SEROTONINA PRODUZIDA NO SISTEMA GASTRO INTESTINAL - RELAÇÃO ENTRE DEPRESSÃO, HÁBITOS SAUDÁVEIS E BOA MICROBIOTA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18057131


Mariane Nobre Manoel1
Cleyson Valença Reis2
Ana Cristina Serra Polimeno2
Dreisson Aguillera de Oliveira2


RESUMO
A serotonina é um neurotransmissor amplamente relacionado à regulação do humor e aos transtornos depressivos. Embora o tratamento da depressão seja tradicionalmente centrado no sistema nervoso central, evidências indicam que a maior parte da serotonina do organismo é produzida no trato gastrointestinal. Este estudo teve como objetivo analisar a relação entre a produção intestinal de serotonina, o eixo intestino-cérebro e a depressão, considerando a influência da alimentação, da microbiota intestinal e do uso de probióticos. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, na qual os resultados indicam que a saúde intestinal exerce papel relevante na modulação do humor e pode representar um alvo terapêutico complementar no manejo da depressão.
Palavras-chave: Serotonina. Microbioma Intestinal. Eixo Cérebro-Intestino. Depressão. Transtornos Mentais. Probióticos.

ABSTRACT
Serotonin is a neurotransmitter closely related to mood regulation and depressive disorders. Although depression treatment is traditionally focused on the central nervous system, evidence indicates that most serotonin is produced in the gastrointestinal tract. This study aimed to analyze the relationship between intestinal serotonin production, the gut–brain axis, and depression, considering the influence of diet, gut microbiota, and probiotic use. This integrative literature review suggests that intestinal health plays a relevant role in mood modulation and may represent a complementary therapeutic target in depression management.
Keywords: Serotonin. Intestinal Microbiome. Brain-Gut Axis. Depression. Mental Disorders. Probiotics.

INTRODUÇÃO

A depressão é um transtorno mental complexo, multifatorial e de alta prevalência, caracterizado por alterações persistentes do humor, do comportamento e da cognição, com impacto significativo na funcionalidade e na qualidade de vida dos indivíduos. Apesar dos avanços no entendimento neurobiológico da doença, sua abordagem clínica permanece, em grande parte, centrada no sistema nervoso central e na modulação de neurotransmissores cerebrais.

Nos últimos anos, entretanto, tem-se ampliado a compreensão de que a depressão não se restringe ao cérebro, mas envolve mecanismos sistêmicos. Nesse contexto, destaca-se o trato gastrointestinal como um importante modulador da saúde mental, uma vez que a maior parte da serotonina do organismo é produzida no intestino, especialmente pelas células enterocromafins da mucosa intestinal.

A depressão é um transtorno mental complexo e multifatorial, classificado como uma das principais causas de incapacidade no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu impacto abrange não apenas a esfera emocional, mas também o funcionamento físico, social e ocupacional dos indivíduos. Tradicionalmente, os estudos sobre sua etiologia concentram-se em alterações neuroquímicas, especialmente na deficiência de neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina no sistema nervoso central.

Dentro desse contexto, a serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) tem ganhado destaque não apenas por sua função neuromoduladora central, mas principalmente por sua ampla produção periférica: estima-se que aproximadamente 90% da serotonina corporal seja sintetizada por células enteroendócrinas, especialmente as células enterocromafins, presentes no estômago e no intestino delgado.

Esse novo paradigma sugere que fatores como a composição da microbiota intestinal, os hábitos alimentares e o uso de probióticos podem influenciar significativamente a produção de serotonina entérica e, por consequência, exercer efeitos sobre o estado emocional e psicológico dos indivíduos. A modulação da microbiota por meio da dieta ou da suplementação com cepas probióticas específicas tem demonstrado potencial terapêutico como adjuvante no tratamento de transtornos como ansiedade e depressão, abrindo espaço para abordagens integrativas e menos invasivas.

A comunicação bidirecional entre intestino e cérebro, denominada eixo intestino-cérebro, envolve vias neurais, hormonais e imunológicas, permitindo que alterações intestinais repercutam no funcionamento do sistema nervoso central. Dessa forma, fatores como alimentação, composição da microbiota intestinal e estilo de vida passam a ser compreendidos como elementos relevantes na modulação do humor e no desenvolvimento de transtornos depressivos, ampliando a visão tradicional do tratamento da depressão (SARRIS et al., 2015).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A serotonina é um neurotransmissor amplamente reconhecido por sua atuação na regulação do humor, do sono, do apetite e do comportamento emocional. Tradicionalmente, os estudos sobre serotonina e depressão concentraram-se no sistema nervoso central, especialmente em sua atuação sináptica cerebral. No entanto, avanços recentes na neurogastroenterologia e na psicobiologia têm ampliado essa compreensão ao evidenciar que
a maior parte da serotonina do organismo é produzida no trato gastrointestinal, principalmente pelas células enterocromafins da mucosa intestinal (GERSHON, 2008).

A serotonina produzida no intestino exerce funções fisiológicas essenciais, como a regulação da motilidade gastrointestinal, da secreção e da sensibilidade visceral. Embora essa serotonina periférica não atravesse diretamente a barreira hematoencefálica, ela influencia o sistema nervoso central por meio de mecanismos indiretos, incluindo a modulação de vias inflamatórias, hormonais e neurais.

