PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ESTRATÉGIAS LÚDICAS NO ENSINO DA MATEMÁTICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA EM CONTEXTOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17269735
Rozeli Facchin Milan1
Clarice Braido Novak2
Gesimar Torres dos Santos3
Elisangela Cherubini4
Eliani Urbanski5
RESUMO
O estudo aborda a importância de métodos inovadores e criativos para tornar o aprendizado mais acessível e significativo. Em situações marcadas por desigualdade, exclusão social e restrição de direitos, como em comunidades vulneráveis ou ambientes de privação de liberdade, o ensino tradicional muitas vezes não atende às necessidades dos estudantes. Nesse sentido, o ensino da Matemática ganha destaque, pois muitas vezes é visto como um desafio por parte dos estudantes, exigindo estratégias diferenciadas que aproximem os conteúdos da realidade do aluno. Metodologicamente, foi utilizado uma pesquisa bibliográfica apoiando em estudos relevante sobre o tema. Nesse cenário, o uso de práticas pedagógicas aliadas ao lúdico surge como alternativa para despertar o interesse, estimular o raciocínio lógico e fortalecer habilidades socioemocionais, mostrando que a Matemática pode ser um instrumento não apenas de conhecimento, mas também de transformação social.
Palavras-chave: Matemática. Práticas Pedagógicas; Estratégias Lúdicas. Vulnerabilidade Social. Privação de liberdade
ABSTRACT
The study addresses the importance of innovative and creative methods to make learning more accessible and meaningful. In situations marked by inequality, social exclusion, and restricted rights, such as vulnerable communities or prisons, traditional teaching often fails to meet students' needs. In this sense, mathematics teaching gains prominence, as it is often seen as a challenge by students, requiring differentiated strategies that bring the content closer to the student's reality. Methodologically, bibliographical research was used, supported by relevant studies on the topic. In this context, the use of pedagogical practices combined with play emerges as an alternative to spark interest, stimulate logical reasoning, and strengthen socio-emotional skills, demonstrating that mathematics can be an instrument not only of knowledge, but also of social transformation.
Keywords: Mathematics. Pedagogical Practices; Playful Strategies. Social Vulnerability. Deprivation of Liberty.
INTRODUÇÃO
As práticas pedagógicas e estratégias lúdicas no ensino da Matemática têm se mostrado fundamentais para a construção de aprendizagens significativas, especialmente em contextos marcados pela vulnerabilidade social e pela privação de liberdade. O uso de jogos, dinâmicas, recursos visuais e atividades interativas favorece a aproximação dos estudantes com os conteúdos matemáticos, promovendo engajamento e interesse. Nessas situações, o lúdico atua como mediador do processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a superação de barreiras emocionais e cognitivas que muitas vezes dificultam a relação dos alunos com a disciplina. Assim, a ludicidade não apenas facilita a compreensão de conceitos abstratos, mas também fortalece vínculos sociais e amplia a capacidade de raciocínio crítico e criativo.
Em espaços de privação de liberdade, como unidades socioeducativas e prisionais, a aplicação de práticas pedagógicas lúdicas assume um caráter ainda mais importante, pois possibilita ao educando um contato humanizado com o conhecimento, rompendo com a rigidez e a exclusão típicas desses ambientes. Ao estimular a cooperação, a autonomia e a resolução de problemas, tais estratégias favorecem não apenas o aprendizado da Matemática, mas também a reinserção social, oferecendo ferramentas para que os sujeitos ampliem sua visão de mundo e possam projetar novas perspectivas de vida.
O objetivo geral é analisar as práticas pedagógicas e estratégias lúdicas utilizadas no ensino da Matemática, destacando sua relevância para a aprendizagem em contextos de vulnerabilidade social e privação de liberdade. A partir desse objetivo, foram estabelecidos os seguintes objetivos: analisar de que forma as práticas pedagógicas contribuem para a construção de aprendizagens significativas no ensino da matemática; investigar o papel das estratégias lúdicas no ensino da matemática; compreender os principais desafios enfrentados no ensino da matemática em contextos de vulnerabilidade social; examinar a importância do ensino da matemática em ambientes de privação de liberdade.
Metodologicamente, é um estudo bibliográfico de natureza qualitativa, para analisar as práticas pedagógicas e estratégias lúdicas utilizadas no ensino da Matemática, destacando sua relevância para a aprendizagem em contextos de vulnerabilidade social e privação de liberdade.
