RELATO DE EXPERIÊNCIA: TEATRO DE ANIMAÇÃO - A TÉCNICA E O ENCANTO DO TEATRO DO LAMBE-LAMBE
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10689779
Kaline Rodrigues Barroso1
RESUMO
O Teatro Lambe-Lambe representa uma das diversas modalidades da quais se formam o Teatro de Animação Contemporâneo. Embora o acesso à cultura, em seus múltiplos formatos, têm aumentado consideravelmente nos últimos tempos. Sabe-se ainda, que uma grande parcela da população ainda não tem acesso a arte do teatro. O artigo aborda o Teatro Lambe-Lambe, uma modalidade do Teatro de Animação Contemporâneo. A caixa Lambe-Lambe, inspirada em câmeras fotográficas antigas, é o palco para espetáculos curtos, de 2 a 5 minutos, caracterizados pela proximidade entre espectador e obra. Não há um modelo dramatúrgico predefinido, permitindo ampla diversidade de temas. Sabe-se ainda, que uma grande parcela da população ainda não tem acesso a arte do teatro. O Teatro Lambe-Lambe representa um potencial facilitador em relação a esses aspectos, tornando-se uma ferramenta artística disruptiva no que tange a possibilidade de inclusão. Tendo em vista sua praticidade logística e baixo custo para sua concretização, tal modalidade caracteriza-se como um meio mais acessível de teatro. O Teatro Lambe-Lambe é destacado como uma ferramenta artística acessível, especialmente para comunidades com limitado acesso à cultura. O método envolve o uso de uma caixa cênica portátil, explorando a manipulação direta e diversas técnicas de forma, sombra e expressão. O artigo relata uma oficina realizada em uma escola municipal, demonstrando sucesso na promoção da cultura popular e desenvolvimento cognitivo dos alunos. As apresentações das caixas elaboradas pelos alunos foram bem recebidas pela comunidade escolar, evidenciando o potencial inclusivo e impacto positivo do Teatro Lambe-Lambe. A conclusão destaca a interdisciplinaridade do teatro, sua importância na educação e o êxito da oficina ao expandir-se para a comunidade, demonstrando que a arte pode servir como catalisador para projetos mais amplos.
Palavras-chave: Teatro. Teatro de animação. Teatro Lambe-Lambe. Educação. Escola.
ABSTRACT
The Lambe-Lambe Theatre represents one of the various modalities from which the Contemporary Animation Theatre is formed. Although access to culture, in its multiple formats, has increased considerably in recent times. It is also known that a large portion of the population still does not have access to the art of theater. The article addresses the Lambe-Lambe Theater, a modality of Contemporary Animation Theater. The Lambe-Lambe box, inspired by old cameras, is the stage for short shows, from 2 to 5 minutes, characterized by the proximity between spectator and work. There is no predefined dramaturgical model, allowing for a wide diversity of themes. It is also known that a large portion of the population still does not have access to the art of theater. The Lambe-Lambe Theater represents a potential facilitator in relation to these aspects, becoming a disruptive artistic tool in terms of the possibility of inclusion. In view of its logistical practicality and low cost for its implementation, this modality is characterized as a more accessible means of theater. The Lambe-Lambe Theatre is highlighted as an accessible artistic tool, especially for communities with limited access to culture. The method involves the use of a portable scenic box, exploring direct manipulation and various techniques of form, shadow, and expression. The article reports a workshop held in a municipal school, demonstrating success in promoting popular culture and cognitive development of students. The presentations of the boxes prepared by the students were well received by the school community, evidencing the inclusive potential and positive impact of the Lambe-Lambe Theater. The conclusion highlights the interdisciplinarity of theatre, its importance in education and the success of the workshop in expanding into the community, demonstrating that art can serve as a catalyst for wider projects.
Keywords: Theatre. Animation theatre. Lambe-Lambe Theatre. Education. School.