Esses mecanismos fazem parte da complexa rede de comunicação bidirecional conhecida como eixo intestino-cérebro, que integra o sistema nervoso central, o sistema nervoso entérico, o sistema imunológico e a microbiota intestinal (CARABOTTI et al., 2015).

A microbiota intestinal desempenha papel central nesse eixo de comunicação, atuando como mediadora entre fatores ambientais e respostas neuroquímicas. Microrganismos intestinais são capazes de interferir no metabolismo do triptofano, aminoácido precursor da serotonina, influenciando sua disponibilidade e direcionamento metabólico.

Alterações na composição da microbiota, caracterizadas como disbiose, têm sido associadas a processos inflamatórios sistêmicos e a alterações no comportamento e no humor, sugerindo uma relação direta entre o ambiente intestinal e a saúde mental (STASI et al., 2014).

Nesse contexto, fatores externos, especialmente a alimentação, assumem papel relevante na modulação da microbiota intestinal e, consequentemente, da produção de serotonina. Padrões alimentares ricos em fibras, vitaminas, minerais e compostos bioativos favorecem a diversidade microbiana e a produção de metabólitos com efeito anti-inflamatório, enquanto dietas ricas em alimentos ultraprocessados podem contribuir para a disbiose e para a ativação de respostas inflamatórias associadas aos transtornos do humor. Assim, a alimentação passa a ser compreendida não apenas como fator nutricional, mas como um elemento modulador da saúde mental.

Além da alimentação, o uso de probióticos tem sido investigado como estratégia complementar no cuidado aos transtornos psicológicos.

Os probióticos podem contribuir para o restabelecimento do equilíbrio da microbiota intestinal, influenciar a produção de neurotransmissores e modular a resposta do eixo intestino-cérebro. Evidências indicam que a modulação da microbiota por meio de probióticos pode estar associada à redução de sintomas depressivos e ansiosos, reforçando a importância de abordagens integrativas no manejo da depressão (LIU; WALSH; SHEEHAN, 2019).

Dessa forma, a compreensão da depressão e de outros transtornos psicológicos a partir da interação entre intestino e cérebro amplia o modelo tradicional centrado exclusivamente no sistema nervoso central. A serotonina intestinal emerge como um componente-chave nesse processo, conectando fatores ambientais, fisiológicos e comportamentais, e apontando para novas possibilidades terapêuticas baseadas na promoção da saúde intestinal e no equilíbrio do eixo intestino-cérebro.

3. METODOLOGIA

O presente estudo consiste em uma revisão narrativa da literatura, de abordagem qualitativa e caráter exploratório, com o objetivo de analisar a produção periférica de serotonina, o eixo intestino-cérebro e sua relação com transtornos psicológicos, com ênfase na depressão. A busca bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, SciELO, ScienceDirect, Google Scholar e Portal de Periódicos da CAPES, utilizando descritores relacionados à serotonina, microbiota intestinal, eixo intestino-cérebro, alimentação e probióticos, em português e inglês.

Foram selecionados artigos publicados entre 2000 e 2024, priorizando revisões de literatura, ensaios clínicos e estudos com abordagem farmacológica ou biomédica. Os critérios de inclusão compreenderam publicações com acesso ao texto completo, nos idiomas português, inglês ou espanhol, que abordassem a produção de serotonina no trato gastrointestinal e suas implicações na saúde mental. Foram excluídos estudos com foco exclusivo na serotonina central ou em modelos animais sem discussão de aplicabilidade clínica.

A análise dos estudos selecionados foi conduzida de forma descritiva e crítica, permitindo a síntese dos principais achados da literatura e a construção de uma base teórica consistente para a discussão da influência da serotonina intestinal e de fatores moduladores na saúde mental.

PRODUÇÃO GASTROINTESTINAL DE SEROTONINA E O EIXO INTESTINO-CÉREBRO

A serotonina, também conhecida como 5-hidroxitriptamina (5-HT), é um neurotransmissor derivado do aminoácido essencial triptofano e exerce múltiplas funções fisiológicas no organismo. Embora seja amplamente reconhecida por sua atuação no sistema nervoso central, a maior parte de sua produção ocorre no trato gastrointestinal, onde desempenha papel fundamental na regulação da motilidade intestinal, da secreção e da comunicação neuroentérica.

Mais de 90% da serotonina corporal está localizada no intestino, onde é produzida por células enteroendócrinas e armazenada em plaquetas sanguíneas. Sua ação é mediada por uma ampla variedade de receptores específicos (5-HT1 a 5-HT7), cada qual com subtipos e funções distintas, o que contribui para a complexidade de seus efeitos fisiológicos (FEIJÓ, F. M.; BERTOLUCI, M. C.; REIS, C., 2011).

A biossíntese da serotonina ocorre em duas etapas principais: inicialmente, o triptofano é hidroxilado pela enzima triptofano hidroxilase (TPH), formando o intermediário 5-hidroxitriptofano (5-HTP); em seguida, o 5-HTP é descarboxilado pela enzima L-aminoácido aromático descarboxilase, originando a serotonina. Existem duas isoformas da TPH: a TPH1, expressa predominantemente nas células enterocromafins do trato gastrointestinal e em outros tecidos periféricos, e a TPH2, presente majoritariamente nos neurônios serotoninérgicos do sistema nervoso central.

