MAPEAMENTO DO USO DE PLANTAS MEDICINAIS NATIVA DO CERRADO NA COMUNIDADE DE SÃO DOMINGOS ANGICAL, BA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17065533
Daiane Ferreira Alves1
Fabio de Oliveira2
RESUMO
Este estudo teve como objetivo mapear o uso de plantas medicinais nativas do Cerrado na comunidade rural de São Domingos, localizada no município de Angical, Bahia. A pesquisa foi de caráter qualitativo e exploratório, desenvolvida por meio de entrevistas semiestruturadas aplicadas a 16 moradores, observação participante e registros fotográficos com devido rigor ético. Foram identificadas 42 espécies vegetais utilizadas com fins terapêuticos, sendo as folhas e os frutos as partes mais empregadas, geralmente preparadas em forma de chás, óleos e xaropes. Verificou-se que o conhecimento é transmitido principalmente de forma vertical, de pais para filhos, assegurando a preservação da tradição local. Os resultados indicaram que as plantas medicinais são usadas, sobretudo, para o tratamento de enfermidades leves, enquanto os medicamentos industrializados são buscados em casos mais graves. Além de sua relevância terapêutica, o uso de plantas medicinais representa um elemento cultural e identitário da comunidade, evidenciando a importância de sua valorização. Conclui-se que, diante da ameaça de perda desse saber e da degradação ambiental no Cerrado, é essencial adotar estratégias de conservação, incentivar o cultivo doméstico de espécies medicinais e integrar o conhecimento tradicional às políticas públicas de saúde e meio ambiente, de modo a assegurar a continuidade desse patrimônio biocultural.
Palavras-chave: Conhecimento tradicional. Conservação. Terapêuticos. Enfermidades leves.
ABSTRACT
This study aimed to map the use of medicinal plants native to the Cerrado in the rural community of São Domingos, located in the municipality of Angical, Bahia. The research was qualitative and exploratory in nature, conducted through semi-structured interviews with 16 residents, participant observation, and photographic records. Forty-two plant species used for therapeutic purposes were identified, with the leaves and fruits being the most commonly used parts, generally prepared as teas, oils, and syrups. It was found that knowledge is transmitted primarily vertically, from parents to children, ensuring the preservation of local traditions. The results indicated that medicinal plants are primarily used to treat mild illnesses, while industrialized medications are sought in more severe cases. In addition to their therapeutic relevance, the use of medicinal plants represents a cultural and identity element of the community, highlighting the importance of their appreciation. It is concluded that, given the threat of loss of this knowledge and environmental degradation in the Cerrado, it is essential to adopt conservation strategies, encourage the domestic cultivation of medicinal species, and integrate traditional knowledge into public health and environmental policies to ensure the continuity of this biocultural heritage.
Keywords: Traditional knowledge. Conservation. Therapeutic. Minor illnesses.
1 INTRODUÇÃO
O uso de plantas medicinais constitui uma das práticas terapêuticas mais antigas da humanidade, estando presente em diferentes culturas ao longo da história. E é sobre esse assunto que o presente trabalho busca tratar.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aponta que cerca de 80% da população mundial faz uso de plantas medicinais para tratamento de sua saúde. No Brasil, cerca de 82% da população faz uso de plantas medicinais como recurso terapêutico, através do conhecimento tradicional (Machado et al., 2014). Apesar da importância, essa prática vem sendo ameaçada por diversos fatores como a facilidade de acesso à medicina moderna e a saída das pessoas de seus ambientes naturais para regiões urbanas, levando assim a perda do conhecimento popular herdado e transferido há várias gerações (Pinto et al., 2006).
Sendo este artigo tem como foco principal abordar sobre o uso de plantas medicinais nativas do cerrado pela comunidade de São Domingos, Angical-BA. Segundo Weichert, (2024), o bioma Cerrado, reconhecido como o segundo maior do Brasil e considerado um hotspot mundial de biodiversidade, abriga cerca de 12 mil espécies de plantas, muitas com uso medicinal comprovado ou reconhecido empiricamente. Apesar dessa riqueza, o Cerrado sofre intensa degradação ambiental em decorrência da expansão agropecuária, o que ameaça não apenas a flora, mas também o saber tradicional associado a ela (Silva e Scariot, 2014).
