RACISMO ESTRUTURAL: IGUALDADE, PERTENCIMENTO E SOCIEDADE
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17931508
Cheila Cristina Mença1
RESUMO
O racismo no Brasil é um fenômeno complexo multifacetado, com raízes históricas profundas. Para além das manifestações individuais de preconceito, a teoria do racismo estrutural emerge como uma ferramenta crucial de análise, que permite compreender como a desigualdade racial está enraizada nas estruturas da sociedade. Este conceito, trabalhado por diversos autores, incluindo Silvio Almeida ,defende que o racismo não é um desvio, uma patologia social ou um "acidente de percurso", mas sim um elemento orgânico e normal da organização social (ALMEIDA, 2020). Desse modo, o racismo estrutura as relações sociais, distribuindo de forma desigual poder, privilégios e desvantagens com base na raça.
Palavras-chave: Racismo; Desigualdade social; Raça.
ABSTRACT
Racism in Brazil is a complex and multifaceted phenomenon with deep historical roots. Beyond individual manifestations of prejudice, the theory of structural racism emerges as a crucial analytical tool, which allows us to understand how racial inequality is embedded in the structures of society.This concept, explored by several authors including Silvio Almeida, argues that racism is not a deviation, a social pathology, or a "hiccup" in the system, but rather an organic and normal element of social organization (ALMEIDA, 2020). In this way, racism structures social relations, unequally distributing power, privileges, and disadvantages based on race.
Keywords: Racism; Social inequality; Race.
1. INTRODUÇÃO
O racismo estrutural é um conceito que define o racismo como um sistema complexo e profundo que permeia todas as esferas da sociedade, e não apenas como atos isolados de preconceito. A ideia central, desenvolvida por autores como Silvio Almeida no Brasil, é que o racismo é um componente "normal" e orgânico da organização social, política e econômica. Sob essa ótica, as instituições — o mercado de trabalho, o sistema de justiça, a política, a educação — não são neutras. Elas operam de maneira a perpetuar a hierarquia racial estabelecida historicamente. A própria lei brasileira, que tipifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível (Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989), reconhece a gravidade do problema, embora a aplicação da lei e a eficácia das políticas ainda sejam objeto de intenso debate. Uma luta constante travada desde o fim da escravidão, luta pela igualdade de direitos, pertencimento como protagonistas da história e de uma sociedade igualitária, onde a “cor” da pele tem um grande “peso” na formação da elite da sociedade.
Objetivo geral:
Compreender e definir o conceito de racismo estrutural, diferenciando-o de outras formas de racismo e contextualizando-o historicamente.
Objetivos específicos:
Valorização da Diversidade: Promover o respeito e a valorização da diversidade de gênero, etnia, raça, entre outras, como um elemento central da formação cidadã. Compreensão do Racismo como Fenômeno Social:
Refletir sobre o racismo estrutural na sociedade brasileira, entendendo-o como um sistema que está nas estruturas das relações sociais e não apenas em atitudes individuais.
Este artigo tem como objetivo analisar os mecanismos pelos quais o racismo estrutural opera no contexto brasileiro, examinando suas manifestações nas instituições e no cotidiano, e discutindo os desafios para a efetivação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Metodologia
Será feita através da Revisão Literária, análise de livros didáticos, teses e dissertações disponíveis na biblioteca digital.
Este artigo será dividido em três subtítulos: Entidade e a ideologia do Branqueamento; Bases Históricas e Estruturantes Socias e Luta antirracista.
2. REVISÃO LITERÁRIA
Na análise de Kabengele Munanga (2019, p. 120), "Entender o racismo como estrutural significa reconhecer que ele não é um ‘ato’, mas um ‘processo’". É um processo que sistematicamente desfavorece uns em função de outros, reproduzindo-se nos modos de pensar, sentir e agir de indivíduos e instituições.
