SENTIMENTOS DOS QUE VIVENCIAM O ETARISMO

PDF: Clique aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17644352


Helena de Fátima Bernardes Millani1


RESUMO
O etarismo, ou preconceito baseado na idade, é uma forma de discriminação que afeta especialmente as pessoas idosas, causando impactos profundos em sua saúde emocional e social. Este estudo analisa os sentimentos e emoções de indivíduos que vivenciam o etarismo no Brasil, destacando a tristeza, a vergonha, o isolamento e a desvalorização como principais experiências afetivas. A abordagem psicanalítica contribui para compreender como o etarismo fere o narcisismo e a subjetividade do sujeito, agravando o sofrimento. Além disso, o trabalho discute as causas culturais do etarismo, a insuficiência da legislação específica e a influência da interseccionalidade de gênero, que torna as mulheres idosas ainda mais vulneráveis. Por fim, enfatiza-se a necessidade de políticas públicas e educativas para combater o preconceito etário e promover o envelhecimento digno e respeitoso.
Palavras-chave: etarismo, preconceito etário, envelhecimento, sentimentos, gênero, saúde mental.

ABSTRACT
Ageism, or ageism, is a form of discrimination that particularly affects older adults, causing profound impacts on their emotional and social health. This study analyzes the feelings and emotions of individuals experiencing ageism in Brazil, highlighting sadness, shame, isolation, and devaluation as the main affective experiences. The psychoanalytic approach contributes to understanding how ageism harms the subject's narcissism and subjectivity, exacerbating suffering. Furthermore, the work discusses the cultural causes of ageism, the inadequacy of specific legislation, and the influence of gender intersectionality, which makes older women even more vulnerable. Finally, it emphasizes the need for public and educational policies to combat ageism and promote dignified and respectful aging.
Keywords: ageism, ageism, aging, feelings, gender.

Introdução

O etarismo, também conhecido como ageísmo, refere-se à discriminação e ao preconceito direcionados a indivíduos com base na idade, afetando principalmente as pessoas idosas. Trata-se de uma forma de violência simbólica e estrutural que reduz a identidade do sujeito à sua condição etária, negligenciando sua individualidade, competências e necessidades (Lima-Costa et al., 2022).

A invisibilidade social dos idosos, frequentemente retratados como frágeis, improdutivos ou ultrapassados, revela o despreparo da sociedade para lidar com o processo de envelhecimento e sua diversidade.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), o etarismo tem impactos profundos na saúde física e mental das pessoas, contribuindo para o isolamento social, quadros de depressão, baixa autoestima, perda de autonomia e piora na qualidade de vida.

Estudos recentes apontam que o preconceito etário também afeta negativamente o acesso aos serviços de saúde, ao mercado de trabalho e aos espaços de lazer, configurando-se como um obstáculo ao envelhecimento ativo e digno (Camarano, 2023; Barbosa & Fernandes, 2020).

No Brasil, o etarismo está enraizado em práticas culturais e institucionais que reforçam estereótipos negativos sobre a velhice. A mídia, por exemplo, raramente representa o idoso como sujeito de direitos e desejos; ao contrário, naturaliza sua exclusão em nome de uma cultura da juventude (Silva & Andrade, 2021). Além disso, a escassez de políticas públicas integradas voltadas ao envelhecimento saudável contribui para a marginalização da população idosa.

Com o aumento da expectativa de vida e a mudança no perfil demográfico da população brasileira - que se encaminha para um processo de envelhecimento acelerado - torna-se urgente refletir sobre os efeitos emocionais do etarismo nos indivíduos que o vivenciam. Compreender os sentimentos decorrentes dessa experiência é fundamental para subsidiar ações de enfrentamento que promovam respeito, empatia e justiça social.

Este trabalho, portanto, propõe uma análise crítica dos sentimentos e emoções das pessoas que vivenciam o etarismo no Brasil, suas causas, expressões e consequências, com especial atenção à interseccionalidade com gênero e à existência (ou não) de mecanismos legais de proteção.