Discutir sobre o uso de plantas medicinais nativas do cerrado, justifica se pela relevância cultural, social e científica que envolve o tema. Práticas relacionadas ao uso de espécies vegetais com fins terapêuticos são transmitidas de geração em geração, que fazem parte do patrimônio cultural imaterial das comunidades tradicionais. Este trabalho pode servir de base para futuras pesquisas sobre a eficácia farmacológica das espécies citadas, promovendo o diálogo entre o saber popular e o conhecimento acadêmico. Além de permite a valorização da identidade cultural local e fortalece práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
Na comunidade rural de São Domingos, localizada no município de Angical, Bahia, observa-se a persistência do uso de plantas medicinais nativas do Cerrado como recurso terapêutico e cultural. Essa prática é mantida, principalmente, por moradores mais velhos, que detêm o conhecimento empírico sobre coleta, preparo e aplicação das espécies. Considerando a ameaça de perda desse saber devido à modernização, à diminuição da vegetação nativa e ao envelhecimento da população detentora desse conhecimento, torna-se urgente registrá-lo e analisá-lo.
Sendo assim, o presente artigo estabeleceu como problema de pesquisa: Quais espécies de plantas medicinais nativas do cerrado são utilizadas pela comunidade de São Domingos, em Angical-BA, e qual a relevância desse conhecimento tradicional para a saúde e a identidade cultural local? E como objetivo mapear o uso de plantas medicinais nativas do Cerrado na comunidade de São Domingos, identificando as espécies utilizadas, seus modos de preparo e as indicações terapêuticas, bem como compreender a importância sociocultural desse conhecimento para a população local.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DE LITERATURA
Várias espécies de plantas medicinais do Cerrado têm sido alvo de investigação científica, com a finalidade da comprovação e da eficácia do seu uso, principalmente quando a planta possui um uso recorrente por uma determinada população. De acordo com Carvalho et al. (2007), são consideradas plantas medicinais aquelas que possuem tradição de uso em uma população ou comunidade e são capazes de prevenir, aliviar ou até mesmo de curar enfermidades. E que essas plantas ao serem processadas pela indústria para a obtenção de um medicamento têm-se como resultado o medicamento fitoterápico.
Assim espécies vegetais é elemento primordial para a medicina e identidade cultural:
“As plantas medicinais constituem a base primária da atenção à saúde em diversas comunidades, sobretudo rurais, onde o acesso aos serviços biomédicos é limitado. Nesses contextos, a utilização de espécies vegetais para fins terapêuticos se apresenta não apenas como recurso prático e acessível, mas também como um elemento profundamente enraizado na cultura e nos sistemas de crenças locais. A tradição oral e a transmissão intergeracional desse conhecimento garantem sua permanência e atualização ao longo do tempo” (Cunha e Albuquerque, 2006, p. 45.)
Nesse sentido a etnobotânica, como campo de conhecimento, permite a análise crítica do uso de recursos vegetais por populações humanas. Conforme citado por Cunha e Albuquerque (2006), a etnobotânica se propõe a compreender não apenas os aspectos biológicos das espécies utilizadas, mas também suas dimensões simbólicas, culturais e sociais, o que reforça a relevância das espécies levantadas no presente trabalho.
O Cerrado brasileiro, considerado a savana mais biodiversa do planeta, apresenta elevado número de espécies endêmicas com reconhecido potencial medicinal. Essa diversidade biológica é acompanhada por um vasto patrimônio cultural de conhecimento tradicional sobre o uso de plantas, que ainda hoje representa recurso fundamental para comunidades locais. Segundo Carvalho et al. (2007), o saber popular sobre essas espécies envolve não somente a identificação e utilização para fins terapêuticos, mas também aspectos simbólicos e espirituais. Essa realidade reforça a necessidade de valorização e registro desse conhecimento, visto que se encontra em constante risco de erosão frente à expansão da urbanização e às transformações sociais.