Silvio Almeida(2020)define o racismo como elemento estrutural da sociedade ,argumentando que ele é indissociável das relações econômicas e políticas do país, e não um fenômeno isolado ou patogênico. O racismo está presente na organização da sociedade de forma “normal”, e não como uma exceção. Ele opera distribuindo privilégios e desvantagens de maneira sistêmica, o que define a subalternidade de grupos racializados (Almeida,2020)
O racismo é, fundamentalmente, um sistema de dominação e exploração. A denominação é a exploração se dão nas relações socias. Logo, o racismo não é uma ideologia, mas uma relação social. Como a relação social, o racismo estrutural é estruturado pela economia e pela política, que são as instâncias em que as relações socias se materializam (ALMEIDA, 2020, p.147).
Munanga (2019) enfatiza que a miscigenação na sociedade brasileira foi frequentemente utilizada como uma ideologia para mascarar a existência do racismo e aprofundar a identidade nacional em detrimento da identidade negra e sobre o mesmo ponto de vista afirma que “entender” o racismo como estrutural significa reconhecer que ele não é uma “ato”, mas um processo de percepção de periculosidade está diretamente ligada à cor da pele.( Munanga 2020,p.120).
Ser negro em sociedade racista torna-se praticamente um “crime inafiançável” pois o julgamento começa no “olhar”, totalmente sem filtro e sem a devida empatia. Há mais de cem anos após o fim da escravidão, ainda permanece o sentimento de não pertencimento de fazer parte da historicidade e a luta pela equidade de direitos segue através dos esforços das ações afirmativas, grandes conquistas aconteceram, mas o marco crucial ainda está muito distante, a liberdade plena e igualdade de direitos perante a sociedade.
“Se todas as vidas importassem, não precisaríamos proclamar enfaticamente que a vida dos negros importa”( Angela Davis em discurso sobre direitos humanos em uma universidade nos EUA.). O negro cansou ser vítima da sociedade e implora por um espaço que é tão dele, quanto de qualquer outro membro da sociedade. Conforme confirma os dados do IBGE:
Maioria das Vítimas de Homicídio: Cerca de 76% das vítimas de homicídio no Brasil são pessoas negras. Em uma outra perspectiva, a cada 10 assassinados, 8 são negros.
Risco Desproporcional: O risco de uma pessoa negra ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior do que o de uma pessoa branca. Um estudo do Ipea apontou que um homem negro tem até oito vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um homem branco.
Violência Policial: Pessoas negras são a maioria esmagadora das vítimas de intervenções policiais. Em 2023, elas representaram 82,7% dos mortos pela polícia em todo o país. Em 2024, esse número foi de 86%.
Jovens e Armas de Fogo: Jovens negros são as principais vítimas de mortes violentas. Eles somam 80% das mortes violentas de jovens no país. Além disso, representam 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil.
Tendência de Crescimento: Enquanto os assassinatos de pessoas não-negras apresentaram queda em alguns períodos, os homicídios de negros cresceram 11,5% em uma década, evidenciando uma "seletividade racial" da violência.
Como cita o brasileiro Florestan Fernades no trecho do seu livro “Significado do Protesto Negro “:
A democracia só será uma realidade quando houver, de fato igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça.
Na perspectiva teórica de reconstrução feita por Habermas (1997), só é possível referir-se como direito propriamente dito, no contexto brasileiro, a partir da Constituição de 1988. É a primeira Constituição que trata todos como semelhantes pela garantia de igualdade como direito fundamental, em que os fundamentos soberania, cidadania e dignidade também evidenciam o direito em que todos são semelhantes.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
(BRASIL, 1988).
Há ainda a legislação especializada, tais como: A Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; a Lei nº 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas nas escolas públicas e privadas dos ensinos fundamental e médio; o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei nº 12.288/2010, destinado a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância, com a diretriz de inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira, com a garantia dos direitos fundamentais à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, direito à liberdade religiosa, do acesso à terra e à moradia, dentre outras garantias, e a Lei nº 12.711/2012, que definiu cotas para o ensino superior.
