PRÉ-ECLÂMPSIA ALÉM DA HIPERTENSÃO: BIOMARCADORES ANGIOGÉNICOS, MANEJO DA CRISE HIPERTENSIVA E RISCO CARDIOVASCULAR A LONGO PRAZO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18038751


Fernanda Cristina Galerani Gualtieri Parpinelli


RESUMO
Introdução: A pré-eclâmpsia (PE) permanece como a principal causa de morte materna por causas diretas no mundo, exigindo uma compreensão que transcenda a definição clássica de hipertensão e proteinúria.
Objetivo: Analisar criticamente as evidências atuais sobre a fisiopatologia angiogénica, a aplicação clínica da razão sFlt-1/PlGF, os protocolos de manejo da crise hipertensiva aguda e as estratégias de parto no prematuro tardio (34-37 semanas).
Métodos: Revisão integrativa baseada em diretrizes internacionais (ACOG, FIGO, NICE) e ensaios clínicos randomizados (PROGNOSIS, HYPITAT-II, ASPRE, PHOENIX) publicados entre 2019 e 2025.
Resultados: A incorporação da razão sFlt-1/PlGF com cut-off de 38 demonstrou alto valor preditivo negativo para descartar PE em 1 semana. No manejo da crise hipertensiva, a nifedipina oral e a hidralazina intravenosa mostram eficácia equiparável, devendo ser administradas em até 30-60 minutos para prevenir AVC hemorrágico. Entre 34 e 37 semanas, a conduta expectante mostrou melhores desfechos neonatais sem aumento da mortalidade materna grave, comparada ao parto imediato. Conclusão: A PE deve ser encarada como uma doença de risco cardiovascular vitalício. A implementação de protocolos baseados em biomarcadores e a "Terapia de Ouro" (Sulfato de Magnésio + Anti-hipertensivos rápidos) são mandatórias para a redução da morbimortalidade.
Palavras-chave: Pré-eclâmpsia; Razão sFlt-1/PlGF; Crise Hipertensiva; Síndrome HELLP; Risco Cardiovascular.

ABSTRACT
Introduction: Preeclampsia (PE) remains the leading cause of maternal death from direct causes worldwide, requiring an understanding that goes beyond the classical definition of hypertension and proteinuria.
Objective: To critically analyze current evidence on angiogenic pathophysiology, the clinical application of the sFlt-1/PlGF ratio, protocols for the management of acute hypertensive crisis, and delivery strategies in late preterm pregnancies (34–37 weeks).
Methods: An integrative review based on international guidelines (ACOG, FIGO, NICE) and randomized clinical trials (PROGNOSIS, HYPITAT-II, ASPRE, PHOENIX) published between 2019 and 2025.
Results: Incorporation of the sFlt-1/PlGF ratio with a cut-off of 38 demonstrated a high negative predictive value for ruling out PE within one week. In the management of hypertensive crisis, oral nifedipine and intravenous hydralazine showed comparable efficacy and should be administered within 30–60 minutes to prevent hemorrhagic stroke. Between 34 and 37 weeks, expectant management was associated with better neonatal outcomes without an increase in severe maternal mortality when compared with immediate delivery.
Conclusion: Preeclampsia should be regarded as a lifelong cardiovascular risk condition. The implementation of biomarker-based protocols and the “Gold Therapy” (magnesium sulfate plus rapid-acting antihypertensives) is mandatory to reduce maternal and perinatal morbidity and mortality.
Keywords: Preeclampsia; sFlt-1/PlGF Ratio; Hypertensive Crisis; HELLP Syndrome; Cardiovascular Risk.

1. INTRODUÇÃO

A pré-eclâmpsia (PE) é uma síndrome multissistémica complexa que afeta 2% a 8% das gestações globalmente, sendo responsável por mais de 70.000 mortes maternas anuais [1]. Tradicionalmente definida pela tríade de hipertensão, edema e proteinúria, a PE é hoje compreendida como uma desordem de má adaptação vascular placentária que desencadeia uma tempestade inflamatória e endotelial sistémica.

