A EVOLUÇÃO DA GESTÃO HOSPITALAR DURANTE A COVID-19

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17931482


Arlete Neres Sampaio1
Ricardo Aparecido Tanaka2


RESUMO
A pandemia de COVID-19 desafiou os sistemas de saúde globais, exigindo adaptações rápidas e estratégicas na gestão hospitalar. Este estudo analisa a resposta dos hospitais públicos e privados à crise, destacando os desafios e as lições aprendidas. Procurou-se responder: Como os hospitais gerenciaram a crise da COVID-19 e quais são as lições aprendidas para a gestão hospitalar no futuro? A pesquisa foi baseada em uma análise da literatura sobre a gestão hospitalar durante a pandemia, incluindo estudos sobre liderança, gestão de recursos, financiamento e inovação tecnológica. A pandemia exigiu uma resposta ágil e flexível dos hospitais, com a adoção de tecnologias como telemedicina e sistemas de informação em saúde. A gestão de recursos humanos foi desafiadora, com a necessidade de expandir a força de trabalho e mitigar o impacto psicossocial sobre os profissionais de saúde. A pandemia demonstrou que a resiliência dos sistemas de saúde depende de investimentos contínuos em flexibilidade gerencial, inovação tecnológica e capital humano. A gestão hospitalar deve priorizar a segurança da equipe, a transparência e a agilidade na tomada de decisões éticas e operacionais. O legado da pandemia é a necessidade de reimaginar os sistemas de saúde, com foco na atenção primária, no engajamento comunitário e na equidade.
Palavras-chave: Gestão Hospital. COVID-19. Pandemia. Resiliência. Inovação.

ABSTRACT
The COVID-19 pandemic challenged global health systems, requiring rapid and strategic adaptations in hospital management. This study examines the response of public and private hospitals to the crisis, highlighting the challenges and lessons learned. The research question was: How did hospitals manage the COVID-19 crisis and what are the lessons learned for hospital management in the future? The research was based on a literature review on hospital management during the pandemic, including studies on leadership, resource management, financing, and technological innovation. The pandemic required a swift and flexible response from hospitals, with the adoption of technologies such as telemedicine and health information systems. Human resource management was challenging, with the need to expand the workforce and mitigate the psychosocial impact on health professionals. The pandemic demonstrated that the resilience of health systems depends on continuous investments in managerial flexibility, technological innovation, and human capital. Hospital management must prioritize team safety, transparency, and agility in making ethical and operational decisions. The legacy of the pandemic is the need to reimagine health systems, with a focus on primary care, community engagement, and equity.
Keywords: . Hospital Management. COVID-19. Pandemic. Resilience. Innovation..

1. INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 representou um dos maiores desafios contemporâneos para os sistemas de saúde em âmbito global, impondo pressão intensa sobre a capacidade de resposta de hospitais públicos e privados. O cenário emergencial exigiu adaptações rápidas, reorganização de fluxos assistenciais e incorporação acelerada de tecnologias, ao mesmo tempo em que ampliou a necessidade de estratégias de gestão capazes de equilibrar eficiência operativa e cuidado humanizado. Nos hospitais públicos, a crise intensificou limitações já existentes, como escassez de recursos financeiros, infraestrutura deficitária e elevada demanda por atendimento, exigindo intervenções imediatas e políticas de contingência para evitar o colapso dos serviços essenciais. Em contrapartida, as instituições privadas se viram diante de um ambiente de mercado profundamente modificado, marcado pelo aumento de procedimentos relacionados ao coronavírus, redução inicial de cirurgias eletivas e necessidade de reorganização econômica para garantir sustentabilidade operacional.