Na CF-88, há as garantias fundamentais e mais os instrumentos da tipificação do racismo, da proteção à cultura afro-brasileira e a garantia de terras para os remanescentes dos quilombos. Na legislação especial, há a garantia de promoção do ensino da História da África, a condenação da prática de racismo, além dos direitos fundamentais específicos para atender a especificidade da desigualdade racial; portanto, configuram-se, no plano legislativo, todas as garantias para os afro-brasileiros como semelhantes.
Há como questionar as garantias e se são efetivadas, seja no plano da administração pública, em forma de políticas públicas, pelo Poder Executivo, seja como decisão judicial, pelo Poder Judiciário, seja nos atos legislativos, considerando que a população negra visivelmente não goza de garantia de igualdade racial. Há expressões de racismo com frequência, seja nos meios de comunicação, seja no cotidiano da escola, do trabalho, nas redes sociais, em todos os ambientes vividos, especialmente em razão da política de cotas, da Lei nº 12.711/2012, cotas para o ensino superior, e as cotas fomentadas pelo Estatuto da Igualdade Racial.
A questão que levantamos é se escravidão é uma lembrança vergonhosa diante de tamanha força do racismo, e defendo a tese de que efetivamente a escravidão negra e o seu legado não causam vergonha ao racismo brasileiro.
Sobre a reação às cotas raciais, os casos de pessoas brancas se beneficiando de cotas raciais em concursos públicos, a naturalidade da inferiorização das pessoas negras na cena pública e privada do país veiculada intensamente pelo poder midiático, seja em novelas, séries, reality shows, telejornais e programas policiais. Não, não há vergonha de ser racista e de ter feito suas riquezas sobre os ombros, corpos e mentes das pessoas negras como afirma Bastide e Fernandes (1959, p: 237-239):
O negro deveria sempre ser tutelado pelo branco. E necessário, além de impedir a união dos negros, também vigiar a ascensão dos mesmos, para que esta não seja muito rápida nem em número muito grande. A ascensão deve ser individual e não coletiva…, e o negro que ascende deve ser fiscalizado e sempre depender de algum branco que o proteja.
Quanto à mulher negra, além da tutela do branco, há a tutela do patriarcado. E, no caso da mulher negra em situação de escravidão e sua herança no presente, o entrecruzamento das opressões resulta numa alquimia social que retira o direito à maternidade da mulher negra, ela cuida dos filhos alheios; hipersexualiza o seu corpo; a empurra para o cotidiano de estupro e violência; negra o seu direito à família e a conduz à solidão, especialmente Giacomini (1988, p. 51-52) afirma que:
A existência de “mães-pretas” revela mais uma faceta da expropriação da senzala pela casa-grande, cujas consequências inevitáveis foram a negação da maternidade da escrava e a mortandade de seus filhos. Para que a escrava se transformasse em mãe-preta da criança branca, foi-lhe bloqueada a possibilidade de ser mãe de seu filho preto. A proliferação de nhonhôs implicava o abandono e a morte de moleques.
As Mulheres negras ainda continuam sendo as principais vítimas de violência fatal no Brasil, representando a maioria dos casos de feminicídio e homicídio, com dados recentes (2024/2025) mostrando que elas somam cerca de 63,6% a 68% das vítimas totais, superando significativamente as mulheres não negras, com as maiores taxas concentradas em faixas etárias específicas e dentro de suas próprias casas, por parceiros ou ex-parceiros, refletindo um problema estrutural de racismo e desigualdade.
Estatísticas Chave (Dados de 2023-2025):
Feminicídio: Mulheres negras representaram 63,6% das vítimas em 2024, um aumento em relação aos anos anteriores, sendo a maior parcela de todos os feminicídios registrados.