Apesar dos avanços na vigilância pré-natal, a "falha de resgate" — incapacidade de reconhecer e tratar precocemente a hipertensão grave — continua a ser a principal causa evitável de AVC materno e óbito [2]. O cenário atual da obstetrícia vive uma mudança de paradigma: da classificação clínica reativa para a predição bioquímica proativa. O uso de fatores angiogénicos, como o Fator de Crescimento Placentário (PlGF) e a tirosina quinase-1 semelhante a fms solúvel (sFlt-1), permite antecipar o diagnóstico semanas antes das manifestações clínicas [3].

Este artigo propõe uma revisão crítica das estratégias contemporâneas, focando em quatro pilares negligenciados na prática comum: (1) a interpretação prática dos biomarcadores; (2) a farmacologia intensiva da crise hipertensiva; (3) o dilema obstétrico entre 34 e 37 semanas; e (4) o impacto cardiovascular a longo prazo.

Apesar dos avanços significativos na compreensão fisiopatológica da pré-eclâmpsia e da incorporação progressiva de biomarcadores angiogénicos nas diretrizes internacionais, persiste uma lacuna relevante entre a evidência científica disponível e a sua aplicação prática no cenário clínico real. A subutilização da razão sFlt-1/PlGF, a variabilidade na abordagem da crise hipertensiva aguda e a controvérsia quanto ao momento ideal do parto no prematuro tardio contribuem para decisões heterogéneas, atraso terapêutico e desfechos potencialmente evitáveis. Além disso, o impacto cardiovascular de longo prazo da pré-eclâmpsia permanece frequentemente negligenciado no seguimento pós-parto, apesar de evidências consistentes que a caracterizam como um marcador precoce de doença cardiovascular futura. Diante desse contexto, torna-se necessária uma revisão crítica, integrada e orientada para a prática clínica, que consolide as evidências mais atuais e traduza recomendações baseadas em dados robustos em estratégias aplicáveis à assistência obstétrica contemporânea.

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa crítica da literatura, conduzida de acordo com recomendações metodológicas para revisões narrativas estruturadas, com foco na síntese e interpretação clínica das melhores evidências disponíveis.

2.1. Estratégia de Busca e Fontes de Dados

A busca bibliográfica foi realizada de forma sistemática nas bases de dados PubMed/MEDLINE, Embase e Cochrane Library, além da consulta direta a diretrizes internacionais de sociedades científicas relevantes, incluindo o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO), National Institute for Health and Care Excellence (NICE) e Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada (SOGC).

Foram utilizados descritores controlados (MeSH/DeCS) e termos livres, combinados por operadores booleanos, incluindo:

“preeclampsia”, “angiogenic factors”, “sFlt-1”, “PlGF”, “hypertensive crisis”, “HELLP syndrome”, “late preterm delivery”, “cardiovascular risk”, “pregnancy hypertension”.

2.2. Critérios de Elegibilidade

Critérios de inclusão:

  • Ensaios clínicos randomizados (RCTs) de fase III

  • Meta-análises e revisões sistemáticas

  • Diretrizes internacionais baseadas em evidência

  • Estudos publicados entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2025

  • Artigos nos idiomas inglês, português ou espanhol

Critérios de exclusão:

  • Estudos observacionais sem análise ajustada

  • Relatos de caso, séries pequenas ou opiniões de especialistas

  • Estudos com população não gestante ou sem foco em pré-eclâmpsia

2.3. Seleção dos Estudos

A seleção foi realizada em três etapas:

  1. Leitura de títulos

  2. Leitura de resumos

  3. Leitura integral dos textos potencialmente elegíveis

Estudos duplicados foram removidos, e os artigos finais foram selecionados com base na relevância clínica, qualidade metodológica e impacto na prática obstétrica contemporânea.

2.4. Avaliação da Qualidade Metodológica

A qualidade dos ensaios clínicos randomizados foi avaliada utilizando a ferramenta Cochrane Risk of Bias 2.0, considerando viés de randomização, cegamento, dados incompletos e relato seletivo de desfechos.

A força das recomendações foi interpretada à luz do sistema GRADE (Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation), permitindo a categorização das evidências em alta, moderada ou baixa qualidade.

