
Neste estudo, foi realizada uma análise da relação entre a mediana do somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários nos pontos de coleta e a mediana dos dados meteorológicos: direção do vento, velocidade do vento, temperatura, pressão e umidade, como mostrado no dendrograma da Figura 1.
O ponto de partida da relação entre a contaminação química e a exposição humana e ambiental foi a legislação da CETESB (2001). Optou-se por um grupamento final com 6 clusters, em que se observou uma separação dos pontos com um salto considerável nas distâncias dos grupos. Outro critério para definição dos agrupamentos foi onde houve a formação de grupos de pontos com valores acima do valor de intervenção, grupos de pontos com valores acima do valor de alerta e grupos de pontos com valores entre os valores de alerta e de referência.
Apenas em um ponto, localizado na Comunidade Vila União, foi obtido um valor da mediana do somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários abaixo do valor de referência, considerando a Lista Holandesa (1999) preconizada pela CETESB (1999, 2001), e na análise de cluster, esse ponto ficou englobado no grupamento de pontos com valores entre os valores de alerta e de referência.
Na legislação brasileira, apenas São Paulo através da CETESB possui uma norma mais completa a respeito dos poluentes orgânicos prioritários através da Decisão de Diretoria Nº 045/2014/e/c/i, de 20 de fevereiro de 2014, que dispõe sobre a aprovação dos Valores Orientadores para Solos e Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo.
A Tabela 1 mostra os valores orientadores da Lista Holandesa, descritos pela CETESB, que considera um somatório dos 10 HPAs contaminantes prioritários, um grupo de compostos que podem causar efeitos nocivos à saúde humana e ambiental: Naftaleno, Fenantreno, Antraceno, Fluoranteno, Benzo[a]antraceno, Criseno, Benzo[k]fluoranteno, Benzo[a]pireno, Benzo[g,h,i]perileno e Indeno[1,2,3-cd]pireno.
Tabela 1 - Valores Orientadores: HPAs em solo no estado de São Paulo, pela Lista Holandesa.
Parâmetro | S | T | I |
HPA (∑dos 10) | 0,2 | 4,1 | 8,0 |
Legenda: Valor de Referência (S); Valor de Alerta (T); Valor de Intervenção (I)
Fonte: Adaptado de CETESB (1999).
Foi realizada também uma comparação estatística entre o somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários nas diferentes estações do ano.
Todos os testes de normalidade pressupõem a hipótese nula (H0) como sendo a normalidade dos dados, retornando um p-valor > 0,05 se os dados apresentarem uma tendência à normalidade.
A Tabela 2 mostra os resultados do valor de p para o teste de normalidade (Shapiro-Wilk) para os resultados para as estações primavera, verão, outono e inverno.
A avaliação da normalidade dos dados é uma das etapas para determinação de qual teste estatístico deverá ser utilizado para comparação dos grupos em estudo. Os testes paramétricos t-Student (utilizado para comparação de médias de dois grupos) e Análise de Variância (utilizado para comparação das médias de múltiplos grupos) têm como premissa a normalidade dos dados que compõem cada grupo.
Tabela 2 – Teste de normalidade (Shapiro-Wilk) entre o somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários nas diferentes estações do ano.
Teste de normalidade (teste de Shapiro-wilk) | ||
Primavera | p-valor < 2.2e-16 | |
Verão | p-valor < 2.2e-16 | |
Outono | p-valor = 0.000252 | |
Inverno | p-valor < 2.2e-16 |
Pelos resultados obtidos foi observado que os dados dos grupos relativos a cada estação do ano não apresentavam uma tendência de se ajustar à distribuição de densidade de probabilidade normal. Desta forma, optou-se por aplicar o teste não-paramétrico Kruskall-Walis para avaliar se ao menos uma das estações do ano apresentava dados diferentes das outras estações. Este teste foi aplicado sob um nível de significância de 0,05 (α=0,05) sob pareamento de dados. Esta avaliação foi feita utilizando o software R versão 3.2.2.
O teste de Kruskall-Walis deve ser aplicado quando a comparação é feita com três ou mais amostras independentes. O teste é aplicado e transforma os valores numéricos em postos e agrupa em um conjunto de dados.
Desta forma, o teste de Kruskall-Walis pressupõe a hipótese nula (H0) de que todos os grupos são originados da mesma população, ou seja, têm a mesma distribuição, retornando um p-valor > 0,05 se os dados forem da mesma população.
A Tabela 3 mostra o teste de comparação para dados não paramétricos (Kruskal-wallis). Este teste foi usado para fazer a comparação estatística entre o somatório das concentrações dos 10 HPAs prioritários nas diferentes estações do ano pareadas duas a duas.
Tabela 3 – Comparação dos resultados para as quatro estações do ano.
Teste de Kruskal-Wallis (Comparações entre estações) | |
Primavera | p–valor = 0,1456 |
Verão | |
Outono | |
Inverno |
Pelos resultados obtidos não foi observada uma diferença significativa entre os resultados para cada estação do ano. Desta forma, o teste mostra que as concentrações 10 HPAs prioritários nas diferentes estações do ano podem ser agrupadas em uma mesma população, ou seja, possuem estatisticamente uma mesma distribuição quando são comparados os dados das 4 estações do ano.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A área do Complexo de Manguinhos, localizada na sub-bacia do Canal do Cunha, é uma área historicamente submetida a um processo de degradação ambiental contínuo e constante. É uma região com processo de formação, ocupação e evolução ligados diretamente a baixas condições socioeconômicas e à presença constante de indústrias, comércios e alto tráfego de veículos automotores. Caracteriza-se por baixos investimentos públicos em infraestruturas e sustentabilidade, sejam eles de maneira direta ou indireta.
O conjunto dos dados obtidos sugere que a contaminação do solo no território investigado é decorrente, principalmente, de atividade humana e do fluxo intenso de veículos automotores.
Esses resultados foram comparados a valores de referência em solo pela Lista Holandesa, preconizada pela CETESB (1999). Valores superiores ao valor de alerta são um indicativo de que se deve realizar uma análise de risco, pois a área é considerada contaminada. É necessário verificar os riscos e a extensão da contaminação ao meio ambiente e à saúde pública.
Após essa etapa, é preciso avaliar a necessidade de medidas de remediação ambiental do solo contaminado e determinar metas para a descontaminação, de modo que novas análises comprovem que os valores de concentração dos contaminantes no solo estejam em níveis aceitáveis, ou seja, até o valor de referência da norma, para que seja garantido que não haja comprometimento ambiental.
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