Homicídios: Em 2023, 68,2% das mulheres assassinadas eram negras, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Proporção: De cada dez mulheres mortas, sete eram negras, segundo dados de 2021.
Crescimento: Enquanto o feminicídio de mulheres brancas diminuiu entre 2000 e 2020, o assassinato de mulheres pretas e pardas aumentou em 45%.
Perfil das Vítimas e Dinâmica dos Crimes:
Idade: A maioria das vítimas de feminicídio tem entre 18 e 44 anos (70,5%), mas houve aumento nos casos de adolescentes (12-17 anos) e mulheres com mais de 60 anos.
Local: A residência da vítima é o local mais comum para o crime (64,3%), com arma branca sendo o principal instrumento.
Autores: Em quase 80% dos casos, o agressor é companheiro ou ex-companheiro.
Causas Estruturais:
Racismo Estrutural: O racismo no ambiente de trabalho, resultando em salários menores e maior dependência econômica, contribui para a vulnerabilidade à violência doméstica.
Desigualdade: Mulheres negras têm 1,7 vezes mais chances de serem mortas em comparação com mulheres não negras, um reflexo de desigualdades raciais profundas.
Outras Formas de Violência:
Violência Obstétrica: Mulheres pretas e pardas são as mais afetadas pela mortalidade materna, com taxas mais altas por complicações como eclâmpsia, hemorragia e sepse.
A existência de um dispositivo de racialidade no Brasil que, ao articular poderes, saberes e modos de subjetivação, produz formas de assujeitamento e exclusão sobre a população negra brasileira enquanto reproduz a hegemonia branca nos espaços de poder (Carneiro, 2023, p.13). o racismo emerge como um dispositivo de poder nas sociedades multirraciais de passado escravocrata, nas quais “se amalgamam as contradições de raça e classe” (Carneiro, 2023, p. 58). Essa amálgama expressa que o racismo tem um papel central na formação da sociedade brasileira desde o período colonial e impactou a própria estrutura de classes, aprisionando a população negra nas camadas mais baixas da sociedade e garantindo os privilégios da branquitude. Carneiro afirma em entrevista concedida a Mano Brown que “nós somos pobres porque somos negros” (Mano a mano, 2022). A pobreza se torna, segundo Carneiro, “condição crônica da existência negra, na medida em que a mobilidade de classe torna-se controlada pela racialidade” (Carneiro, 2023, p.58). A pobreza e a riqueza são, portanto, racializadas.
O dispositivo de racialidade nos permite compreender a construção das alteridades durante o colonialismo europeu. Com especial atenção à alteridade negra, Carneiro argumenta que esse dispositivo funda uma ontologia da diferença ao promover uma divisão entre o Eu e o Outro, na qual o Eu se afirma a partir da negação e da inferiorização do Outro (Carneiro, 2023, p.31). Nessa construção, o Eu se afirma como naturalmente superior e se coloca como paradigma de humanidade e ideal de Ser. Assim, o Outro – no caso brasileiro, pessoas negras e indígenas – passa a ser tanto considerado irracional, incapaz de alcançar a moralidade, a cultura e a civilização, quanto enclausurado no estatuto do não-ser. Por isso, o dispositivo de racialidade, segundo Carneiro (2023, p. 31), “também produz uma dualidade entre positivo e negativo, tendo na cor da pele o fator de identificação do normal, e a brancura será sua representação”. Dessa dualidade resulta a desumanização do Outro que legitima as políticas estatais brasileiras de extermínio daqueles considerados indesejáveis (como a Lei da Vadiagem e as políticas imigratórias no período pós-abolição) em prol da segurança, desenvolvimento e vida da brancura.
