SEQUELA CRISTI
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REGISTRO DOI: 10.29327/7338897
Alessander Carregari Capalbo1
RESUMO
O presente artigo acadêmico propõe-se a explorar o tema da “Sequela Christi” - literalmente, o "Seguir a Cristo" - através de uma abordagem multifacetada que interliga as Sagradas Escrituras e as interpretações de teólogos eminentes. Esta análise visa aprofundar a compreensão do conjunto de ensinamentos de Jesus Cristo, que, conforme postulado, lança luz sobre a essência da existência humana. O foco central do estudo é a autoridade singular de Cristo, caracterizada por uma notável simplicidade e manifestada na relação íntima entre Cristo e o Pai. O artigo dá especial atenção à predileção de Cristo pelos pobres e pelos pecadores, bem como à sua ênfase na humildade e na rejeição de honrarias e prestígios por parte de seus discípulos. Este aspecto é explorado à luz do ensino e do exemplo de Cristo, destacando a novidade radical trazida pela Encarnação. A análise distingue a sequela de Cristo do discipulado rabínico tradicional, evidenciando as características únicas do seguimento cristão. Além disso, o estudo se atualiza ao incorporar as reflexões e ensinamentos dos três últimos papas sobre o seguimento de Cristo. Essa dimensão contemporânea visa enriquecer a compreensão do tema, integrando as perspectivas atuais da liderança da Igreja Católica. O objetivo é oferecer uma visão abrangente e atualizada sobre o que significa seguir a Cristo no contexto contemporâneo, refletindo sobre como essas ideias e ensinamentos continuam relevantes e transformadores na vida dos fiéis no mundo moderno. Em suma, o artigo busca contribuir para o diálogo teológico e espiritual, fornecendo uma análise detalhada e contextualizada da sequela de Cristo, com o intuito de aprofundar a compreensão dos fiéis sobre os ensinamentos de Jesus e sua aplicação na vida cotidiana. Ao fazer isso, espera-se que o estudo ofereça uma perspectiva renovada e enriquecedora sobre o seguimento de Cristo, incentivando uma vivência mais profunda da fé cristã.
Palavras-chave: Teologia. Sequela Crist. Ensinamento Cristão.
ABSTRACT
The present academic article aims to explore the theme of "Sequela Christi" – literally, "Following Christ" – through a multifaceted approach that intertwines the Holy Scriptures and the interpretations of eminent theologians. This analysis seeks to deepen the understanding of the collective teachings of Jesus Christ, which, as postulated, shed light on the essence of human existence. The central focus of the study is the unique authority of Christ, characterized by remarkable simplicity and manifested in the intimate relationship between Christ and the Father. The article pays special attention to Christ's predilection for the poor and sinners, as well as His emphasis on humility and the rejection of honors and prestige by His disciples. This aspect is explored in the light of Christ's teaching and example, highlighting the radical novelty introduced by the Incarnation. The analysis distinguishes the sequela of Christ from traditional rabbinic discipleship, underscoring the unique characteristics of Christian following. Furthermore, the study is updated by incorporating the reflections and teachings of the last three popes on following Christ. This contemporary dimension aims to enrich the understanding of the theme, integrating the current perspectives of the leadership of the Catholic Church. The goal is to provide a comprehensive and updated view of what it means to follow Christ in the contemporary context, reflecting on how these ideas and teachings remain relevant and transformative in the lives of the faithful in the modern world. In summary, the article seeks to contribute to theological and spiritual dialogue, providing a detailed and contextualized analysis of the sequela of Christ, with the intention of deepening the faithful's understanding of Jesus' teachings and their application in daily life. By doing so, it is hoped that the study will offer a renewed and enriching perspective on following Christ, encouraging a deeper living of the Christian faith.
Keywords: Theology, Sequela Christi, Christian Teaching.
INTRODUÇÃO
O presente escrito se propõe, como objetivo principal, empreender uma análise profunda acerca do ensinamento e do modus operandi adotado por Jesus em suas oratórias e preleções. O compêndio de ensinamentos promulgados por Jesus irradia uma luz fulgurante sobre a totalidade da existência humana. Conquanto seja manifesta a prerrogativa de que Jesus, em sua essência, não se caracteriza eminentemente como um "moralista", sua encarnação traz à tona uma nova modalidade existencial que surge a partir de sua própria pessoa. Por intermédio de Cristo, o ser humano é instado e interpelado a adotar um novo paradigma existencial. Os princípios morais embutidos nas pregações de Jesus emitem-se de suas próprias demandas, visto que Jesus não apenas revela o enigma de Deus, mas também exige que seus seguidores vivam à semelhança de sua própria existência. Uma dessas imperativas consiste na renúncia a todas as formas de idolatria, inclusive à própria vida.
De forma abrangente, é perceptível que uma parcela substancial de nossa sociedade não atribui a devida seriedade à mensagem de Jesus. Naturalmente, há exceções, porém, no cotidiano, é possível constatar uma realidade que destoa consideravelmente daquilo que Jesus pregou e vivenciou: não amamos nossos inimigos, não apresentamos a outra face àqueles que nos causam malevolência, não perdoamos setenta vezes sete, replicamos aqueles que nos afrontam, relutamos em compartilhar com os necessitados, hesitamos em depositar plena confiança em Deus, e assim poderíamos enumerar uma série de preceitos transmitidos por Cristo que, lamentavelmente, parecem distantes da vida que optamos por adotar. Não obstante, continuamos a nos autodenominar cristãos. Entretanto, questiona-se: cristãos em que medida?
O cristianismo, nos tempos atuais, está sujeito a uma séria ameaça de ser confundido, identificado e reduzido a uma mera insígnia ideológica e política. Políticos e mesmo inúmeros líderes religiosos confundem os valores cristãos, tais como a família, relações heterossexuais, moralidade sexual em sua generalidade, liberdade de consciência e expressão, com o cristianismo, com o Evangelho. Para ser francamente claro, nem é necessário ser cristão para defender tais valores. Muçulmanos, judeus e até mesmo ateus podem fazê-lo e, com frequência, o fazem sem a exacerbação presente em alguns que se autodenominam cristãos ou evangélicos.
O cristianismo perde grande parte de sua essência e razão de ser quando reduz seu conteúdo e agenda à defesa apaixonada de bandeiras de qualquer natureza, seja em prol dos pobres, dos marginalizados ou das minorias, como se observa na Teologia da Libertação e, em certa medida, em outras teologias. Posturas extremamente à direita, alicerçadas nos mencionados "valores", ou à esquerda, como nas mencionadas "bandeiras", diminuem o cristianismo, relegando-o a uma mera ideologia. Contudo, existe também o perigo real de uma ortodoxia petrificada, fossilizada e atomizada na forma de doutrinas, proposições e discursos sistematizados. Este é o risco de reduzir o cristianismo a meros silogismos, a ideias, palavras e conceitos teológicos e filosóficos.
O cristianismo é, antes de tudo, uma experiência pessoal, um encontro genuíno e verdadeiro com a figura de Jesus Cristo. As páginas do Novo Testamento, especialmente os Evangelhos, transbordam com esses encontros arrebatadores, de cunho transformador, entre pecadores e Jesus Cristo, encontros que, com frequência, escapam à lógica humana e para os quais, em grande parte, nenhum preparo foi realizado. Em João 1,37ss, temos o primordial encontro de Jesus com aqueles que se tornariam seus discípulos. Foram visitar a morada de Jesus e permaneceram com ele ao longo daquele dia. Esse encontro foi tão impactante que João registrou até mesmo a hora precisa: "eram mais ou menos quatro horas da tarde" (v.39). A partir desse encontro e do tempo compartilhado com Jesus, uma profunda transformação se operou na vida daqueles homens, a ponto de abandonarem seu modo de vida anterior e adotarem, junto a Jesus, um processo de aquisição de novos hábitos, uma nova visão de mundo e uma abordagem inédita em relação ao sentido da vida e às interações humanas.
