RESTAURAÇÃO E READAPTAÇÃO DE CASARÃO NO DISTRITO DE PENDANGA, IBIRAÇÚ, ES
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12659575
Sueli Mufalani Pratti1
Viviane Lima Pimentel2
RESUMO
Este trabalho apresenta a proposta de reconversão de uso no casarão da família Zandomênico, localizado no Distrito de Pendanga, Município de Ibiraçu ES. Atualmente o casarão está abandonado por falta de uso e em processo de degradação. Esse projeto visa retornar o uso a este casarão adequando-o para a utilização de uma pousada voltada para retiros de casais, jovens e encontros de grupos. No entanto, levantou-se as informações necessárias com o intuito de estabelecer uma avaliação técnica do local, buscou-se utilizar materiais da região e optou-se por privilegiar o casarão na paisagem oferecendo toda uma urbanização da área para que fosse dado o suporte necessário a esta utilização. Busca-se beneficiar a população da cidade tanto com o novo uso proposto como também com a preservação desta parte da história, privilegiando e recuperando o valor do casarão com inserção na dinâmica através de um uso que seja adequado.
Palavras-chave: Readaptação. Patrimônio. Restauração. Conservação.
ABSTRACT
This work presents the proposed reconversion of use in the house of the Zandomênico family, located in the District of Pendanga, Municipality of Ibiraçu ES. Currently the house is abandoned for lack of use and in the process of degradation. This project aims to return the use to this house, adapting it to the use of a hostel geared towards retreats for couples, young people and group meetings. However, the necessary information was raised with the purpose of establishing a technical evaluation of the place, we sought to use materials from the region and chose to privilege the house in the landscape offering a whole urbanization of the area so that the necessary support was given to this use. It seeks to benefit the population of the city both with the new proposed use and also with the preservation of this part of the history, privileging and recovering the value of the house with insertion in the dynamics through a use that is appropriate.
Keywords: Readaptation. Patrimony. Restoration. Conservation.
1. INTRODUÇÃO
O estudo em questão aborda uma proposta de intervenção e restauração de um casarão da família Zandomenego situado no Distrito de Pendanga, município de Ibiraçu, ES. A população do Distrito é composta em maioria, de descendentes de imigrantes italianos.
Atualmente o casarão em questão encontra-se deteriorado e em péssimo estado de conservação por abandono de uso e falta de manutenção. As sensações e percepções despertam o desejo de trazer à tona a história de um passado que aos poucos vai se apagando do contexto histórico.
O patrimônio cultural de uma cidade serve, entre outras coisas, para deixar acesa a memória individual e coletiva de uma sociedade. Guarda a imagem viva permitindo que o passado interaja com o presente, fazendo com que a consciência se envolva e se comprometa. Quando constituída pela complexa e múltipla rede memorial, articula o passado ao presente e ao futuro.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (2012), “o patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo”.
Este trabalho trata de um casarão que remete a arquitetura da imigração italiana no ES. Em 1877 os imigrantes italianos chegaram a Ibiraçu vindos de Gênova, nos navios a vapor “Columbia”, “Izabella” e “Clementina”, coordenados pelo general Aristides Armínio Guaraná. Os imigrantes vieram para o Brasil fugidos da má condição socioeconômica do norte da Itália devido a mecanização do campo e às guerras imperialistas. Viajando em média por 60 dias, muitos destes vieram para o Espírito Santo até chegar à Vitória em busca de melhores condições de vida (IBIRAÇU, Prefeitura Municipal, s/d).
É possível afirmar que a recuperação do imóvel, dando um novo uso, que possa inseri-lo na dinâmica da comunidade local, trará um retorno que colabore para sua preservação.
Considerando que o abandono e a falta de conservação levaram o casarão ao estado atual, a recuperação pode ocasionar a valorização do imóvel despertando o interesse na preservação do bem, possibilitando a geração de renda através do uso comprovada e a auto sustentabilidade levando assim melhorias a população.
O objetivo desse projeto em nível de estudo preliminar é restaurar e readaptar o casarão para o uso de uma pousada, que poderá ser utilizada em retiros de casais, jovens e adultos e encontros de grupos.