2.1. Entidade e a Ideologia do Branqueamento
Esta seção abordará o impacto psicossocial e cultural do racismo estrutural . Originada em teorias do "racismo científico" e do darwinismo social, a ideologia do branqueamento defendia que a "raça negra" desapareceria ou avançaria cultural e geneticamente ao se misturar com a população branca ao longo de gerações. O governo brasileiro, após a abolição da escravatura, incentivou ativamente a imigração europeia como uma política de Estado para "embranquecer" o país, na crença de que o fenótipo branco prevaleceria. A ideologia do "branqueamento" e o mito da democracia racial foram ferramentas ideológicas que tentaram apagar a identidade negra e indígena do projeto nacional brasileiro. Munanga (2019) destaca como essa narrativa invisibilizou o racismo e criou a ilusão de uma convivência harmônica. O racismo estrutural não apenas oprime materialmente, mas também afeta a saúde mental, a autoestima e a forma como as pessoas negras se veem e são vistas na sociedade.
O Racismo é a crença em que uma raça, etnia ou certas características físicas sejam superiores a outras. O racismo pode se manifestar tanto em nível individual, como em nível institucional, através de políticas como a escravidão, o apartheid, o holocausto, o colonialismo, o imperialismo, dentre outros. Embora o racismo associe-se ao preconceito contra os negros, ele pode se manifestar contra qualquer raça ou etnia, sejam asiáticos, indígenas, etc. Distinção fundamental entre atos individuais de discriminação (que são crime) e um sistema social e histórico de opressão.
Normalidade, não Patologia: O racismo não é um desvio de conduta, mas parte integrante e "normal" do funcionamento da sociedade brasileira.
Sistema de Poder: O racismo é uma relação social de dominação que distribui poder, privilégios e desvantagens com base na raça.
O Racismo estrutural está enraizado nas estruturas sociais, políticas, econômicas e jurídicas da sociedade, que opera de forma naturalizada.. A desigualdade salarial, acesso restrito a posições de liderança, concentração de racismo em um setor específico da segurança pública, entre outros. A desigualdade salarial média, onde pessoas negras ganham menos que brancos em funções similares, é um reflexo do racismo estrutural.
Já o Racismo Institucional a discriminação é praticada dentro de instituições públicas ou privadas, por meio de políticas, regras ou práticas que resultam em exclusão ou tratamento desigual. Barreiras de entrada em empresas, políticas que desfavorecem a população negra, práticas discriminatórias na saúde ou na educação, e ações policiais desproporcionais, que são um reflexo do racismo estrutural dentro dessas instituições. Como por exemplo: um processo de seleção de uma empresa que desfavorece candidatos negros, ou a alta taxa de letalidade policial contra pessoas negras, que demonstra o racismo dentro da instituição de segurança.
Concomitantemente, o racismo institucional tem como referência o racismo estrutural, mas diferentemente do alcance mais amplo do racismo estrutural em termos de estruturas sociais, o modo forma institucional manifesta-se de forma mais localizada.
O Brasil dispõe de uma população majoritariamente negra, composta por 55,5% de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo de 2022. Apesar de essa população ser majoritária, evidencia-se que as práticas que envolvem o racismo estrutural são persistentes e constituem um quadro no qual essas populações são submetidas a um contexto de intensa desigualdade.
Dessa forma, o racismo estrutural no Brasil manifesta-se de forma ampla, atuando na cultura, na política e na economia. Esse processo reverbera, por exemplo, na atuação discriminatória por parte das forças de segurança pública, que desempenham, muitas vezes, um tratamento desigual baseado na raça.
Além disso, o racismo estrutural também se manifesta na saúde, nos quais o atendimento a essa população é feito, muitas vezes, ignorando a vontade ou os direitos dos pacientes.
Na educação, ao mesmo tempo, observa-se que, em regiões majoritariamente negras, as condições de ensino são precarizadas e, muitas vezes, até mesmo restringidas ao mínimo. O racismo estrutural no Brasil permeia um conjunto de diferentes instituições e cria um contexto social no qual determinados grupos sociais são subalternizados ou excluídos em detrimento de outros.