Nesse contexto, a gestão hospitalar emergiu como elemento central para assegurar continuidade assistencial, segurança dos profissionais de saúde e eficiência no uso dos recursos disponíveis. A adoção de práticas de telemedicina, sistemas integrados de informação, protocolos clínicos padronizados e reorganização de equipes constituíram estratégias fundamentais que remodelaram o cotidiano das instituições. Além disso, a pandemia impulsionou a reflexão sobre modelos de governança, relações público-privadas e a relevância de investimentos estruturais no setor, evidenciando desigualdades, mas também oportunidades de melhoria.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Desafios e Adaptações na Gestão Hospitalar na Pandemia

A pandemia da Doença por Coronavírus 2019 (COVID-19) impôs uma crise de escala paisagística aos sistemas de saúde, com a gestão hospitalar emergindo como o ponto focal na resposta à sobrecarga da demanda assistencial e à volatilidade sem precedentes (Forster et al., 2020). A metodologia de análise da resposta hospitalar a este choque exógeno se concentra na resiliência sistêmica, definida como a capacidade das instituições de se preparar, absorver e recuperar de crises, mantendo as funções essenciais de cuidado (Haldane et al., 2021). O contexto operacional foi caracterizado pelo ambiente VUCA (Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade), exigindo que a liderança tomasse decisões rápidas e de alto impacto em um cenário de informação limitada (Kaul et al., 2020). Os desafios estruturais mais imediatos envolveram o sobrecarregamento da capacidade de internação, especialmente nas Unidades de Terapia Intensiva, e a crítica escassez de recursos como ventiladores e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o que gerou dilemas éticos complexos relacionados à alocação de recursos escassos e que exigiram a consideração das preferências do público para a triagem em situações extremas (Huseynov et al., 2020). Paralelamente aos desafios operacionais, a gestão de Recursos Humanos enfrentou a dupla pressão de expandir rapidamente a força de trabalho e de mitigar o impacto psicossocial e o trauma sofridos pelos profissionais de saúde devido à carga de trabalho excessiva e, em alguns casos, ao estigma social vivenciado em suas comunidades (Razu et al., 2021).

Em resposta a esses múltiplos domínios de crise, a gestão hospitalar implementou adaptações estratégicas cruciais. A liderança de crise demonstrou ser um fator de resiliência, pautada na habilidade de "ajustar as velas" em vez de esperar que o cenário mudasse, promovendo coordenação clara e inspirando confiança na equipe (Forster et al., 2020). Estruturalmente, houve uma rápida reconfiguração da prestação de serviços, com a conversão de alas e a criação de unidades dedicadas à COVID-19, em um esforço para absorver o choque da demanda. No campo do financiamento, a crise forçou uma resposta ágil, com a necessidade de os hospitais participarem de diálogos orçamentários nacionais que permitissem o rápido direcionamento de recursos para a resposta imediata e o reforço da capacidade do sistema (World Health Organization, 2021). Um dos legados mais significativos da pandemia foi a aceleração da transformação digital, que se tornou uma adaptação essencial na gestão. Em última análise, a experiência da gestão hospitalar na pandemia sublinha a urgência de reimaginar os sistemas de saúde globais para o século XXI, integrando o aprendizado em governança, flexibilidade de financiamento e capacidade digital, para que se construa uma resiliência intrínseca capaz de enfrentar choques futuros, mantendo a equidade e o engajamento comunitário no centro do cuidado (Assefa et al., 2021).

2.2. Gestão de Recursos e Financiamento

A gestão de recursos e o financiamento durante a pandemia de COVID-19 representaram um dos eixos mais críticos e vulneráveis dos sistemas de saúde, testando a resiliência organizacional e governamental sob um cenário de extrema incerteza (Haldane et al., 2021). O choque pandêmico traduziu-se imediatamente em uma crise de capacidade e escassez, com a demanda por leitos de Terapia Intensiva e suprimentos médicos essenciais, como ventiladores e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), superando rapidamente a capacidade de estoque e produção global. Neste contexto, os gestores hospitalares foram confrontados com a necessidade de alocação de recursos escassos, um desafio operacional que rapidamente se transformou em um dilema ético, exigindo a definição de critérios de triagem transparentes e a consideração das preferências do público para a distribuição equitativa (Huseynov et al., 2020). A inabilidade do sistema em antecipar o colapso das cadeias de suprimentos exigiu que a gestão adotasse uma liderança de crise que implementasse a rápida reconfiguração da logística interna, buscando alternativas emergenciais para garantir a proteção da força de trabalho e a continuidade do cuidado, conforme a premissa de que o líder deve "ajustar as velas" em vez de esperar a mudança do vento (Forster et al., 2020; Kaul et al., 2020).

