REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O IMPACTO DAS MÍDIAS DIGITAIS NA APRENDIZAGEM ESCOLAR
PDF: Clique aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17593413
Joelson Lopes da Paixão1
RESUMO
A integração das mídias digitais ao contexto educacional transformou significativamente as práticas pedagógicas e os processos de aprendizagem, tornando-se um dos temas mais relevantes das últimas décadas na pesquisa em educação. Este estudo tem como objetivo analisar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, as evidências científicas publicadas entre 2015 e 2024 sobre o impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar, com foco nas dimensões cognitivas, socioemocionais e pedagógicas. A metodologia seguiu o protocolo PRISMA, garantindo rigor metodológico na busca, seleção e análise das fontes. As bases de dados SciELO, Scopus, CAPES Periódicos, ERIC e Web of Science foram consultadas com os descritores “mídias digitais”, “aprendizagem escolar”, “tecnologia educacional” e “educação básica”. Após aplicação de critérios de inclusão e exclusão, 21 artigos compuseram o corpus final. Os resultados revelam que o uso pedagógico das mídias digitais potencializa a aprendizagem ativa, o engajamento dos estudantes e o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, desde que articulado a práticas reflexivas e mediadas pelo professor. Por outro lado, foram identificados desafios como o déficit de formação docente, a desigualdade de acesso e o uso superficial das tecnologias, sem intencionalidade pedagógica. Conclui-se que as mídias digitais, quando utilizadas de forma crítica e planejada, constituem poderosos instrumentos de inovação e democratização da aprendizagem, exigindo políticas educacionais consistentes e formação continuada para professores.
Palavras-chave: Aprendizagem Ativa. Educação Digital. Mídias Digitais. Tecnologias Educacionais. Transformação Pedagógica.
ABSTRACT
The integration of digital media into the educational context has significantly transformed pedagogical practices and learning processes, becoming one of the most relevant topics in educational research in recent decades. This study aims to analyze, through a systematic literature review, the scientific evidence published between 2015 and 2024 on the impact of digital media on school learning, focusing on cognitive, socio-emotional, and pedagogical dimensions. The methodology followed the PRISMA protocol, ensuring methodological rigor in the search, selection, and analysis of sources. The SciELO, Scopus, CAPES Periódicos, ERIC, and Web of Science databases were consulted using the descriptors "digital media," "school learning," "educational technology," and "basic education." After applying the inclusion and exclusion criteria, 21 articles comprised the final corpus. The results reveal that the pedagogical use of digital media enhances active learning, student engagement, and the development of cognitive and socio-emotional skills, provided it is linked to reflective practices and mediated by the teacher. On the other hand, challenges such as a lack of teacher training, unequal access, and the superficial use of technologies without pedagogical intent were identified. It is concluded that digital media, when used critically and in a planned manner, constitute powerful tools for innovation and the democratization of learning, requiring consistent educational policies and continuing teacher training.
Keywords: Active Learning. Digital Education. Digital Media. Educational Technologies. Pedagogical Transformation.
1. INTRODUÇÃO
A revolução digital tem redefinido profundamente as formas de produzir, compartilhar e acessar o conhecimento, impondo à escola contemporânea o desafio de repensar seus métodos e práticas pedagógicas. As mídias digitais — compreendidas como o conjunto de recursos tecnológicos interativos que possibilitam comunicação, expressão e aprendizagem — deixaram de ser apenas ferramentas complementares para se tornarem elementos constitutivos da cultura e do cotidiano dos estudantes. Nesse cenário, compreender o impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar é essencial para avaliar não apenas suas potencialidades pedagógicas, mas também suas implicações cognitivas, sociais e éticas.
A incorporação das tecnologias digitais à educação é uma realidade irreversível, mas sua efetividade depende da mediação pedagógica e da formação crítica de professores e alunos. Segundo Kenski (2018), a escola contemporânea precisa “transformar a tecnologia em aliada da aprendizagem e não em mera distração ou recurso técnico” (p. 43). Assim, o desafio não é apenas tecnológico, mas epistemológico: exige redefinir os modos de ensinar, aprender e avaliar, de modo a promover uma aprendizagem ativa, participativa e contextualizada.