Talvez a indagação apresentada neste escrito possa, à primeira vista, ser percebida como uma afronta ou desafio à nossa existência, porém, quando se compreende que essa realidade se enraizou profundamente em nosso interior, surgem as tentativas de aplacar nossa consciência perante Deus e a sociedade: "Eu não sou santo". "Eu não sou Cristo". "Sou demasiadamente fraco". "Isso não é aplicável a todos". E assim se sucedem uma série de justificativas que nos permitem continuar a viver o cristianismo à nossa própria maneira. Nesta breve exposição, será fundamentado o ensinamento de Jesus, seu modo de vida e a singularidade de seu discipulado, que, substancialmente, se diferencia do discipulado rabínico.2
Jesus convoca todas as pessoas, sem distinção, a viverem em comunhão com Ele, a participarem de seu destino (paixão, morte, ressurreição e glorificação) e, enfim, a se configurarem com sua própria pessoa. O epicentro desse chamado é, indubitavelmente, a própria figura de Cristo, que não apenas aponta o caminho para Deus, mas Ele mesmo se torna o caminho, a verdade e a vida; com Sua pessoa, chega o Reino de Deus. O chamado de Cristo é radical, pertinente e irrevogável. O presente escrito objetivou um estudo acerca da "Sequela de Cristo", ou seja, a "Seguimento de Cristo", fundamentado nas Sagradas Escrituras e em diversos escritos de teólogos notáveis que embasaram suas análises sobre o tema do Discipulado de Cristo e as mudanças que esse discipulado provoca na vida humana.
A problemática central se concentra em diversas questões pertinentes, tendo como ponto de partida uma análise histórica da evolução do seguimento de Cristo como uma "Vida Nova". Trata-se de um tema recorrentemente debatido, porém, é imperativo direcionar este estudo ao núcleo da mensagem do Filho de Deus. Estar em comunhão com Cristo implica em "ser co-herdeiro" e "compartilhar da glória com Ele", o que corresponde a "sofrer com Ele" (Rm 8,17), uma promessa escatológica que parece, em tempos recentes, ter sido relegada a segundo plano na teologia. Cristo não promete felicidade neste mundo, nem garantias, nem honrarias, mas sim uma vida que provém Dele: "Se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele" (Rm 6,8). O presente estudo visa levantar uma ampla gama de posicionamentos sobre o tema e evidenciar a novidade trazida por Cristo. As questões suscitadas nos convidam a buscar respostas embasadas nas Sagradas Escrituras, na fé da Igreja Primitiva e, inegavelmente, na tradição transmitida por inúmeros padres e Santos.3
Seguir a Cristo implica compartilhar a vida com Ele. Será que isso é viável nos dias atuais? Diante da secularização galopante que afeta as nações mais desenvolvidas e que, sem dúvida, está se espalhando por toda a parte de forma avassaladora, não seria um seguimento radical a Jesus, uma resposta à falta de sentido enfrentada pelo homem moderno? Talvez seja o momento oportuno de cessar a busca por soluções na política, no dinheiro, no sucesso, no status, e encontrar aquele que pode verdadeiramente resolver o problema fundamental que aflige o ser humano contemporâneo. Qual é o sentido da existência humana?
A partir dessas indagações, é possível empreender uma análise mais aprofundada sobre o ensinamento e o estilo de Jesus em suas pregações. Enquanto os profetas, ao transmitirem uma mensagem divina, proclamavam: "Assim fala Iahweh", Jesus, por sua vez, adotava uma abordagem distinta, afirmando: "Em verdade, em verdade vos digo". Nem na literatura profética, nem na literatura rabínica encontramos essa maneira peculiar de expressão. Nessa compreensão do texto, emerge a singular autoridade de Cristo, que se associa à simplicidade de sua relação com o Pai, bem como à sua escolha de acolher os pobres e os pecadores, além de sua declaração de que o discípulo não deve buscar honrarias ou prestígio. Assim, o cerne da mensagem de Jesus é resumido em sua afirmação: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus já chegou" (Mc 2,10). Jesus está ciente de que, com Ele, chega o Reino; o trabalho dos doze apóstolos e o significado dessa escolha, que impacta a vontade de Cristo de reunir um novo povo messiânico ao seu redor, são questões que demandam uma investigação aprofundada. Nesse contexto, é crucial fundamentar o ensinamento de Cristo e a inovação que Ele trouxe com sua Encarnação, diferenciando-a de forma substancial do entendimento do seguimento no contexto rabínico. Através de Jesus, o ser humano é chamado e desafiado a adotar um novo estilo de vida. As exigências morais contidas nas pregações de Jesus sugerem transformações significativas na vida do indivíduo. Quais seriam essas exigências? O que implica o abandono de todas as coisas, inclusive da própria vida? Essas são questões que merecem análises e reflexões mais aprofundadas.
O ENSINAMENTO E O ESTILO DE JESUS
As palavras proferidas por Cristo possuem invariavelmente um caráter de urgência, um chamado de natureza final e definitiva que transcende os limites do efêmero. "Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la" (Mateus 10,39), proclama com ênfase, delineando uma mensagem cuja importância transcende o tempo e a efemeridade da existência humana. Ao longo de seu ministério terreno, Jesus não apenas ensinou com autoridade, mas também confundiu as multidões com sua doutrina, uma doutrina que se destacava por sua autenticidade e originalidade, em contrapartida à abordagem dos escribas.
A análise cuidadosa do discurso de Jesus revela uma distinção notável em relação aos profetas do Antigo Testamento, que, ao transmitirem uma mensagem divina, solenemente proclamavam: "Assim fala Iahweh.". Em contraste, Jesus emprega uma formulação singular, proferindo: "Em verdade eu vos digo", um modus operandi discursivo que destoa tanto da literatura profética quanto da tradição rabínica.
O uso dessa fórmula, por parte de Jesus, não é trivial. Ele fala em seu próprio nome, estabelecendo sua palavra como detentora da autoridade que equipara à própria Torah, a Lei judaica: "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão." Ademais, a maneira única pela qual Jesus aborda a Lei, como evidenciado por seu discurso, "Ouvistes o que foi dito..., porém eu vos digo" (Mateus 5,21ss), demonstra uma autoridade que emerge de sua própria identidade e missão.
O ensinamento de Jesus transcende a mera interpretação da Lei e da tradição, indo além ao fundamentar-se nele mesmo. Ele rompe com as convenções e as expectativas, desafiando seus contemporâneos a repensar as normas estabelecidas: "Ouvistes que foi dito... Eu, porém, vos digo..." (Mateus 5,25ss). A doutrina de Jesus é marcada por sua singularidade, representando um paradigma completamente novo e uma abordagem que constitui uma totalidade em si mesma.
A autoridade de Jesus é ainda mais evidente quando se observa sua completa dedicação à sua missão. Sua clareza em relação a seu propósito é inabalável: "Eu vim trazer fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso!" (Lucas 12,49). Jesus não se desvia de seu caminho, mesmo quando confrontado com adversidades. Sua firmeza é evidenciada quando repreende Pedro, dizendo: "Afasta-te de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!" (Mateus 16,23).
Numerosos episódios no Novo Testamento atestam o poder transformador do encontro pessoal com Jesus. A mulher samaritana (João 4), a adúltera (João 8), o publicano (Mateus 9) e inúmeras outras pessoas afligidas por cegueira, paralisia, possessão demoníaca e lepra foram profundamente tocadas por sua presença. O encontro com Jesus transcende as barreiras sociais e culturais, impactando tanto os fariseus quanto os líderes políticos da época, como Herodes e Pilatos. O encontro mais notável e dramático do Novo Testamento é o de Saulo de Tarso, cuja conversão radical é um exemplo emblemático do poder transformador de Cristo.
No entanto, é importante ressaltar que esse encontro não é puramente místico; ele exige uma resposta prática. Quem encontra Jesus ouve, acata e põe em prática seus ensinamentos. A afirmação de Jesus, "Ninguém pode dizer que me conhece e que me ama, se não guarda os meus mandamentos" (João 14,21), destaca a necessidade de uma resposta ativa à sua mensagem.