No domínio do financiamento, a resposta eficaz à pandemia exigiu uma profunda flexibilidade orçamentária. A Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou a importância de um diálogo orçamentário nacional focado na saúde para identificar e financiar rapidamente as necessidades imediatas e de médio prazo da resposta à COVID-19 (World Health Organization, 2021). Os mecanismos de financiamento precisaram se adaptar para cobrir a expansão emergencial da infraestrutura hospitalar – como a criação de alas dedicadas e hospitais de campanha – e os custos elevados associados ao recrutamento e remuneração da força de trabalho adicional, além do custo unitário dos suprimentos médicos em alta demanda. Em muitos países, a crise estimulou uma mudança no modelo de financiamento, passando de um foco na contenção de custos para um foco na capacidade de absorção de choques, reconhecendo que o investimento em saúde é um componente essencial da segurança nacional e da resiliência econômica (Haldane et al., 2021; Assefa et al., 2021). O sucesso na gestão de recursos e financiamento durante a pandemia sublinha a necessidade de sistemas de saúde que não apenas respondam à crise, mas que integrem mecanismos de financiamento flexíveis e previsíveis para construir uma resiliência duradoura contra futuros choques de saúde pública (Assefa et al., 2021).

O enfrentamento da pandemia transcendeu a mera alocação emergencial de insumos, evoluindo para uma reavaliação profunda das estruturas de financiamento e gestão de estoques, com foco na sustentabilidade da capacidade de absorção de choques (Haldane et al., 2021). No que tange à gestão de recursos, a fragilidade das cadeias de suprimentos globais foi um ponto de falha capital. A dependência excessiva de fontes externas para itens cruciais, como EPIs e fármacos, demonstrou a necessidade de modelos de financiamento que suportem a diversificação das fontes de suprimento e, idealmente, o estímulo à produção doméstica estratégica de insumos médicos. Esta adaptação implica um financiamento contínuo para a manutenção de reservas estratégicas nacionais e um sistema de aquisição mais resiliente, que minimize a competição predatória e a especulação observadas nos picos da crise (Huseynov et al., 2020). Em termos de financiamento hospitalar, a suspensão ou redução de procedimentos eletivos, embora clinicamente necessária para liberar capacidade para pacientes com COVID-19, gerou um impacto financeiro devastador para muitas instituições que dependem de modelos de remuneração baseados no volume de serviços prestados. A gestão foi forçada a negociar novos arranjos de financiamento com pagadores públicos e privados, muitas vezes transitando para modelos de financiamento baseados em capacidade ou per capita, para garantir a solvência e a manutenção da infraestrutura crítica durante o período de baixa receita (World Health Organization, 2021).

O desafio de recursos humanos também teve uma dimensão financeira crucial. As adaptações incluíram o financiamento de horas extras, o pagamento de bônus de risco e o investimento em programas de saúde mental e bem-estar para o corpo profissional exausto (Razu et al., 2021). A sustentabilidade desses custos, juntamente com o imperativo de manter uma capacidade de surge (pico de demanda) que exige infraestrutura e pessoal prontos para serem ativados, impõe uma pressão orçamentária de longo prazo que a gestão precisa incorporar nos seus planos estratégicos pós-pandemia. A gestão de recursos e o financiamento na pandemia demonstraram que a resiliência não é um estado passivo, mas um investimento ativo e contínuo em governança flexível, capital humano e tecnológica, que deve ser reconhecido pelos formuladores de políticas como um bem público essencial, exigindo o financiamento adequado para reimaginar os sistemas de saúde globais com foco na prevenção e prontidão para o século XXI (Assefa et al., 2021). Para tal, é fundamental que a liderança mantenha os princípios de comunicação transparente e coordenação intersetorial, garantindo que as decisões de financiamento se alinhem à evidência científica e às necessidades reais da população (Forster et al., 2020).