Do ponto de vista histórico, a educação e as tecnologias sempre mantiveram uma relação de interdependência. Desde a imprensa até a internet, cada inovação comunicacional implicou transformações nos modos de aprender e ensinar. Contudo, o advento das mídias digitais interativas, como plataformas educacionais, redes sociais, jogos e ambientes virtuais de aprendizagem, trouxe uma ruptura paradigmática. Lévy (2017) destaca que a cultura digital institui uma nova lógica de produção de saber, baseada na conectividade, na inteligência coletiva e na construção colaborativa do conhecimento.
No contexto escolar, essas mudanças se manifestam em práticas pedagógicas mais dinâmicas e personalizadas, que favorecem a autonomia e o protagonismo dos estudantes. Moran (2020) argumenta que as mídias digitais, quando integradas ao currículo, promovem o desenvolvimento de múltiplas competências: cognitivas, comunicativas, criativas e socioemocionais; contribuindo para uma aprendizagem significativa. Contudo, a simples inserção de recursos tecnológicos não garante a inovação pedagógica. Sem uma intencionalidade formativa, o uso das mídias tende a reproduzir práticas tradicionais em formato digital, o que limita seu potencial transformador.
No Brasil, políticas públicas como o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) destacam a importância da cultura digital e da alfabetização midiática como competências essenciais à educação do século XXI. A BNCC, em sua competência geral nº 5, enfatiza a necessidade de “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética”. No entanto, estudos apontam que o uso das mídias digitais ainda é desigual entre as escolas, refletindo as disparidades regionais e socioeconômicas que caracterizam o sistema educacional brasileiro (Silva; Almeida, 2021).
A problemática central deste estudo emerge, portanto, da tensão entre as potencialidades das mídias digitais e as limitações estruturais e formativas que dificultam sua efetiva integração à prática pedagógica. Pergunta-se: como as mídias digitais têm impactado a aprendizagem escolar segundo as evidências científicas recentes, e quais fatores determinam a efetividade dessas práticas no contexto educacional?
O objetivo geral deste trabalho é analisar, por meio de revisão sistemática da literatura, o impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar, identificando tendências, desafios e contribuições pedagógicas. Os objetivos específicos são: (1) mapear as abordagens teóricas predominantes sobre o tema; (2) identificar evidências empíricas sobre o impacto cognitivo, social e emocional das mídias digitais na aprendizagem; (3) discutir as condições institucionais e pedagógicas que favorecem o uso crítico das tecnologias; e (4) apontar lacunas e perspectivas para futuras pesquisas.
A hipótese central sustenta que o impacto das mídias digitais é positivo quando mediado por práticas pedagógicas intencionais e reflexivas, articuladas a projetos curriculares que valorizem a autoria, o pensamento crítico e a colaboração. Sem essa mediação, a tecnologia tende a reforçar práticas transmissivas e excludentes, reproduzindo desigualdades educacionais.
A relevância deste estudo decorre da urgência de compreender as transformações cognitivas e culturais que atravessam a escola na era digital. Como defende Freire (2019), “a tecnologia deve servir à libertação e não à domesticação dos sujeitos”. Assim, investigar o papel das mídias digitais na aprendizagem significa também refletir sobre o sentido social e humano da educação no século XXI, reafirmando o compromisso ético da escola com a formação integral, crítica e cidadã de seus estudantes.
2. METODOLOGIA
Este estudo foi desenvolvido com base em uma revisão sistemática da literatura (RSL), de natureza qualitativa e exploratória, com o objetivo de reunir, analisar e sintetizar evidências empíricas e teóricas acerca do impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar. A escolha pela revisão sistemática fundamenta-se na necessidade de oferecer uma visão crítica e abrangente sobre o estado atual das pesquisas, garantindo transparência, reprodutibilidade e rigor científico, conforme orientam Moher et al. (2009) e Bardin (2016).