O presente artigo foi estruturado da seguinte forma: a primeira parte apresenta a metodologia empregada para desenvolver a escrita. Na segunda concentra na fundamentação teórica que embasa os objetivos específicos, nele faz uma reflexão sobre as práticas e estratégias lúdicas no ensino da matemática. Em seguida discute a educação matemática e seus desafios em contextos de vulnerabilidade, como as condições socioeconômicas e pedagógicas impactam o processo de aprendizagem. Por fim, a importância do ensino da matemática em ambientes de privação de liberdade, evidenciando como a educação pode se tornar instrumento de inclusão, reintegração social e transformação pessoal. Em seguida traz a considerações finais, referências do estudo.
1. METODOLOGIA
A metodologia empregada neste artigo possui caráter teórico, fundamentando-se em produções já existentes de diferentes autores e pesquisadores que abordam a temática em questão, de modo a possibilitar uma reflexão crítica sobre as perspectivas apresentadas. Segundo Gil (2002);
O levantamento bibliográfico é realizado a partir de conteúdos já existentes, que compreendem principalmente livros e artigos acadêmicos. Embora seja comum que a maioria dos estudos exija algum formato de investigação dessa espécie, existem pesquisas que são realizadas unicamente com base em fontes bibliográficas. Muitos estudos exploratórios podem ser classificados como pesquisas desse tipo. Investigações sobre ideologias e aquelas que buscam analisar diferentes perspectivas sobre um determinado assunto também são frequentemente conduzidas quase que exclusivamente por meio de fontes bibliográficas (Gil, 2002, p. 44).
Nesse contexto, o desenvolvimento da pesquisa ocorreu em três etapas principais: (1) levantamento das obras utilizadas como referência teórica; (2) leitura crítica e análise dos textos selecionados; e (3) discussão da temática a partir da fundamentação teórica construída com base nos autores estudados.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Práticas Pedagógicas para o Ensino da Matemática
Antes de falar sobre práticas pedagógicas para o ensino de matemática, é importante definir o que são práticas pedagógicas. De acordo Schmidt, Ribas e Carvalho (1998, p.12) “a prática pedagógica pressupõe uma relação teórico-prática, pois a teoria e a prática encontram-se em indissolúvel unidade e só por um processo de abstração podemos separá-los”. Assim, as práticas pedagógicas são o conjunto de ações, métodos e estratégias que o professor utiliza no processo de ensino-aprendizagem, isso incluem desde a organização da aula, escolha de conteúdos, metodologias de ensino, recursos didáticos, até a forma de avaliar os estudantes. Ou seja, são mais amplas e englobam todas as decisões e movimentos do docente em sala de aula.
O ensino da Matemática, tradicionalmente associado à abstração e à rigidez de métodos expositivos, tem sido desafiado a incorporar novas formas de abordagem capazes de promover maior engajamento e compreensão por parte dos estudantes. Nesse cenário, as práticas pedagógicas assumem papel central, uma vez que contribuem para tornar o aprendizado mais significativo, estimulando a criatividade, a motivação e o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais.
A gamificação, entendida como a utilização de elementos dos jogos em contextos de aprendizagem, também tem ganhado espaço no ensino da Matemática. Essa abordagem favorece o engajamento por meio de desafios, recompensas e metas, transformando a experiência de aprendizagem em uma atividade dinâmica e prazerosa. Do mesmo modo, os recursos digitais, como aplicativos e jogos online, ampliam as possibilidades de interação, permitindo que os estudantes explorem diferentes formas de resolver problemas matemáticos em ambientes virtuais.
A gamificação, conforme descrito por Deterding et al. (2011), envolve a aplicação de elementos de design de jogos em contextos que não envolvem jogos. Esses elementos, como pontuações, recompensas e desafios, podem transformar a maneira como os alunos se envolvem com os conteúdos, proporcionando uma experiência mais interativa e motivadora.
Outro ponto relevante diz respeito ao impacto socioemocional das estratégias lúdicas. Ao estimular a cooperação, a comunicação e a autoestima, essas práticas contribuem não apenas para o desempenho acadêmico, mas também para o desenvolvimento integral do estudante. Isso é especialmente importante em contextos de vulnerabilidade social e privação de liberdade, nos quais a ludicidade pode representar uma alternativa viável para superar barreiras de aprendizagem e promover experiências pedagógicas mais inclusivas e humanizadoras. Nesse sentido, Kishimoto (2011) destaca que o jogo e as atividades lúdicas não se restringem à dimensão recreativa, mas assumem papel essencial na construção de vínculos afetivos e sociais, favorecendo o desenvolvimento de competências emocionais e cognitivas que fortalecem a aprendizagem e a inclusão escolar.