1. INTRODUÇÃO
Quando citado Teatro de Animação, a palavra “animação” remete-se ao que é animado em relação a um tema, um fato, um objeto, ou como na situação estudada, a caixa e a distância. Caixa essa que norteia o ambiente principal, um objeto que também significa espaço, plataforma, e campo de ação para o Teatro Lambe-Lambe (GORGATI, 2011). Podendo representar, ou apresentar, diversas temáticas e pluralidades com tal formato teatral. Ainda sobre a reflexão da caixa, Gorgati considera a experiência proporcionada por aquele universo criado dentro do objeto como o acesso, a permanência, a imersão e a continuidade do caminho pelo espectador.
O Teatro Lambe-Lambe representa uma das diversas modalidades da quais se formam o Teatro de Animação Contemporâneo. O nome característico Lambe-Lambe alude aos fotógrafos de rua de meados dos anos 1940 a 1960 que operavam as máquinas fotográficas em forma de caixa, e para a obtenção da foto revelada tinha-se necessário lamber o negativo, daí o nome lambe-lambe. A referência foi usada pelas criadoras da respectiva linguagem teatral quando utilizaram de uma caixa, semelhante a usadas pelos fotógrafos para exibir uma cena particular de forma intimista e de certa forma um pouco mais privada, surgindo assim o marco histórico na trajetória do Teatro Lambe-Lambe no Brasil e sua então primeira cena registrada A Dança do Parto (OLIVEIRA et al, 2018).
Essa modalidade teatral brinca com a aproximação entre espectador e obra de diversas formas, indo de encontro com uma ideia de arte massificada, pelo contrário tendo em vista que sua essência é caracterizada por pequenos encontros e afetos intimistas. Tendo assim a oportunidade e delicadeza e poder usufruir ao máximo da relação entre quem assiste e quem faz a obra, refletindo um jogo de escuta e aconchego com o espectador (LUCENTI e GASPERI, 2020).
As dimensões reduzidas da caixa Lambe-Lambe e a curta duração do espetáculo, entre dois e cinco minutos, exige uma eficácia técnica e uma forte síntese poética das lambe-lambeiras e lambe-lambeiros. A dramaturgia deve em pouco tempo apresentar as questões e aspirações do espetáculo e cativar o público. À parte a pequena duração do espetáculo, não há um modelo dramatúrgico para o Teatro Lambe-Lambe. Os e as artistas 3 desenvolvem a dramaturgia segundo seus projetos, suas preferências estéticas e suas próprias necessidades. Igualmente, não há assunto predeterminado, todas as temáticas podem ser abordadas dentro da caixa Lambe-Lambe. Existem artistas que decidem escrever suas histórias originais ou adaptar contos já conhecidos e apresentá-los de maneira linear. Neste caso, as ações se desenvolvem segundo uma cronologia bem-marcada e a história pode se dividir em outras caixas de uma mesma companhia, assim cada caixa conta um episódio da história (SILVA, 2017, p. 44).
Embora o acesso à cultura, em seus múltiplos formatos, têm aumentado consideravelmente nos últimos tempos. Sabe-se ainda, que uma grande parcela da população ainda não tem acesso a arte do teatro, especialmente aquelas situadas em periferias ou grupos vulneráveis, onde não apenas a questão econômica seja um fator limitante, mas também a distância em que se encontram de locais centrais de grandes cidades onde normalmente ocorrem as manifestações culturais (OLIVEIRA et al, 2018).
O Teatro Lambe-Lambe representa um potencial facilitador em relação a esses aspectos, tornando-se uma ferramenta artística disruptiva no que tange a possibilidade de inclusão. Tendo em vista sua praticidade logística e baixo custo para sua concretização, tal modalidade caracteriza-se como um meio mais acessível de teatro. Podendo ser empregado como técnica de propagação artística, e importante agente em busca pela universalização do acesso a arte.
O teatro Lambe-Lambe é uma linguagem em processo, trazendo uma infinidade de possibilidades. Não haverá uma caixa igual a outra. Por nada estar pronto, tudo é possível e algumas certezas no primeiro processo de criação podem se revelar transformadas pelas experiências vividas.