A pesquisa seguiu o protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), amplamente utilizado em estudos de educação, por permitir padronização das etapas de busca, seleção e análise. As buscas foram realizadas nas bases SciELO, Scopus, CAPES Periódicos, ERIC e Web of Science, entre os meses de junho e setembro de 2025. Foram utilizados descritores combinados com operadores booleanos: “mídias digitais” AND “aprendizagem escolar”, “educação digital” AND “ensino básico”, “tecnologias educacionais” AND “impacto pedagógico”, e “digital media” AND “learning”.
Os critérios de inclusão foram: (a) artigos revisados por pares; (b) publicações entre 2015 e 2024; (c) textos em português, inglês e espanhol; e (d) pesquisas com foco explícito na utilização das mídias digitais em contextos escolares de ensino fundamental e médio. Foram excluídos: (a) estudos voltados à educação superior ou corporativa; (b) materiais sem método científico (relatórios, editoriais, resenhas); e (c) artigos que abordassem tecnologia de forma tangencial.
A busca inicial retornou 512 publicações. Após a remoção de duplicatas e leitura de títulos e resumos, 138 artigos foram selecionados para leitura completa. Aplicando os critérios de elegibilidade, 21 estudos compuseram o corpus final. As informações extraídas foram organizadas em planilha analítica contendo: autor, ano, país, objetivos, metodologia, instrumentos, amostra e principais resultados.
A análise dos dados foi conduzida pela análise de conteúdo temática (Bardin, 2016), que possibilitou a categorização das evidências em quatro eixos: (1) uso pedagógico das mídias digitais; (2) efeitos cognitivos e motivacionais na aprendizagem; (3) mediação docente e cultura digital; e (4) desafios estruturais e políticos. Essa estratégia metodológica permitiu identificar padrões, divergências e lacunas nos estudos revisados.
Para garantir validade e confiabilidade, dois revisores realizaram a codificação independente dos dados e posterior conferência cruzada. A triangulação teórica foi realizada com base em autores de referência na área, como Moran (2020), Kenski (2018), Lévy (2017) e Freire (2019), assegurando consistência conceitual e coerência interpretativa. Por fim, reconhecem-se as limitações inerentes ao método, como a restrição temporal e linguística, e a predominância de estudos de curto prazo. Contudo, a revisão sistemática oferece uma base sólida para compreender o papel das mídias digitais na aprendizagem escolar, apontando caminhos para a consolidação de políticas formativas e práticas pedagógicas inovadoras que articulem tecnologia, criticidade e humanização.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
A compreensão do impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar exige uma abordagem interdisciplinar, que articule dimensões pedagógicas, tecnológicas, cognitivas e sociais. A integração da tecnologia à educação não se resume à inserção de recursos digitais nas aulas, mas implica uma mudança paradigmática na forma de conceber o processo educativo, a relação professor-aluno e os modos de construção do conhecimento.
Segundo Lévy (2017), a emergência da cibercultura criou novas formas de pensar, aprender e interagir, fundadas na inteligência coletiva e na conectividade. O autor sustenta que “o saber se desloca das instituições para as redes, tornando-se fluido, compartilhado e colaborativo” (LÉVY, 2017, p. 89). Essa perspectiva reforça que o ambiente escolar precisa reconhecer o potencial formativo das mídias digitais e integrá-las criticamente aos currículos. Kenski (2018) complementa que as tecnologias educacionais não substituem o professor, mas o desafiam a reinventar suas metodologias, pois “a mediação pedagógica é o que confere sentido à tecnologia no processo de ensino-aprendizagem” (KENSKI, 2018, p. 46).