No Brasil, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos reconhece a importância dos saberes tradicionais e propõe estratégias para promover o uso seguro e racional das plantas medicinais no Sistema Único de Saúde (SUS), aliando saber popular e científico (Brasil, 2006).
Estudos como os de Costa (2025) e Pinto et al. (2006) demonstram que, mesmo diante da crescente urbanização, muitas comunidades rurais e tradicionais continuam utilizando plantas medicinais, principalmente em casos de doenças leves e crônicas. Essas práticas, frequentemente repassadas de geração em geração, refletem não apenas o conhecimento sobre o ambiente natural, mas também sistemas de crenças, práticas espirituais e valores comunitários.
De acordo com Costa (2025), os estudos etnobotânicos no Brasil evidenciam que o uso de plantas medicinais permanece recorrente em comunidades rurais e tradicionais. Mesmo diante das transformações sociais e tecnológicas, esse conhecimento é preservado e ressignificado no cotidiano, transmitido principalmente de forma oral entre gerações, configurando-se como um patrimônio cultural de grande relevância. Além da função terapêutica, tais práticas carregam significados identitários e espirituais, reforçando a importância da valorização desse saber para a preservação ambiental e sociocultural.
Portanto, o saber tradicional que ancora a percepção empírica do homem do campo sobre a natureza dá base aos princípios de inter-relação entre o homem e o meio em que este se insere, corroborando com a perspectiva de que esses conhecimentos populares são fundamentais para a conservação da biodiversidade e manutenção da cultura local (Diegues, 2000).
No caso do presente trabalho a comunidade em pesquisa é composta por grupos domésticos com raízes camponesas com forte identificação com o bioma cerrado, onde desenvolvem formas de agricultura, pecuária e extrativismo estruturadas pelos laços culturais.
Corroborando com De Bessa, et al. (2013), a identificação de compostos naturais bioativos é de total importância na prospecção de novos fármacos, são esses compostos presentes nos caules, folhas, frutos e sementes das plantas que caracteriza a bioatividade e potencial farmacêutico de plantas. Essas substâncias são produzidas durante o metabolismo secundário, e são usadas como proteção contra o ataque de agentes patológicos e predadores. Esses metabólitos podem ter aplicação na saúde humana, daí a importância de estudo fitoquímico de plantas, em especial do bioma cerrado.
3 METODOLOGIA
A pesquisa, foi realizado na comunidade de São Domingos, localizada no município de Angical, na região Oeste da Bahia. É uma comunidade rural com 19 famílias perfazendo uma população de aproximadamente 44 habitantes, cuja identidade é marcada pelos fortes laços com a cultura local e uma tradição forte de até hoje fazerem uso de plantas medicinais como uma das opções para tratamento de algumas enfermidades.
Foi aplicado um questionário, com amostragem definida por conveniência, composta por pessoas adultas, natural do município de Angical-BA, que responderão a 6 perguntas objetivas e discursivas, que buscam evidenciar a importância do uso de plantas medicinais no cuidado à saúde, discutidas em entrevista aos mesmos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preceitos éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa e exploratória, com enfoque etnobotânico. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, observação participante e registro fotográfico, durante visitas à comunidade de São Domingos no mês de agosto de 2025.
O questionário foi aplicado por meio de abordagem domiciliar. As entrevistas semiestruturadas tiveram o objetivo de obter informações sobre as motivações para o uso de plantas medicinais, os métodos de preparo, formas de administração e frequência de uso e as condições de saúde para as quais as plantas medicinais são utilizadas. Este estudo foi conduzido em estrita conformidade com os princípios éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque (Associação Médica Mundial, 1964). Foi assegurado a privacidade e confidencialidade dos participantes em todos os aspectos da pesquisa.
As entrevistas buscaram levantar informações sobre: nomes populares das plantas, partes utilizadas, formas de preparo, usos terapêuticos e formas de transmissão do conhecimento. Os dados foram organizados em tabelas e analisados.
3.1 Campo de pesquisa
A comunidade de São Domingos está situada no município de Angical, no oeste da Bahia, em uma região de transição entre o Cerrado e a Caatinga. A vegetação local é composta por arbustos, árvores de médio porte, campos secos e matas ciliares, com grande diversidade florística.