Diante disso será elaborado o inventário do casarão e o diagnóstico do estado de conservação a fim de definir as estratégias de intervenção no imóvel. Serão analisadas referências projetuais com usos de pousadas em monumentos históricos a fim de embasar a elaboração de proposta de reconversão de uso como pousada, proporcionando a população um local atrativo, movimentando a economia e a cultura do município.
Nesta pesquisa, verificaram-se os momentos em que casarões similares estavam surgindo em função da lavoura cafeeira e que os imigrantes vieram para o estado do Espírito Santo, em busca de melhor qualidade de vida, deixando suas terras por falta de trabalho e fugindo das guerras que encontrava no seu país.
Os proprietários não têm recursos financeiros para fazer a manutenção, nem mesmo a recuperação do imóvel, a intervenção poderá recuperar a edificação gerando rendimentos para colaborar na manutenção do bem.
Buscando analisar a temática proposta, esse trabalho aborda a pesquisa exploratória e tem como objetivo apresentar de forma clara os instrumentos utilizados para coleta de dados, bem como a solução tomada.
A metodologia para desenvolvimento deste trabalho prevê a realização de levantamento arquitetônico no local, o registro fotográfico e o diagnóstico do estado de conservação do casarão, de maneira a atingir a maior autenticidade possível no processo de conhecimento do problema a ser estudado, foi elaborado um inventário com dados colhidos em entrevistas com moradores do local, pesquisas sobre o casarão. O estudo apresenta uma solução para trazer melhorias para o bem em questão, para isso fez se necessário apontar abordagens com base na utilização de material teórico, estabelecendo uma linha investigativa pela qual será conduzido o trabalho. Sendo assim, realizou-se um levantamento de todas as informações necessárias com o intuito de estabelecer uma avaliação técnica do que propõe o estudo.
A pesquisa do material teórico e o estudo seguirão distribuídos em quatro etapas: a primeira na qual buscou informações sobre a história da chegada da colonização italiana relatando a fundação do Distrito de Pendanga. A segunda em que foi elaborado um inventário do casarão e o diagnóstico do estado de conservação. A terceira quando foram analisadas as referências projetuais com usos de pousadas em monumentos históricos.
A quarta etapa trata do desenvolvimento do projeto de intervenção do casarão tendo em vista a análise de referências projetuais relativos a imóveis antigos e reabilitados com a instalação de pousadas. No projeto da pousada serão observados todos os critérios de acessibilidade nos acessos e circulação conforme as regras gerais baseadas nas normas da ABNT NBR 9050/2015, no decreto nº 5.296/2004, na normativa do Iphan nº 01/2003 e no Ministério do Turismo trazendo aos usuários acessibilidade garantida.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A imigração italiana no Espírito Santo
O imigrante italiano foi atraído pelo governo para o Brasil com promessas de propriedade de um pedaço de terra devido à abolição da escravatura. Foram enganados, desviados com contratos de parcerias para fazendas, distribuídos em locais sem nenhuma estrutura, isolados e carentes de estradas, sendo chamados de colônia mesmo que concebidas unicamente para atividades agrícolas, onde lhes eram impostos prazo para construírem suas casas, a legislação exigia ainda mais da área urbana (POSENATO, 1997).
Para (POSENATO, 1997) os núcleos primitivos formavam-se ao redor dos barracões para onde o governo conduzia e alojava os imigrantes e lhes davam condições precárias de vida, e ali permaneciam por vários meses.
Na instalação das colônias, as cidades traçadas pelos engenheiros a serviço do governo brasileiro, conforme a prática do século XIX, mostram a influência das normas que o rei espanhol Carlos II determinou para as colônias da América as Leyes Generales de Las Indias. Elas preconizavam um plano prévio antes mesmo da fundação de um povoado (PAREDES, 1973, p.133 apud POSENATO, 1997).