Justificativa

Estudar os sentimentos de quem vivencia o etarismo é essencial para revelar as marcas emocionais deixadas por essa discriminação. Em um país que está envelhecendo rapidamente - estima-se que até 2030 haverá mais idosos do que crianças no Brasil (IBGE, 2023) - o preconceito contra a velhice torna-se um obstáculo para a construção de uma sociedade plural. Ao dar voz às experiências subjetivas dessas pessoas, o trabalho contribui para o reconhecimento do etarismo como um problema de saúde pública e de direitos humanos.

Pesquisar sobre o etarismo sob a perspectiva dos sentimentos e emoções das pessoas que o vivenciam é essencial para a compreensão das formas sutis e violentas de exclusão que permeiam as relações sociais e institucionais no Brasil. O envelhecimento, apesar de ser uma conquista da humanidade, ainda é visto como um processo negativo, associado à perda de capacidades, ao declínio físico e à improdutividade. Esse olhar reducionista compromete a dignidade da pessoa idosa e perpetua desigualdades (Camarano, 2023).

De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde (2021), o etarismo é uma das formas mais comuns e normalizadas de preconceito no mundo, afetando bilhões de pessoas e resultando em graves consequências à saúde física, mental e ao bem-estar geral.

No Brasil, esse fenômeno se agrava diante de uma cultura que valoriza a juventude, a aparência e a produtividade, desvalorizando a experiência e a sabedoria acumuladas ao longo da vida. Estudos demonstram que o preconceito etário pode ser tão nocivo quanto o racismo e o sexismo, pois atua silenciosamente, muitas vezes naturalizado por discursos aparentemente inofensivos (Lima-Costa et al., 2022).

Além disso, a discussão sobre etarismo ainda é incipiente nos espaços acadêmicos, escolares e nas políticas públicas. Poucos estudos abordam as implicações subjetivas desse preconceito, como a dor emocional, a vergonha, o sentimento de inutilidade e o isolamento social. Como destaca Barbosa e Fernandes (2020), há uma lacuna na literatura no que se refere ao impacto afetivo do etarismo sobre os sujeitos.

Nesse sentido, este trabalho justifica-se por buscar compreender essas vivências e contribuir para o debate sobre os direitos humanos da população idosa.

Outro ponto relevante é que, à medida que a população brasileira envelhece - sendo previsto que, em 2030, o número de idosos ultrapasse o de crianças (IBGE, 2023) - torna-se cada vez mais urgente reconhecer o etarismo como uma barreira ao envelhecimento ativo e saudável. Tal reconhecimento pode orientar políticas públicas, práticas profissionais e ações educativas voltadas à valorização da velhice e à desconstrução de estereótipos etários.

Portanto, este estudo justifica-se pela sua relevância social, acadêmica e política, ao abordar o etarismo como fenômeno emocional, relacional e estrutural que compromete os direitos, a saúde mental e o bem-estar da população idosa no Brasil.

Objetivos

Geral:
Analisar os sentimentos e emoções das pessoas que vivenciam o etarismo no Brasil, discutindo suas causas, impactos sociais e legais.

Específicos:

  • Investigar os tipos de emoções mais frequentes nos relatos de vítimas de etarismo.

  • Compreender os fatores sociais e culturais que contribuem para a persistência do etarismo no Brasil.

  • Identificar se há legislação específica de proteção contra o etarismo.

  • Relacionar o etarismo com a questão de gênero, especialmente no caso das mulheres idosas.