Figura 1: Mapa da Comunidade de São Domingos, município de Angical Bahia.
A comunidade é de base rural e apresenta forte vínculo com práticas tradicionais de agricultura e cura. O acesso a serviços públicos de saúde é limitado, o que contribui para a continuidade do uso de práticas naturais de cuidado, como a fitoterapia.
A relação com a natureza é parte do cotidiano local, sendo as plantas medicinais utilizadas não apenas como recursos curativos, mas também em rituais religiosos, benzeduras e práticas culturais que reforçam os laços comunitários.
4 RESULTADOS E DISCUSSOES OU ANÁLISE DE DADOS
4.1 Caracterização socioeconômica
Foram realizadas 16 entrevistas com moradores da Comunidade de São Domingos sendo 09 mulheres e 07 homens, conforme tabela 1. Sendo a maioria das entrevistas feitas com mulheres. Resultado semelhante aos estudos em comunidade dos autores Nascimento (2005) (apud Melo et al., 2017), Alencar et al. (2019) e Nascimento (2005).
Tabela 1: Dados socioeconômico da comunidade de São Domingos, Município de Angical- Bahia.
Características | Variáveis | Participantes |
Gênero | Masculino Feminino | 7 9 |
Idade | 30 – 40 41 – 50 51- 60 61 - 70 71 – 80 | 5 2 3 5 1 |
Escolaridade | Analfabeto Fundamental Médio Superior | 1 12 2 1 |
Estado Civil | Solteiro (a) Casada (a) Separado (a) Viúvo (a) | 2 10 1 3 |
Profissão | Lavrador (a) Motorista Agrônomo (a) | 14 1 1 |
Fonte: Elaborado pelo autor, (2025).
Durante a realização das entrevistas, constatou-se que as mulheres foram encontradas com maior facilidade em suas residências, já que são, em sua maioria, responsáveis pelas atividades domésticas. Os homens, por sua vez, ficam encarregados dos trabalhos externos, o que dificultou o acesso a eles devido aos horários em que as entrevistas ocorreram. Conforme demonstra a Tabela 1, a faixa etária dos participantes variou entre 30 e 80 anos, havendo equilíbrio entre adultos e idosos, embora tenha sido perceptível a presença reduzida de jovens na comunidade.
Quanto ao nível de escolaridade, observou-se que a maioria dos entrevistados estudou apenas até os anos iniciais do ensino fundamental, sendo que poucos conseguiram concluir os anos finais. Isso se explica pelo fato de, em décadas anteriores, o ensino na região estar disponível somente até a 4ª série. A comunidade, formada por grupos familiares com tradição rural, dedica-se principalmente à agricultura e à pecuária, atividades mantidas e fortalecidas por vínculos culturais.
4.2 Importância do uso das plantas medicinais na comunidade de São Domingos
Todos os participantes destacaram a relevância das plantas medicinais para o cuidado e a manutenção da saúde. Aproximadamente 98% relataram utilizá-las para tratar problemas considerados leves, como gripes, resfriados e desconfortos abdominais, principalmente pela facilidade de acesso, já que muitas dessas espécies se encontram nos quintais das casas, dispensando a necessidade de procurar farmácias ou postos de saúde. Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Brito (2014), no qual os moradores afirmaram recorrer às plantas medicinais quando o uso repetido de medicamentos alopáticos não produzia o efeito esperado.
Tabela 2 - Uso das plantas medicinais e surgimento do conhecimento medicinal.
Características | Variáveis | Participantes |
Uso de plantas medicinais | Sim Não | 16 0 |
Frequência | Uso diário Raramente | 9 7 |
Origem do conhecimento sobre plantas medicinais | Saberes dos mais velhos Conhecimento popular | 12 4 |
Origem das plantas medicinais | Quintal Cerrado Vereda | 8 7 3 |
Fonte: Elaborado pelo autor, (2025).