2.5. Estudos Pivôs Analisados

Foram considerados como estudos centrais para a síntese crítica:

  • ASPRE – prevenção da pré-eclâmpsia com aspirina em populações de alto risco

  • PROGNOSIS – validação clínica da razão sFlt-1/PlGF

  • HYPITAT-II – manejo do parto no prematuro tardio

  • PHOENIX – decisão de parto versus conduta expectante

  • MAGPIE – prevenção de eclâmpsia com sulfato de magnésio

A interpretação dos resultados priorizou desfechos clinicamente relevantes, incluindo morbimortalidade materna, desfechos neonatais e impacto na tomada de decisão obstétrica.

3. DESENVOLVIMENTO

3.1. A Revolução dos Biomarcadores: Aplicação Prática da Razão Sflt-1/plgf

A fisiopatologia da PE envolve a libertação placentária excessiva de sFlt-1, um potente antiangiogénico que sequestra o PlGF e o VEGF, causando disfunção endotelial. O estudo multicêntrico PROGNOSIS validou o uso clínico da razão sFlt-1/PlGF para a triagem de curto prazo em mulheres com suspeita de PE [3].

Os pontos de corte (cut-offs) definidos para a prática clínica são:

  • Razão < 38 (Regra de Exclusão): Apresenta um Valor Preditivo Negativo (VPN) de 99,3% para descartar PE na próxima semana. Clinicamente, permite evitar internamentos desnecessários e o uso iatrogénico de corticoides.

  • Razão > 85 (Regra de Inclusão - Precoce < 34 sem) ou > 110 (Tardia ≥ 34 sem): Altamente sugestivo de PE ou insuficiência placentária grave, exigindo internamento e vigilância intensiva, mesmo que a proteinúria ainda seja negativa.A aplicação clínica da razão sFlt-1/PlGF pode ser sistematizada em um algoritmo de estratificação de risco (Figura 1)

Figura 1. Algoritmo clínico para avaliação e manejo da suspeita de pré-eclâmpsia baseado na razão sFlt-1/PlGF

3.2 Manejo Farmacológico da Crise Hipertensiva Aguda

  • Zona Cinzenta (38 a 85): Risco intermédio, sugerindo reavaliação em 1 a 2 semanas.

A emergência hipertensiva (PAS ≥ 160 mmHg ou PAD ≥ 110 mmHg persistente por 15 min) é uma emergência médica funcional. O objetivo não é normalizar a pressão, mas reduzi-la para uma faixa segura (140-150/90-100 mmHg) para prevenir hemorragia cerebral sem comprometer a perfusão uteroplacentária.

Protocolo de Drogas de Ação Rápida (Baseado no ACOG 2023) [2]:

  1. Nifedipina (Primeira Linha Oral):

    • Dose: 10 a 20 mg (comprimido de libertação imediata, engolido, nunca sublingual).

    • Repetição: A cada 20 minutos se a PA persistir elevada. Dose máxima: 180 mg/dia.

    • Vantagem: Facilidade de administração e início de ação rápido (10-20 min).

  2. Hidralazina (Primeira Linha Parentérica):

    • Dose: 5 mg ou 10 mg IV em bolus lento (2 min).

    • Repetição: 10 mg IV a cada 20 min se necessário. Máximo cumulativo de 20-30 mg.

    • Atenção: Maior risco de hipotensão materna súbita e bradicardia fetal comparada à nifedipina.

  3. Labetalol (Primeira Linha Parentérica - Evitar na Asma/IC):

    • Dose: 20 mg IV bolus. Se ineficaz após 10 min, aumentar para 40 mg, depois 80 mg. Dose máxima acumulada: 300 mg.

Nota: O Nitroprussiato de Sódio é reservado apenas para falha terapêutica refratária ou encefalopatia hipertensiva, devido ao risco de intoxicação fetal por cianeto [2].

Tabela 1. Protocolo farmacológico para manejo da crise hipertensiva aguda (PAS ≥ 160 ou PAD ≥ 110 mmHg).