A serotonina exerce múltiplas funções no organismo, com atuação tanto central quanto periférica. No sistema nervoso central, está relacionada à regulação do humor, do sono, da temperatura corporal, da saciedade e da percepção da dor. Já no sistema periférico, especialmente no trato gastrointestinal, desempenha papel fundamental na motilidade intestinal, secreção, vasodilatação local e modulação da resposta imune.

No intestino, a síntese de serotonina ocorre predominantemente nas células enterocromafins, que utilizam o triptofano proveniente da dieta como substrato. A disponibilidade desse aminoácido, bem como a integridade da mucosa intestinal, são fatores determinantes para a produção adequada de serotonina periférica. Essas células são responsáveis por detectar estímulos mecânicos e químicos provenientes da luz intestinal e, a partir disso, liberar serotonina para atuar localmente ou sinalizar ao sistema nervoso entéricoA produção periférica de serotonina é regulada principalmente pela enzima triptofano hidroxilase 1 (TPH1), que catalisa a primeira etapa da síntese a partir do aminoácido triptofano, obtido por meio da alimentação. Essa forma periférica de serotonina não atravessa a barreira hematoencefálica, o que significa que sua ação ocorre predominantemente fora do sistema nervoso central, influenciando funções locais e sistêmicas, como motilidade intestinal, secreção, vasorregulação e inflamação.

Essa serotonina não atravessa diretamente a barreira hematoencefálica, porém exerce influência indireta sobre o cérebro por meio do eixo intestino-cérebro, modulando respostas inflamatórias, hormonais e neurais (GERSHON, 2008).

Além das células enterocromafins, neurônios serotoninérgicos do sistema nervoso entérico também contribuem com uma menor parcela da serotonina entérica. Essa rede neuronal, considerada o “segundo cérebro”, possui milhões de neurônios distribuídos ao longo do tubo digestivo, capazes de responder autonomamente a estímulos locais, com influência significativa sobre o eixo intestino-cérebro.

A serotonina liberada no intestino pode interagir com terminações vagais e com os receptores 5-HT presentes em neurônios sensoriais viscerais, promovendo comunicação direta com o sistema nervoso central. Além disso, após sua liberação, a serotonina é rapidamente recaptada pelas plaquetas sanguíneas, onde é armazenada até ser liberada em processos inflamatórios ou lesões vasculares.

Fatores como dieta, presença de fibras, compostos bioativos e, principalmente, a composição da microbiota intestinal exercem influência direta sobre a produção e regulação da serotonina periférica. Certas cepas bacterianas, como Bifidobacterium infantis e Lactobacillus plantarum, têm sido associadas à modulação positiva da biossíntese de serotonina por meio da fermentação de fibras alimentares e produção de metabólitos que estimulam as células enteroendócrinas.

A microbiota intestinal assume papel central nesse processo, uma vez que seus metabólitos podem interferir no metabolismo do triptofano e na sinalização serotoninérgica.

Alterações na composição microbiana intestinal, conhecidas como disbiose, têm sido associadas a desequilíbrios neuroquímicos e inflamatórios, sugerindo que o intestino atua como um elo fundamental entre fatores ambientais e a saúde mental (STASI et al., 2014).

A compreensão da síntese e do papel multifuncional da serotonina é essencial para o entendimento de diversas condições patológicas, incluindo distúrbios gastrointestinais, cardiovasculares, neurodegenerativos e psiquiátricos, como a depressão.

Portanto, a produção de serotonina no estômago e intestino não se limita a funções digestivas, mas participa ativamente da comunicação neuroimune e neuroendócrina, com implicações diretas na saúde mental e na fisiopatologia de doenças como a depressão.

Apesar de a serotonina (5-HT) ser necessária para a regulação da dor e secreção viscerais, bem como para o início do reflexo peristáltico, níveis anormais de serotonina também foram encontrados como causadores de uma variedade de doenças psiquiátricas.

A serotonina interage com uma variedade de subtipos de receptores para realizar sua atividade biológica. Numerosos subtipos de receptores 5-HT são expressos no intestino e afetam as funções digestivas (Bellini et al., 2016; Stasi et al., 2014).

A serotonina tem o potencial de estimular neurônios responsáveis ​​por danos nervosos, fortalecer a motilidade dos músculos do trato gastrointestinal, causar a compressão dos músculos dos pulmões e do útero, afetar os músculos vasculares em ambas as direções (constrição e relaxamento), participar da agregação plaquetária e afetar os neurônios do sistema nervoso central.

A serotonina pode atuar de forma pró ou anti-inflamatória, dependendo da via que percorre, e contribui para os sintomas de inflamação gastrointestinal (Guzel & Mirowska-Guzel, 2022).

É fundamental que os probióticos sejam geneticamente inalterados e robustos o suficiente para suportar a passagem pelo trato gastrointestinal. Portanto, pode ser possível que os probióticos alterem a composição e o equilíbrio da microbiota que vive nas superfícies mucosas dos intestinos, particularmente no lúmen.

Como os probióticos têm a capacidade de suprimir a inflamação causada por micróbios intestinais, já foi demonstrado que os probióticos podem ter um papel na redução de reações inflamatórias no trato gastrointestinal, como as causadas por doenças autoimunes (Mahesh et al., 2021).