No que diz respeito ao tratamento, os entrevistados relataram que recorrem primeiramente às plantas medicinais para enfermidades classificadas como “mais simples”. Contudo, em casos considerados graves, reconhecem a importância de procurar auxílio médico e utilizar medicamentos industrializados. Embora todos afirmem já ter feito ou ainda fazer uso de fármacos sintéticos em especial os de uso contínuo, como anticoncepcionais e medicamentos para hipertensão, cerca de 90% afirmaram preferir os recursos naturais, alegando que os industrializados, muitas vezes, não apresentam os resultados desejados. Essa percepção foi expressa por alguns moradores:
“Sim, tem muitos remédios caseiros que resolvem o que o da farmácia não resolve.” (Entrevistado A)
Com relação à frequência de uso, 56% declararam utilizar plantas diariamente como forma de prevenção, principalmente em infusões de efeito calmante e anti-inflamatório, sendo esse hábito mais comum entre as mulheres. Outros 44% afirmaram recorrer às plantas medicinais apenas em casos de doença.
Foram identificadas 42 espécies vegetais utilizadas com fins terapêuticos pelos entrevistados da comunidade de são domingos, Angical-BA. Todas as espécies citadas pelos participantes estão apresentadas na tabela 3, categorizada de acordo o tipo de doença e indicação terapêutica, conforme afirmações dos moradores.
Tabela 3 - Plantas medicinais e indicações terapêuticas citadas pelos 16 entrevistados da comunidade de São Domingos, Angical-BA.
Nome popular | Nome Científico | Indicações |
Açafrão | Curcuma longa | Anti-inflamatório, antioxidante, problemas digestivos |
Algodão-do-cerrado | Cochlospermum regium | Inflamações uterinas, estomacais e tosse |
Alfavaca | Ocimum | Ansiedade, indigestão, cólicas e renais |
Alecrim | Salvia rosmarinus | Má digestão e melhorar a memória |
Alecrim-do-campo | Baccharis dracunculifolia | Bronquites, gripes e expectorantes |
Angico-branco | Anadenanthera colubrina | Cicatrizantes, expectorantes e tosse |
Aroeira | Schinus terebinthifolius Raddi | Diurética, antimicrobiana e inflamações |
Arruda | Ruta graveolens | Cólicas, insônias, ansiedades |
Babosa | Aloe vera (L.) Burm.f. | Queimaduras, laxante e hidratações |
Batata-de-teiú | Jatropha elliptica | Diurético, úlceras, bronquites |
Barbatimão | Stryphnodendron adstringens | Antimicrobiana, feridas e hemorragias |
Boldo | Plectranthus barbatus | Má digestão e problemas digestão hepáticos |
Braúna | Schinopsis brasiliensis | Reumatismo e doenças respiratórias |
Caincra | Chiococca alba (L.) | Diurética, problemas respiratórios, depurativo |
Carapiá | Dorstenia cayapia | Febre, problema digestivos e inflamações |
Cagaita | Eugenia dysenterica | Diarreia, distúrbios gastrointestinais |
Capim-santo | Cymbopogon citratus | Insônia, ansiedade, calmante e relaxante |
Cana- do brejo | Costus spicatus (Jacq.) | Infecções urinaria e cálculos renais |
Casca de jaborandi | Pilocarpus jaborandi Holmes | Reumatismo e queda de cabelo. |
Chapadão | Tabebuia roseoalba | Infecções e inflamações e má digestão |
Cipó-de-lagartixa | Pyrostegia venusta | Feridas, úlceras e infecções |
Crista-de-galo | Celosia argentea | Problemas respiratórios, cicatrizante |
Danda do cerrado | Duguetia furfuracea | Cólica renal, infecções urinarias |
Erva-cidreira | Melissa officinalis | Ansiedades, cólicas, insônia e estresse |
Fedegoso | Senna occidentalis | Laxante, diurético, cólicas menstruais |
Folha-santa | Bryophyllum pinnatum | Feridas, gastrite e inflamações. |
Hortelã grosso | Plectranthus amboinicus | Tosse, resfriado e má digestão. |
Jatobá-do-cerrado | Hymenaea stigonocarpa | Tosse, bronquite e cicatrizante e expectorante. |
Mangaba, | Hancornia speciosa | Pneumonia, inflamações e anti-úlcera |
Mastruz | Dysphania ambrosioides | Cicatrização, anti-inflamatórias |
Mutamba | Guazuma ulmifolia | Problemas renais, antioxidantes |
Óleo de copaíba | Copaifera langsdorffii | Expectorante, anti-inflamatório e feridas |
Óleo de buriti | Mauritia flexuosa | Queimaduras, hidratantes e antioxidantes |
Óleo de pequi | Caryocar brasiliense Camb... | Tosse, gripe, bronquites e antioxidantes |
Pacari | Lafoensia pacari | Cicatrizante, antimicrobiana |
Peroba, | Aspidosperma polyneuron | Febre, dores no estômago. |
Poejo | Mentha pulegium | Expectorantes, gripes, resfriados, tosse |
Raízes de mula | Artemisia Vulgaris | Feridas, inflamações, problemas digestivos |
São Caitano | Momordica | Antioxidantes e vermífugos. |
Sucupira | Pterodon emarginatus | Artrite, dores de gargantas e reumatismo |
Unha -de gato | Uncaria tomentosa | Anti-inflamatórias, antioxidantes, antivirais |
Umburana | Amburana cearenses | Tosse, bronquite, asma e má digestão. |
Fonte: Elaborado pelo autor, (2025).