Conforme Silvio Almeida, o racismo tem uma dimensão individual e estrutural. Do ponto de vista individual, verifica-se que o racismo se manifesta, sobretudo, por meio de ações, comportamentos e violências que se localizam no âmbito das relações sociais. Desse modo, essa forma de racismo aparece, por exemplo, por meio de piadas ofensivas, comportamentos ou práticas que discriminam os indivíduos com base em sua raça.
O combate ao racismo estrutural deve compreender um esforço conjunto, não somente das instituições sociais como também da sociedade. Em razão disso, pode-se observar, no campo das políticas públicas, a criação de instrumentos que permitam a participação de pessoas negras em espaços como a educação, a saúde e a economia.
Assim, pode-se destacar a ampliação de ações afirmativas, o acesso equitativo à saúde, à moradia e ao trabalho, além de incentivos ao empreendedorismo negro e à produção cultural negra.
3. BASES HISTÓRICAS E ESTRUTURANTES
Quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, ficou proibida a escravização de pessoas dentro do território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a extinguir a escravidão e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os escravos libertos e seus descendentes na sociedade, garantindo a essa população direitos humanos, como moradia, saúde e alimentação, além do estudo formal e posições no mercado de trabalho .Os escravos recém-libertos foram habitar os locais onde ninguém queria morar, como os morros, na costa da Região Sudeste, formando as favelas . Sem emprego, sem moradia digna e sem condições básicas de sobrevivência, o fim do século XIX e a primeira metade do século XX do Brasil foram marcados pela miséria e sua resultante violência entre a população negra e marginalizada.. Quanto à população indígena sobrevivente do genocídio promovido contra o seu povo, havia cada vez mais invasão de suas terras e desmembramento de suas aldeias. A herança da escravidão: As estruturas atuais de desigualdade são uma continuação direta do período escravocrata e da ausência de políticas de inclusão pós-abolição. Formação do Estado Brasileiro: O Estado foi formado excluindo a população negra e indígena de direitos básicos, o que moldou a legislação e as instituições e a Ideologia da Miscigenação: O mito da democracia racial como ferramenta para mascarar a existência do racismo e aprofundar a desigualdade.
Em janeiro de 1989, foi sancionada a lei nº 7716, que tipifica como crime qualquer manifestação, direta ou indireta, de segregação, exclusão e preconceito com motivação racial. Essa lei representa um importante passo na luta contra o preconceito racial e prevê penas de um a três anos de reclusão aos que cometerem crimes de ódio ou intolerância racial, como negar emprego a pessoas por sua raça ou acesso a instituições de ensino e a estabelecimentos públicos ou privados abertos ao público. Quando o crime de incitação ocorrer em veículos de comunicação, a pena pode chegar a cinco anos. Essa lei também torna crime a fabricação, divulgação e comercialização da suástica nazista para fins de preconceito racial.
Alguns exemplos da desigualdade racial:
Desigualdade Econômica: Disparidade salarial, maior informalidade e sub-representação de pessoas negras em cargos de liderança.
Sistema de Justiça e Segurança Pública: Seletividade penal, maior letalidade policial e encarceramento em massa da população negra.
Acesso à Educação e Saúde: Desigualdade no acesso à educação de qualidade e piores indicadores de saúde para a população negra.
Representação Política e Mídia: Sub-representação em espaços de poder e estereótipos negativos na mídia e na cultura.
O Ciclo da Desigualdade: A desvantagem social e econômica de uma geração impacta diretamente as oportunidades da próxima.
Instituições Neutras (Aparentemente): Regras que parecem neutras, mas que na prática reforçam a exclusão de grupos racializados.
Invisibilidade e Silenciamento: A dificuldade em reconhecer o racismo como sistêmico, o que impede a formulação de soluções eficazes.