  • Sugerir estratégias de enfrentamento social e político ao etarismo

Metodologia

Esse trabalho foi desenvolvido a partir de revisão bibliográfica qualitativa, com base em artigos científicos, livros e documentos oficiais publicados entre 2018 e 2024, disponíveis em bases como Scielo, Google Scholar e BVS. Foram selecionados autores especialistas em gerontologia, sociologia, psicologia e direitos humanos. A pesquisa também utiliza relatos e estudos de caso para ilustrar os sentimentos das vítimas de etarismo. As fontes legais foram consultadas através do portal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

A presente pesquisa caracteriza-se como uma revisão bibliográfica de abordagem qualitativa, com o objetivo de compreender os sentimentos e emoções vivenciados por pessoas que sofrem etarismo no Brasil, bem como analisar seus aspectos sociais, culturais, legais e de gênero. A abordagem qualitativa é adequada por permitir a análise interpretativa das experiências humanas, considerando o contexto subjetivo e social em que estão inseridas (Minayo, 2022).

A seleção das fontes seguiu critérios de pertinência temática, atualidade e credibilidade científica, privilegiando produções publicadas entre os anos de 2018 e 2024. Foram utilizados artigos científicos, livros acadêmicos, dissertações e documentos institucionais provenientes de bases de dados reconhecidas, como SciELO, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Google Scholar, Scopus e documentos da OMS e do IBGE.

O levantamento bibliográfico buscou autores que tratam do etarismo sob diferentes perspectivas: psicológica, social, jurídica e política, com ênfase em estudos que exploram os impactos subjetivos do preconceito etário, como tristeza, invisibilidade, angústia, raiva e exclusão. Também foram selecionadas fontes que discutem o etarismo no contexto brasileiro, com atenção às interseccionalidades de gênero e classe social, e às implicações legais.

Como método de organização e análise do conteúdo, utilizou-se a análise temática proposta por Bardin (2016), a qual permite a categorização das informações em eixos centrais, como: sentimentos e emoções vivenciadas, causas do etarismo no Brasil, legislação e gênero. A análise foi orientada pelo princípio da interpretação crítica, buscando compreender não apenas o conteúdo explícito, mas também os significados implícitos das narrativas e estudos consultados.

Essa metodologia permite sustentar, com base científica, a discussão proposta neste trabalho e contribui para dar visibilidade a uma problemática frequentemente invisibilizada tanto no meio acadêmico quanto nas políticas públicas: os impactos emocionais do etarismo na vida das pessoas que o vivenciam.

Desenvolvimento

Sentimentos e Emoções dos que Vivenciam o Etarismo - uma perspectiva psicanalítica

Sob a ótica da psicanálise, os efeitos emocionais do etarismo não se limitam a respostas conscientes a um contexto discriminatório, mas tocam diretamente nas estruturas psíquicas do sujeito, provocando feridas no narcisismo, na autoimagem e no desejo. O envelhecimento é vivenciado, muitas vezes, como uma ameaça à integridade do eu, especialmente quando o olhar social impõe ao idoso a condição de “inútil” ou “descartável”.

Freud (1914), em seu texto sobre o narcisismo, já apontava que a perda da juventude, da força física e da beleza pode ser percebida como uma ferida narcísica, capaz de provocar sentimentos de angústia, vergonha, melancolia e exclusão. Quando o sujeito envelhece em uma sociedade que valoriza exclusivamente o novo e a performance, o envelhecimento deixa de ser um processo natural e passa a ser vivido como um fracasso simbólico.

Para Birman (2001), o envelhecimento implica um processo de luto do eu ideal, ou seja, o sujeito precisa elaborar a perda de imagens que sustentavam seu desejo e autoestima. O etarismo, nesse contexto, intensifica esse luto, pois reforça o sentimento de inadequação, desvalorização e não pertencimento. O olhar social depreciativo é internalizado, provocando sintomas psíquicos como retraimento, depressão, ansiedade e raiva silenciosa.

Além disso, segundo Quinet (2018), o sujeito é sempre constituído pelo olhar do outro - e, nesse sentido, quando o idoso é visto apenas como um corpo envelhecido, sem valor social, há uma ruptura do reconhecimento simbólico que sustenta a subjetividade.

O etarismo fere, portanto, o lugar de existência do sujeito no campo do desejo e da linguagem.

