PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17065522


Valéria Castelo da Silva1
Fabiane Fernandes Guimarães2


RESUMO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) configura-se como uma modalidade de ensino essencial para a superação de desigualdades sociais e o exercício pleno da cidadania. Este artigo tem como objetivo analisar as práticas pedagógicas no ensino de Ciências e Biologia em uma turma da EJA do Colégio Estadual El Shadai, localizado em Barreiras-BA. A metodologia adotada foi qualitativa, por meio de um estudo de caso, com observações realizadas entre os dias 24 de setembro e 3 de outubro de 2024. Os dados foram coletados com base em um roteiro de observação estruturado, envolvendo a análise do ambiente escolar, das características específicas dos alunos da EJA, das metodologias utilizadas pelos professores em sala de aula, da participação dos alunos e das dificuldades enfrentadas por estudantes e docentes para que haja um processo de ensino e aprendizagem satisfatório. Os resultados evidenciam tanto o compromisso dos professores quanto os desafios estruturais da escola e as limitações impostas pelas condições socioeconômicas dos alunos. Ressalta-se a importância das metodologias ativas, do ensino contextualizado e da valorização dos saberes dos educandos como estratégias fundamentais para a promoção da alfabetização científica e da aprendizagem significativa na EJA. Conclui-se que, para garantir o direito à educação de qualidade, é imprescindível investir na formação docente, na infraestrutura escolar e na valorização da EJA como espaço de transformação e justiça social.
Palavras-chave: EJA. Educação. Prática pedagógica.

ABSTRACT
Youth and Adult Education (EJA) is a crucial educational modality for overcoming social inequalities and promoting full citizenship. This article aims to analyze the pedagogical practices in Science and Biology teaching in an EJA class at Colégio Estadual El Shadai, located in Barreiras-BA. The study adopted a qualitative case study approach, with observations conducted from September 24 to October 3, 2024. Data collection was based on a structured observation script, focusing on the school environment, teaching methodologies, student participation, and challenges faced by both students and teachers. The findings highlight the teachers’ commitment, as well as the school’s structural challenges and the socio-economic barriers impacting student performance. The study emphasizes the importance of active methodologies, contextualized teaching, and the appreciation of students’ life experiences as essential strategies to promote scientific literacy and meaningful learning. It concludes that guaranteeing quality education requires investment in teacher training, school infrastructure, and the social recognition of EJA as a space for transformation.
Keywords: YAE. Education. Pedagogical practice.

1 INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ela, além de buscar corrigir uma dívida histórica com aqueles que foram excluídos do sistema educacional, também contribui para o desenvolvimento social e econômico do país. Ademais, promove inclusão, cidadania e oferece às pessoas que não tiveram acesso à escola na idade regular, ou precisaram interromper os estudos, a oportunidade de retomar seus estudos.

Entretanto, no contexto educacional, a EJA enfrenta desafios específicos, como a necessidade de adaptar metodologias e conteúdos às necessidades dos alunos adultos. Esses alunos, na maioria dos casos, trazem consigo experiências de vida diversificadas, o que exige uma abordagem pedagógica que valorize seus saberes e promova uma aprendizagem significativa, fortalecendo o processo de ensino-aprendizagem e mitigando a evasão escolar que ocorre com frequência neste segmento educativo.

Nesse contexto, o ensino de Ciências e Biologia na EJA assume uma relevância especial, por estar diretamente ligado à realidade e às necessidades dos alunos. Afinal, suas experiências de vida permitem contextualizar o aprendizado de forma prática, abordando temas como saúde, meio ambiente e tecnologias de maneira significativa. Além disso, o conhecimento científico e biológico empodera os alunos, ajudando-os a tomar decisões mais sólidas sobre sua saúde e bem-estar, bem como consciência crítica sobre seu papel no sistema-mundo em que vive, o que é crucial para eles, visto que não tiveram acesso, de forma reflexiva, a essas informações anteriormente.

A conscientização sobre questões ambientais e a promoção de práticas sustentáveis são aspectos importantes a serem abordados, assim como o desenvolvimento do pensamento crítico, sendo essenciais para combater a desinformação e instigar ações transgressoras e transformadoras. O ensino de Ciências e Biologia na EJA não só prepara os alunos para o mercado de trabalho, mas também promove cidadania, saúde e uma compreensão mais ampla do mundo, transformando vidas e superando barreiras educacionais impostas pela histórica desigualdade social em diversos âmbitos da vida humana.