O TEATRO LAMBE-LAMBE é uma metáfora. Um espaço cênico miúdo que se agiganta quando a função acontece. É a poesia que domina o coração e os sentidos do expectador dando-lhe o êxtase e o prazer da unicidade e do apoderamento. É a força da energia do Animador que transforma e brinca com o VIR A SER. É o tempo minimizado pela síntese da dramaturgia. (SANTOS, 2011, p. 5)
O teatro Lambe-Lambe surge nesse trabalho com uma estética muito específica que pressupõe o teatro de animação, para transformar-se em uma forma de vislumbrar a arte com outros olhos. Apresentar o mundo do Lambe-Lambe e a miniatura às crianças é trazer a possibilidade de observar um mundo de novas possibilidades para o teatro, o que torna uma grande motivação para mergulhar nesse universo.
A inserção dos alunos nesse novo universo proporciona excelentes experiências para preencher um potencial imaginário, cultural e artístico.
1.1. Objetivos
Este projeto tem por objetivo incentivar a cultura popular através da mini oficina de teatro de animação, com utilização do teatro Lambe-Lambe, culminando com posteriores apresentações do trabalho. Proporcionando ainda, uma experiência lúdica para inspirar a criatividade dos alunos e ensinar de forma teórica e prática o exercício da arte de representar e dar vida a objetos e bonecos inanimados.
OBJETIVO GERAL
Desenvolver no aluno a capacidade de entendimento do objeto animado e suas possibilidades de expressão.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Conhecer a origem e a história do teatro Lambe-Lambe;
Identificar as diferenças e peculariedades do teatro Lambe-Lambe para o teatro de palco/arena;
Descobrir e desenvolver diferentes figuras e formas (silhuetas/sombras);
Desenvolver a capacidade de manipular pequenos objetos;
Estimular a criatividade para construir objetos em miniatura;
Desenvolver a capacidade artística para possibilitar aos alunos conduzir uma apresentação ao final da oficina.
1.2. Justificativa
A opção por essa modalidade de teatro foi basicamente para desenvolver nos alunos a curiosidade e a criatividade, pois eles próprios constroem seu teatro, criam seus personagens (bonecos ou objetos em miniatura) e podem desenvolver seu espetáculo.
Outro fator importante seria possibilitar no processo de criação das caixas de Lambe-Lambe a capacidade de expressão artística dos alunos sem a definição de uma regra pré-estabelecida. O processo de pesquisa para criação das caixas também passa a ser uma descoberta para cada aluno (ator criador-manipulador).
Olhar a criação da caixa de uma forma mais “leve”, como se fosse um brinquedo, também pode oferecer um universo estruturado e completo no qual a criança pode mergulhar na criatividade de uma forma mais divertida.
O teatro Lambe-Lambe pode estimular as crianças em um processo de novas descobertas. Esse novo mundo em miniatura pode estimular a subjetividade e o imaginário.
Não há dúvidas que o teatro Lambe-Lambe inspira e contagia, além de promover a democratização da arte, gerando um sentimento positivo de inclusão, pertencimento e autoestima.
Por fim, ajuda a desenvolver a capacidade de síntese, une várias artes como a literatura, a música, a cenografia, o figurino, a direção, a dramaturgia, ou seja, inúmeras expressões artísticas apresentadas ao espectador dentro de uma pequena caixa cênica.
(...) Conceber um trabalho teatral de curta duração (01 a 04 minutos) para um único espectador que o vê como se olhasse por um buraco de fechadura evidencia uma noção de tempo e espaço pouco usuais e explorados nas agendas dos programas de diversão e lazer. (BELTRAME, 2015, p. 12)
2. TEATRO DE ANIMAÇÃO: A TÉCNICA E O ENCANTO DO TEATRO LAMBE-LAMBE
2.1 Uma breve incursão histórica
Supostamente, o Teatro Lambe-Lambe teria sua origem nos fotógrafos ambulantes que transformaram suas caixas fotográficas, praticamente, em ateliês móveis para fotografar as pessoas pelas ruas das cidades.
Com o fim da escravidão em 1888 e o aumento da imigração, surgem os primeiros fotógrafos ambulante no Brasil no início do século XX.