A escuta psicanalítica, nesse contexto, é essencial para que o idoso possa reconstruir sentidos para sua história, reposicionar-se subjetivamente e resistir aos significantes sociais de decadência. Promover esse tipo de escuta é um caminho ético de enfrentamento ao etarismo.

1. Sentimentos e Emoções dos que Vivenciam o Etarismo

Os relatos de pessoas idosas frequentemente mencionam sentimentos como tristeza, humilhação, invisibilidade, medo, raiva e desesperança. O etarismo afeta a autoestima, causa isolamento social e pode desencadear quadros de depressão e ansiedade (Silva & Almeida, 2021). Segundo Camarano (2022), o desprezo pelas capacidades dos idosos reforça a ideia de inutilidade e os empurra para uma vida sem sentido social.

2. O Etarismo no Brasil

A sociedade brasileira valoriza excessivamente a juventude, a produtividade e a aparência física, enquanto associa o envelhecimento à decadência. A cultura do "descartável" e do "novo" alimenta o preconceito contra os mais velhos. Além disso, políticas públicas voltadas para o envelhecimento ainda são frágeis e fragmentadas (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2023).

O etarismo no Brasil é resultado de uma construção sociocultural complexa, que envolve desde valores históricos até padrões contemporâneos de consumo, produtividade e estética. Em uma sociedade marcada por desigualdades e pela valorização da juventude, da força e da inovação, a velhice passa a ser representada como decadência, limitação e obsolescência. Esse modelo excludente é alimentado pelos meios de comunicação, pela indústria da beleza e pelo mercado de trabalho (Camarano, 2023).

Segundo Bosi (2021), a marginalização dos idosos no Brasil está associada a um imaginário coletivo que os coloca como sujeitos “fora do tempo”, desatualizados e desnecessários, o que leva à sua exclusão simbólica e material. Trata-se de uma forma de violência estrutural que atua silenciosamente, mas com efeitos profundos sobre a subjetividade.

Na lógica capitalista, onde o valor do indivíduo está atrelado à sua produtividade e desempenho, os corpos que envelhecem são vistos como improdutivos, e por isso, descartáveis. A psicanálise entende essa lógica como uma forma de recalque social da finitude. Como lembra Birman (2001), a sociedade contemporânea tenta apagar os sinais da morte, do declínio e da perda — tudo aquilo que o envelhecimento representa. Dessa forma, o idoso torna-se o “espelho sombrio” que a sociedade rejeita.

Embora o Brasil possua uma das legislações mais avançadas no que se refere aos direitos da pessoa idosa, ainda não há uma lei que tipifique diretamente o etarismo como crime, tal como acontece com o racismo ou o sexismo. A principal legislação existente é o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que estabelece direitos nas áreas de saúde, educação, trabalho, assistência social e cidadania. No entanto, sua aplicação ainda é limitada pela falta de fiscalização e pela cultura de desrespeito aos mais velhos.

A Constituição Federal de 1988 também assegura, em seu artigo 230, o dever da família, da sociedade e do Estado de amparar as pessoas idosas, garantindo sua participação na comunidade. Porém, não há uma legislação penal específica que reconheça o etarismo como forma de discriminação, o que dificulta a punição de práticas discriminatórias baseadas na idade (Brasil, 2003; Câmara dos Deputados, 2023).

Sob a ótica da psicanálise, a ausência de reconhecimento jurídico do etarismo como crime revela o não-desejo social de olhar para a velhice, o que contribui para a perpetuação de fantasias de negação da perda e da morte. O idoso, portanto, torna-se aquilo que deve ser silenciado para que o ideal de juventude eterna seja mantido — um mecanismo de defesa coletivo que Freud (1923) já apontava como forma de recusa da realidade.

3. Legislação Específica Contra o Etarismo

Embora não exista uma lei com o nome "Lei do Etarismo", há instrumentos legais que tratam da proteção da pessoa idosa. A principal é o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que garante direitos à dignidade, respeito, saúde e trabalho. A Constituição Federal também proíbe discriminação por idade (Art. 7º, XXX). Porém, o etarismo ainda não é tipificado como crime específico no Código Penal.