Pertencer a Jesus e ser considerado parte de sua família requer a prática de sua palavra. O encontro com Cristo não apenas nos molda, mas nos impele a imitá-lo. Como evidenciado pelo episódio em que Pedro nega conhecer Jesus antes de seu julgamento (Mateus 26,69-73), a identificação com Cristo implica em um modo de vida que reflete seu caráter e seus ensinamentos.
A autoridade inerente a Jesus provém do fato de que Ele exige tudo de seus seguidores. O encontro com Jesus frequentemente provoca uma comoção profunda, levando à reflexão e à renúncia de seguranças e certezas humanas. Jesus desafiou o jovem rico a vender tudo o que tinha e dar aos pobres (Marcos 10,17-22), demonstrando a natureza radical de seu chamado.
Em resumo, o encontro com Jesus é um evento que transcende o efêmero e exige uma resposta prática. Sua autoridade e clareza em relação à missão se destacam, moldando a vida daqueles que têm a honra de encontrá-lo. As palavras e os ensinamentos de Jesus constituem um chamado peremptório que continua a ressoar ao longo da história, desafiando aqueles que o ouvem a seguir seu exemplo e praticar seus mandamentos.
Na encíclica Veritatis Splendor o papa João Paulo II afirma:
É o próprio Jesus que toma a iniciativa, chamando para ‘O seguir’. O apelo é feito, antes de mais, àqueles a quem Ele confia uma missão particular, a começar pelos Doze; mas vê-se claramente também que ser discípulo de Cristo é a condição de todo o crente (cf. At 6, 1). Por isso, seguir Cristo é o fundamento essencial e original da moral cristã: como o povo de Israel seguia Deus que o conduzia no deserto rumo à Terra Prometida (cf. Ex 13, 21), assim o discípulo deve seguir Jesus, para o Qual é atraído pelo próprio Pai (cf. Jo 6, 44).
Aqui não se trata apenas de dispor-se a ouvir um ensinamento e de acolher na obediência um mandamento. Trata-se de aderir à própria pessoa de Cristo, de compartilhar a sua vida e o seu destino, de participar da sua obediência livre e amorosa à vontade do Pai.
O que suscita admirável espanto ao se contemplar a figura de Cristo reside na perfeita harmonização entre sua singular autoridade e uma notável simplicidade de caráter.
Este fenômeno não pode ser dissociado do profundo conhecimento que Ele detém de seu Pai e da relação intrínseca que mantém com a Divindade, como proclamado solenemente nas Escrituras: "Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mateus 11,27). Este versículo ressoa como uma chave para compreender a íntima ligação entre a autoridade divina de Cristo e sua simplicidade de espírito.
A existência terrena de Jesus se destaca como um luminoso exemplo de despojamento e entrega incondicional à providência divina, e esse atributo da simplicidade emerge com clareza incontestável: "As raposas têm tocas e às aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mateus 8,20). Sua vida, desprovida de apegos mundanos, transmite uma mensagem de renúncia e confiança na provisão celestial.
A abordagem de Jesus ao ensino é notável em sua humildade, caracterizando-se por uma linguagem acessível e direta que alcança a compreensão de todas as camadas da sociedade. A escolha de pescadores simples como discípulos ressalta sua renúncia ao prestígio e à honra mundanos. Em face da presunção dos fariseus, Jesus insta: "Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo" (Mateus 20:26-27). Esta postura de servidão como virtude elevada é exemplificada por Jesus em suas ações e palavras.
O que verdadeiramente cativa a atenção é a serenidade e o amor que permeiam as interações de Jesus com seus adversários. Na última ceia, apesar de estar ciente da traição de Judas, Ele se expressa de maneira sóbria, anunciando simplesmente: "Um de vós me entregará" (Mateus 14,18). Essa atitude reflete uma compreensão profunda e uma aceitação serena da trama que se desenrolava ao seu redor.
Notável também é o comprometimento de Jesus com a verdade, um compromisso que se manifesta como um autêntico culto à verdade. Sua vida encarna a busca inabalável pela verdade e a sua comunicação com o mundo revela uma dedicação incondicional à veracidade. Seu exemplo e ensinamentos instilam a importância de se pautar na verdade em todos os aspectos da vida.
Assim, a autoridade singular de Cristo, aliada à sua simplicidade e humildade, emerge como uma característica marcante de sua personalidade, sustentada por seu profundo conhecimento divino e sua relação íntima com o Pai. Sua vida e ensinamentos ressoam como um chamado à renúncia do mundo material, à humildade e ao compromisso com a verdade, destacando a singularidade de sua mensagem e exemplo. Pedro recordará que jamais encontrou mentira (1Pd 2,2), mas o inaudito é que seus inimigos reconhecem que Jesus defende a verdade. Jesus combatia a hipocrisia, a mentira e a simulação, podemos ver essa realidade no Capítulo 23 do evangelho de São Mateus4.
“Jesus ensina a seus discípulos ao amor incondicional à verdade: ‘Seja vosso sim, sim, e o vosso não, não.’ (Mt 5,37). Em Jesus Cristo a verdade de Deus se manifestou em plenitude. ‘Cheio de graça e de verdade’ (Jo 1,14), Ele é a ‘luz do mundo’ (Jo 8,12), a ‘Verdade’ (Jo 14,6). Aqueles que creem em Jesus, não permanecem nas trevas. O discípulo de Jesus ‘permanece em sua palavra’. Seguir a Jesus é viver do ‘Espírito da verdade’ (Jo 14,17)” (CEC 2466).
Jesus vivia no meio das crianças, dos enfermos, dos pobres e pecadores, até o ponto de provocar escândalo nos fariseus e doutores da lei, portanto, Jesus tem um estilo próprio diferente dos fariseus e dos rabinos da época. Sua pregação leva as pessoas a experimentarem o amor e a misericórdia, e propõe uma nova forma de vida e de valores.
Centro da sua mensagem
Jesus começou a sua missão proclamando: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”. (Mc 1,15).
Segundo os evangelhos, a mensagem de Jesus coincide com a mensagem de João Batista. Parece que o núcleo fundamental do seu anuncio é a conversão necessária, pois esse é o momento de Deus. A fé como aceitação da Boa Notícia equivale a realidade desta conversão, que é uma mudança radical de atitudes.
Ao longo da sua vida, Jesus insiste na necessidade e na urgência da conversão: "Não, eu vos digo; todavia, se não vos arrependerdes, parecereis todos do mesmo modo”.(Lc 13,3).
“Jesus chama os pecadores ao banquete do Reino: ‘Eu não vim chamar justos, mas pecadores’ (Mc 2,17). Convida-os a conversão, sem a qual não é possível entrar no Reino, mas ao mesmo tempo mostra a sua misericórdia sem limite (Cf. Lc 15,11-32) e a imensa pela conversão dos pecadores (Lc 15,7). A prova suprema deste amor será o sacrifício de sua própria vida ‘para remissão dos pecados’ (Mt 26,28)”. CEC 545
Jesus tem de tal modo a consciência de que com ele chega o reino, que a salvação e o perdão dos pecados os conferem em nome próprio (Mc 2,10), atribuindo a si mesmo um poder divino que nem a apocalíptica judaica havia atribuído ao Filho do Homem. Cristo não só anuncia o perdão de Deus, mas ele mesmo é o perdão de Deus em pessoa, a salvação mesma de Deus que chega aos homens.5
A consciência que tem Jesus de ser em pessoa o reino fica mais clara, quando ele mesmo se coloca como centro de sua própria mensagem. Jesus não se limita a indicar o caminho para chegar a Deus, mas ele simplesmente ocupa o lugar de Deus e da Torah. O caminho do evangelho não é um conjunto de princípios, ou uma vida espiritual. O caminho é a pessoa de Jesus e a novidade é esta: "Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviastes, Jesus Cristo”. (Jo 17,3).
Para salvar-se é preciso acolhê-lo: "Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de meu Pai que está nos céus”. (Mt 10,32-33).