Dito isso, a presente pesquisa se justifica pela necessidade constante de aprimoração da formação docente, inclusive, desde a formação inicial, dada a importância de reavaliação e inovação da práxis pedagógica com vistas ao acesso, aprendizagem, inclusão e permanência dos alunos da EJA nas escolas.

Para tanto, o objetivo deste estudo voltou-se à observação das aulas dos professores de EJA do Colégio Estadual El Shadai, localizado na cidade de Barreiras no Oeste da Bahia, entre os dias 24 de setembro e 3 de outubro de 2024. Esta atividade foi requisito de avaliação parcial do componente curricular de Prática Pedagógica no ensino de Ciências e Biologia na EJA, do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e aconteceu sob supervisão da professora da disciplina, profa. Ma. Fabiane Fernandes Guimarães e teve o intuito de investigar as metodologias utilizadas pelos docentes, as dificuldades enfrentadas pelos alunos e professores, bem como pensar em possíveis melhorias para tornar o ensino mais eficiente e inclusivo, o que está proposto no projeto de intervenção, o qual foi entregue à referida professora como produto das observações.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

Este estudo baseia-se em autores que defendem uma educação crítica e inclusiva, como Paulo Freire, que propôs a educação como um processo de conscientização e empoderamento dos alunos. Para Freire (2018), a educação deve ser um ato de libertação, que permita ao educando compreender sua realidade e transformá-la. No contexto da EJA, isso é ainda mais importante, uma vez que os alunos muitas vezes trazem consigo experiências de marginalização e exclusão social.

Além deste, temos também José Carlos Libâneo (2019) e Cipriano Carlos Luckesi (2020) os quais abordam a importância de metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem, pois estimulam a participação dos alunos e promovem uma aprendizagem mais significativa. As metodologias lúdicas e interativas têm se mostrado eficazes no ensino de Ciências e Biologia, pois tornam os conteúdos de maneira mais acessível e envolvente para os estudantes adultos, uma vez que o ensino de Ciências na EJA deve ser contextualizado, partindo das experiências de vida dos alunos, para que o conhecimento científico se torne significativo e aplicável em seu cotidiano.

No Brasil, a EJA teve origem no período colonial, quando ações educacionais voltadas para adultos eram realizadas de maneira pontual, frequentemente associadas à catequese e ao ensino de noções elementares. Contudo, foi somente a partir dos anos 1940 que a EJA passou a ser organizada de maneira mais consistente, evoluindo para uma política pública estruturada e institucionalizada. Em 1947, o governo brasileiro criou o Serviço de Educação de Adultos (SEA), com o objetivo de alfabetizar e oferecer educação básica para adultos. O programa refletia a preocupação do governo em promover o desenvolvimento social e econômico, ao mesmo tempo em que buscava fortalecer a cidadania e a participação ativa da população no processo de modernização do país. O SEA foi um dos pilares iniciais para a estruturação de políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil.

No entanto, foi com a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), criada durante o governo de Getúlio Vargas (década de 1940), que começou a surtir efeito a meta de redução do analfabetismo e garantia da inclusão educacional de jovens e adultos que não puderam frequentar a escola na idade regular do ensino básico. O programa oferecia oportunidades de alfabetização e ensino básico, visando melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, fortalecer a cidadania e integrá-las ao desenvolvimento social e econômico do país.

A década de 1960 foi marcada por um aumento na preocupação com a educação de adultos, especialmente após o golpe militar de 1964. O regime militar implementou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) em 1967, que visava reduzir o analfabetismo no país. Apesar de ter alcançado um grande número de pessoas, o MOBRAL foi criticado por sua abordagem tecnicista e pela falta de uma perspectiva crítica e emancipatória. De acordo com Paiva (2003), os programas de educação de adultos foram criticados por adotarem uma abordagem tecnicista, focando apenas na transmissão de conhecimentos básicos sem promover uma reflexão crítica sobre a realidade social dos educandos.

Além disso, o MOBRAL foi acusado de servir aos interesses políticos do regime, ao invés de promover uma educação verdadeiramente emancipatória. A falta de uma perspectiva crítica e transformadora limitou seu potencial para formar cidadãos conscientes e ativos. Dessa forma, apesar de ter alcançado um grande número de pessoas, "o MOBRAL, apesar de seus esforços, não conseguiu superar as barreiras estruturais do analfabetismo e da exclusão social, mantendo-se limitado por uma abordagem que não priorizava a conscientização crítica dos educandos" (PAIVA, 2003, p. 78).