2.3. Inovação e Tecnologia na Gestão Hospitalar

A gestão hospitalar durante a pandemia de COVID-19 foi marcada por uma transformação acelerada, onde a inovação e a tecnologia deixaram de ser meros auxiliares operacionais para se tornarem pilares centrais da resiliência sistêmica (Haldane et al., 2021). A resposta à crise, caracterizada por um ambiente de Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade (VUCA) (Kaul et al., 2020), exigiu que os líderes adotassem a tecnologia como uma ferramenta crítica para mitigar o choque da sobrecarga e manter a continuidade assistencial. A tecnologia foi rapidamente mobilizada para gerenciar o pico de demanda, otimizando a alocação de recursos escassos e minimizando a exposição da força de trabalho. Isso incluiu a implementação emergencial de sistemas de monitoramento de capacidade de leitos em tempo real, crucial para a tomada de decisões de alocação e triagem, em um contexto de dilemas éticos acentuados pela escassez (Huseynov et al., 2020). Além disso, a tecnologia facilitou a coordenação e a comunicação interinstitucional e intra-hospitalar, elementos vitais para uma liderança de crise eficaz que buscava "ajustar as velas" diante da adversidade (Forster et al., 2020).

A inovação tecnológica manifestou-se de forma proeminente na prestação de serviços de saúde. A telemedicina emergiu como uma solução robusta para o gerenciamento de pacientes não-COVID-19 e para a triagem inicial de casos suspeitos, reduzindo a pressão sobre as instalações físicas e o risco de contágio intra-hospitalar. Ferramentas de tele-expertise permitiram que médicos especialistas em grandes centros orientassem equipes em áreas remotas ou com menos recursos, promovendo uma difusão mais rápida do conhecimento clínico sobre o novo vírus. A gestão de recursos humanos também se beneficiou da tecnologia; além do suporte à saúde mental e programas de bem-estar online para profissionais de saúde exaustos (Razu et al., 2021), a tecnologia foi usada para o treinamento rápido da força de trabalho em novos protocolos de tratamento e uso adequado de EPIs. A inovação também alcançou a gestão de estoques, com a implementação de sistemas de blockchain ou plataformas de rastreamento avançado para gerenciar cadeias de suprimentos fragilizadas e garantir a distribuição equitativa de insumos críticos. A capacidade de coletar, analisar e compartilhar dados epidemiológicos em tempo real através de sistemas de informação de saúde interoperáveis tornou-se um pré-requisito para a governança eficaz da pandemia. A aceleração na adoção de tecnologias digitais, que antes levava anos, ocorreu em meses, solidificando a noção de que o financiamento deve apoiar a manutenção e a expansão dessa infraestrutura digital (World Health Organization, 2021). O futuro da gestão hospitalar, portanto, está intrinsecamente ligado à capacidade de integrar estas inovações, transformando-as de adaptações emergenciais em componentes estruturais permanentes para reimaginar os sistemas de saúde do século XXI, garantindo que a tecnologia e a inovação sirvam como fundamentos para a equidade e a preparação global (Assefa et al., 2021).

O avanço mais notável e com profundas implicações para a gestão hospitalar foi a integração de Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT) na operação diária, culminando no desenvolvimento de um modo de gestão hospitalar mais inteligente e orientado por dados. Modelos preditivos baseados em IA foram empregados para otimizar o planejamento de recursos, permitindo uma antecipação mais precisa da necessidade de leitos de UTI, ventiladores e pessoal de saúde, transformando os sistemas de reativos em sistemas proativos (Gholampour et al., 2025; Vaishya et al., 2020). A IA também demonstrou valor na clínica e no diagnóstico, com sistemas de aprendizado profundo avaliando imagens de Tomografia Computadorizada (TC) para prever a necessidade de ventilação mecânica em pacientes graves, auxiliando na triagem e na tomada de decisão de risco (Kimura-Sandoval et al., 2021). No plano operacional, a implementação de robôs e dispositivos IoT assumiu tarefas rotineiras e de alto risco, como a entrega de medicamentos e refeições, a desinfecção de ambientes e rondas autônomas, o que não apenas reduziu a carga de trabalho dos profissionais de saúde, mas também minimizou a exposição humana ao vírus, aumentando a segurança e a eficiência do uso dos recursos limitados (Exploring intelligent hospital management mode based on artificial intelligence, 2023). A gestão da cadeia de suprimentos foi radicalmente inovada pela digitalização, com o uso de sensores IoT para rastreamento em tempo real de produtos sensíveis, como vacinas e produtos biológicos que exigem a manutenção da cadeia de frio, e o emprego de machine learning para a previsão de picos de demanda e a identificação de potenciais gargalos logísticos, construindo cadeias de suprimentos mais resilientes e transparentes (Sinergi International Journal of Logistics, 2024).