“O discípulo de Cristo não deve só guardar a fé e viver dela, mas também testemunhá-la com firmeza e difundi-la: ‘Todos vivam preparados para confessar a Cristo diante dos homens e segui-lo pelo caminho da cruz, em meio às perseguições que nunca faltam na Igreja’. O serviço e os testemunhos da fé são requeridos para a salvação: ‘Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus...’ (Mt 10, 32- 33)” (CEC 1816).
A exigência de Jesus não é uma exigência intelectual, mas têm como conteúdo a sua própria pessoa. Trata-se de um seguimento que consiste em confessar Jesus como centro mesmo da existência humana. Por isso mesmo que neste seguir a Cristo implica a negação de si mesmo. Estas são as palavras de Cristo: "Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la”. (Mt 10,39)6.
“Os seguidores de Cristo chamados por Deus não em razão de suas obras, mas, em virtude do desígnio e graça divina e justificados no Senhor Jesus, foram feitos pelo batismo, sacramento da fé, verdadeiros filhos de Deus e partícipes da divina natureza. Em consequência é necessário que com a ajuda de Deus conservem e aperfeiçoem na sua vida a santificação que receberam. O apóstolo admoesta a viver ‘como convém aos santos’ (Ef 5,3), e como ‘eleitos de Deus, santos e amados...’ (Cl 3,12). Portanto, é claro que todos os fiéis de qualquer estado e condição são chamados a plenitude da vida cristã”. (Exortação Apostólica Christifideles laici 10-13).
Diante de Jesus não é possível ambiguidades: Quem não está a meu favor, está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa." (Mt 12,30). Portanto o centro do ensinamento de Cristo se encontra na proclamação do Senhorio de Deus, ou em outras palavras do Reino dos céus ou Reino do Pai, que acontece através de suas palavras e obras. Sua mensagem poderá ser denominada justamente o "Evangelho do Reino", um Reino cuja chegada desvela o amor e a misericórdia do Pai, ligado a sua própria pessoa e a sua relação intima e filial com Deus7. A fé nesse Reino que Cristo mesmo inaugurou e representa, constitui uma exigência irrenunciável do chamado a segui-lo. Sua missão da início de maneira eloqüente com estas palavras: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15).
“O Reino dos céus foi inaugurado na terra por Cristo. ‘Se manifesta aos homens pelas palavras, por suas obras e pela presença de Cristo’ (LG 5). A Igreja é germe e o começo deste Reino”. CEC 567
CHAMADO DE CRISTO
É incontestável que a convocação para empreender o seguimento de Cristo não se circunscreve exclusivamente à esfera dos apóstolos. Na verdade, observamos que até mesmo as multidões manifestavam o interesse em "seguir" Cristo, embora seja imperativo ressaltar que tal intento assumia uma conotação distinta e menos abrangente do que o chamado dirigido aos discípulos. Nesse contexto, torna-se evidentemente patente o emprego de expressões linguísticas análogas para designar realidades intrinsecamente díspares.
De início, o convite à união com Cristo era amplamente dirigido ao público em geral. Todavia, em um estágio subsequente de seu ministério, Ele procedeu a um chamamento específico a alguns indivíduos, convocando-os a uma forma de seguimento mais íntimo e aprofundado. Esses escolhidos, por sua vez, foram investidos com a responsabilidade de se tornarem mensageiros e colaboradores diretos na execução de Sua divina missão.
Este fenômeno, amplamente documentado nas Sagradas Escrituras e em obras teológicas relevantes, desvela a multifacetada natureza do chamado de Cristo e a diversidade de seus seguidores. As implicações dessa diferenciação na dinâmica do seguimento cristão e na propagação do Evangelho merecem ser analisadas minuciosamente, uma vez que lançam luz sobre a complexidade e riqueza das relações entre Cristo e aqueles que decidem segui-Lo, sejam eles parte das multidões que O seguiam de longe ou discípulos escolhidos para uma comunhão mais profunda com o Mestre. Portanto, este fenômeno instiga uma profunda reflexão sobre a pluralidade de vocações dentro do contexto do Cristianismo e suas implicações para a missão da Igreja.
Escolha dos Doze
Um fato que não se pode esquecer e que afeta a vontade de Cristo de reunir em torno a si um novo povo messiânico é a instituição dos doze. Pode-se ver isso no evangelho de Marcos: "Depois subiu à montanha, e chamou a si os que ele queria, e eles foram até ele. E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar..." (Mc 3,13-19).
É um grupo que se encontra nos evangelhos, um grupo que Jesus convive permanentemente (para que ficassem com ele) e que Jesus instrui de uma forma particular. Os rabinos em certo sentido, também eram rodeados de discípulos, mas no caso dos discípulos de Jesus aparecem características próprias do discipulado8:
No caso dos discípulos, não são eles que escolhem a Jesus, mas Cristo que faz a escolha;
O centro do ensinamento não é a Torah (Lei), mas o reino que se identifica com a pessoa mesma de Cristo;
Nas escolas rabínicas o discípulo quando aprendia já não seguia mais o seu mestre. Os discípulos de Cristo ficam sempre juntos com o seu Mestre.
Qual é então a missão dos discípulos?
Jesus é o enviado do Pai, que envia os discípulos a continuarem a sua própria missão, até a consumação dos séculos. Jesus é o grande enviado do Pai para realizar a obra salvífica: "Eu te glorifiquei na terra, conclui a obra que me encarregaste de realizar" (Jo 17,4)9.
Os discípulos são enviados de Cristo. São enviados por Cristo para continuar sua missão: "Como o Pai me enviou também eu vos envio" (Jo 20,21b). Em uma palavra, os discípulos participam da mesma missão de Cristo e recebem o encargo de continuar essa obra na terra;
O mesmo poder que Cristo possui transmite aos seus discípulos. O poder de expulsar demônios; o poder que lhe foi dado pelo seu Pai: "Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue" (Mt 28,18b). Por isso, para garantir sua missão lhes promete sua presença eficaz ate a consumação dos tempos.
Por isso, quando Cristo depois da ressurreição entrega sua missão definitiva, sopra sobre eles significando assim a transmissão do Espírito Santo que lhes consagra: "Como o Pai me enviou também eu vos envio. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos" (Jo 20,22b-23)10.. Esta continuidade da missão de Cristo tem uma raiz sacramental: "Como tu me enviastes ao mundo, também eu os enviei ao mundo" (Jo 17,18). A missão dos apóstolos é participação da missão de Cristo, participação dos seus próprios poderes:
É uma participação do ministério profético de Cristo, na missão e na pregação: "Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as ações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei, E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mt 28,18b-20);
Os apóstolos participam da autoridade de Cristo para reger a Igreja, pois, Jesus deixa os seus como vigários. Com efeito, não se trata simplesmente de transmitir uma doutrina como faziam os rabinos, mas uma vida; uma vida que se configura pela adesão a pessoa de Cristo, uma vida que se transmite pelos sacramentos.
“Esta presença misteriosa, mas real de Jesus nos sacramentos é o cumprimento de suas palavras alentadoras a seguir-lhe: "Meu julgo é suave e a minha carga leve" (Mt 11,30). Esse mesmo alento experimenta São Paulo quando afirma: "Tudo posso naquele que me conforta" (Fl 4,13), pois com "a força de Cristo"... "Pois quando sou fraco, então é que sou forte" (2Cor 12,10b)11
Assim como Jesus disse aos seus discípulos: "Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu" (Mt 18,18).
"Cristo depois de sua ressurreição, enviou seus apóstolos a pregar em seu nome a conversão para o perdão dos pecados a todos as nações. Este mistério da reconciliação não foi cumprido pelos apóstolos somente anunciando aos homens o perdão dos pecados e chamando a conversão, mas, comunicando também a remissão dos pecados pelo batismo e reconciliando-nos com Deus e com a Igreja, graças o poder das chaves recebido de Cristo" (CEC 981).