Embora as bactérias intestinais desempenhem um papel na prevenção de transtornos mentais, como transtorno depressivo maior, transtornos de ansiedade e doenças relacionadas a traumas, alterações na microbiota intestinal podem regular a sinalização cérebro-intestino, alterando a forma como o córtex responde a estímulos neuroendócrinos e imunológicos, e a comorbidade entre transtornos gastrointestinais e de saúde mental corrobora esses achados (Settanni et al., 2021).

Considerando isso, o trato gastrointestinal humano abriga uma comunidade bacteriana diversificada que controla a geração de múltiplas moléculas de sinalização no hospedeiro.

Essas moléculas de sinalização incluem serotonina ou 5-HT, bem como hormônios e neurotransmissores (Noble et al., 2017; Sanders et al., 2019).

No entanto, a depressão e os transtornos de ansiedade contribuem significativamente para o impacto global da saúde não fatal e são normalmente tratados com tratamentos farmacêuticos que acarretam vários efeitos colaterais indesejados.

Nos últimos 10 anos, evidências crescentes indicam que o consumo de cepas probióticas específicas pode oferecer benefícios à saúde que vão além do sistema digestivo. Esses probióticos, que podem melhorar o bem-estar mental quando ingeridos nas quantidades certas, foram chamados de “psicobióticos”, apresentando, portanto, um método complementar promissor para melhorar a qualidade de vida de indivíduos que sofrem de sofrimento mental (Hernandez-Barrueta, 2022).

SEROTONINA INTESTINAL E TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS

As alterações na sinalização da serotonina estão envolvidas na fisiopatologia de diversos transtornos psicológicos, tradicionalmente explicados a partir de disfunções do sistema nervoso central. Contudo, evidências recentes sugerem que alterações periféricas, especialmente no ambiente intestinal, podem atuar como moduladores desses quadros.

A disfunção do eixo intestino-cérebro pode contribuir para o surgimento e a intensificação de sintomas relacionados à ansiedade, transtornos do humor, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do espectro autista e transtorno bipolar.

Processos inflamatórios intestinais, aumento da permeabilidade da barreira intestinal e desequilíbrios da microbiota podem desencadear respostas neuroimunes capazes de interferir na neurotransmissão central e no comportamento emocional (NUTT, 2006).

Nesse sentido, a serotonina intestinal passa a ser compreendida não apenas como um neurotransmissor periférico, mas como um mediador sistêmico capaz de influenciar o funcionamento cerebral de forma indireta. Essa perspectiva reforça a necessidade de abordagens integrativas no manejo dos transtornos psicológicos, considerando o intestino como um alvo complementar às estratégias terapêuticas convencionais.

O eixo intestino-cérebro (gut-brain axis) é um sistema de comunicação bidirecional altamente complexo que conecta o sistema nervoso central (SNC) ao trato gastrointestinal, envolvendo também o sistema nervoso entérico, o sistema imunológico, o sistema endócrino e a microbiota intestinal. Esse eixo permite que estímulos originados no intestino afetem o cérebro e vice-versa, por meio de vias neurais (como o nervo vago), humorais e imunológicas (GERSHON, Michael D., 2008).

Dentro desse contexto, a serotonina atua como um dos principais mediadores da comunicação entre o intestino e o cérebro. A produção de serotonina no intestino pode influenciar o sistema nervoso central de forma indireta, ativando receptores vagais aferentes e modulando a liberação de hormônios intestinais e citocinas inflamatórias que, por sua vez, interferem no equilíbrio neuroquímico cerebral. Tendo também uma comunicação com o sistema imunológico, o metabolismo e triptofano, onde a serotonina age como um dos principais mediadores da comunicação com esses sistemas, sendo:

  • Sistema Nervoso Entérico (SNE): A serotonina liberada pelas células ECs influencia a motilidade intestinal e transmite sinais ao SNC através do nervo vago.

  • Sistema Imunológico: A serotonina modula respostas inflamatórias, afetando a produção de citocinas e a permeabilidade intestinal, o que pode impactar o humor e o comportamento.

  • Metabolismo do Triptofano: A microbiota intestinal pode direcionar o metabolismo do triptofano para a via da quinurenina, reduzindo a disponibilidade de triptofano para a síntese de serotonina, o que está associado a distúrbios do humor.

Além disso, a microbiota intestinal tem um papel crucial nesse eixo. Bactérias intestinais comensais podem sintetizar ou modular neurotransmissores e neuromoduladores, incluindo serotonina, GABA, dopamina e noradrenalina. Elas também influenciam a integridade da barreira intestinal e da barreira hematoencefálica, o que afeta diretamente a sinalização neuroquímica sistêmica.

A ativação anormal do eixo intestino-cérebro tem sido associada a diversas condições, incluindo síndromes intestinais funcionais (como a síndrome do intestino irritável), transtornos do espectro autista, ansiedade e depressão. Evidências clínicas e experimentais demonstram que alterações na composição da microbiota (disbiose), aumento da permeabilidade intestinal e processos inflamatórios crônicos no trato digestivo estão relacionados à desregulação na produção e na sinalização de neurotransmissores, principalmente da serotonina.

A via mais estudada nesse processo é a do nervo vago, que transmite sinais do intestino diretamente ao cérebro, regulando o estado emocional, o comportamento e a resposta ao estresse. Estudos demonstram que a estimulação vagal ou a modulação da microbiota com probióticos específicos pode melhorar sintomas depressivos e de ansiedade em modelos animais e em seres humanos.