Enquanto que no núcleo planejado as cidades eram traçadas por técnicos do governo, nos núcleos espontâneos formaram-se, ao redor de uma capela, terra doada por alguém, onde passava a ser constituído o patrimônio da Igreja. A malha urbana não seguia um plano natural e às vias iam sendo constituídas conforme a necessidade de sua projeção (POSENATO, 1997).
Dos núcleos localizados nos territórios coloniais do Espírito Santo, muitos, que tiveram um crescimento inicial vigoroso, pelo reordenamento das rotas comerciais sofreram um baque, ostentando ainda hoje o mesmo aspecto e as mesmas edificações (agora decadentes) do período de apogeu. Isso vale tanto para os planejados como para os espontâneos. Demétrio Ribeiro e Pendanga são exemplos (RUSCHI, 1939, p.72 apud POSENATO, 1997).
O movimento imigratório italiano no Espírito Santo tem características próprias e se processou, basicamente, em dois tempos: o primeiro inclui a fase imperial (1874-1882) que vai da fundação até a emancipação de núcleos nas colônias, em regiões próximas aos centros de comercialização; o segundo, a fase imperial e republicana (1885-1895) e é uma retomada do surto imigratório em regiões mais afastadas e interioranas e que termina com a proibição causada pelo insucesso do núcleo Muniz Freire no rio Doce (BUSATTO, 1987, p.11 apud POSENATO, 1997).
Ainda segundo (BUSATTO, 2016) houve desigualdade no modo de ocupação da terra dentro da Província do Espírito Santo, na parte norte e na parte sul. Na região de Santa Leopoldina, a primeira das duas grandes colônias, predominou o sistema de concessão de prazos, enquanto que na outra colônia, a de Rio Novo, prevaleceu o sistema de parceria nas fazendas. Com uma proposta de aquisição dos terrenos pelos imigrantes, terrenos que nem sempre eram terras devolutas, mas partes de fazendas decadentes.
Em Rio Novo vigorava o sistema de prazos. Enquanto nesta colônia a divisão das terras seguia um quadriculado, na colônia de Santa Leopoldina o prazo colonial se organizava a margem direita e esquerda dos pequenos a grandes rios, de modo que todos desfrutassem do mesmo benefício a água. No entanto, por exemplo, no Rio Grande do Sul as medições se faziam de um e de outro lado de uma linha reta de muitos quilômetros não importando os acidentes orográficos.
Na primeira fase os imigrantes italianos chegavam em conjunto, sendo levados para um núcleo como aconteceu com os de Timbuí (Santa Teresa) e de Santa Cruz (Ibiraçu). Enfrentaram situações de impacto como a mudança climática, a selva brasileira, as doenças tropicais.
Na segunda fase, os imigrantes chegavam em grandes levas. Eram distribuídos pelos novos núcleos em grupos menores e levados para lugares bem mais distantes dos centros comerciais. Deparou-se com a dificuldade na comunicação e com a exploração exagerada no comércio de gêneros de primeira necessidade. Vindos em maior número e distribuídos pelos portos de Itapemirim, Piúma, Benevente (atual Anchieta), Guarapari, Vitória, Santa Cruz, São Mateus, obrigatoriamente tinham que passar pelos núcleos já fundados que, na sua maioria, não se encontravam em bom estado de prosperidade (BUSATTO, 2016).
A segunda fase da história da arquitetura italiana no Espírito Santo é marcada por uma proliferação de núcleos coloniais que consolidaram a ocupação das áreas vazias. Alguns deles se tornaram cidades, outros mudaram de nome e outros ainda, ou porque perderam representatividade na economia, não corresponderam ao futuro próspero que lhes era destinado (BUSATTO, 1987, p.28 apud POSENATO, 1997).
2.2 O Distrito de Pendanga
O Distrito de Pendanga fica localizado próximo à BR 101, denominada Governador Mário Covas (Figura 01), sendo um dos Distritos que fazem parte do Município de Ibiraçu ES. Segundo relatos de moradores do local, o Distrito de Pendanga foi considerado mais importante que o Município de Ibiraçu ES, pelo fato de que todo o centro de desenvolvimento econômico era gerado naquela localidade de Pendanga (CURTO 2018). Em Ibiraçu tratava-se, mais das questões burocráticas, sendo considerado como centro político da região (POSSATO, 2018).