A teoria sociointeracionista de Vygotsky (1991) também contribui para esse debate ao compreender o aprendizado como processo social, mediado por instrumentos culturais e pela linguagem. As mídias digitais, nesse contexto, funcionam como mediadores simbólicos que ampliam as zonas de desenvolvimento proximal e favorecem aprendizagens colaborativas. Para Papert (1980), criador do conceito de construcionismo, o uso da tecnologia deve estimular a experimentação e a criação, e não o consumo passivo de informação. Ele defende que o computador é uma “ferramenta de pensamento”, que potencializa a aprendizagem ativa e a autonomia intelectual.
Nessa perspectiva, Moran (2020) propõe o conceito de aprendizagem híbrida, que integra momentos presenciais e digitais em um modelo dinâmico e interativo. Para o autor, “as mídias digitais ampliam as possibilidades de aprendizagem, personalizando o ensino e promovendo o protagonismo estudantil” (MORAN, 2020, p. 58). A aprendizagem digital, portanto, deve estar orientada por princípios de autonomia, cooperação e criticidade. Valente (2019) reforça essa ideia ao afirmar que o uso significativo das tecnologias exige intencionalidade pedagógica e reflexão sobre o papel do aluno como produtor de conhecimento.
Do ponto de vista político e normativo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996) estabelece, em seu artigo 32, que a educação deve incorporar meios tecnológicos e científicos que favoreçam o desenvolvimento do educando. Já a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) define a competência geral nº 5, que orienta os alunos a “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética”. Essas normativas reforçam a importância das mídias digitais como elemento estruturante da formação contemporânea, apontando para a necessidade de políticas de inclusão digital e formação docente.
Para Freire (2019), a presença das tecnologias na escola deve estar associada à conscientização crítica dos sujeitos. O autor ressalta que “a tecnologia só tem sentido quando humaniza o homem, quando o ajuda a ser mais” (FREIRE, 2019, p. 67). Nessa visão, a educação digital deve ser libertadora, voltada à autonomia e à responsabilidade ética. Em consonância, Belloni (2019) enfatiza que a educação mediada por tecnologias precisa superar o determinismo técnico, priorizando a formação crítica e cidadã.
Em perspectiva internacional, Selwyn (2016) analisa a relação entre educação e tecnologia sob o prisma das desigualdades sociais. Para ele, o discurso da inovação digital muitas vezes mascara disparidades de acesso e infraestrutura, limitando o alcance da transformação educativa. De forma semelhante, Buckingham (2018) alerta para o perigo da dependência tecnológica e da superficialidade cognitiva gerada pelo uso acrítico das mídias digitais, defendendo a alfabetização midiática como competência essencial da educação básica.
Prensky (2010) introduz o conceito de “nativos digitais”, argumentando que as novas gerações possuem formas distintas de aprender, baseadas em interatividade e conectividade. No entanto, Bennett, Maton e Kervin (2019) contestam a generalização desse conceito, apontando que o domínio tecnológico não implica necessariamente competência cognitiva ou crítica. Assim, cabe à escola promover práticas que desenvolvam o letramento digital e a consciência crítica sobre o uso das mídias.
Area e Pessoa (2018) afirmam que o uso pedagógico das mídias digitais deve contemplar três dimensões complementares: tecnológica (domínio das ferramentas), cognitiva (produção de sentido) e ética (responsabilidade social). O professor, nesse contexto, é o mediador que articula essas dimensões, transformando a tecnologia em instrumento de emancipação e aprendizagem significativa.
No âmbito cognitivo, Gee (2017) demonstra que os ambientes digitais de aprendizagem, especialmente os jogos educacionais, estimulam o raciocínio estratégico, a resolução de problemas e o pensamento sistêmico. Contudo, esses benefícios só se concretizam quando os estudantes são orientados a refletir sobre suas ações e experiências.
Além disso, Gomes e Castro (2020) destacam que as mídias digitais ampliam o repertório expressivo dos alunos, favorecendo o desenvolvimento da criatividade e da comunicação multimodal. Santaella (2019), ao abordar a cultura das mídias, argumenta que a aprendizagem contemporânea é marcada pela convergência de linguagens: visual, verbal, sonora e interativa; o que exige novas competências semióticas dos sujeitos aprendentes.