Os apóstolos, enquanto discípulos privilegiados de Cristo, desempenharam um papel singular ao participarem ativamente da missão sacerdotal de Cristo. Neste contexto, torna-se imperativo destacar o fato de que o próprio Cristo conferiu aos seus discípulos a concessão do poder de absolver pecados. Tal prerrogativa implica em uma realidade inegável, uma vez que o perdão dos pecados e a sua retenção, operados por intermédio deste poder concedido, detêm uma substancial validade perante Deus. Esta investidura emanou diretamente de Cristo, não sendo sujeita a mediações ou intermediários da comunidade. Constitui-se, assim, em uma incumbência que transcende as limitações temporais, perdurando até os confins dos tempos, visto que a missão de Cristo se apresenta como definitiva para toda a humanidade.
É notável, ademais, a proximidade íntima de Pedro com o Senhor, a ponto de assimilar os hábitos e práticas do Mestre. Tal vínculo se estabeleceu de forma tão profunda que, posteriormente, Pedro haveria de compartilhar, à sua maneira, o mesmo destino trágico que acometeu seu Mestre. Esta relação peculiar entre Pedro e Cristo suscita uma indagação relevante: até que ponto as marcas do encontro com Jesus estão impregnadas em nossa própria identidade, a ponto de nos identificarmos prontamente como discípulos d'Ele? Se, de fato, experimentamos um encontro genuíno com Cristo, é imperativo que nos mantenhamos inextricavelmente unidos a Ele, trilhando em Sua companhia, ouvindo Suas palavras transformadoras e permitindo-nos ser moldados por Sua influência. Este processo, ainda que porventura doloroso, confere um valor inestimável ao desenvolvimento das "sequelas" de Cristo em nossas vidas, as quais, apesar dos desafios e tribulações, recompensam-nos abundantemente em nossa jornada de fé.
Deste modo, observa-se que a herança apostólica, em conjunto com a mensuração das consequências do encontro pessoal com Cristo, constitui um convite a uma vida de comprometimento, de comunhão e de transformação contínua, perpetuando, assim, a relevância e a perpetuidade da missão cristã na história da humanidade.
PECULIARIDADES E EXIGÊNCIAS DO SEGUIMENTO A CRISTO
Além dos discípulos de Jesus, aparecem nos evangelhos os discípulos de João Batista e os discípulos dos fariseus: "Os discípulos de João e dos fariseus estavam jejuando, e vieram dizer-lhe: Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?” (Mc 2,18). O discipulado de Jesus apresenta muitas diferenças:
O chamado ao seguimento é uma iniciativa clara e exclusiva do mesmo Jesus: "Aquele que ama pai e mãe mais do que a mim não é digno de mim" (Mt 10,37). Chamou pessoas concretas e rejeitou a ideia de um discipulado de espécie triunfalista. Ser cristão é sentir-se chamado por Cristo: “Aquele que crê no Filho tem este testemunho em si mesmo. Aquele que não crê em Deus faz dele um mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus deu em favor de seu Filho”.
A fé, como postulado no livro de Romanos (10,14-17), revela-se como uma virtude que se insere na esfera da transcendência, não sendo gerada por processos reflexivos ou especulativos como os da filosofia. Ao contrário, a fé se origina externamente, sendo invocada através da palavra proclamada. Este é um princípio fundamental que ecoa no âmago da tradição cristã, cujo cerne repousa na chamada de discípulos por parte de Jesus, os quais emergem de diversas origens sociais e profissionais, como pescadores galileus, cobradores de impostos e até mesmo um antigo zelota, exemplificando que a posição social carece de relevância no chamado de Jesus.
Tal convocação é intrinsecamente ligada ao convite para segui-lo, exigindo, como condição sine qua non, a fé no próprio Cristo. Esta fé, um dom sobrenatural, é concedida de forma gratuita por Ele mesmo, conforme atestado nas Sagradas Escrituras (João 6,28-46). Os discípulos de Jesus encontram nele a autoridade única e absoluta, estabelecendo, assim, uma relação que transcende qualquer motivação política ou busca por conhecimento legalista. O elo que os une reside na mensagem do Reino de Deus, que é essencialmente a própria pessoa de Jesus. Este Reino não se restringe a uma concepção de grupo exclusivo, mas sim à proclamação da chegada de um Reino divino.
No entanto, é essencial compreender que seguir a Cristo, para realizar o imperativo de ser "perfeitos como o Pai celeste é perfeito" (Mateus 5,48), implica em corresponder à vocação à santidade, que é inerente a todos os membros da Igreja. Essa vocação tem suas raízes na consagração batismal, onde o batizado é configurado à imagem de Cristo (Romanos 6). Consoante as palavras do Concílio Vaticano II, os seguidores de Cristo são convocados por Deus não em virtude de suas obras, mas de acordo com a divina vontade e graça. Eles se tornam filhos de Deus e participantes da natureza divina por meio do batismo da fé, adquirindo, assim, uma santidade intrínseca. Todavia, é incumbência deles, mediante a graça divina, preservar e aperfeiçoar essa santidade em suas vidas. Portanto, a busca pela perfeição constitui a dimensão ética essencial do chamado à santidade, representando o horizonte normativo de toda a ética cristã.
A proposta que a renovação moral que João Paulo II sugere na EncíclicaVeritatis Splendor não se limita apenas a uma moral de perfeição a que o homem é chamado a alcançar, tendendo ao fim pela observância dos mandamentos e prática das bem-aventuranças, mas sobretudo por uma incorporação Cristo e a chamada ao seu seguimento. Nesta “acha-se concentrada m toda sua riqueza a perspectiva cristológica da perfeição e da moral cristã. A ‘sequela Christi’ (seguimento a Cristo) é o caminho e, por sua vez, o conteúdo desta perfeição.
Estas duras exigências formam uma estreita comunidade de vida e de destino. Aparece uma disposição de abandonar casa, família, de renunciar a profissão terrena e de seguir os caminhos de Jesus. Isto implica renunciar também os bens, as riquezas e compartilhar a vida com Ele: "Segue-me e este respondeu: Permite-me ir primeiro enterrar meu pai. Ele replicou: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus" (Lc 9,59-60)12. Essa sentença é extremamente escandalosa para os judeus, pois consideravam o funeral como um dever de piedade. Jesus chama o homem a uma disponibilidade total, sem reservas, incluindo uma profundidade de vida, para entregar a vida a todos os homens através do anuncio do evangelho13
Fazer-se discípulo de Jesus é aceitar o chamado a pertencer à família de Deus, viver em conformidade com sua maneira de viver: ‘E apontando para os discípulos com a mão, disse: Aqui está a minha mãe e os meus irmãos, porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe’(Mt 12,49)” (CEC 2233).
No chamado ao discipulado de Jesus aparecem diferenças individuais, referentes à situação de cada pessoa. Além das exigências que Jesus impõe aos seus discípulos, também os chama a uma plena comunhão de vida (seguimento no sentido estrito). Também encontramos exigências menos radicais, aplicadas a todos quantos querem entrar no reino de Deus.
Seria um erro pretender limitar estas exigências somente a um círculo limitado de pessoas, mas Jesus entrega a todos a sua mensagem de vida. Assim podemos citar vários exemplos deste chamado a seguir Cristo: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24), esta exigência está dirigida a todas as pessoas sem distinção. Jesus considera que o apego às riquezas constitui um obstáculo à vida nova oferecida por Ele.
Outro propósito de Jesus, é que Ele inclui a todos na sua mensagem de misericórdia. Este amor deve abarcar a todos os homens, incluindo os seus inimigos. Todas essas normas são aplicadas a todos aqueles que escutam a sua pregação e aceitam a sua mensagem do Reino de Deus. O seguimento imperfeito da multidão chega à sua perfeição, num seguimento de aceitação a mensagem de Cristo. Enquanto que originariamente eram discípulos de Jesus os que faziam parte do grupo estrito dos chamados por Ele, podemos afirmar que todos aqueles que aceitam a pregação e a mensagem de Cristo, são chamados a serem discípulos do novo Reino inaugurado por Ele.