Nesse sentido, o uso de estratégias lúdicas no ensino da Matemática não deve ser entendido como um recurso secundário ou meramente recreativo, mas como uma prática pedagógica fundamentada, que articula teoria e prática no processo de construção do conhecimento. Cabe ao professor, portanto, selecionar, adaptar e aplicar atividades que estejam alinhadas ao perfil dos alunos, às condições institucionais e aos objetivos educacionais, garantindo que a ludicidade seja um meio eficaz de potencializar a aprendizagem.
Dessa forma, a atuação pedagógica dos professores passa a assumir uma nova perspectiva. Entre os aspectos destacados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997), encontra-se a utilização de jogos e brincadeiras como recurso didático, possibilitando que o ensino seja mediado por práticas lúdicas, tais como:
[...] professor, nesse processo, é, portanto, crucial, pois a ele cabe apresentar os conteúdos e atividades de aprendizagem de forma que os alunos compreendam o porquê e o para que do que aprendem, e assim desenvolvam expectativas positiva em relação à aprendizagem e sintam-se motivados para o trabalho escolar (Brasil, 1997, p. 48).
O professor de Matemática, ao adotar jogos e brincadeiras em sua prática pedagógica, deve compreender que essas atividades lúdicas não se limitam a um caráter recreativo. Pelo contrário, constituem-se como estratégias didáticas capazes de favorecer o processo de ensino-aprendizagem, auxiliando na superação das dificuldades apresentadas pelos estudantes em relação aos conteúdos matemáticos.
Outra estratégia pedagógica que o professor de matemática pode adotar em suas aulas é a Resolução de Problemas. Conforme aponta Mendonça (1993), esse trabalho pode ser desenvolvido de três formas principais: a primeira consiste em apresentar conceitos, definições e exemplos para, em seguida, propor problemas a serem solucionados pelos estudantes; a segunda se baseia no ensino de estratégias específicas para a resolução de problemas; e a terceira envolve a utilização de um problema inicial cuja solução possibilite a construção de novos conceitos, princípios ou definições matemáticas.
Dante (1998) ressalta que, mais do que a classificação atribuída a um problema, o essencial é que os estudantes sejam desafiados por situações que despertem sua curiosidade e os motivem a buscar soluções. Para tanto, é importante que os problemas abordem aspectos do cotidiano dos alunos, trazendo dados, informações e valores numéricos reais. O autor também enfatiza que a linguagem empregada deve ser adequada ao nível de cada série, utilizando um vocabulário próximo da realidade vivenciada pelos estudantes.
Um dos principais desafios no ensino da matemática está na dificuldade que muitos alunos encontram em estabelecer relação entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e situações do cotidiano. Para Sanchez (2004), os problemas nesse processo decorrem de diferentes fatores, entre os quais se destacam:
A hierarquização dos conceitos matemáticos, o que implica ir assentando todos os passos antes de continuar, o que nem sempre é possível para muitos alunos; a natureza lógica e exata de seus processos, algo que fascinava os pitagóricos, dada sua harmonia e sua “necessidade”, mas que se torna muito difícil pra certos alunos; a linguagem e a terminologia utilizadas, que são precisas, que exigem uma captação (nem sempre alcançada por certos alunos), não só do significado, como da ordem e da estrutura em que se desenvolve (Sanches, 2004, p 174.)
Nesse contexto, é importante destacar que a aprendizagem do estudante e o desenvolvimento do pensamento matemático ocorrem de forma gradual. O avanço em cada nova etapa depende diretamente da solidez do aprendizado adquirido na fase anterior. Dessa maneira, torna-se possível identificar o nível de conhecimento do aluno e compreender quais habilidades ele é capaz de mobilizar em cada estágio do processo.
2.2. Estratégias Lúdicas para o Ensino da Matemática
As estratégias lúdicas correspondem às práticas que utilizam o lúdico através de jogos, brincadeiras, dinâmicas, gamificação, atividades criativas, para favorecer a aprendizagem. Elas podem ser entendidas como um subconjunto das práticas pedagógicas, pois fazem parte delas, mas não as esgotam. Santos (2002, p. 12) a respeito do uso de atividades lúdicas na sala de aula afirma que “o lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, comunicação e construção de conhecimento.”