A redemocratização do Brasil, na década de 1980, trouxe novas perspectivas para a EJA, garantindo-lhe uma base legal na nova legislação brasileira. A Constituição Federal de 1988 reconheceu legalmente o direito à educação para todos, incluindo jovens e adultos que não tiveram acesso à escolarização na idade regular. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, consolidou a EJA como uma modalidade de ensino específica, oferecendo uma segunda chance para que esses jovens e adultos pudessem completar sua educação básica, melhorar suas condições de vida e participar mais ativamente da sociedade.

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, art. 2º).

Nesse contexto, o ensino de Ciências e Biologia na EJA assume uma relevância especial por estar diretamente ligado à realidade e às necessidades dos alunos. Muitos desses estudantes trazem consigo experiências de vida que permitem contextualizar o aprendizado. Nesse sentido, a alfabetização científica é de suma importância, pois segundo Sasseron (2023), ela propõe o reconhecimento de conceitos e ideias científicas, elementos da natureza, as relações que as diversas ciências têm entre si, as tecnologias, a sociedade, o ambiente etc. Ainda Vale ressaltar que a alfabetização científica, na perspectiva do letramento, tem como meta aguçar a capacidade dos indivíduos em utilizar a leitura e escrita nas suas práticas sociais, isto porque o "letramento é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita.", como nos lembra Magda Soares (2016, p. 18). Em consonância, no campo da Ciências e Biologia, Sasseron (2023) ratifica que uma das principais finalidades da alfabetização é desenvolver no sujeito a sua capacidade de organizar o pensamento de maneira lógica, bem como auxiliá-lo na construção de sua consciência crítica.

Desse modo, as práticas pedagógicas desempenham papel crucial no engajamento dos alunos no processo de aprendizagem da área de ciências e biologia, visto que uma aula bem planejada e executada pode despertar o interesse destes no que está sendo proposto enquanto aprendizagem. Segundo Oliveira e Santos (2019, p. 45), o planejamento pedagógico é um processo dinâmico e reflexivo, que deve levar em consideração as necessidades específicas que alunos apresentam, bem como os contextos sociais em que estão inseridos, para que assim, os objetivos educacionais sejam alcançados a partir de práticas significativas e inclusivas.

Disto isso, para que se cumpra o objetivo crítico e inclusivo das propostas da EJA, a “integração de práticas inovadoras e o ensino de ciências na EJA são fundamentais para promover a inclusão social e o desenvolvimento de competências que permitam aos jovens e adultos enfrentar os desafios da sociedade contemporânea”. (Silva e Souza, 2020). Portanto, observar e reavaliar a práxis docente constantemente é condição sine qua non para a melhoria da qualidade do ensino e, sobretudo, o engajamento dos alunos e alunas da EJA no processo de aprendizagem.

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa é de cunho qualitativo, sendo um breve estudo de caso, que se baseou na observação, como técnica de coleta de dados, a fim de investigar como se dá a prática pedagógica de EJA no Colégio Estadual El Shadai, em Barreiras-BA, com a turma chamada de eixo VI A.

Segundo Gil,

O estudo de caso é um tipo de pesquisa que tem como objetivo a análise profunda e exaustiva de um ou de poucos objetos, de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento. Trata-se de uma investigação empírica que estuda um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. O estudo de caso é particularmente útil quando se pretende responder a questões do tipo 'como' e 'por que', e quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos estudados. Além disso, é uma técnica que permite a utilização de múltiplas fontes de evidências, como documentos, entrevistas, observação direta e artefatos físicos. (GIL, 2008, p. 54).

A prática se consistiu em 24 horas de observação, realizadas entre os dias 24 de setembro e 3 de outubro de 2024. Foram observadas as aulas de todos os componentes curriculares, com ênfase nos componentes de Ciências e Biologia. O foco da observação foi a interação professor-aluno, a utilização de recursos didáticos, o uso de metodologias ativas e a dinâmica em sala de aula. Para tal, utilizamos como instrumento metodológico a observação, amparada por anotações de campo, registros fotográficos (com consentimento) e análise da estrutura física da escola.

A colheita das informações foi implicada à construção de um diário de bordo, um instrumento utilizado para registro destas. Segundo Campos, Silva e Albuquerque (2022, p.7), "o diário de campo é um documento pessoal e consiste em uma forma de registro de observações, comentários e reflexões para uso individual do pesquisador”.