Dentre as plantas medicinais citadas pela comunidade a maioria são facilmente encontradas nos quintais. Enquanto algumas espécies só podem ser obtidas em determinadas épocas do ano, como ocorre com o carapiá (Dorstenia brasiliensis Lam.), sendo necessário realizar a coleta e o armazenamento para garantir o uso ao longo do ano.
Já as plantas de maior porte, como jatobá, peroba, pacari, sucupira e pequi, exigem a busca na vegetação do entorno da comunidade, pois o acesso a esses recursos naturais é limitado, tornando indispensável o processo de estocagem de frutos, sementes e entrecascas.
As espécies citadas são, em sua maioria, herbáceas, cultivadas em canteiros próprios de cada morador, de modo a evitar o contato com substâncias ou animais que possam contaminá-las e, consequentemente, causar reações adversas durante o uso. Outras espécies de maior porte, como as arbóreas, subarbóreas e trepadeiras, geralmente são cultivadas nos quintais ou coletadas nas chapadas próximas.
Em relação às partes utilizadas, observou-se que as folhas (25%) e frutos (25%) representam a maior frequência de uso, resultado semelhante ao encontrado em pesquisas de Nascimento (2005), Oliveira e Menini, (2012), Souza, (2023 apud Freitas et al., 2015) e Silva e Proença (2008). Em seguida, aparecem as raízes (15,5%) e as cascas (15,5%), já as sementes apresentaram (12,5%) e em menor frequência o látex com (6,5%) conforme ilustrado abaixo.
Tabela 4 - Partes das plantas medicinais mais utilizadas para o preparo dos remédios caseiros.
Partes utilizadas | Citações | Porcentagem |
Látex | 4 | 6,5 % |
Folhas Raiz Semente Casca Fruto | 16 10 8 10 16 | 25% 15,5% 12,5% 15,5 % 25 % |
Fonte: Elaborado pelo autor, (2025).
Ressalta-se que a coleta de raízes e cascas exige conhecimento aprofundado sobre a planta medicinal, uma vez que diferentes espécies podem apresentar características morfológicas semelhantes. O reconhecimento adequado da planta reduz os riscos de coleta incorreta e, consequentemente, de administração inadequada que pode gerar efeitos adversos.
Além disso, os entrevistados expressaram preocupação com a redução da vegetação nativa, destacando que algumas espécies já se encontram em processo de escassez, o que reforça a importância de estratégias de conservação e manejo sustentável dos recursos vegetais locais.
Quanto as formas de administração das plantas medicinais são feitas na grande maioria por vias oral, sendo os chás (25%) e óleos (25%) os mais usuais, seguido dos xaropes (18,5%), infusão (12,5%) e maceração (11%), em menor utilização estão as garrafadas (8%) cujo preparo envolve a combinação de algumas plantas tornando mais complexo o seu preparo.
Tabela 5- Modo de preparo e administração das plantas medicinais.