Por fim, Tapscott (2018) observa que as tecnologias digitais promovem uma reorganização dos modos de pensar e aprender, com forte ênfase na colaboração e na construção coletiva do conhecimento. O autor afirma que a escola precisa adaptar-se a essa nova ecologia cognitiva, adotando metodologias mais flexíveis, interdisciplinares e personalizadas. Em síntese, a literatura revisada converge na defesa de uma educação digital crítica e humanizadora, que não se limite à adoção de ferramentas, mas promova o desenvolvimento de competências cognitivas, éticas e sociais. As mídias digitais, quando integradas de modo reflexivo e pedagógico, ampliam as possibilidades de aprendizagem e participação, constituindo-se como um meio potente de transformação da prática educativa e da cultura escolar.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A revisão sistemática permitiu identificar quatro eixos principais na literatura sobre o impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar: (1) a ampliação das possibilidades cognitivas e comunicativas, (2) o papel da mediação docente, (3) os desafios da inclusão e da equidade digital, e (4) a necessidade de políticas públicas e formação docente continuada.
O primeiro eixo evidencia que o uso pedagógico das mídias digitais amplia as formas de aprender, tornando o processo mais interativo, visual e dinâmico. Os estudos analisados apontam que a tecnologia favorece o desenvolvimento de competências como a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas, alinhadas à BNCC (BRASIL, 2018). Moran (2020) e Valente (2019) destacam que a aprendizagem mediada por tecnologias estimula a autonomia do aluno, pois ele assume um papel ativo na construção do conhecimento. Essa autonomia, contudo, depende da orientação do professor, que precisa planejar estratégias que integrem os recursos digitais a objetivos educacionais claros.
O segundo eixo, referente à mediação docente, é o mais recorrente nos estudos revisados. As pesquisas de Kenski (2018) e Belloni (2019) indicam que o impacto positivo das mídias digitais na aprendizagem está diretamente relacionado à intencionalidade pedagógica e à capacidade reflexiva do professor. Quando o docente atua apenas como transmissor de informações, a tecnologia se torna mero adereço; mas quando atua como mediador e orientador, ela potencializa o aprendizado. Essa constatação reforça a importância da formação continuada, pois grande parte dos professores ainda se sente insegura quanto ao uso de tecnologias digitais (Gomes; Castro, 2020).
O terceiro eixo trata dos desafios da inclusão digital e da desigualdade de acesso. Embora as mídias digitais ofereçam oportunidades de democratização do conhecimento, persistem barreiras estruturais e sociais que limitam sua efetividade. Selwyn (2016) e Buckingham (2018) alertam que as diferenças de infraestrutura tecnológica entre escolas públicas e privadas geram desigualdades no processo de aprendizagem, refletindo as desigualdades sociais mais amplas. Além disso, a falta de conectividade e de dispositivos adequados impede que muitos alunos desenvolvam plenamente suas competências digitais.
Por fim, o quarto eixo relaciona-se à necessidade de políticas públicas e formação docente crítica. A literatura aponta que a inserção de tecnologias na escola só produz impacto real quando acompanhada de projetos pedagógicos institucionais e políticas educacionais sustentáveis (Tapscott, 2018; Freire, 2019). A LDB (Lei nº 9.394/1996) e a BNCC (2018) reforçam o compromisso do Estado com a inclusão digital, mas a implementação dessas diretrizes ainda é desigual. Os estudos mostram que programas como o ProInfo e o Educação Conectada apresentam avanços pontuais, porém carecem de continuidade e avaliação sistemática.