FármacoViaDose InicialRepetição / ManutençãoComentários Clínicos
NifedipinaOral10–20 mg (liberação imediata)Repetir 10–20 mg a cada 20 min. Máx: 180 mg/dia.Primeira linha. Fácil administração. Nunca usar sublingual.
HidralazinaIV (Bolus)5. MG OU 10 MG (LENTO)Repetir 10 mg a cada 20 min s/n. Máx: 20–30 mg.Risco de hipotensão súbita e taquicardia materna.
LabetalolIV (Bolus)20. MGSe ineficaz em 10 min: 40 mg $\to$ 80 mg. Máx: 300 mg.Evitar em asma grave ou insuficiência cardíaca.
NitroprussiatoIV (Bomba)0,25 $\mu$g/kg/minTitular conforme resposta.Reservado para falha terapêutica ou encefalopatia.

3.3. O Dilema Obstétrico: Conduta Entre 34 e 37 Semanas

O manejo da PE sem sinais de gravidade entre 34+0 e 36+6 semanas permanece controverso. O ensaio clínico HYPITAT-II comparou a indução imediata do parto versus conduta expectante neste grupo [4].

  • Resultados: O parto imediato reduziu ligeiramente o risco de progressão para PE grave materna, mas aumentou significativamente a taxa de Síndrome do Desconforto Respiratório Neonatal (SDR) em comparação à conduta expectante (5,7% vs 1,7%).

  • Recomendação Atual: A FIGO e o ACOG sugerem conduta expectante com monitorização rigorosa até as 37 semanas completas, exceto se houver: hipertensão refratária, RCIU (Restrição de Crescimento Intrauterino) grave, oligodrâmnio ou alterações laboratoriais progressivas (HELLP) [1, 4].

3.4. Síndrome HELLP e Profilaxia de Eclâmpsia

A Síndrome HELLP (Hemólise, Enzimas Hepáticas Elevadas, Plaquetopenia) exige interrupção da gestação independentemente da idade gestacional, após estabilização materna.

  • Corticoterapia para "Cura" da HELLP: O uso de dexametasona em altas doses (10mg a cada 12h) para recuperação plaquetária materna é controverso. Embora melhore os parâmetros laboratoriais transitoriamente, a revisão Cochrane não demonstrou redução na mortalidade materna ou necessidade de transfusão, não sendo recomendada rotineiramente [5].

  • Sulfato de Magnésio (Protocolo MAGPIE): É o anticonvulsivante de escolha, superior à fenitoína e diazepam.

    • Dose de Ataque: 4 a 6 g IV em 20 minutos.

    • Manutenção: 1 a 2 g/hora IV por 24 horas pós-parto.

    • Antídoto: Gluconato de Cálcio 10% (1g IV) deve estar sempre à cabeceira para casos de depressão respiratória.

3.5. Risco Cardiovascular a Longo Prazo: o "quarto Trimestre"

A gestante com PE apresenta um fenótipo cardiovascular de alto risco. As diretrizes da American Heart Association(AHA) classificam a PE como um fator de risco independente major [6]:

A pré-eclâmpsia pode ser compreendida como um teste de estresse cardiovascular precoce, conforme ilustrado na Figura 2

Figura 2. Representação esquemática da pré-eclâmpsia como marcador precoce de risco cardiovascular ao longo da vida.

4. Discussão

  • Risco 4x maior de Hipertensão Crónica em 10 anos.

  • Risco 2x maior de Doença Isquémica Cardíaca e AVC.

  • Estratégia de Seguimento: Toda a paciente com histórico de PE deve ser reavaliada cardiovascularmente 3 a 6 meses pós-parto (o "quarto trimestre"), com monitorização rigorosa de lípidos e glicemia, e encorajada a mudanças precoces no estilo de vida.

A presente revisão evidencia que a abordagem contemporânea da pré-eclâmpsia atravessa um momento de transição paradigmática: de um modelo essencialmente reativo, baseado em manifestações clínicas tardias, para uma estratégia preditiva, estratificada e orientada por biomarcadores. No entanto, apesar da robustez das evidências disponíveis, a incorporação sistemática dessas ferramentas na prática clínica permanece heterogénea.

Tabela 2. Principais ensaios clínicos randomizados que fundamentam as diretrizes atuais.