Foram observados também a frequência dos alunos desde o primeiro ao último horário de aula, a interação com as aulas e conteúdos ministrados, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes devido à jornada de trabalho. Vale ressaltar que antes de irmos a campo estruturamos, junto à professora, o roteiro de observação a seguir:

Quadro: Roteiro de observação na escola

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PRÁTICAS PEDAGÓGICA EM EJA

1 Identificação: Nome do observador, data de observação, turma/série observada, disciplina.
2 Ambiente de aula: Organização do espaço físico, organização da sala, recursos disponíveis/apresentados, condições de iluminação, ventilação, etc.
3 Dinâmica de aula: Início da aula ( pontualidade do aluno, recepção, apresentação dos objetivos), desenvolvimento da aula (metodologia, participação dos alunos, interação aluno-professor, uso de recursos didáticos), encerramento da aula (resumo do que foi observado, esclarecimento das dúvidas, atividades designadas).
4 Perfil/comportamento dos alunos nas aulas: Frequência, participação, contribuição, qualidade, interesse, engajamento. Trabalham em grupo? Resolvem conflito?
5 Observação da práxis pedagógica: Planejamento ( clareza, conteúdo adequado, estratégias metodológicas, execução da aula (domina o conteúdo? Explica claramente? Consegue motivar os alunos?)Feedback (Dá retorno aos alunos nas discussões? Incentiva o pensamento crítico? Atende as individualidades dos discentes?
6 Considerações finais: Pontos fortes, a melhorar, observações extra.

Fonte: Elaborado pela autora.

Estabelecido o roteiro, foi feita uma reunião preliminar com a direção e coordenação da escola, para acertar os objetivos do trabalho, como ocorreriam as observações, quantas horas seriam destinadas para realizar as observações. As observações iniciaram-se dia 24 de setembro, no período noturno, entre os horários das 19h00min e 21h50min, sendo feita em duplas, porém, o relatório seria realizado de forma individual.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A partir das observações realizadas na turma do Eixo VI-A da EJA, no Colégio Estadual El Shadai, em Barreiras-BA, entre os dias 24 de setembro e 3 de outubro de 2024, foram identificados aspectos fundamentais sobre as práticas pedagógicas no ensino de Ciências e Biologia. A análise dos dados foi organizada em cinco categorias principais, baseadas no roteiro de observação previamente estabelecido e na fundamentação teórica discutida neste trabalho.

A turma observada apresentou significativa heterogeneidade, com alunos entre 23 e 56 anos, sendo muitos deles trabalhadores que conciliam longas jornadas de trabalho com os estudos. Esse perfil reflete a realidade comum da EJA, marcada pela diversidade de trajetórias de vida e pela busca de superação de lacunas educacionais. Como aponta Freire (2018), a educação de adultos precisa partir do reconhecimento do saber de experiência feito e da vivência social dos alunos, valorizando-os como sujeitos históricos e protagonistas de sua aprendizagem.

Contudo, observou-se que muitos estudantes chegavam com atraso, devido a suas responsabilidades profissionais e familiares, o que afetava diretamente seu rendimento e participação nas aulas. Esses desafios, descritos por Libâneo (2019), exigem estratégias pedagógicas flexíveis, que respeitem o ritmo e as condições dos alunos, favorecendo a permanência e a aprendizagem significativa.

A infraestrutura da escola apresentou limitações que interferem no desenvolvimento pleno das atividades pedagógicas. Foram identificados problemas como iluminação deficiente, falhas no sistema de ventilação, carteiras danificadas e ausência de um laboratório de Ciências, o que restringe o uso de metodologias experimentais.

A falta de um espaço adequado para aulas práticas compromete diretamente o ensino de Ciências e Biologia, que, como destaca Sasseron (2023), depende da experimentação, da observação e da problematização para o desenvolvimento da alfabetização científica. A precariedade do ambiente escolar contradiz o que prevê a LDB, que assegura o direito a uma educação de qualidade para todos (Brasil, 1996).

Apesar dessas adversidades, foi observado um ponto positivo: a oferta de alimentação noturna. O lanche, servido diariamente, consistia em refeições completas, como arroz, feijoada, estrogonofe e saladas, e contribuiu para a permanência e bem-estar dos estudantes. Esse cuidado demonstra um aspecto importante da inclusão, pois, como reforçam Oliveira e Santos (2019), a qualidade do ambiente escolar influencia diretamente a motivação dos alunos.

Além disso, as aulas de Biologia observadas revelaram esforços dos docentes em adaptar os conteúdos à realidade dos alunos, com destaque para o uso de metodologias ativas e lúdicas. Em uma aula sobre genética, por exemplo, a professora utilizou um jogo de cartas para ilustrar os princípios da hereditariedade. A atividade promoveu grande engajamento e facilitou a compreensão de conceitos abstratos, confirmando a eficácia das metodologias interativas no contexto da EJA, conforme defendem Luckesi (2020) e Silva (2021).