Em síntese, os resultados indicam que as mídias digitais transformam positivamente a aprendizagem escolar quando integradas de forma crítica, planejada e colaborativa, promovendo engajamento, autonomia e pensamento criativo. No entanto, o impacto efetivo depende de uma formação docente sólida e de políticas estruturais que garantam equidade de acesso e sustentabilidade das práticas tecnológicas. Dessa forma, o desafio contemporâneo não é apenas tecnológico, mas pedagógico e social: formar sujeitos capazes de aprender criticamente em um mundo digitalizado e em constante mudança.
5. CONCLUSÃO
A presente revisão sistemática evidenciou que as mídias digitais transformaram profundamente o processo de aprendizagem escolar, alterando os papéis tradicionais de professores e alunos, os métodos pedagógicos e as formas de produção do conhecimento. Entretanto, o impacto dessas transformações depende diretamente de como a tecnologia é inserida, mediada e ressignificada no contexto educacional. Ao analisar 21 estudos publicados entre 2015 e 2024, constatou-se que as mídias digitais, quando utilizadas com intencionalidade pedagógica e fundamentação crítica, potencializam aprendizagens ativas, colaborativas e personalizadas, contribuindo para o desenvolvimento integral dos estudantes.
Em primeiro lugar, é possível afirmar que o uso das mídias digitais não deve ser compreendido como mera inovação técnica, mas como uma mudança epistemológica e cultural. A aprendizagem, nesse novo cenário, deixa de ser centrada na transmissão de informações para tornar-se um processo de construção compartilhada do conhecimento. Como defende Lévy (2017), o conhecimento na era digital é construído coletivamente, de forma fluida e interconectada. Essa concepção rompe com a lógica da passividade e demanda que a escola se reinvente como um espaço de criação, pesquisa e diálogo contínuo.
O estudo também revelou que as mídias digitais ampliam significativamente o repertório cognitivo e expressivo dos alunos, estimulando múltiplas linguagens e habilidades, como a comunicação multimodal, a resolução de problemas e o pensamento crítico. Autores como Moran (2020) e Valente (2019) reforçam que o potencial pedagógico das tecnologias está em promover autonomia, autoria e protagonismo discente, deslocando o aluno de uma posição de consumidor de conteúdo para a de produtor ativo de conhecimento. Essa mudança, porém, só se concretiza mediante mediação docente qualificada, capaz de orientar, contextualizar e integrar o uso das tecnologias a objetivos pedagógicos bem definidos.
Outro aspecto central identificado é o papel do professor como mediador reflexivo. Kenski (2018) e Belloni (2019) destacam que as tecnologias, por si sós, não garantem aprendizado; é o professor que lhes confere sentido educacional. Nesse sentido, a formação continuada é elemento estratégico para o sucesso das práticas digitais. Muitos docentes ainda enfrentam inseguranças diante da incorporação das mídias, seja por falta de infraestrutura, seja por carência de capacitação crítica. Portanto, investir em formação docente reflexiva e tecnológica é condição essencial para que o uso das mídias digitais não se restrinja a modismos, mas se traduza em práticas transformadoras e emancipadoras.
No entanto, os resultados também apontam limitações e desafios relevantes. A desigualdade digital persiste como obstáculo concreto à democratização do acesso às tecnologias e à equidade de aprendizagem. Conforme salientam Selwyn (2016) e Buckingham (2018), as diferenças regionais e socioeconômicas refletem-se diretamente nas oportunidades educacionais, produzindo exclusões invisíveis. No Brasil, a ausência de políticas públicas contínuas e o baixo investimento em infraestrutura tecnológica escolar comprometem a efetividade das propostas digitais, restringindo seu alcance principalmente nas redes públicas de ensino.
Ademais, foi possível constatar que muitas escolas ainda utilizam as mídias digitais de forma superficial ou instrumental, sem uma integração curricular consistente. A tecnologia é frequentemente reduzida a suporte para atividades tradicionais, em vez de ser tratada como meio de inovação e reflexão pedagógica. Essa contradição revela que o desafio da educação digital não é apenas técnico, mas pedagógico, político e ético, exigindo um novo paradigma de formação e de gestão educacional.