As estratégias lúdicas para o ensino da matemática representam uma alternativa pedagógica capaz de transformar o processo de aprendizagem em algo mais atrativo e significativo. Jogos, brincadeiras e atividades criativas permitem que os alunos aprendam conceitos matemáticos de maneira prática e divertida, favorecendo o raciocínio lógico, a resolução de problemas e a cooperação entre colegas. Para Kishimoto (2011, p. 23), “o jogo, ao ser inserido no contexto educacional, contribui para tornar a aprendizagem mais prazerosa, facilitando a assimilação de conceitos e promovendo a interação entre os estudantes.”
Portanto, o uso de estratégias lúdicas não apenas auxilia na fixação dos conteúdos, mas também fortalece a autonomia e a criatividade dos estudantes. O ambiente lúdico estimula a participação ativa e o protagonismo do aluno, que passa a assumir papel central no processo de aprendizagem. Antunes (2007, p. 57),
“as estratégias lúdicas funcionam como instrumentos de mediação entre o conhecimento matemático e a vivência do aluno, permitindo que o aprendizado ocorra de maneira mais significativa e participativa.”
Na escola, nos momentos de interação permeados por ludicidade, os estudantes manifestam seus desejos, afetos e preferências por aquilo que mais lhe atrai. Segundo Dornelles (2001, p. 104) “é pelo brincar que as crianças se expressam e se comunicam. É através das brincadeiras que elas começam a experimentar e a fazer interações com os objetos e as pessoas que estão à sua volta”. Dessa forma, ampliando suas possibilidades de aprendizagens.
De acordo com Maluf (2009, p. 21) “são lúdicas as atividades que propiciam a experiência completa do momento, associando o ato, o pensamento e o sentimento. A atividade lúdica pode ser uma brincadeira, um jogo ou qualquer outra atividade que vise proporcionar interação”. Corrobora-se com o autor afirmando que na vivência de uma atividade lúdica a maneira como as crianças agem demonstra o jeito de sentir e pensar e alinha suas interações, possibilitando assim uma melhor aprendizagem.
Nesta mesma linha de raciocínio, compreende-se que as atividades lúdicas permeadas por competências cognitivas e socioemocionais podem proporcionar muitas descobertas quando adaptadas ao conteúdo dos componentes curriculares. Concorda-se com as ideias de Pereira (2005, p. 20) em relação a integração social que ocorre entre os docentes e os estudantes quando são utilizadas atividades diferenciadas e lúdicas na construção da aprendizagem.
As atividades lúdicas são muito mais que momentos divertidos ou simples passatempos e, sim, momentos de descoberta, construção e compreensão de si; estímulos à autonomia, à criatividade, à expressão pessoal. dessa forma, possibilitam a aquisição e o desenvolvimento de aspectos importantes para a construção da aprendizagem. possibilitam, ainda, que educadores e educando se descubram e encontrem novas formas de viver a educação.
Assim, compreende-se que o processo de aprendizagem quando é permeado por uso de atividades lúdicas pode ajudar a melhorar a atenção, a memorização e imaginação que são aspectos de fundamental importância para um ensino de qualidade, principalmente com estudantes neurodiversos. A ludicidade pode estimular a ação de ler os livros paradidáticos e didáticos, se transformando em uma ação exitosa tanto para crianças típicas ou atípicas.
De acordo com Dornelles (2001, p. 56) “a brincadeira constitui-se como algo pertencente à criança que manuseia, ao brincar, experimenta, organiza-se, constrói regras e desse modo descobre e compreende interativamente o mundo”. Cada pessoa tem seu ritmo de aprendizagem, sua peculiaridade de apreensão e fixação de informações que perpassa por um universo concreto que pode ser percebido, ou não, em um contexto simbólico e/ou imaginário.
2.3. Educação Matemática e Seus Desafios em Contextos de Vulnerabilidade
A educação matemática no Brasil é marcada por avanços significativos em termos de políticas públicas e produção científica, mas ainda enfrenta grandes desafios. A Base Nacional Comum Curricular, BNCC, busca orientar o ensino de forma a promover competências que permitam aos alunos compreenderem e aplicar a matemática em situações cotidiana (Brasil, 2018). Entretanto, a prática escolar nem sempre acompanha essas diretrizes, resultando em um ensino muitas vezes voltado para a memorização mecânica e pouco conectado à realidade do estudante. Essa desconexão entre teoria e prática contribui para baixos índices de aprendizagem registrados em avaliações nacionais e internacionais, evidenciando a necessidade de repensar metodologias e estratégias didáticas que tornem o aprendizado mais significativo (D’Ambrósio, 2012).