Portanto, a relação entre o intestino e o cérebro, mediada pela serotonina e outros neurotransmissores, configura um importante campo de investigação no entendimento da fisiopatologia de distúrbios psiquiátricos e na busca por terapias alternativas e complementares (CRUMMEY, J. M.; SHARMA, V., 2014).

Nos últimos anos, o conceito de um “eixo intestino-cérebro” tem revolucionado a compreensão da etiologia de diversas patologias, levantando questionamentos sobre o papel da disbiose – um desequilíbrio na microbiota intestinal – por meio de eixos imunológicos, endocrinológicos e metabólicos (Merkouris et al., 2024). No contexto das patologias psiquiátricas, o interesse em “psicobióticos” – probióticos com potencial para modular os sintomas de doenças mentais – ganhou relevância científica e clínica, apontando para novas abordagens terapêuticas (Tran et al., 2019).

Pesquisas recentes têm expandido as fronteiras da psicofarmacologia e psicoterapias, destacando o papel crucial da microbiota intestinal na modulação de transtornos neuropsiquiátricos. Essas alterações podem influenciar diretamente os processos cerebrais através do eixo intestino-cérebro, um sistema bidirecional complexo que conecta os sistemas nervoso, entérico e central. Neste cenário, a serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT), embora conhecida por sua função no Sistema Nervoso Central (SNC) na regulação do humor, cognição, ansiedade, agressividade, apetite e sono, tem sua maior produção e armazenamento ocorrendo no trato gastrointestinal. Cerca de 90% de toda a serotonina do corpo é produzida e liberada por células enterocromafins no intestino. É fundamental compreender que alterações na produção ou na biodisponibilidade dessa serotonina intestinal (periférica) podem afetar diretamente o eixo intestino-cébro. Tais disfunções podem promover respostas neuroinflamatórias, impactar a integridade da barreira intestinal e, consequentemente, modular circuitos cerebrais ligados ao humor, ansiedade e comportamento compulsivo. Portanto, condições como depressão, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e até mesmo o transtorno do espectro autista (TEA) vêm sendo intensamente investigadas sob a ótica da disbiose intestinal e da influência direta da sinalização serotoninérgica periférica.

A modulação da microbiota, por exemplo, através de suplementos probióticos, destinados a influenciar a saúde gastrointestinal, pode desempenhar um papel significativo no alívio de sintomas psiquiátricos, justamente por impactar essa comunicação bidirecional e a homeostase serotoninérgica
(Jach et al., 2023).

No TAG (Transtorno de Ansiedade Generlizada) a serotonina desempenha papel essencial na modulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela resposta ao estresse. Estudos indicam que a hipoatividade dos receptores 5-HT1A, sobretudo em regiões como o córtex pré-frontal e a amígdala, pode reduzir o controle inibitório sobre as respostas emocionais, exacerbando os sintomas de ansiedade.

A neurobiologia do TOC é complexa, mas há consenso de que a serotonina exerce papel crucial na modulação da circuitaria córtico-estriado-tálamo-cortical.

Alterações no transporte e na sensibilidade dos receptores 5-HT2A e 5-HT1B nessas áreas parecem estar envolvidas na manutenção do ciclo obsessivo-compulsivo (STEIN, 2009).

O transtorno bipolar é caracterizado por episódios alternados de depressão e mania ou hipomania. Durante as fases depressivas, observam-se baixos níveis de serotonina, semelhantes aos observados em pacientes com depressão unipolar. Por outro lado, episódios maníacos podem estar relacionados ao aumento da sensibilidade ou atividade dopaminérgica e serotoninérgica.

A manipulação da serotonina nesses casos exige cautela: embora ISRSs possam aliviar os sintomas depressivos, seu uso isolado pode precipitar fases maníacas. Por isso, são frequentemente utilizados em associação com estabilizadores de humor, como o lítio (COWEN, 2008).

Na esquizofrenia, embora o sistema dopaminérgico seja o mais frequentemente citado, a serotonina também participa da fisiopatologia da doença. A hiperatividade dos receptores 5-HT2A no córtex pré-frontal está associada a sintomas positivos, como alucinações e delírios.

Antipsicóticos atípicos, como a clozapina e a risperidona, atuam antagonizando esses receptores, o que contribui para uma melhor eficácia no controle dos sintomas, inclusive os negativos, como embotamento afetivo e retraimento social (MELTZER, 2004).

CONEXÃO ENTRE SEROTONINA, DEPRESSÃO E EIXO INTESTINO-CÉREBRO

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é uma condição de saúde mental complexa que afeta o humor, os pensamentos e o comportamento de uma pessoa, sendo considerada uma doença psiquiátrica comum que afeta milhões de pessoas em todo o mundo (WHO, 2023).

A depressão é uma doença mental que causa um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas afetadas e sua detecção pode ser difícil, já que os sintomas variam de pessoa para pessoa e os diagnósticos dependem da observação clínica e do histórico do paciente (WHO, 2023). 