Contudo, a rápida adoção dessas inovações não ocorreu sem desafios significativos para a gestão. O maior deles reside na equidade digital, pois a adoção da telemedicina e de outras plataformas digitais expôs e, em alguns casos, exacerbou disparidades no acesso, afetando populações com menor literacia digital, escassez de infraestrutura tecnológica ou dificuldades financeiras para adquirir os dispositivos necessários (Preprints.org, 2024). A gestão hospitalar teve que equilibrar a velocidade da implementação tecnológica com a necessidade de garantir a segurança de dados e a privacidade dos pacientes, uma preocupação amplificada pela natureza sensível dos dados de saúde e pelas rigorosas regulamentações de proteção de dados (HIPAA, por exemplo, nos EUA), exigindo um financiamento robusto para a cibersegurança e o desenvolvimento de plataformas compatíveis com os padrões legais (Demigos, 2022). Assim, a inovação tecnológica na gestão hospitalar durante a pandemia não representa apenas um marco de progresso, mas um imperativo para o desenvolvimento de sistemas de saúde mais robustos e equitativos, onde a liderança deve ser capaz de navegar as complexidades técnicas e éticas para consolidar o salto digital de emergência em uma fundação resiliente para o futuro (Assefa et al., 2021).

2.4. Lições Aprendidas e Legados

A crise sanitária global imposta pela pandemia de COVID-19 não apenas desafiou os limites operacionais da gestão hospitalar, mas também cristalizou um conjunto de lições aprendidas e legados que redefinirão a resiliência dos sistemas de saúde para o século XXI (Haldane et al., 2021). A principal lição extraída do período de enfrentamento reside no reconhecimento de que a saúde é um bem público fundamental e um imperativo de segurança nacional, exigindo uma mudança paradigmática do foco na contenção de custos para o investimento contínuo em capacidade de absorção de choque (Assefa et al., 2021). A fragilidade das cadeias de suprimentos e a escassez de recursos cruciais, como EPIs e ventiladores, evidenciaram a necessidade de financiar e manter reservas estratégicas nacionais e de diversificar a produção para reduzir a dependência global, transformando a gestão logística em um ponto de governança de alta prioridade. Essa nova abordagem exige que o financiamento seja flexível e rápido, capaz de ser ativado por meio de um diálogo orçamentário nacional para suprir picos de demanda e cobrir os custos elevados da manutenção de uma infraestrutura pronta para ser expandida (surge capacity) (World Health Organization, 2021).

A crise forçou a adoção maciça da telemedicina e de plataformas de comunicação virtual, que se estabeleceram como ferramentas essenciais não apenas para a triagem e o monitoramento de pacientes com COVID-19, mas também para a garantia da continuidade do cuidado não-COVID, evitando o colapso dos serviços de rotina. Essa inovação tecnológica, que incluiu a integração de Inteligência Artificial (IA) para predição de demanda e otimização de fluxo, demonstrou o potencial da gestão hospitalar de ser mais eficiente e orientada por dados (Vaishya et al., 2020). No entanto, a lição gerencial aqui é dupla: é imperativo consolidar esse avanço tecnológico através do financiamento de longo prazo para a cibersegurança e a interoperabilidade de dados, ao mesmo tempo em que se enfrentam ativamente os desafios da equidade digital, garantindo que a tecnologia não amplie as disparidades de acesso ao cuidado.