Esta aplicação do conceito de discípulo de Jesus a todos os crentes é um processo perfeitamente compreensível e quase inevitável. Com a morte e a ressurreição de Cristo, leva os apóstolos a insistir num caráter obrigatório a todos os crentes: “... ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!" (Mt 28,20). Assim também as comunidades foram incluídas no mandato missionário do ressuscitado e, portanto, deveriam cumprir a sua própria maneira as exigências deixadas por Cristo.
Em uma palavra o chamado de Cristo não é exclusivamente orientado a uma conduta ética, o que realmente quer Jesus é que se convertam em discípulos. Evidentemente ser discípulo de Jesus não é simplesmente alistar-se na sua missão, exige uma verdadeira conversão como condição prévia, uma vida nova, de tal modo que ser discípulo é participar da mesma vida do Mestre.
“Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impurezas, paixão, desejos maus, e a cupidez, que é idolatria. Essas coisas provocam a ira de Deus sobre os desobedientes. Assim também andastes vós quando vivíeis entre eles. Mas agora abandonai tudo isto: ira, exaltação, maldade, blasfêmia, conversa indecente. Não mintais uns aos outros. Vós vos desvestistes do homem velho com suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador. Aí não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3,5-11).
A vida com Cristo
Muitas vezes São Paulo usa este termo "estar com Cristo" num sentido de estar em sua companhia. Paulo usa expressões em suas respostas a questões sobre a morte: "Sim estamos cheios de confiança, e preferimos deixar a mansão deste corpo para irmos morar junto do Senhor" (2Cor 5,8), os cristãos falecidos estarão com Cristo, ou seja, "em sua companhia". Esse estar com Cristo baseia-se na morte de Jesus: "Ele morreu por nós, a fim de que nós, na vigília ou no sono, vivamos em união com ele" (1Ts 5,10).
O estar com Cristo escatológico futuro implica em "sermos co-herdeiros" e "glorificados com ele", ao que corresponde "um sofrer com ele" no presente: "E se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para também com ele sermos glorificados" (Rm 8,17). Quem está com Cristo será conformado com ele, é convidado a emita-lo em tudo: “Vós vos tornastes imitadores nosso e do Senhor, acolhendo a Palavra com alegria do Espírito Santo, apesar das numerosas tribulações”.14 Sobre o tema da imitação nas cartas de São Paulo afirma Pinckaers:
“O tema da imitação possui em São Paulo uma densidade muito maior que a simples imitação de um modelo, tal como se entende habitualmente. Um modelo de vida como são os heróis, os filósofos, os artistas, etc., nos deixam diante do desejo de conformarmos com aquilo que admiramos. A imitação causada pela fé efetua-se numa profundidade, pois, a obra do Espírito Santo que nos conforma interiormente a imagem de Cristo e volta a realizar em nós 'os sentimentos que estão em Cristo Jesus' que nós mesmos podemos chegar a ser com ajuda da graça, modelo a outras pessoas”15
Outro matiz de significado da expressão "com Cristo" transcende a mera proximidade física e adentra o âmbito da conformidade espiritual com a figura de Cristo. Neste contexto, denota uma participação de caráter espiritual na morte e ressurreição de Cristo, um tema que encontra respaldo em diversas passagens bíblicas, como Romanos 6,4-6 e Colossenses 2,12, e possivelmente em Gálatas 2,19. De acordo com essas Escrituras, a experiência de morrer com Cristo e ressurgir com Ele é facilitada pelo sacramento do Batismo. Este ato sacramental assume relevância no ensinamento paulino, que emprega a expressão "configurar-se com Cristo". Os cristãos, seguindo o preceito de Paulo, devem empenhar-se na formação de Cristo dentro de si, uma ideia que implica a aquisição de uma forma ou configuração que reflete a transformação espiritual realizada por meio da fé: "até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4,13).
Outra particularidade relevante no pensamento de Paulo é a maneira pela qual ele incorpora a morte e ressurreição de Jesus em sua própria vida e ministério. O apóstolo afirma, de forma marcante, que traz em seu próprio corpo as marcas de Jesus: "Doravante ninguém mais me moleste. Pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus" (Gálatas 5,17). Isso denota a profunda identificação de Paulo com o sofrimento e sacrifício de Cristo, tornando-o visivelmente reconhecível como um seguidor do Mestre. Esse conceito de morrer "com" para viver "com" Cristo encontra raízes na tradição do discipulado, uma característica intrínseca à compreensão de Jesus e que se desdobra para além da mera presença física ao lado do Mestre. Ser discípulo implica, antes de tudo, estar moldado e orientado pelo caminho e ensinamentos de Jesus, levando a um rompimento radical com a vida preexistente, que engloba não apenas a renúncia a profissões e laços familiares, mas também a completa transformação do estilo de vida. Este rompimento é ilustrado de forma figurativa como uma morte, conforme as palavras de Jesus: "Quem quiser seguir-me, renuncie a si mesmo e tome a sua cruz" (Marcos 8,34). Em um contexto pós-pascal, a ideia de "seguir a Jesus" de maneira literal, como uma jornada física ao lado dele, tornou-se impraticável, e, consequentemente, o vocabulário utilizado nos evangelhos sinóticos não é encontrado nas epístolas de Paulo, que exploram esses conceitos de uma maneira mais abstrata e espiritualizada.
A partir daí pode-se admitir com bastante certeza que Paulo substitua a ideia de discipulado pela ideia de imitação (morrer com Cristo para viver com ele)16:
“Seguir Cristo não é uma imitação exterior, já que atinge o homem na sua profunda interioridade. Ser discípulo de Jesus significa tornar-se conforme a Ele, que Se fez servo até ao dom de Si sobre a cruz (cf. Fl 2, 5-8). Pela fé, Cristo habita no coração do crente (cf. Ef 3, 17), e assim o discípulo é assimilado ao seu Senhor e configurado com Ele. Isto é fruto da graça, da presença operante do Espírito Santo em nós.
Inserido em Cristo, o cristão torna-se membro do Seu Corpo, que é a Igreja (cf. 1 Cor 12, 13.27). Sob o influxo do Espírito, o Batismo configura radicalmente o fiel a Cristo no mistério pascal da morte e ressurreição, «reveste-o» de Cristo (cf. Gl 3, 27): «Alegremo-nos e agradeçamos — exclama S. Agostinho dirigindo-se aos batizados —: tornamo-nos não apenas cristãos, mas Cristo (...). Maravilhai-vos e regozijai-vos: tornamo-nos Cristo!». Morto para o pecado, o batizado recebe a vida nova (cf. Rm 6, 3-11): vivendo para Deus em Jesus Cristo, é chamado a caminhar segundo o Espírito e a manifestar na vida os seus frutos (cf. Gl 5, 16-25). Depois a participação na Eucaristia, sacramento da Nova Aliança (cf. 1 Cor 11, 23-29), é o ápice da assimilação a Cristo, fonte de «vida eterna» (cf. Jo 6, 51-58), princípio e força do dom total de si mesmo, que Jesus — segundo o testemunho transmitido por São Paulo — manda rememorar na celebração e na vida: «Sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor até que Ele venha» (1 Cor 11, 26)” (VS 21). "Porque se tornarmos uma coisa só com ele por uma morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também por uma ressurreição semelhante a sua..." (Rm 6,5). Este texto fala da união dos cristãos com esse sinal, o batismo.
“Incorporados a Cristo pelo batismo, os cristãos estão ‘mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus’ (Rm 6,11), participando assim da vida do ressuscitado. Seguindo a Cristo e em união com ele, os cristãos podem ser ‘imitadores de Deus, como filhos queridos e viver no seu amor’ (Ef 5,1), conformando seus pensamentos, palavras e ações com os ‘sentimentos que teve Cristo (Fl 2,5) e seguindo seus exemplos” (CEC 1694).