As desigualdades sociais e econômicas do Brasil impactam diretamente o acesso e a qualidade do ensino de matemática. Escolas localizadas em regiões mais vulneráveis sofrem com infraestrutura precária, falta de recursos pedagógicos e alta rotatividade de professores. Além disso, alunos de famílias em situação de pobreza enfrentam dificuldades adicionais, como a necessidade de trabalhar desde cedo ou a ausência de apoio familiar no processo de escolarização. Esse conjunto de fatores gera um abismo entre os estudantes de diferentes contextos sociais, perpetuando desigualdades e limitando as oportunidades futuras daqueles que não conseguem desenvolver plenamente suas competências matemáticas (Soares; Xavier, 2013). Nesse sentido, compreender os impactos dessas desigualdades no processo de ensino-aprendizagem é essencial para o planejamento de políticas educacionais mais justas e equitativas
A vulnerabilidade social exerce influência direta sobre o desempenho escolar, especialmente em disciplinas como a matemática, que exigem continuidade e dedicação no processo de aprendizagem. Crianças e adolescentes expostos a contextos de violência, insegurança alimentar ou falta de condições adequadas de estudo apresentam maiores índices de evasão e baixo rendimento escolar. Além disso, fatores emocionais, como a ansiedade e a baixa autoestima, tendem a se intensificar diante das dificuldades acadêmicas, criando um ciclo de exclusão e fracasso escolar (Patto, 2015). Nesse cenário, a escola precisa assumir um papel mais acolhedor e inclusivo, desenvolvendo estratégias de ensino que considerem a realidade social dos alunos e promovam o engajamento no processo educativo.
Nos programas de Educação de Jovens e Adultos, EJA, e em ambientes de privação de liberdade, a matemática assume um caráter ainda mais desafiador e ao mesmo tempo transformador. Muitos estudantes chegam a esses espaços com uma trajetória marcada pela exclusão escolar, pelo abandono precoce dos estudos e por experiências negativas relacionadas ao ensino da disciplina (Fonseca, 2009). Nesses contextos, o desafio não é apenas ensinar conteúdos matemáticos, mas reconstruir a relação do aluno com a aprendizagem, resgatando sua autoconfiança e mostrando a aplicabilidade da matemática em situações práticas do cotidiano e do mundo do trabalho. A EJA e os espaços de ressocialização, portanto, representam oportunidades valiosas de democratização do conhecimento, onde a matemática pode ser um instrumento de emancipação social e de reinserção cidadã.
2.4. Educação em Ambientes de Privação de Liberdade
O direito à educação em ambientes de privação de liberdade no Brasil é assegurado por diferentes legislações e normativas. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) determina que o Estado deve garantir instrução escolar e formação profissional às pessoas privadas de liberdade (Brasil, 1984). Posteriormente, as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação em estabelecimentos penais (Resolução CNE/CEB nº 2/2010) consolidaram a necessidade de uma educação que respeite a diversidade e promova a cidadania (Brasil, 2010).
Mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também passou a nortear as práticas pedagógicas nesses espaços, reforçando o compromisso com a garantia do direito à educação de qualidade (Brasil, 2018). Assim, o marco legal brasileira evidência que a educação deve ser entendida como instrumento fundamental para a reinserção social e a redução da reincidência criminal.
A prática docente em contextos de privação de liberdade apresenta especificidades que exigem do professor não apenas domínio de conteúdo, mas também sensibilidade social e habilidade para lidar com diferentes realidades. Entre os principais desafios estão a rotatividade dos alunos, a ausência de continuidade nos estudos, a escassez de materiais didáticos e a necessidade de conciliar o ensino com a rotina institucional das unidades prisionais ou socioeducativas (Julião, 2016). Além disso, o estigma social associado à população privada de liberdade pode dificultar o processo educativo, reforçando a necessidade de práticas pedagógicas humanizadoras e inclusivas. O professor, nesses contextos, assume um papel de mediador e agente de transformação, contribuindo para a valorização do indivíduo e para a construção de novas perspectivas de vida (Silva; Moreira, 2019).