4. LUTA ANTIRRACISTA
A luta antirracista se manifesta de diversas formas, desde movimentos sociais até políticas públicas e atitudes individuais:
Legislação e Políticas Públicas: A criação de leis, como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e a tipificação da injúria racial como crime de racismo (Lei nº 14.532/2023), são marcos importantes.
Movimentos Sociais: Organizações da sociedade civil e movimentos negros têm um papel fundamental na organização e mobilização por direitos, como a Marcha Zumbi dos Palmares.
Práticas Individuais: Incluem não minimizar o racismo, repensar hábitos e discursos preconceituosos, reconhecer o próprio lugar de fala, apoiar pessoas negras e denunciar o racismo.
Representatividade: Pautas como a busca por maior representatividade na política e no mercado de trabalho em cargos de liderança são centrais na atualidade.
Ações Afirmativas: Políticas públicas como cotas raciais (educação e serviço público) como ferramentas de combate à desigualdade estrutural.
Reconhecimento Jurídico: A importância da legislação, como a Lei nº 7.716/89, que define os crimes de racismo.
Transformação Sistêmica: A necessidade de mudar as estruturas da sociedade (economia, política, cultura) e não apenas as atitudes individuais.
A luta antirracista é um processo contínuo e essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
Crítico das ideias de Gilberto Freyre, Fernandes dedicou-se a estudar as relações entre miséria e a população negra no Brasil. Sua tese de livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo e intitulada A Integração do Negro na Sociedade de Classes, trata do racismo sistêmico e da persistente segregação dos negros na economia brasileira, que, na visão do pensador, começou com a escravidão e nunca foi superada.
A visão de Florestan Fernandes abre espaço para críticas em relação à democracia racial proposta por Gilberto Freyre e abre os olhos de intelectuais e autoridades sobre o racismo estrutural no Brasil. O fato é que houve, por aqui, um predomínio muito forte do racismo estrutural, durante anos imperceptível, ao passo que nos Estados Unidos havia um sistema oficial de segregação de raças, o que levou a um grande levante negro contra a discriminação. Ações Afirmativas: Políticas públicas como cotas raciais (educação e serviço público) como ferramentas de combate à desigualdade estrutural. Reconhecimento Jurídico: A importância da legislação, como a Lei nº 7.716/89, que define os crimes de racismo. Transformação Sistêmica: A necessidade de mudar as estruturas da sociedade (economia, política, cultura) e não apenas as atitudes individuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O racismo estrutural é a regra, e não a exceção, na formação das sociedades modernas, como a brasileira, e manifesta-se através da normalização de desigualdades nos âmbitos político, econômico e social. É sistêmico e não patológico: O racismo não é um desvio de conduta individual, mas sim um componente orgânico do modo como as relações sociais e institucionais se constituem. Resulta em desigualdades concretas: Ele se traduz em disparidades no acesso a direitos básicos como saúde, educação, moradia, emprego e justiça, perpetuando a exclusão social e limitando oportunidades para a população negra e indígena. Influencia as instituições: As instituições reproduzem a ordem social racista, mesmo na ausência de intenções racistas explícitas de seus membros, resultando em práticas e normas que privilegiam determinados grupos raciais em detrimento de outros. Exige ações além do individual: O combate eficaz ao racismo estrutural requer mais do que apenas a mudança de atitudes individuais. É imprescindível a implementação de políticas públicas e ações institucionais que promovam a inclusão e a igualdade racial de forma proativa. Desmantela o mito da democracia racial: A análise do racismo estrutural evidencia a falácia da ideia de uma "democracia racial" no Brasil, mostrando que as desigualdades raciais são profundas e intencionais, historicamente. O combate é um desafio contínuo: A luta antirracista é um processo de transformação radical da sociedade, que exige conscientização e ações que enfrentem diretamente as estruturas de poder e privilégio.
Portanto, a superação do racismo estrutural é um imperativo ético e político para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa, democrática e igualitária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Graduada do Curso de Licenciatura em História. Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: [email protected]