Antes do batismo, a morte de Jesus é uma sentença divina sobre todos os homens, como se anuncia em 2Cor 5,14: "Todos morreram". Essa mensagem torna-se experiência física do individuo no Batismo. O homem é envolvido individualmente nessa sentença através de um ato histórico-físico único, de sorte que se pode afirmar a seu respeito: ele morreu com Cristo. Paulo associa o morrer com Cristo ao viver com ele. Viver com Cristo segue de três maneiras do morrer com ele: a) É futuro escatológico para a esperança: "Se morremos com Cristo, cremos que com ele também viveremos" (Rm 6,8); b) É atualidade para fé: "Considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus" (Rm 6,11); c) É, por isso, chamado à obediência da fé, à demonstração do amor: "Estamos sepultados com ele... para andarmos em uma vida nova" (Rm 6,4). "Vida nova" não é um estado natural ou ético. É antes - a exemplo da justiça - a nova realidade que condiciona o homem, realidade essa que Deus revelou na Ressurreição de Jesus. Paulo chama-a de Espírito Santo (Rm 8,1-4).
A concretização do novo comportamento em nossa vida humana, Paulo a desdobra em Rm 6,6-10.12s. A nova vida processa-se somente como luta do Espírito, portador do novo eu e pondo-o ao seu serviço, contra a carne (Gl 5,16-24). O novo pode subsistir apenas quando conservado vivo pela palavra da pregação e pelo Espírito nela manifesto. "Em nossa vida, Deus nos entrega à morte todos os dias por causa de Cristo, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal" (1Cor 4,11). E essa manifestação da vida de Jesus em nossa carne não acontece apenas na consumação. Tal existência do apóstolo não resulta numa meditação mística. Compreende-a, muito antes, como efeito e revelação da morte e Ressurreição de Cristo. Isso acontece quando Cristo toma o apóstolo para o seu serviço. Ser entregue à morte, por exemplo, acontece em Paulo do mesmo modo como em Cristo, porque ambos andam na obediência.
No entanto, não há outra maneira de um homem se tornar obediente a não ser morrendo com Cristo para com ele viver, de acordo com Rm 6,1-13. A prova de ter morrido com ele está patente no seu co-sofrimento. Aquele que está em Cristo é aquele que é determinado por Ele. Qual é a ideia que se tem de Cristo nesse caso? "Como em Adão todos morrem, assim todos serão vivificados em Cristo" (1Cor 15,22). Estar "em Adão" é aquele que é determinado por sua queda; por consequência, estar "em Cristo" é aquele que está sendo determinado por seu ato de obediência, ou seja, por sua, morte e ressurreição. No entanto, morte e ressurreição estão presentes no sentido determinante no exaltado que atua pelo Espírito. Alcança o indivíduo pela pregação, pelo batismo. Por conseguinte, estão "em Cristo" todos os que pelo batismo foram incorporados em seu corpo, a Igreja, sendo assim expostos à ação de seu espírito através da palavra, de sorte que também o individuo é determinado por ele de modo pessoal17.
5. O QUE DIZEM OS PAPAS SOBRE O SEGUIMENTO DE CRISTO:
SÃO JOÃO PAULO II: UM BREVE RESUMO DA SUA PREGAÇÃO18
O seguimento de Cristo, conforme abordado pelo Papa João Paulo II, representa um compromisso profundo e um ato de fé que transcende a mera aceitação intelectual. Acreditar em Jesus e trilhar o caminho traçado pelos primeiros apóstolos, notadamente figuras como Pedro e Tomé, requer uma decisão intrépida de alinhar-se com Ele, mesmo que isso implique enfrentar desafios de considerável envergadura. Esse compromisso, por vezes, equivale a um novo tipo de martírio, não necessariamente de natureza física, mas sim uma contínua batalha contra as tendências e valores contrários ao Evangelho. Esta jornada demanda coragem e determinação, uma vez que frequentemente implica em nadar contra a corrente predominante na sociedade contemporânea.
É crucial ressaltar que, de acordo com as palavras do Salvador e a tradição dos Santos, a fé no Verbo encarnado, isto é, em Jesus Cristo, é indispensável para agradar a Deus e obter a salvação. São João Batista, por exemplo, enfaticamente proclamou que aqueles que creem no Filho de Deus alcançam a vida eterna, enquanto aqueles que rejeitam o Filho estão sujeitos à ira divina.
Ademais, as Escrituras e os Santos enfatizam que Cristo é a própria verdade, e Ele trouxe consigo a graça e a verdade para a humanidade. Portanto, negar Jesus é negar a própria verdade, o que, por extensão, significa negar o Pai. Aqueles que rejeitam o Filho estão, por conseguinte, em erro e distantes de Deus. A fé em Jesus não é apenas uma opção pessoal, mas a via para a verdade e a salvação.
Dentro desse contexto, a exortação do Papa João Paulo II aos jovens é que eles não se tornem instrumentos de violência, mas sim defensores da paz, mesmo que isso signifique sacrificar suas próprias vidas. Este compromisso também envolve a promoção da vida em todas as suas fases e o empenho em tornar a Terra um lugar mais habitável para todos.
Por fim, o convite do Papa João Paulo II para que os jovens imitem Maria ao dizer "sim" ao Senhor, sem medo de se entregar a Ele, reforça a importância da aceitação incondicional da vontade divina como parte integrante do seguimento de Cristo. Esta entrega total é vista como um ato de confiança na orientação e força divinas para guiar e sustentar os seguidores de Cristo em todas as circunstâncias.
PAPA BENTO XVI: UM BREVE RESUMO DA SUA PREGAÇÃO19
Seguir a Cristo, nas palavras do Papa Bento XVI, implica em uma jornada que vai de encontro à correnteza predominante de muitos dos paradigmas de pensamento contemporâneos. O Papa observa que seguir Jesus Cristo enche o coração de alegria e confere um sentido pleno à existência, mas ao mesmo tempo, requer a disposição para enfrentar dificuldades e fazer renúncias. Com frequência, seguir a Cristo significa nadar contra a corrente, desafiando as tendências e os valores que não estão alinhados com os ensinamentos do Evangelho.
O pontífice baseia suas reflexões na passagem do Evangelho, na qual Jesus se apresenta como "o pão vivo que desceu do céu" e, ao fazê-lo, escandaliza não apenas os curiosos que o ouvem, mas também alguns de seus próprios discípulos. A pergunta provocadora desses discípulos, "Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?", ecoa não apenas naquele contexto, mas também ressoa ao longo da história, desafiando os crentes e os seres humanos de todas as épocas.
Bento XVI destaca que muitas pessoas nos tempos atuais também se "escandalizam" diante do paradoxo da fé cristã. O ensinamento de Jesus pode parecer "duro" e difícil de acolher e praticar. Nesse contexto, algumas pessoas podem rejeitar e abandonar Cristo, enquanto outras tentam adaptar Sua palavra às tendências contemporâneas, distorcendo seu significado e valor.
O Papa enfatiza que essa provocação inquietante requer uma resposta pessoal de cada indivíduo. Jesus não busca apenas uma adesão superficial e formal; Ele deseja que os seguidores participem profundamente de Seu pensamento e vontade ao longo de suas vidas. Ele pergunta: "Vós também quereis ir embora?" e, em resposta, Pedro fala em nome dos apóstolos, declarando sua firme crença em Jesus como o Santo de Deus.
O Papa exorta os crentes a responderem a Jesus como Pedro o fez, reconhecendo que Jesus detém palavras de vida eterna. Ele convida todos a proferir essa resposta com consciência de sua fragilidade humana, mas também confiando na potência do Espírito Santo, que se manifesta na comunhão com Jesus.
Assim, a fé é compreendida como um dom de Deus ao homem, ao mesmo tempo em que representa uma entrega livre e total do homem a Deus. É uma atitude de escuta dócil da Palavra do Senhor, que ilumina nosso caminho e guia nossos passos à luz da fé.
PAPA FRANCISCO: UM BREVE RESUMO DA SUA PREGAÇÃO20
Seguir a Cristo, sob a perspectiva do Papa Francisco, constitui um compromisso fundamental que demanda a adoção de um caminho pautado pelo serviço. O Papa enfatiza que a fidelidade a Deus está intrinsecamente ligada à disposição de servir ao próximo. Tal compromisso é reconhecido como uma tarefa que frequentemente implica desafios e sacrifícios, muitas vezes comparados à cruz. No entanto, o Papa ressalta que à medida que intensificamos nosso cuidado e disponibilidade em relação aos outros, experimentamos uma maior liberdade interior e nos assemelhamos mais a Jesus.