Figura 01: Localização Aérea de Pendanga
O lugarejo começou na região de Ibiraçu, no início na segunda metade do século XIX, em 1877, quando os imigrantes italianos chegaram vindos de Gênova, coordenados pelo General Aristides Armínio Guaraná, sergipano de origem holandesa, diretor da Colônia Santa Leopoldina e fundador do Núcleo Colonial Conde D´Eu. Foram três grandes embarcações que trouxeram várias famílias italianas, os navios a vapor “Columbia”, “Izabella” e “Clementina” (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇÚ, s/d).
Os imigrantes que em determinado momento precisaram fugir das más condições socioeconômicas do norte da Itália, gerada pelo processo de mecanização do campo e guerras imperialistas que degeneravam o continente, chegaram ao Brasil em busca de novas oportunidades, trabalhos e vivências. A longa viagem durou em torno de 60 dias e, assim que chegaram a Vitória, foram encaminhados para Santa Cruz e de lá subiram o rio Piraqueaçu até o núcleo colonial onde eram abrigados em barracões e recebiam suas atribuições quanto colono, como a construção de estradas e produção nas lavouras. A estimativa é que cerca de 20% dos imigrantes morreram durante ou logo após a migração devido a doenças como a febre amarela e tuberculose (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇÚ, s/d).
Com a chegada dos imigrantes italianos a produção de café começou a se destacar no solo da região. Uma estratégia do governo brasileiro era o monocultivo de café pela mão de obra estrangeira sabendo que a escravatura caminhava para a extinção e a república precisava aumentar seus fundos com impostos de comercialização estrangeira (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇÚ, s/d).
Isso fez aumentar a densidade populacional da região, aparecendo os primeiros núcleos urbanos responsáveis pelo escoamento da produção rural. Já em 1891 o lugar se transformava, era próspero e declarava assim sua emancipação política, recebendo o nome de Vila Guaraná em homenagem ao general que condicionou o povoamento dos imigrantes. Recebeu o nome de Pau Gigante um ano depois devido a uma árvore exuberante de aproximadamente 60 metros que havia na região. Em 1932 já era conhecida como cidade e, em 1942, comarca. O nome Ibiraçu foi dado por decreto em 1943 fazendo uma alusão aportuguesada da tradução do tupi: ybyrá (árvore) + assu (grande) (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇÚ, s/d).
O desenvolvimento urbano do município começou graças à chegada da Estrada de Ferro Vitória a Minas e, se consolidou após 1960, com chegada da BR101. Além de ser considerada uma porta de saída para mercadoria virou também uma porta de chegada para pessoas de outras partes do Brasil. Em 1988, Ibiraçu acabou perdendo parte do seu território com a emancipação do distrito de João Neiva (PREFEITURA MUNICIPAL DE IBIRAÇÚ, s/d).
Na década de 1870, chegaram ao Brasil os primeiros colonos italianos. No Espírito Santo, um grupo desembarcou em Santa Cruz, foi conduzido até a fazenda do Barro e dali para o acampamento em Guaraná, hoje conhecida como Ibiraçu. Tinham que enfrentar as matas brasileiras que lhes foram designadas para o cultivo, as mudanças climáticas e as dificuldades de comunicação, sendo explorados nos serviços que prestavam.
Não imaginavam as dificuldades que encontrariam com a vinda para o Brasil, tendo que enfrentar vários tipos de animais na floresta virgem e muitos sofreram com as doenças como a malária. Centenas de italianos morreram por falta de recursos médicos devido às doenças tropicais que lhes foram transmitidas (Figura 02).
Figura 02: Distrito de Pendanga
2.2.1 O progresso
Em 1904, chegou a Estrada de ferro que representou um grande progresso para a região, particularmente para a localidade do Distrito de Pendanga, que passou a ser um ponto de apoio da ferrovia e de embarque de produtos agrícolas da região. Desde aquela época o café foi a principal riqueza da região (Figura 03 e 04).
Figura 03: Estação Pendanga