Estudo (Ano)PopulaçãoIntervençãoPrincipal Desfecho / Achado
ASPRE (2017)Alto riscoAAS 150 mgRedução de 62% na PE pré-termo.
PROGNOSIS(2016)Suspeita de PEsFlt-1/PlGFValor < 38 descarta PE (VPN 99,3%).
HYPITAT-II (2015)34–37 semParto vs ExpectanteConduta expectante = menor desconforto respiratório.
PHOENIX (2019)PE tardiaParto vs ExpectanteParto planejado reduziu morbidade materna.
MAGPIE (2002)PE graveSulfato de MagnésioRedução de 58% na eclâmpsia.

4.1. Biomarcadores Angiogénicos: Evidência Sólida, Aplicação Desigual

Os dados derivados do estudo PROGNOSIS e de validações subsequentes demonstram de forma consistente que a razão sFlt-1/PlGF possui elevado valor preditivo negativo para exclusão de pré-eclâmpsia em curto prazo. Ainda assim, observa-se uma subutilização significativa desse marcador fora de centros terciários e em sistemas públicos de saúde, muitas vezes por barreiras logísticas, custo ou desconhecimento clínico.

Essa lacuna entre evidência e prática resulta em internamentos desnecessários, uso iatrogénico de corticoterapia antenatal e ansiedade materna evitável. A padronização de algoritmos clínicos baseados em pontos de corte validados poderia racionalizar recursos e melhorar a tomada de decisão obstétrica, especialmente em cenários de suspeita diagnóstica precoce ou atípica.

4.2. Crise Hipertensiva Aguda: Falha de Resgate Como Principal Determinante de Desfechos Neurológicos

A hipertensão grave não tratada ou tratada tardiamente permanece como a principal causa prevenível de acidente vascular cerebral materno. Embora diretrizes internacionais sejam claras quanto à necessidade de intervenção farmacológica em até 30–60 minutos, estudos observacionais demonstram atraso frequente na administração de anti-hipertensivos de ação rápida.

A comparação entre nifedipina oral, hidralazina intravenosa e labetalol revela eficácia semelhante na redução pressórica inicial, devendo a escolha ser guiada pela disponibilidade, perfil clínico materno e experiência da equipe. Nesse contexto, a ausência de protocolos institucionais padronizados contribui para variabilidade terapêutica e desfechos adversos evitáveis.

4.3. O Prematuro Tardio: Entre Proteção Materna e Risco Neonatal

O manejo da pré-eclâmpsia sem sinais de gravidade entre 34 e 37 semanas permanece um dos maiores dilemas da obstetrícia moderna. Ensaios como HYPITAT-II e PHOENIX demonstram que o parto imediato reduz modestamente a progressão materna para formas graves, porém às custas de maior morbidade respiratória neonatal.

As diretrizes atuais convergem para uma abordagem expectante cuidadosamente monitorizada, reservando a interrupção da gestação para casos de deterioração materna ou fetal. Esse equilíbrio delicado reforça a importância da decisão compartilhada, da estratificação de risco individualizada e da disponibilidade de suporte neonatal adequado.

4.4. Síndrome HELLP e Prevenção de Eclâmpsia: o Que Permanece Inquestionável

Apesar das controvérsias quanto ao uso de corticoterapia em altas doses para “tratamento” da síndrome HELLP, o papel do sulfato de magnésio na prevenção de eclâmpsia permanece indiscutível. O estudo MAGPIE consolidou seu uso como padrão-ouro, com redução significativa de convulsões e mortalidade materna.

A falha na administração oportuna do sulfato de magnésio continua a ser um marcador de cuidado subótimo, reforçando a necessidade de educação contínua das equipes e de protocolos assistenciais claros.

4.5. Pré-eclâmpsia Como Marcador de Risco Cardiovascular Futuro

Um dos aspectos historicamente negligenciados no manejo da pré-eclâmpsia é o seu impacto a longo prazo. Evidências consistentes demonstram que mulheres com história de pré-eclâmpsia apresentam risco substancialmente aumentado de hipertensão crónica, doença isquémica cardíaca e acidente vascular cerebral.