Os primeiros fotógrafos ambulantes a atuar no Brasil eram em sua grande maioria imigrantes, trazendo as máquinas fotográficas que usavam dos seus países de origem. A profissão de fotógrafo ambulante se ajustava perfeitamente ao espírito aventureiro que motivava a imigração para continentes e países distantes e desconhecidos. O Brasil, tanto pelas condições socioeconômicas do início do século, quanto pelo estímulo governamental dado à imigração, atraía um enorme número de aventureiros em busca de um futuro melhor. Nos anos 30, a política nacionalista e as reformas sociais e trabalhistas da Era Vargas estimularam a migração interna e o êxodo rural no país. Sucedendo aos imigrantes, uma geração de fotógrafos Lambe-Lambe brasileiros, principalmente migrantes nordestinos ao longo dos anos 1940 e 1950, começou a substituir os primeiros fotógrafos ambulantes estrangeiros que se estabeleceram no Rio de Janeiro. (ÁGUEDA, 2008, p. 79-80)
Apesar de oficialmente essa profissão ser chamada de fotógrafo de jardim, muitas teorias existem sobre a origem do termo Lambe-Lambe. Notadamente, as mais difundidas se baseiam no fato desses fotógrafos usarem a língua para ajudar no processo de revelação das fotos.
O termo Lambe-Lambe que, inicialmente, era uma denominação pejorativa, mudou com o passar do tempo e acabou se tornando um patrimônio histórico e cultural.
Já o teatro Lambe-Lambe brasileiro nasce em 1989 no interior da Bahia, durante um evento da Associação de Teatro de Bonecos da Bahia. As bonequeiras Ismine Lima e Denise Di Santos criaram o primeiro espetáculo de Lambe-Lambe chamado de A DANÇA DO PARTO, ESPETÁCULO DE LAMBE-LAMBE.
Nas praças era comum encontrar os fotógrafos lambe-lambe encapuzados e quase fundidos a caixotes sobre tripés. Existem algumas explicações para a origem do termo lambe-lambe: lambia-se a placa de vidro para saber qual era o lado da emulsão ou se lambia a chapa para fixá-la - processos antigos de revelação de fotografias. (ROSIÈRE, 2015, p. 6)
O teatro Lambe-Lambe foi denominado dessa maneira porque sua forma de apresentação se assemelha aos antigos fotógrafos Lambe-Lambe que ocupavam as praças brasileiras entre as décadas de 40 a 60. Para SILVA, 2017, p. 29, o Teatro Lambe-Lambe carrega desde seu nascimento a humildade e a resiliência de Ismine e Denise. Dos fotógrafos ambulantes, o Teatro Lambe-Lambe herdou, além do nome, a marginalidade.
2.2. A Disseminação do Teatro Lambe-Lambe no Brasil
A partir da década de 90, Ismine Lima, Denise Di Santos e outros pesquisadores(as) difundiram bastante a linguagem Lambe-Lambe no Brasil e em outros países.
No entanto, o processo de aprendizagem não era simples, pois não havia cursos ou oficinas de formação de teatro Lambe-Lambe. Dessa forma, a maioria dos artistas ingressaram nesse mundo artístico de maneira autodidata após assistir um espetáculo na rua.
Sendo assim, pode-se dizer que a principal responsável por disseminar essa linguagem até hoje é a capacidade do teatro Lambe-Lambe de fascinar e de contagiar as pessoas.
Ora, atualmente, diversos grupos de Teatro de Bonecos do Brasil e do mundo se apropriaram desta linguagem e ampliaram suas possibilidades cênicas incorporando elementos de outros domínios do Teatro de Formas Animadas como o Teatro de Sombras e o Teatro de Objetos. Pode-se conhecer a multiplicidade das expressões desta nova forma teatral pelo estudo do último mapeamento realizado em 2016 pelo FESTIM (Festival de Teatro em Miniatura) no Brasil e publicado na Revista Anima. (SILVA, 2017, p. 33)
2.3. O Menor Teatro do Mundo
O primeiro espetáculo Lambe-Lambe “A DANÇA DO PARTO”, surgiu pela necessidade das criadoras de tratarem de temas polêmicos para jovens como gravidez, sexo, parto, etc. A ideia trazia a possibilidade de se evitar o constrangimento que poderia ser ocasionado por aulas de educação sexual. Um olhar individual para dentro de uma caixa poderia ser a solução para reduzir esse constrangimento e agregar conhecimento sobre o tema em discussão.