Outra lição crucial da pandemia está centrada na liderança e na governança. A crise demonstrou a ineficácia de modelos de gestão excessivamente hierárquicos e lentos, enfatizando a necessidade de uma liderança de crise adaptativa capaz de operar no ambiente VUCA (Forster et al., 2020; Kaul et al., 2020). O legado é a institucionalização de estruturas de comando mais horizontais e decisivas, que permitam que os líderes hospitalares, em todos os níveis, "ajustem as velas" rapidamente com base em evidências em constante mudança. Além disso, a gestão de recursos humanos aprendeu a lição amarga do esgotamento profissional (burnout) e do impacto psicossocial sobre a força de trabalho (Razu et al., 2021). O legado aqui é a necessidade imperativa de integrar o apoio à saúde mental, programas de bem-estar e condições de trabalho dignas como componentes permanentes e financiados da gestão de pessoal, reconhecendo que a força de trabalho é o ativo mais crítico e vulnerável do sistema de saúde. A crise também forçou a eliminação de redundâncias e a simplificação de processos burocráticos internos para otimizar o fluxo de pacientes, uma prática de eficiência operacional que deve ser mantida.

Finalmente, a pandemia deixou o legado conceitual da reimaginação dos sistemas de saúde. Vai além do aumento de leitos e ventiladores; trata-se de construir uma arquitetura de saúde que seja socialmente mais justa, equitativa e focada na atenção primária e no engajamento comunitário, elementos que se provaram cruciais para a vigilância e a mitigação da propagação viral (Assefa et al., 2021). A lição final para a gestão hospitalar é que o futuro bem-sucedido não reside no retorno à normalidade pré-crise, mas sim na consolidação dessas adaptações estruturais e tecnológicas, transformando a experiência traumática em um impulso para sistemas de saúde mais robustos, proativos e verdadeiramente resilientes, prontos para absorver e se recuperar de qualquer choque futuro (Haldane et al., 2021). O financiamento e a inovação devem, a partir de agora, ser direcionados por essa visão estratégica de longo prazo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência da gestão hospitalar durante a crise da COVID-19 demonstrou que a resiliência dos sistemas de saúde não é um atributo passivo ou acidental, mas sim o resultado direto de um investimento contínuo e estratégico em flexibilidade gerencial, inovação tecnológica e capital humano. O período pandêmico funcionou como um catalisador brutal que expôs vulnerabilidades latentes, como a rigidez orçamentária e a fragilidade das cadeias de suprimentos globais, ao mesmo tempo em que impulsionou a rápida adoção de soluções digitais antes consideradas futuristas. A lição central é que a capacidade de adaptação em um ambiente de incerteza extrema depende de uma liderança que saiba transitar da gestão de rotina para a liderança de crise, priorizando a segurança da equipe, a transparência e a agilidade na tomada de decisões éticas e operacionais. Portanto, o grande legado deixado pela crise é a necessidade de abandonar o foco exclusivo na contenção de custos em favor de uma cultura de prontidão que reconheça o investimento em saúde – seja em reservas estratégicas nacionais ou em infraestrutura digital avançada – como um imperativo de segurança e desenvolvimento social.

Olhando para o futuro da administração em saúde, as adaptações forçadas pela pandemia devem ser solidificadas em políticas institucionais permanentes. Isso implica consolidar os avanços em telemedicina e sistemas de informação não apenas como ferramentas de emergência, mas como componentes essenciais para um cuidado mais eficiente, equitativo e centrado no paciente. O desafio que se impõe à gestão pós-pandemia é o de integrar as lições de governança ágil e financiamento flexível com o imperativo de humanização do cuidado, especialmente ao enfrentar o trauma psicossocial acumulado pela força de trabalho. O caminho à frente exige que gestores de instituições públicas e privadas colaborem na construção de um novo modelo de saúde, mais robusto e menos hierárquico, que utilize a tecnologia para otimizar recursos e, crucialmente, para reimaginar o sistema como um todo, garantindo a valorização inegociável da vida e do bem-estar social.

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1 Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário IESB de Brasília/DF, especialista em Neuropsicologia Cognitio Comportamental pelo Centro Universitário Amparense, Psicopedagaoga Clinica Instituicional Faculdade Santo Agostinho MG. Especialista em Analise do Comportamento FTP/Palmas. Mestranda em Gestão da Saúde pela Must University. E-mail: [email protected]

2 Graduado em Ciências Econômicas e Ciências Contábeis e especialista em Controladoria pela FECAP. Especialista em Gestão Empresarial – Executivo Internacional pela FGV. Mestrando em Administração de Empresas pela Must University. E-mail: [email protected].