O reconhecimento da pré-eclâmpsia como um “teste de estresse cardiovascular” precoce impõe a necessidade de seguimento estruturado no pós-parto, integrando obstetrícia, clínica médica e cardiologia preventiva — o chamado “quarto trimestre”.

5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Apesar da robustez das evidências analisadas, este estudo apresenta limitações inerentes ao seu delineamento como revisão integrativa. A heterogeneidade metodológica entre os ensaios clínicos randomizados, meta-análises e diretrizes incluídas pode limitar a comparabilidade direta entre os estudos. Além disso, a ausência de meta-análise quantitativa impede a estimativa de medidas de efeito agregadas para alguns desfechos clínicos.

Outro fator a considerar é o potencial viés de publicação, uma vez que estudos com resultados negativos ou neutros tendem a ser menos frequentemente publicados. Ademais, embora tenham sido priorizadas diretrizes internacionais e ensaios de alto impacto, a aplicabilidade dos achados pode variar conforme o contexto dos sistemas de saúde, especialmente em países de média e baixa renda, onde a disponibilidade de biomarcadores angiogénicos e recursos terapêuticos pode ser limitada.

Por fim, o período temporal analisado, embora contemple as evidências mais recentes, pode não capturar estudos emergentes ainda em fase de publicação, devendo as recomendações aqui apresentadas ser interpretadas à luz de futuras atualizações científicas.

6. CONCLUSÃO

A pré-eclâmpsia deve ser compreendida como uma síndrome sistémica complexa, cujas implicações ultrapassam o período gestacional e se estendem ao longo da vida da mulher. As evidências contemporâneas demonstram que a abordagem exclusivamente baseada em critérios clínicos tradicionais é insuficiente para prevenir desfechos maternos e perinatais graves, sendo imperativa a incorporação de estratégias preditivas fundamentadas em biomarcadores angiogénicos.

A utilização racional da razão sFlt-1/PlGF permite não apenas antecipar o diagnóstico e estratificar o risco de curto prazo, mas também otimizar recursos, reduzir intervenções desnecessárias e apoiar decisões obstétricas individualizadas. No contexto da crise hipertensiva aguda, a implementação rigorosa de protocolos com anti-hipertensivos de ação rápida e sulfato de magnésio permanece como o pilar fundamental para a prevenção de complicações neurológicas maternas potencialmente fatais.

No prematuro tardio, entre 34 e 37 semanas, a evidência atual sustenta a conduta expectante cuidadosamente monitorizada como estratégia preferencial na ausência de sinais de gravidade, equilibrando a segurança materna com a redução da morbidade neonatal. Ademais, o reconhecimento da pré-eclâmpsia como um marcador precoce de risco cardiovascular impõe a necessidade de um seguimento estruturado no pós-parto, integrando a obstetrícia à prevenção cardiovascular.

Assim, a consolidação de protocolos baseados em evidência, a educação contínua das equipes de saúde e a transição para um modelo de cuidado longitudinal representam passos essenciais para reduzir a morbimortalidade associada à pré-eclâmpsia e melhorar os desfechos maternos a curto e longo prazo.

REFERÊNCIAS SELECIONADAS

FIGO. The International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) initiative on pre-eclampsia: A pragmatic guide for first-trimester screening and prevention. Int J Gynaecol Obstet. 2019;145(Suppl 1):1-33.

ACOG. Practice Bulletin No. 222: Gestational Hypertension and Preeclampsia. Obstet Gynecol. 2020;135(6):e237-e260.

Zeisler H, et al. (PROGNOSIS Study). Predictive Value of the sFlt-1:PlGF Ratio in Women with Suspected Preeclampsia. N Engl J Med. 2016;374(1):13-22.

Broekhuijsen K, et al. (HYPITAT-II Study). Immediate delivery versus expectant monitoring for hypertensive disorders of pregnancy between 34 and 37 weeks of gestation: an open-label, randomized controlled trial. Lancet. 2015;385(9986):2492-501.

Sibai BM. Diagnosis and Management of Preeclampsia and Eclampsia. Obstet Gynecol. 2023 Update.

American Heart Association (AHA). Hypertension in Pregnancy: Diagnosis, Blood Pressure Goals, and Pharmacotherapy: A Scientific Statement. Hypertension. 2022.