O surgimento se deu pela necessidade das duas artistas de falarem de temas polêmicos para jovens em situação de vulnerabilidade, tais como gravidez, sexo, parto, etc. Uma forma encontrada, foi-a a caixa de lambe-lambe, onde cada um tem a sua vez de olhar e ser informado, de forma artística, sem o constrangimento normalmente gerado por aulas de educação sexual. (ROSIÈRE, 2015, p. 6)
O espaço teatral onde a peça é encenada, lembra muito as câmeras usadas pelos fotógrafos Lambe-Lambe em seu trabalho pelas ruas. É usado uma pequena caixa cênica, portátil, dentro da qual surge a encenação de um espetáculo de curta duração onde bonecos ou outros objetos animados são utilizados.
De um modo geral, a caixa utilizada tem uma abertura na frente por onde um único espectador, de cada vez, assiste ao espetáculo. Existe uma outra abertura atrás ou em cima para possibilitar ao ator-animador visualizar o interior da caixa. Por fim, duas aberturas laterais para o ator-animador colocar as mãos e fazer a manipulação, com ou sem o uso de uma luva.
Para impedir a entrada de luz externa no interior da caixa, cobre-se com pano preto os orifícios usados pelo manipulador para acessar os bonecos. Já a abertura usada por quem vai assistir ao espetáculo pode ou não ser coberto, o que vai depender da produção encenada na caixa (não é caracterizado uma exigência técnica).
Comumente, a caixa Lambe-Lambe serve a um só espetáculo pois cada caixa é construída segundo as exigências estéticas e técnicas do que estará em seu interior. O exterior da caixa é frequentemente decorado também segundo a temática de seu espetáculo. Deste modo, não se vê duas caixas idênticas, mesmo quando se trata de uma associação ou uma série de caixas de uma mesma companhia, cada uma tem sua particularidade. Pode-se dizer então que a singularidade é um dos aspectos mais importantes das caixas Lambe-Lambe. (SILVA, 2017, p. 39)
O reduzido espaço cênico da caixa de teatro Lambe-Lambe e a curta duração do espetáculo traz a necessidade de conceber ou adaptar todos os demais elementos para atender essa especificidade técnica.
Apesar da caixa de teatro apresentar uma facilidade para o transporte, o trabalho dos bonequeiros é bastante complexo. Deixando de lado os aspectos técnicos da construção física, é necessária uma grande capacidade de síntese pois as cenas ou histórias contadas não podem durar, normalmente, mais que dois minutos. É exatamente nesse ponto que se encontra a fascinação e dificuldade dos bonequeiros. Exibir dentro de um teatro em miniatura o que não poderia ser mostrado com o mesmo encanto, mistério e exatidão no palco de um teatro normal.
É na mediação do objeto interposto entre ator e público que reside o fator determinante dessa dramaturgia. Contudo, não é somente a interposição do objeto que determina a sua especificidade, mas também o jogo cênico com ele estabelecido no tripé constituído pelo ator-manipulador, o objeto e o público. (COSTA, 2000, p. 24)
O Teatro Lambe-Lambe é ainda mais exigente neste quesito, pois além de uma dramaturgia adequada para a representação com Formas Animadas, a dramaturgia deve ser sintética, por causa das pequenas dimensões tanto dos bonecos como do espaço, mas principalmente da duração do espetáculo. (BELTRAME e ARRUDA, p. 3)
2.4. Peculiaridades e Desafios do Teatro Lambe-Lambe
No teatro Lambe-Lambe é necessário ser criativo em todos os detalhes. Desde a construção das caixas em formatos que serão capazes de aguçar a curiosidade e o imaginário até a construção do espetáculo em si. Além do que, não se pode esquecer da criatividade ao sintetizar a dramaturgia para entregar num curto espaço de tempo a mensagem que se pretende passar.