A Matemática, aliada a atividades lúdicas, desempenha um papel estratégico no processo de reintegração social de indivíduos em situação de privação de liberdade. Por meio de jogos, materiais manipuláveis e práticas contextualizadas, é possível ressignificar a aprendizagem, tornando-a mais atrativa e próxima da realidade dos educandos (Arroyo, 2017). Essa abordagem contribui para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como o raciocínio lógico e a resolução de problemas, além de favorecer competências socioemocionais, como disciplina, cooperação e persistência. Nesse sentido, a ludicidade aplicada ao ensino da Matemática não se restringe ao aspecto acadêmico, mas atua como instrumento de emancipação e de reconstrução da identidade do sujeito, possibilitando maior inserção social e redução da reincidência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas práticas pedagógicas, o uso de estratégias lúdicas se consolida como um caminho que torna a matemática mais acessível e próxima da realidade dos estudantes. Ao integrar jogos, dinâmicas e atividades criativas ao processo de ensino-aprendizagem, o professor amplia as possibilidades de participação ativa, favorece a cooperação e estimula o raciocínio lógico, reduzindo as barreiras que muitos alunos apresentam diante da disciplina, mas também contribui para a construção de um ambiente escolar mais motivador e significativo.
Nos contextos de vulnerabilidade, o ensino da matemática enfrenta obstáculos relacionados à falta de recursos pedagógicos, às dificuldades socioeconômicas e às desigualdades de acesso à educação de qualidade. Nesse cenário, cabe ao professor criar estratégias que dialoguem com a realidade dos alunos, promovendo aprendizagens que ultrapassem os limites da sala de aula. A utilização de metodologias inovadoras e práticas contextualizadas mostra-se fundamental para fortalecer a autonomia dos estudantes, incentivando-os a perceber a matemática como ferramenta útil para interpretar e transformar sua própria realidade.
Em ambientes de privação de liberdade, a matemática adquire um sentido diferenciado, pois se apresenta como possibilidade de ressignificação da vida e de reconstrução de trajetórias pessoais. A prática pedagógica nesse contexto precisa considerar as especificidades do público atendido, valorizando metodologias que estimulem a reflexão crítica e a inserção social. Ao ser trabalhada de forma lúdica e significativa, a disciplina pode contribuir para despertar o interesse pelo conhecimento, favorecer a autoestima e oferecer novas perspectivas de reintegração, reafirmando a educação como direito humano fundamental e instrumento de transformação social.
Os objetivos propostos na pesquisa mostraram-se satisfatórios, uma vez que possibilitaram a análise das práticas pedagógicas e das estratégias lúdicas aplicadas ao ensino da matemática, bem como a compreensão dos desafios enfrentados em contextos de vulnerabilidade e em ambientes de privação de liberdade.
Contudo, como em toda investigação científica, este estudo apresenta algumas limitações que merecem ser consideradas, a principal delas refere-se ao recorte metodológico, uma vez que ainda existem poucos estudos que abordam de forma aprofundada a temática da vulnerabilidade e da privação de liberdade no campo da educação matemática. Assim, esta lacuna evidenciaram a necessidade de ampliar as discussões, articulando tais contextos a outras áreas de conhecimento para fortalecer o corpo teórico e dar continuidade às reflexões iniciadas. Por fim, recomenda-se a realização de novos estudos que explorem essas perspectivas, de modo a enriquecer o debate acadêmico e contribuir para práticas pedagógicas mais inclusivas e transformadoras.
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1 Formação Pedagógica e Docente - Habilitada em Matemática pela Faculdade Integradas de Ariquemes – FIAR (2004). Pós-Graduada em Metodologia do Ensino de Matemática pela Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER (2004). E-mail: [email protected].
2 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Integradas de Ariquemes – FIAR (2002). Graduada em Letras/Inglês pela Universidade Federal de Rondônia (2008). Pós-Graduada em Metodologia do Ensino de Língua pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA (2005). E-mail: [email protected]
3 Graduada em Pedagogia Fundação Universidade Federal de Rondônia (2004). Pós-graduada em Ciências Sociais com Ênfase em História, Geografia e Meio Ambiente pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA (2005). E-mail: [email protected]
4 Graduada em Ciências Biológicas pela Faculdades Integradas Aparício Carvalho – FIMCA (2012).). Pós-graduação em Gestão Escolar Integrada com Ênfase em Administração, Inspeção, Supervisão e Orientação Escolar pela Faculdade do Vale Elvira Dayrell (2023). Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Faculdade Venda Nova do Imigrante – FAVENI (2021). E-mail: [email protected].
5 Graduada em História pela Faculdade Integradas de Ariquemes - FIAR (2012). Pós-graduação em Gestão Cultural e Políticas Públicas na Amazonia pela Faculdade Integradas de Ariquemes - FIAR (2015). E-mail: [email protected]