De acordo com a teoria da depressão dos macrófagos, afirma-se que os desequilíbrios imunológicos e inflamatórios são os principais fatores que levam ao surgimento e/ou manutenção da depressão, onde o intestino exerceria o papel de ativação imune. Em conformidade com essa teoria, o eixo intestinocérebro possui uma comunicação bidirecional entre o sistema nervoso central (SNC), o entérico (SNE) e o sistema endócrino, conectando os centros emocionais e cognitivos do cérebro às funções intestinais periféricas.

A serotonina (5-HT) é um dos principais neurotransmissores envolvidos na regulação do humor, sono, apetite, memória e comportamento social. Sua deficiência ou disfunção nos mecanismos de sinalização tem sido amplamente associada à fisiopatologia da depressão, tanto por estudos clínicos quanto por modelos experimentais. Essa teoria, conhecida como hipótese monoaminérgica, é a base para o uso de antidepressivos como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), que aumentam a disponibilidade sináptica do neurotransmissor no sistema nervoso central.

Contudo, abordagens recentes vêm expandindo essa visão centralizada no cérebro para incluir a serotonina produzida no trato gastrointestinal. Como aproximadamente 90% da serotonina do organismo é sintetizada nas células enterocromafins do intestino, torna-se relevante investigar como alterações na produção periférica e na sinalização entérica podem impactar o humor e contribuir para o desenvolvimento de sintomas depressivos.

Estudos indicam que a disbiose intestinal, associada a dietas pobres em fibras e ricas em gordura e açúcares, pode comprometer a produção de serotonina, alterar a permeabilidade intestinal (“leaky gut”) e promover processos inflamatórios sistêmicos, os quais afetam diretamente o cérebro por meio de citocinas pró-inflamatórias e da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA). Esse cenário gera um estado de neuroinflamação e desequilíbrio nos sistemas serotoninérgicos centrais, favorecendo quadros depressivos.

Além disso, a menor disponibilidade de triptofano — precursor da serotonina — pode ocorrer em situações de estresse crônico, inflamação intestinal ou competição metabólica com a via da quinurenina, desviando o triptofano para outras rotas metabólicas e reduzindo a síntese de serotonina.

Nesse contexto, a depressão deixa de ser compreendida apenas como um distúrbio cerebral isolado e passa a ser vista como uma condição sistêmica, multifatorial, com influência direta da saúde intestinal. A modulação da microbiota por meio de alimentação funcional e uso de probióticos surge como uma estratégia promissora para restaurar o equilíbrio da serotonina entérica e, consequentemente, contribuir para a melhora do estado psicológico.

INTERFERÊNCIAS EXTERNAS: DIETA, MICROBIOTA E PROBIÓTICOS

A alimentação exerce influência direta sobre a composição e a funcionalidade da microbiota intestinal, sendo um dos principais fatores modificáveis relacionados à saúde mental. Isso ocorre devido ao mecanismo fisiopatológico dos transtornos psiquiátricos, indicando que os alimentos podem alterar os níveis dos marcadores inflamatórios, enquanto esses influenciarem o episódio depressivo. Outro componente da dieta que apresenta um possível efeito benéfico na microbiota intestinal e, consequentemente, nos quadros depressivos, são os probióticos. A produção de serotonina no trato gastrointestinal é fortemente influenciada por fatores externos, entre os quais se destacam a alimentação, o estado da microbiota intestinal e o uso de probióticos. Esses elementos desempenham papel essencial na regulação do metabolismo do triptofano, na sinalização neuroquímica e no equilíbrio do eixo intestino-cérebro, impactando diretamente a saúde mental.

Essa influência é explicada pela relação entre cérebro e intestino, na rede de comunicação entre esses dois órgãos, com impactos positivos ou negativos. Dietas ricas em fibras, frutas, vegetais e alimentos minimamente processados favorecem a diversidade microbiana e a produção de metabólitos benéficos, enquanto padrões alimentares inadequados podem contribuir para processos inflamatórios e disbiose intestinal.

A microbiota intestinal, por sua vez, atua como mediadora entre os nutrientes ingeridos e a produção de neurotransmissores, incluindo a serotonina. Ela desempenha um papel crucial na regulação dessa síntese. Estudos demonstram que bactérias comensais, como Candida, Enterococcus, Escherichia e Streptococcus, podem produzir serotonina ou modular sua produção pelas células ECs.

O equilíbrio desse ecossistema microbiano influencia a disponibilidade de triptofano, a integridade da barreira intestinal e a sinalização do eixo intestino-cérebro, impactando diretamente o humor e o comportamento.

Nesse contexto, os probióticos surgem como uma estratégia complementar promissora, uma vez que podem auxiliar na restauração do equilíbrio da microbiota intestinal e na modulação de vias neuroquímicas relacionadas à saúde mental.

A utilização de probióticos, associada a hábitos alimentares saudáveis, reforça a abordagem integrativa no cuidado dos transtornos psicológicos, ampliando as possibilidades terapêuticas além do foco exclusivo no sistema nervoso central (LIU; WALSH; SHEEHAN, 2019).

Além disso, os nutrientes presentes na dieta interagem diretamente com a microbiota e podem potencializar os efeitos dos probióticos na modulação do eixo intestino-cérebro. A Tabela 1, extraída de Viero et al. (2023), ilustra de forma clara a interação entre nutrientes, probióticos e seus possíveis efeitos sobre a saúde mental.

Tabela 1 - Extraída de viero et. al. (2023).