O Caixeiro muitas vezes entre o início e término da criação se vê na urgência de resumir, cortar, editar e por isso castra, mutila e solapa ideias em prol da linguagem do teatro em miniatura. Diferente do criador textual do twitter que dispõe de 140 caracteres para constituir uma ideia com coerência; o Caixeiro está inserido na linguagem teatral que envolve múltiplas dramaturgias: da luz, da cena, dos gestos, da sonoridade e do objeto (boneco) e nas artes como já defendido; pela pluralidade. (MACIEIRA, 2016, p. 7)
O desafio do(a) caixeiro(a) é dar conta de solucionar tudo dentro da caixa, considerando fatores como o tempo reduzido e a miniaturização. MACIEIRA, 2016, p.8 afirma que, o espectador coloca o olho no “buraco mágico” da caixa, mal começa a cena já está prestes a terminar. Ou seja, elementos minimizados para criação de um espetáculo.
Não há dúvida da grande dificuldade de dizer muito com pouco. Sem contar o fato, que na arte o simples é quase sempre mais difícil de ser concretizado.
Na montagem do espetáculo é necessário conhecimento para escolher bem as modalidades expressivas e os diferentes tipos de bonecos. Esse conhecimento e experiência irá auxiliar para entender a contribuição que cada recurso ou elemento irá oferecer na formatação do tipo de dramaturgia e do espaço que será usado para a apresentação. Para BELTRAME, 2015, p. 14, a repetição de gestos em espaço comprimido, limitado; manipular bonecos de dimensões tão pequenas exige conhecimentos e treino. Por outro lado, LANE, 2017, p. 23, considera que a sedução do Teatro Lambe-Lambe é uma linha direta entre quem faz e quem assiste. O processo desse artista, em sua grande maioria, é feito de acertos, erros, começos e recomeços. Uma caixa cênica precisa de um tempo de maturação. Nem sempre acontece da forma mais tranquila. (LANE, 2017, p. 23)
2.5. Teatro Lambe-Lambe, uma Arte em Evolução
O teatro Lambe-Lambe é uma arte itinerante e procura ser democrática. Em cada apresentação ou espetáculo é possível descobrir um trabalho sofisticado que consegue transmitir a sua essência.
No entanto, por ser uma experiência única e exigir uma boa concentração da plateia alguns cuidados precisam ser observados. Entre eles, evitar eventos paralelos com sonorização pois iria prejudicar o trabalho intimista que esse tipo de arte exige.
Dominar o Teatro Lambe-Lambe é um trabalho em constante desenvolvimento, o que põe o e a artista em permanente aprendizagem. É sempre necessário estudar, aprofundar seus conhecimentos para transformar em miniatura sua compreensão do mundo e então a oferecer afetuosamente a alguém. (SILVA, 2017, p. 42)
Percebe-se claramente que o Teatro Lambe-Lambe está expandindo e amadurecendo. As caixas itinerantes oferecerem ao público dos espaços cotidianos um momento miniaturizado maravilhoso. É uma arte que se instala facilmente em qualquer lugar e sempre tem algo a dizer a qualquer espectador.
Um exemplo da evolução dessa arte foi visto durante a pandemia da COVID-19. Em 2021 ocorreu o 2º Encontro de Teatro Lambe-Lambe de Brasília com uma programação on-line e gratuita, “O teatro em caixas migra do artesanal para o digital com apresentações de grupos de vários países, rodas de conversas, palestras e oficinas” (https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/02/4904455-2-encontro-de-teatro-lambe-lambe-de-brasilia-tem-programacao-on-line-e-gratuita.html).
3. METODOLOGIA
O método para a realização do Teatro Lambe-Lambe começa com a utilização de uma pequena caixa cênica, portátil, onde ali será palco para a execução da dramaturgia. Tendo como características principais a curta duração, usufruindo de bonecos ou objetos animados como parte da obra. A caixa é preparada para o recebimento da obra de maneira adequada, com uma abertura que possibilite a visualização do espectador ao espetáculo, uma outra abertura na parte superior ou atrás de forma que possibilite o ator ter visão do interior da caixa, e pôr fim a abertura realizada nas laterais, podendo ser coberta ou não por algum material, 4 onde o ator-animador terá acesso para manusear os objetos presentes no teatro (BELTRAME e ARRUDA, 2006).