O Papa Francisco destaca a importância de servir, especialmente aqueles que não têm a capacidade de retribuir, como os pobres. Ele enfatiza a necessidade de abraçar suas dificuldades e necessidades com uma ternura compassiva. Ao fazê-lo, ele acredita que podemos experimentar a presença de Deus de maneira mais profunda. Servir aqueles que não podem nos recompensar materialmente nos aproxima de Deus, e esse ato de doação gratuita nos permite sentir o amor divino.
A figura da criança no Evangelho é usada pelo Papa como um exemplo de pequenez e dependência, não tanto de inocência. As crianças dependem dos outros e têm a necessidade de receber. Jesus, ao abraçar uma criança, destaca a importância de acolher aqueles que precisam receber sem a expectativa de retribuição. O Papa enfatiza que servir essas pessoas marginalizadas ou abandonadas equivale a servir a Jesus, pois Ele está presente neles.
O Papa Francisco desafia os seguidores de Jesus a questionarem a si mesmos sobre seu compromisso com o serviço aos mais necessitados. Ele convida a refletir sobre se estamos buscando gratificação pessoal ou se entendemos que sobressair significa servir. O Papa também incentiva a avaliar se estamos dedicando tempo aos "pequenos" que não podem retribuir, demonstrando preocupação por aqueles que não têm meios para retribuir.
Por fim, o Papa invoca a ajuda da Virgem Maria, que é reconhecida como uma humilde serva do Senhor, para que auxilie os homens e mulheres a compreenderem que o serviço não diminui ninguém, mas, pelo contrário, promove crescimento. Ele lembra que há mais alegria em dar do que em receber, enfatizando a profunda gratificação que advém do ato de servir ao próximo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face das profundas investigações e deliberações sobre o tema proposto, é possível postular que o convite ao discipulado é de caráter universal. A ação é iniciada por Jesus, que convida o ser humano a uma profunda e íntima comunhão amorosa. Tal convite transcende a mera adesão a um ideal de vida; ele convida a compartilhar do destino de Cristo, convivendo e coexistindo com Ele.
Paulo de Tarso, em suas epístolas, realça essa identificação com o Messias, articulando uma concepção de existência contínua e ininterrupta, que engaja a totalidade do ser humano e aguarda uma resposta ativa: "... pois se vivemos, ao Senhor vivemos, e se morremos, ao Senhor morremos. Seja vivendo, seja morrendo, somos do Senhor" (Romanos 14,8).
No contexto paulino, ser discípulo não se restringe à adesão a um corpus ideológico, mas implica uma morte do eu, conforme Paulo explicita, para renascer em Cristo. Essa morte do eu é sinônimo de renúncia total em prol do Reino de Deus: "Deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos; tu, porém, vai e anuncia o Reino de Deus" (Lucas 9,59-60). A decisão de seguir implica uma escolha incondicional e se baseia exclusivamente na união pessoal com Jesus, demandando a disposição de acompanhar o Mestre até a morte.
Tal caminho conduz a uma transformação existencial (metanóia), um encontro com a verdade que permeia o ser. Esse encontro com o Cristo culmina em uma união afetiva e profunda, onde o indivíduo experimenta uma harmonia e plenitude integral.
Jesus, ao convocar os indivíduos a serem "pescadores de homens", instiga a proclamação da proximidade do Reino de Deus. Este seguimento confronta muitos dos apegos humanos. Enquanto bens materiais como luxos, comodidades e prazeres não são intrinsecamente negativos, a forma obstinada de se agarrar a eles pode levar à escravidão.
O artigo esclarece que não é necessário renunciar a todos os bens materiais ou viver em comunidade partilhada, mas enfatiza a necessidade de estar disposto a relegar tudo a um segundo plano para seguir verdadeiramente o chamado. Desapegar-se requer uma espiritualidade profunda e a luta nesse processo é constante, conduzindo a uma verdadeira liberdade interior.
Tal jornada de liberação dos apegos que nos escravizam é um empreendimento vitalício, fundamentado numa crescente experiência de comunhão com Deus. O artigo também incorpora as perspectivas dos últimos três papas, enriquecendo a discussão com suas reflexões contemporâneas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOLAN, Albert. Jesus Hoje, Uma espiritualidade de liberdade radical. 1.ed. São Paulo: Paulinas, 2008.
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Seguir a Cristo Segundo o Papa João Paulo II. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/mundo/frases-de-joao-paulo-ii-que-acompanham-a- juventude/. Acesso em 26 de dezembro de 2023.
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Seguir a Cristo Segundo o Papa Francisco. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/para-seguir-jesus-e-preciso- servir-afirma-papa-francisco/. Acesso em 25 de dezembro de 2023.
1 Esta tese foi inicialmente concebida em 2010, em Roma, com a intenção de ser apresentada na prestigiosa Universidade "Regina Apostolorum". Contudo, sua trajetória acadêmica tomou um novo rumo, levando à sua subsequente defesa em 2013 na Faculdade Evangélica de Brasília. Em 2023, o trabalho passou por um processo de reformulação e atualização significativa, refletindo as evoluções e progressos no campo teológico. Para mais detalhes sobre o autor e seu perfil acadêmico, incluindo publicações, formação e contribuições à pesquisa, acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6370810386827508
2 SAYÉS, J.A., La gracia de Cristo, BAC, Madrid 1993.
3 RATZINGER, Joseph – Jesus de Nazaré – 2003. Ed. Planeta.
4 SAYÉS, J.A., La gracia de Cristo, BAC, Madrid 1993.
5 FERNÁNDEZ, A., Teología Moral. Vol I, Burgos, 1999, pág. 284-286.
6 BETTENCOURT, E.T., OSB. Curso de Cristologia, Rio de Janeiro, 1988.
7 SCHNACKENBURG, R., El mensage moral del Nuevo Testamento, Ed. Herder, Barcelona, 1989.
8 NOLAN, Albert – Jesus Hoje – Uma espiritualidade de liberdade radical – 1.ed. São Paulo: Paulinas, 2008.
9 SAYÉS, J.A., Senhor e Cristo, BAC, Madrid 2000.
10 SAYÉS, J.A., La gracia de Cristo, BAC Madrid 1993.
11 FERNANDEZ, A., Características de la Moral del Nuevo Testamento, "Theolog" 15 Burgos, 1980, págs. 27s.
12 La Bibblia di Gerusalemme – Ed. EDB, Italia 2010.
13 BETTENCOURT, E. T., OSB. Curso de Cristologia, Rio de Janeiro, 1988.
14 FERNÁNDEZ, A., Teología Moral. Vol I, Burgos, 1999, pág. 276-278.
15 PINCKAERS, S., Las fuentes de la moral cristianas, Eunsa, Pamplona, 1988, págs. 172s.
16 ROTTER, H. – VIRT, G., Nuevo Diccionario de Moral Cristiana, Herder, Barcelona, 1993.
17 SAYÉS, J.A., La gracia de Cristo, BAC, Madrid 1993.
18 Seguir a Cristo Segundo o Papa João Paulo II. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/mundo/frases-de-joao-paulo-ii-que-acompanham-a-juventude/. Acesso em 26 de dezembro de 2023.
19 Acesso em 26 de dezembro de 2023. 19 Seguir a Cristo Segundo o Papa Bento XVI. Disponível em: https://novoportal.rccbrasil.org.br/blog/seguir-jesus-significa-nadar-contra-corrente-assegura-bento-xvi/. Acesso em 25 de dezembro de 2023.
20 Seguir a Cristo Segundo o Papa Francisco. Disponível em: https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/para-seguir-jesus-e-preciso-servir-afirma-papa-francisco/. Acesso em 25 de dezembro de 2023.