Modo de preparo | Citações | Participantes |
Infusão Chá Maceração Xarope Garrafadas | 8 16 4 12 5 | 12,5 % 25 % 11% 18,5% 8% |
Óleos | 16 | 25% |
Fonte: Elaborado pelo autor, (2025).
Foram realizadas perguntas acerca do uso das plantas medicinais e da origem desse conhecimento entre os moradores entrevistados. De acordo com os relatos, o saber sobre o uso das plantas no tratamento de doenças é transmitido principalmente de forma vertical, ou seja, de pais para filhos. Esse processo de transmissão demonstra que a tradição ainda exerce forte influência dentro da comunidade, garantindo que o conhecimento permaneça preservado no próprio grupo, com pouca abertura para interferências externas que possam modificar ou substituir os saberes já estabelecidos.
Os resultados obtidos nesta pesquisa revelam que 100% dos entrevistados da comunidade de São Domingos utilizam plantas medicinais, corroborando dados de Brito, (2014) e Nascimento (2005), que apontam elevada prevalência desse hábito em comunidades rurais brasileiras. O uso diário por 30% dos participantes, principalmente na forma de chás para prevenção e efeito calmante, reforça a função preventiva da fitoterapia, indo além do tratamento de sintomas.
A transmissão vertical do conhecimento, identificada como predominante, indica que o saber local tende a permanecer restrito à comunidade, preservando-se de influências externas, mas também ficando vulnerável à perda caso as novas gerações não deem continuidade. Essa situação é semelhante à relatada por Alencar et al. (2019), que observam erosão do conhecimento tradicional em regiões onde os jovens migram para áreas urbanas.
A diversidade de espécies citadas (42 no total) demonstra o potencial fitoterápico local e a importância da vegetação nativa para a saúde comunitária. Entretanto, a dificuldade crescente de encontrar determinadas plantas, como o carapiá, reflete a pressão antrópica sobre o Cerrado, conforme já alertado por Silva e Scariot (2014). Nesse sentido, a valorização do cultivo doméstico de espécies medicinais, observada na comunidade, pode ser uma estratégia para reduzir a dependência da coleta extrativista e mitigar os impactos ambientais.
Os modos de preparo mais frequentes, infusão, decocção, garrafadas e xaropes são condizentes com práticas descritas por Freitas et al. (2015). Contudo, a ausência de padronização nas doses e no tempo de uso indica a necessidade de ações educativas que promovam segurança no consumo, especialmente quando há potencial risco de toxicidade.
Portanto, o contexto observado em São Domingos reafirma que o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais é um recurso valioso para a saúde pública e a conservação ambiental, devendo ser integrado a programas comunitários e políticas públicas.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo confirma a riqueza do conhecimento tradicional da comunidade de São Domingos quanto ao uso de plantas medicinais do Cerrado. As práticas etnobotânicas locais revelam um profundo saber empírico, ainda pouco valorizado pelas políticas públicas de saúde e educação.
A pesquisa reforça a importância da valorização cultural e ambiental desses saberes, que contribuem não apenas para a saúde comunitária, mas também para a conservação da biodiversidade e da identidade local. Sugere-se o desenvolvimento de projetos educativos e ambientais que envolvam escolas, unidades de saúde e lideranças comunitárias na preservação do conhecimento e da flora nativa.
Os resultados apontam para a necessidade de ações integradas que promovam a conservação da flora nativa do Cerrado e incentivem o cultivo doméstico de plantas medicinais. Recomenda-se, ainda, a implementação de projetos educativos que aliem o conhecimento popular às orientações técnicas de uso seguro, visando potencializar os benefícios terapêuticos e reduzir riscos.
Por fim, destaca-se que o fortalecimento de políticas públicas que reconheçam e valorizem o patrimônio biocultural brasileiro é essencial para assegurar que o saber tradicional continue a desempenhar papel fundamental na saúde e no bem-estar das comunidades rurais.
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1 Discente do Curso Superior de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) do Departamento de Ciências Humanas (DCH)| Campus IX, Barreiras – BA. E-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior Ciências Biológicas do Instituto Universidade do Estado da Bahia Campus IX. Mestre em Ciências Ambientais (ICADS/UFBA). E-mail: [email protected]