A elaboração da oficina se deu em diversas etapas, durante sete encontros presenciais com duas horas de duração cada. Onde primeiramente foi apresentado uma introdução teórica e expositiva da temática teatro, e posteriormente focando na modalidade teatro lambe-lambe. A forma expositiva utilizada foi através da exibição de filmes e aulas práticas realizada com os alunos. Além do constante incentivo a realização de diálogos entre os participantes, tendo a preocupação em realizar uma interação entre múltiplos saberes e fomentando a curiosidade e imaginação para a elaboração das caixas.
Posterior a fase introdutória a temática, teve-se como função em um dos encontros os estudos da forma, onde apresentou-se e incentivou a discussão sobre a figura, a forma e a silhueta, além dos estudos da sombra. Sempre mostrando exemplos de como tais aspectos são utilizados no teatro, dessa forma estimulando que o aluno pense, analise e imagine possibilidades de como o mesmo teria interesse em realizar a oficina. O estudo de forma nada mais é do que uma ferramenta para a criatividade e efetividade da elaboração da caixa final. Além disso, foi ministrada a introdução da manipulação direta, realizando a construção de protótipos e exercícios diversos como do foco, eixo, nível e ponto fixo.
Por fim, após a fase técnica ser apresentado foi escolhido pelos alunos as temáticas de cada caixa e os grupos de realização dos mesmos. Desenvolvendo dentre os alunos a organização na hora de separar a função de cada um, a criatividade na escolha do tema do teatro e em como realizar objetos que representem o tema escolhido, e o trabalho em equipe por incentivar a participação de todos os alunos a criação e realização de cada caixa.
O projeto foi realizado em paralelo às aulas de artes contidas no currículo escolar, as atividades foram realizadas presencialmente, onde a produção e a apresentação dos teatros foram de autoria exclusiva dos alunos. Tendo a minha participação enquanto professora apenas como apoio, orientação e acompanhamento.
Essa oficina foi elaborada no mês de agosto de 2022 com a turma do 3º ano da Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, totalizando 20 alunos. A Escola foi fundada em 21 de março de 1988, atualmente está situada na região central do 5 município de Boa Vista, atendendo, neste ano letivo de 2021, 420 alunos do Ensino Fundamental nos Anos Iniciais do 1º ao 5º ano, oferecendo para a comunidade o acesso escolar, tanto no horário matutino como vespertino.
A instituição possui 19 ambientes distribuídos entre salas de aula e administração e uma equipe composta por 56 servidores. De acordo com levantamento realizado pela secretaria desta escola do ano vigente, constatou-se que 85% dos alunos matriculados nesta instituição são oriundos de outros bairros e 15% da própria comunidade.
3.1. Conteúdos:
História do Teatro de formas animadas;
História do Teatro Lambe-Lambe;
Estudos da forma;
Estudos da sombra;
Introdução a manipulação direta;
Construção de protótipos.
3.2 Recursos Materiais:
Tesoura; o Caixa de papelão;
Estilete para a professora; o Régua;
Caneta e lápis; o Máscara de proteção;
Retalhos de tecido, lã, botões, miçangas e pelúcia;
Papel Camurça; o Papel guache;
Papel Madeira; o Papel 40;
Xerox e impressões.
3.3 Avaliação:
Participação na elaboração das caixas;
Observação das caixas prontas;
Exposição e apresentação para a comunidade escolar.
4. RESULTADOS ALCANÇADOS
Como educadora da arte entendo que o fenômeno da experiência artística seja um processo que possa expandir a visão do aluno sobre o mundo e sobre si mesmo. As ferramentas e orientações utilizadas ao longo da oficina proporcionam a possibilidade de apreciação de obras artísticas, do ato de se produzir um manifesto cultural, e o desenvolver da comunicação como um todo ao longo do processo.
Por isso, é fundamental que o sujeito vivencie procedimentos artísticos para a ampliação do desenvolvimento sensorial e do crescimento da percepção estética, pois tais processos objetivam a consciência social, a expressão, o raciocínio, a capacidade crítica, tendo a liberdade como o princípio norteador (LUCENTI e GASPERI, 2020).