4. Relação entre Etarismo e Gênero

Mulheres idosas são mais afetadas pelo etarismo, pois enfrentam uma dupla discriminação: por idade e por gênero. A cobrança estética, a desvalorização da sexualidade e a exclusão dos espaços públicos são formas comuns de violência simbólica contra essas mulheres (Hirata & Kergoat, 2021). Enquanto os homens idosos ainda são socialmente valorizados como "experientes", as mulheres são rotuladas como "velhas" ou "ultrapassadas".

A experiência do etarismo é profundamente atravessada pelo gênero, sendo as mulheres idosas as mais afetadas. Em uma sociedade patriarcal e misógina, o envelhecimento da mulher é vivenciado de forma mais dolorosa, pois representa não apenas a perda da juventude, mas também da atratividade, da fertilidade e do "lugar de desejo" socialmente atribuído às mulheres.

Segundo Hirata & Kergoat (2021), as mulheres sofrem uma dupla exclusão: primeiro por serem mulheres em uma cultura machista, e segundo por envelhecerem em uma cultura que celebra a juventude como única forma de valor. Isso explica por que muitas mulheres relatam sentimentos de vergonha, invisibilidade e inadequação ao envelhecer, enquanto os homens idosos muitas vezes ainda são vistos como experientes ou respeitáveis.

Do ponto de vista psicanalítico, o corpo feminino envelhecido carrega a marca do “não mais desejável”, o que pode gerar intensos sofrimentos psíquicos, como o sentimento de desvalia narcísica. Como aponta Quinet (2018), a imagem do corpo feminino está fortemente ligada ao espelho social e à demanda do outro — quando esse corpo deixa de corresponder ao ideal jovem e belo, o sujeito é violentamente confrontado com sua finitude.

Por isso, o enfrentamento ao etarismo precisa considerar a interseccionalidade entre idade e gênero, promovendo políticas públicas, escuta clínica e ações educativas que reconheçam as especificidades da experiência feminina no envelhecimento.

Resultados e Discussão

A análise do material teórico permitiu identificar que o etarismo provoca impactos profundos na constituição emocional e subjetiva dos indivíduos que o vivenciam, em especial os idosos. Os sentimentos predominantes relatados em estudos e narrativas analisadas incluem tristeza, humilhação, inutilidade, vergonha, raiva e isolamento social (Barbosa & Fernandes, 2020). Esses afetos não são aleatórios, mas decorrem de um processo contínuo de desvalorização simbólica e material, sustentado por uma sociedade que cultua a juventude e rejeita a velhice.

A partir da psicanálise, foi possível compreender que o etarismo funciona como um ataque ao narcisismo do sujeito, pois retira dele o lugar de reconhecimento no olhar do outro (Freud, 1914; Quinet, 2018). O envelhecimento, quando desacompanhado de acolhimento e escuta, torna-se um espaço de luto mal elaborado, marcado pela perda de funções, status social e pertencimento (Birman, 2001). A cultura contemporânea evita confrontar a finitude humana, e ao negar o envelhecimento, nega também os sujeitos que envelhecem.

Outro dado relevante é a interseccionalidade entre etarismo e gênero. As mulheres idosas são duplamente marginalizadas: por serem mulheres em uma sociedade patriarcal e por serem velhas em uma sociedade etarista. O envelhecimento feminino é marcado pelo silenciamento do desejo, pela exclusão da vida pública e pela pressão estética, o que aprofunda o sofrimento psíquico e social (Hirata & Kergoat, 2021).

Apesar da existência do Estatuto do Idoso, a legislação ainda não reconhece formalmente o etarismo como crime de discriminação, o que limita sua eficácia como ferramenta de enfrentamento (Câmara dos Deputados, 2023). A ausência de campanhas educativas e de políticas públicas integradas contribui para a naturalização desse preconceito e reforça sua invisibilidade nos diversos espaços sociais.