REFERÊNCIA E TIPO DE ESTUDO

RESULTADOS PRINCIPAIS

Reininghaus et al. (2020) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Suplementação de probióticos e vitamina B7 por 4 semanas apresentou efeito benéfico geral no tratamento clínico, com melhora na sintomatologia depressiva, regulação positiva do metabolismo da vitamina B7 e aumento de bactérias intestinais benéficas.

Tian et al. (2022) Ensaio clínico randomizado

Efeito do probiótico na microbiota intestinal e no metabolismo do triptofano demonstrou melhor efeito antidepressivo ao reduzir, significativamente, a produção de serotonina sérica.

Hulkkonen et al. (2021) Ensaio clínico randomizado

Sintomas depressivos e de ansiedade oscilaram durante a gravidez e o período pós-parto de 12 meses. A intervenção com probióticos e/ou óleo de peixe teve efeitos modestos nos sintomas de depressão.

Karakula-Juchnowicz et al. (2019) Ensaio clínico randomizado

Interação bidirecional entre dieta isenta de glúten e a microbiota, após 12 semanas de intervenção, sugerindo que a combinação dessa dieta com suplementação probiótica é essencial para a inibição da cascata imuno-inflamatória.

Schaub et al. (2022) Ensaio clínico randomizado

Tratamento probiótico complementar melhora os sintomas depressivos, junto com alterações na microbiota intestinal e no cérebro.

Chen et al. (2021) Ensaio randomizado, duplo-cego e controlado

Gravidade da depressão reduziu significativamente, mas sem alterações nos marcadores de inflamação e na composição da microbiota intestinal após intervenção com probiótico (Lactobacillus plantarum PS128).

Lee et al. (2021) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Suplementação com o probiótico NVP-1704 reduziu sintomas depressivos após 4 a 8 semanas de tratamento, com redução significativa da ansiedade a partir da 4ª semana.

Kim et al. (2021) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Idosos que consumiram probióticos tiveram maior melhora em testes de flexibilidade mental e redução do estresse, com aumento do nível sérico de BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro).

Raygan et al. (2018) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Co-suplemetação de vitamina D e probióticos por 12 semanas melhorou marcadores de saúde mental, sensibilidade sérica, óxido nítrico, capacidade antioxidante total e perfil lipídico.

Raygan; Ostadmohammadi; Asemi (2019) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Suplementação de probióticos e selênio em diabéticos com doença coronariana melhorou indicadores de saúde mental e perfis metabólicos, com impacto positivo na sensibilidade à insulina e perfil lipídico.

Jamilian et al. (2018) Ensaio clínico randomizado

Co-administração de probióticos e selênio por 12 semanas melhorou parâmetros de saúde mental, testosterona total, proteína C reativa, capacidade antioxidante e níveis de glutationa.

Ostadmohammadi et al. (2019) Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado

Co-administração de vitamina D e probióticos melhorou parâmetros de saúde mental, testosterona sérica, proteína C reativa e capacidade antioxidante.

Ustaloglu; Tek; Yildirim (2023) Ensaio clínico randomizado

Dieta baixa em FODMAP reduziu gravidade dos sintomas da síndrome do intestino irritável em mulheres, mas não houve benefício adicional com associação de dieta e probióticos.

Com base nesta tabela, foi considerado que a relação entre dieta, probióticos e saúde mental é multifatorial, envolvendo tanto aspectos nutricionais quanto a modulação da microbiota intestinal e do eixo intestino-cérebro. Os diferentes estudos mostraram que os probióticos podem reduzir sintomas depressivos, melhorar o metabolismo do triptofano, modular a resposta inflamatória sistêmica, e influenciar positivamente a expressão de neurotrofinas como o BDNF. Além disso, as cointervenções nutricionais, como a suplementação com selênio, vitamina D, e dietas específicas como a FODMAP, também apresentam influência significativa na microbiota e na resposta emocional e neuroendócrina.

Visando aprofundar essa análise foi feita a Tabela 2, que resume as principais classes de nutrientes dietéticos, suas fontes alimentares, os efeitos esperados na microbiota intestinal e as possíveis repercussões na saúde mental, com foco na produção e regulação da serotonina.

Tabela 2 - Principais classes de nutrientes dietéticos

NUTRIENTE

FONTE ALIMENTAR

EFEITO NA MICROBIOTA INTESTINAL

IMPACTO NA SAÚDE MENTAL

Triptofano

Carnes, ovos, produtos lácteos, grão de bico

Substrato para a produção de serotonina

Redução de sintomas depressivos

Ácidos graxos ômega-3

Peixes de água fria, linhaça, chia

Modulação da resposta inflamatória

Melhora de sintomas depressivos e de ansiedade

Polifenóis

Frutas, vegetais, chá verde, vinho tinto

Estímulo ao crescimento de bactérias benéficas

Redução da inflamação e melhora do humor

Fibras prebióticas

Frutas, vegetais, cereais integrais

Estímulo ao crescimento de bactérias produtoras de SCFA

Redução de inflamação e modulação do eixo intestino-cérebro

Probióticos (Lactobacillus, Bifidobacterium)

Iogurtes, leites fermentados, suplementos

Restauração do equilíbrio da microbiota

Modulação do eixo intestino-cérebro e redução de sintomas de depressão e ansiedade

A inclusão desses nutrientes na dieta, associada ao uso de probióticos, reforça a hipótese de que a modulação da microbiota pode ser uma intervenção adjuvante na prevenção e tratamento de transtornos mentais. A interação entre dieta, microbiota e eixo intestino-cérebro representa, portanto, um campo promissor para estratégias terapêuticas futuras.