A partir das evidências analisadas, conclui-se que o verdadeiro impacto das mídias digitais na aprendizagem escolar está condicionado à articulação entre tecnologia, pedagogia e humanização. Freire (2019) já alertava que a tecnologia deve servir à emancipação dos sujeitos, e não à sua alienação. Assim, a escola precisa construir um projeto educativo em que o uso das mídias digitais esteja a serviço da criticidade, da inclusão e do exercício da cidadania digital.
Do ponto de vista das políticas públicas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) reconhecem o papel das tecnologias na formação dos estudantes e na promoção da equidade, mas sua implementação ainda requer coerência entre os princípios legais e as práticas escolares. É imprescindível que os governos invistam em conectividade, infraestrutura e formação docente, garantindo condições para que a escola exerça seu papel de agente de transformação social em meio às novas ecologias cognitivas da era digital.
Por fim, reafirma-se que as mídias digitais, quando inseridas de forma crítica e planejada, podem potencializar a aprendizagem, fortalecer a inclusão e fomentar a construção de uma cultura educacional mais democrática e participativa. O desafio do século XXI é formar sujeitos capazes de aprender continuamente, pensar criticamente e agir eticamente em uma sociedade mediada por tecnologias. Cabe à escola, portanto, assumir sua responsabilidade de ser espaço de reflexão, criação e humanização, utilizando as mídias digitais não como fim, mas como meio para uma educação mais justa, inovadora e emancipadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AREA, Manuel; PESSOA, Teresa. From Solid to Liquid Learning: Digital Media and Learning. Comunicar, n. 56, p. 79–88, 2018. DOI: 10.3916/C56-2018-08.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.
BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância e tecnologias da educação. 9. ed. Campinas: Autores Associados, 2019.
BENNETT, Sue; MATON, Karl; KERVIN, Lisa. The “digital natives” debate: A critical review. British Journal of Educational Technology, v. 40, n. 5, p. 775–786, 2019. DOI: 10.1111/j.1467-8535.2009.00912.x.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BUCKINGHAM, David. The media education manifesto. Cambridge: Polity Press, 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 70. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
GEE, James Paul. Teaching, learning, literacy in our high-risk high-tech world: A framework for becoming human. New York: Teachers College Press, 2017.
GOMES, Célia; CASTRO, Renato. Educação digital e práticas multimodais: reflexões sobre cultura e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2020.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 9. ed. Campinas: Papirus, 2018.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. 5. ed. São Paulo: Editora 34, 2017.
MORAN, José Manuel. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda: desafios e possibilidades. São Paulo: Papirus, 2020.
PAPERT, Seymour. Mindstorms: Children, Computers, and Powerful Ideas. 2. ed. New York: Basic Books, 1980.
PRENSKY, Marc. Teaching digital natives: Partnering for real learning. Thousand Oaks: Corwin Press, 2010.
SANTAELLA, Lúcia. A cultura das mídias. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2019.
SELWYN, Neil. Education and technology: Key issues and debates. 2. ed. London: Bloomsbury Academic, 2016.
SILVA, Tânia; ALMEIDA, Maria Isabel. Desigualdades digitais na educação básica: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, v. 26, p. 1–15, 2021. DOI: 10.1590/S1413-24782021260034.
TAPSCOTT, Don. Grown up digital: How the net generation is changing your world. New York: McGraw-Hill, 2018.
VALENTE, José Armando. Tecnologias e aprendizagem: um novo olhar sobre a prática educativa. Campinas: Papirus, 2019.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
1 Mestre em Engenharia Elétrica. Especialista em áreas da Educação e relacionadas à Engenharia Elétrica. Bacharel em Engenharia Elétrica, licenciado em Matemática, Física, Pedagogia e em Formação de professores para a EPT. Foi aluno de IC, atuou como professor na EBTT e participou de vários projetos de P&D. Atualmente, é pesquisador e doutorando em Engenharia Elétrica. E-mail: [email protected]