Portanto, os resultados apontam que o etarismo é uma forma de violência simbólica e institucionalizada, que compromete o bem-estar emocional dos indivíduos, afeta sua subjetividade e restringe seu acesso à cidadania plena.

Considerações Finais

Diante do exposto, considera-se que o etarismo, longe de ser uma simples manifestação de preconceito, constitui uma forma estrutural de violência, cujos efeitos ultrapassam o plano social e atingem profundamente o campo psíquico e emocional dos indivíduos, especialmente dos idosos. Os sentimentos vivenciados - como tristeza, vergonha, desamparo e exclusão - são reflexos de um sistema que nega o envelhecimento como parte da vida e, por isso, nega também a dignidade daqueles que envelhecem.

A abordagem psicanalítica permitiu identificar que o etarismo atua como uma ferida narcísica coletiva, que revela o quanto a sociedade contemporânea recusa a decadência, a finitude e os corpos que não se encaixam nos ideais de juventude e produtividade (Freud, 1923; Birman, 2001). O idoso torna-se, assim, o portador de um “real” insuportável - o da passagem do tempo - sendo empurrado para a margem do desejo social.

Frente a esse cenário, torna-se urgente implementar ações de enfrentamento intersetoriais, que envolvam a criação de políticas públicas específicas, campanhas educativas, penalização formal do etarismo e promoção de espaços de escuta e valorização do envelhecimento. A educação para a diversidade etária deve começar nas escolas e ser fortalecida nos ambientes de trabalho, saúde, mídia e cultura.

Considera-se também que é essencial ampliar o debate sobre o etarismo no campo acadêmico, especialmente nas áreas da saúde, psicologia, serviço social, direito e educação. A visibilidade dos sentimentos de quem sofre essa forma de preconceito é o primeiro passo para romper com a naturalização da exclusão, e para construir uma sociedade mais justa, empática e plural em todas as idades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. Edições 70.

Barbosa, D. P., & Fernandes, M. G. (2020). Idadismo e suas repercussões na saúde mental da pessoa idosa: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 23(5), e200080.

Birman, J. (2001). Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Brasil. (2003). Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003). Brasília: Senado Federal.

Bosi, E. (2021). Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras.

Butler, R. N. (1969). Age-ism: Another form of bigotry. The Gerontologist, 9(4), 243-246.

Camarano, A. A. (2022). Envelhecimento da população brasileira: um olhar sobre as políticas públicas. IPEA.

Camarano, A. A. (2023). Desafios do envelhecimento populacional no Brasil: políticas públicas e desigualdades sociais. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Freud, S. (1914). Introdução ao narcisismo. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

Freud, S. (1923). O ego e o id. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago.

Hirata, H., & Kergoat, D. (2021). Gênero, classe e raça: interseccionalidade e formas de desigualdade. Revista Estudos Feministas.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2023). Projeção da população brasileira por sexo e idade.

Quinet, A. (2018). O olhar: imagem, fantasia, narcisismo. Rio de Janeiro: Zahar.

Lima-Costa, M. F., Giacomin, K. C., & Loyola Filho, A. I. (2022). A velhice no Brasil: perspectivas e desafios para o século XXI. Cadernos de Saúde Pública, 38(3), e00117221.

Minayo, M. C. S. (2022). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Hucitec Editora.

Organização Mundial da Saúde (OMS). (2021). Global report on ageism. Geneva: WHO.

Silva, R. M., & Almeida, A. M. (2021). As emoções de idosos frente ao preconceito etário no Brasil: uma análise qualitativa. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 24(2), 1-12.

Silva, R. M., & Andrade, C. J. M. (2021). A velhice e o etarismo na mídia brasileira: uma análise crítica das representações. Revista Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, 26(1), 135–152.


1 Profª Drª no Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos-Curso de Graduação Enfermagem.