A microbiota intestinal saudável, composta por trilhões de microrganismos simbióticos, é essencial para a homeostase do sistema gastrointestinal e do eixo intestino-cérebro. Diversas espécies bacterianas são capazes de produzir neurotransmissores, inclusive precursores da serotonina, como o 5-HTP, e de modular a expressão da enzima TPH1 nas células enterocromafins.A disbiose — desequilíbrio na composição da microbiota — tem sido amplamente associada ao agravamento de quadros de ansiedade e depressão. Esse desequilíbrio altera a sinalização entérica, aumenta a permeabilidade intestinal e favorece a translocação de endotoxinas para a circulação sistêmica, ativando vias inflamatórias que interferem negativamente na neurotransmissão serotoninérgica.

Estudos clínicos mostram que cepas como Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus plantarum, Bifidobacteriumlongum e Bifidobacteriumbifidum são capazes de regular a expressão da enzima triptofano hidroxilase 1 (TPH1), aumentando a produção de serotonina entérica. Além disso, essas cepas promovem a fermentação de fibras alimentares em ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), como o butirato, que são essenciais para a integridade da mucosa intestinal e para a comunicação com o sistema nervoso central.

A literatura atual reforça que o uso contínuo e direcionado desses probióticos pode ajudar a restaurar a homeostase intestinal, reduzir a neuroinflamação e, consequentemente, modular a produção e sinalização da serotonina — gerando um impacto significativo sobre a saúde mental. Entretanto, é importante que o uso seja orientado por um profissional capacitado, uma vez que os efeitos são cepa-dependentes e variam conforme o estado clínico de cada indivíduo.

Portanto, estratégias que envolvem alimentação saudável, rica em fibras, compostos prebióticos e suplementação com probióticos específicos representam abordagens integrativas promissoras no suporte ao tratamento de distúrbios depressivos, especialmente aqueles com base inflamatória e gastrointestinal.

A compreensão do papel da serotonina gastrointestinal e da microbiota abre novas fronteiras para intervenções terapêuticas. A alimentação e o uso de probióticos emergem como moduladores potentes. Dietas ricas em triptofano e carboidratos complexos podem otimizar a síntese de serotonina, enquanto dietas inflamatórias — ricas em gordura saturada e ultraprocessados — são associadas à disbiose e à redução da serotonina entérica (HAGHIGHATDOOST et al., 2019).

A literatura reforça que os psicobióticos, como Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus plantarum e Bifidobacterium longum, têm o potencial de regular a expressão da TPH1, aumentando a produção de serotonina entérica e fermentando fibras em ácidos graxos de cadeia curta (MINAYO; MIRANDA; TELHADO, 2021). Embora os tratamentos farmacêuticos tradicionais para depressão e ansiedade apresentem efeitos colaterais (HERNANDEZ-BARRUETA, 2022), a suplementação com probióticos específicos, como Probians e Bifilac, demonstra ser uma abordagem complementar promissora para melhorar o bem-estar mental, atuando na restauração da homeostase intestinal e na redução da neuroinflamação (LIU; WALSH; SHEEHAN, 2019). 

A eficácia desses compostos, no entanto, é cepa-dependente e varia individualmente, ressaltando a necessidade de orientação profissional.

CONCLUSÃO

A presente revisão evidenciou que a serotonina produzida no trato gastrointestinal exerce papel central na comunicação entre intestino e cérebro, influenciando diretamente a saúde mental. Os achados demonstram que fatores como alimentação, composição da microbiota intestinal e uso de probióticos interferem na disponibilidade de triptofano, na síntese de serotonina e na modulação de processos inflamatórios associados à depressão e a outros transtornos psicológicos. Dessa forma, a compreensão da depressão como uma condição multifatorial amplia as possibilidades terapêuticas, indicando que estratégias integrativas voltadas à saúde intestinal podem atuar como abordagens complementares relevantes no cuidado em saúde mental. Novos estudos clínicos são necessários para aprofundar essa relação e orientar aplicações terapêuticas mais específicas.

Apesar dos avanços significativos, o campo de estudo do eixo intestino-cérebro e sua relação com a serotonina apresenta limitações notáveis. Muitos estudos, embora promissores, são ainda de natureza correlacional, dificultando a inferência de causalidade direta entre alterações na microbiota, produção de serotonina intestinal e o desenvolvimento de transtornos psicológicos. 

Há uma necessidade premente de mais ensaios clínicos randomizados, controlados e com amostras maiores em seres humanos para consolidar esses achados e desenvolver intervenções mais precisas. Além disso, a complexidade da microbiota individual e as múltiplas vias de comunicação do eixo intestino-cérebro exigem metodologias mais robustas para isolar e compreender os mecanismos específicos em jogo. Futuras pesquisas poderiam focar na padronização de cepas probióticas e suas dosagens, além de investigar o impacto de intervenções dietéticas personalizadas na modulação da serotonina periférica.

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1 Discente do Curso Superior de Farmácia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP-Cruzeiro do Sul)

2 Orientador Docente do Curso Superior de Farmácia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP-Cruzeiro do Sul