Em outra ocasião, a professora trabalhou o tema das vitaminas com base em exemplos do cotidiano alimentar dos alunos, como o consumo de frutas e verduras. A abordagem contribuiu para uma aprendizagem contextualizada, em consonância com os princípios da alfabetização científica (SASSERON, 2023) e com a pedagogia do contexto proposta por Freire (2002), que valoriza a experiência vivida como ponto de partida para a construção do conhecimento.

Entretanto, nem todas as aulas conseguiram atingir os mesmos resultados. Em uma aula sobre sistemas do corpo humano, a ausência de recursos visuais como modelos anatômicos dificultou a compreensão dos conteúdos, especialmente para os alunos com menor familiaridade com termos técnicos. Isso reforça a urgência de investir em materiais pedagógicos acessíveis e atrativos, como sugerem Silva e Souza (2020).

Nas aulas de outros componentes curriculares, observou-se que o método tradicional ainda predomina, especialmente em Filosofia, Sociologia e Geografia. No entanto, o envolvimento dos alunos foi satisfatório, indicando que, mesmo sem o uso de tecnologias ou metodologias inovadoras, o conteúdo pode ser significativo quando bem contextualizado e discutido de forma crítica, principalmente em temas como ética, desigualdade social e globalização.

Apesar das dificuldades enfrentadas, os alunos demonstraram um forte desejo de aprender e uma atitude colaborativa. Foi possível perceber um ambiente de solidariedade e apoio mútuo, especialmente durante as atividades em grupo. Esse comportamento é um indicativo positivo do clima escolar e favorece o processo de ensino-aprendizagem.

A participação ativa nas aulas de Ciências e Biologia foi mais evidente quando os professores utilizaram recursos que aproximavam o conteúdo da vivência dos alunos. Essa resposta dos estudantes está em sintonia com o que defendem Soares (2016) e Sasseron (2023) sobre o papel da linguagem e da experiência na construção do letramento científico.

Ainda assim, a presença constante dos celulares em sala de aula interferiu negativamente na concentração de alguns alunos, especialmente nas aulas teóricas. Essa realidade impõe o desafio de integrar as tecnologias de maneira produtiva, transformando-as em aliadas do processo pedagógico, em vez de atuarem como distrações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma modalidade de ensino indispensável para a promoção da justiça social, da equidade e da cidadania plena. No entanto, como evidenciado nas observações realizadas no Colégio Estadual El Shadai, em Barreiras-BA, o funcionamento da EJA ainda enfrenta desafios significativos, tanto estruturais quanto pedagógicos.

O estudo demonstrou que, embora os professores estejam comprometidos e busquem estratégias de ensino contextualizadas e significativas, a precariedade da infraestrutura escolar, a ausência de recursos didáticos adequados e a rotina exaustiva dos estudantes comprometem o pleno desenvolvimento do processo educativo. Esses fatores exigem uma reestruturação não apenas física, mas também formativa e institucional, para que a escola consiga atender às especificidades da população atendida pela EJA.

A prática pedagógica em Ciências e Biologia mostrou-se mais eficaz quando alinhada aos princípios de uma educação crítica, participativa e contextualizada, conforme defendem Freire (2018), Sasseron (2023) e Soares (2016). Metodologias ativas, lúdicas e próximas da realidade dos alunos favoreceram o engajamento, a compreensão de conceitos científicos e o desenvolvimento do pensamento crítico — pilares da alfabetização científica e da formação cidadã.

Diante disso, torna-se essencial que políticas públicas de educação priorizem a valorização da EJA não apenas como um espaço de escolarização, mas como um ambiente de transformação social. Investir em formação continuada de professores, em infraestrutura adequada e no reconhecimento do saber dos alunos é garantir o direito à educação com dignidade e eficácia.

Por fim, este estudo contribui para reforçar a importância da escuta, da observação e da reflexão crítica sobre a práxis docente na EJA. Somente a partir do olhar atento às reais condições dos sujeitos envolvidos é que se pode construir uma educação verdadeiramente inclusiva, que promova não apenas o acesso, mas também a permanência e o sucesso escolar dos jovens e adultos que, apesar das adversidades, continuam acreditando na escola como caminho de transformação.

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1 Discente do Curso Superior de Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Campus IX. E-mail: [email protected]

2 Docente do Curso Superior de Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Campus IX. Mestra em Crítica Cultural (Pós-crítica/UNEB). Doutoranda em Educação (PPGEDUC/UNEB). E-mail: [email protected]