As crianças trabalharam três histórias, onde cada uma teve suas vozes gravadas respectivamente. Na execução o espectador visualizava a história através de um visor de um dos lados da Caixa, do outro lado se posicionava a criança que desejava fazer a manipulação dos objetos para realizar a narração da história. Ambos, espectador e manipulador, escutavam a gravação através de um fone de 7 ouvido.
As histórias escolhidas, e posteriormente realizadas pelos próprios alunos, foram:
Chapeuzinho vermelho
Em qual os objetos manipulados que se tornavam os personagens eram:
Coador de café – Chapeuzinho
Açucareiro – Lobo mau
Concha – vovozinha
Figura 1: Construção da caixa Chapeuzinho Vermelho
Figura 2: Interior da caixa Chapeuzinho Vermelho
A borboleta Antonieta
Realizado com a manipulação das mãos das crianças em formato de borboleta.
Figura 3: Construção da caixa A Borboleta Antonieta
Figura 4: Interior da caixa A Borboleta Antonieta
Figura 5: Confecção dos personagens - borboletas
Figura 6: Confecção dos personagens - borboletas
O peixinho arco-íris
Onde os objetos manipulados que se tornarão os personagens serão:
Prendedor de roupa de madeira - peixinho
Copo descartável – polvo
Figura 7: Confecção da caixa O Peixinho arco-íris
Figura 8: Interior da Caixa O Peixinho arco-íris
Figura 9: Confecção personagens - peixinho arco-íris
Figura 10: Confecção personagens – peixe arco-íris
Como citado por GORATI 2011, podemos ver apenas pelos materiais escolhidos a pluralidade que o Teatro Lambe-Lambe proporciona, onde ocasionalmente, assim como o realizado no projeto, são elaborados com objetos do cotidiano como uma colher, um garfo, ou um prendedor de roupa, ou açucareiro. Basta a imaginação e criatividade serem utilizados de forma livre e com objetivo.
As crianças envolvidas no projeto tiveram um desempenho fenomenal, muito participativas e interessadas em fazer dar certo. A situação intimista da modalidade também reflete de forma positiva no sentimento de orgulho e pertencimento das crianças ao apresentarem para aquele único espectador e entender que tudo aquilo está ocorrendo como consequência do seu esforço e emprenho e de seus colegas.
O dia final da apresentação foi um sucesso, a comunidade escolar ficou encantada com o trabalho e a criatividade dos alunos, o que só incentivou a vontade de apresentar o teatro. Inclusive o projeto foi reconhecido pela comunidade e entrevistado para o Jornal da Cultura da TV Cultura.
Figura 11: Apresentação TV Cultura
Figura 12: TV Cultura (RR)
Figura 13: TV Cultura (RR)
Figura 14: Apresentação para alunos da escola
Figura 15: Apresentação para a comunidade
5. CONCLUSÃO
A comunicação entre o teatro, sociedade e educação proporciona o ensino de arte o importante papel na educação, provocando reflexões de âmbito social e 9 motivando interligações entre diversas instâncias do saber. Isso só foi possível porque o teatro por si só é uma linguagem holística e interdisciplinar.
A oficina não se resumiu apenas a uma oficina de teatro, mas desenvolveu a comunicação e expressividade nos alunos. Desenvolveu habilidades motoras para a conceituação de todos os detalhes das caixas, em que por sinal, virou um projeto da escola como um todo, onde todos queriam ajudar e participar na realização das caixas.
Entendo que a oficina atingiu seu objetivo com êxito, onde a arte serviu como combustível para que o projeto se expandisse para além da sala de aula, posteriormente para a comunidade escolar, e até a comunidade. Expandindo os interesses e criatividades a todos aqueles que de alguma forma ou momento participaram da oficia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Professora na rede estadual de ensino do Estado de Roraima. Licenciatura em Pedagogia. Licenciatura em Teatro. Pós-graduação em Ciência da Educação. Pós-graduação em Ensino de Dança, Música e Teatro. Especializações em andamento de: Educação Musical e Ensino da Arte; Regência de Coral com Capacitação para Docência. Mestre em Ciência da Educação. http://lattes.cnpq.br/1368944199603704. https://orcid.org/0009-0008-2271-8079. [email protected]