PRÁTICA DOCENTE E CURRRICULARIZAÇÃO: PROLEGÔMENOS DO PARADIGMA INDICIÁRIO

PDF: Clique aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17273823


Carlos Adriano Ferreira de Lima1


RESUMO
Este artigo nasce da inquietação com os desafios que envolvem a prática docente diante das exigências da curricularização da extensão. A proposta aqui é lançar um olhar mais atento quase investigativo sobre o que se passa no dia a dia do professor, especialmente quando ele precisa dar conta de integrar ensino, pesquisa e extensão de forma coerente e significativa. Para isso, parte-se do chamado paradigma indiciário, pensado por Ginzburg, que defende a importância de prestar atenção aos pequenos sinais, às pistas que o cotidiano educativo oferece e que, muitas vezes, passam despercebidas. Com base em uma abordagem qualitativa e exploratória, o estudo busca interpretar esses indícios como pontos de partida para compreender melhor as práticas pedagógicas e as transformações que elas vêm sofrendo com a curricularização. Os resultados mostram que, quando se parte da prática concreta e escuta os saberes que os professores já carregam consigo, a extensão ganha mais sentido e pode realmente transformar as relações entre universidade e sociedade. Ao final, reforça-se a importância de valorizar os gestos cotidianos do trabalho docente, que, embora sutis, carregam grande potência formativa.
Palavras-chave: docência; extensão universitária; saberes do cotidiano; paradigma indiciário; formação docente.

ABSTRACT
This article stems from the challenges faced by teaching practices in the context of the recent demand for the curricularization of university extension. The proposal is to take a closer almost investigative look at the everyday life of educators, especially when they are required to integrate teaching, research, and extension in a meaningful and coherent way. To guide this reflection, the theoretical lens adopted is the indiciary paradigm, as proposed by Ginzburg, which values the interpretation of subtle clues and signs that emerge from daily practices. Through a qualitative and exploratory approach, the study seeks to interpret these clues as entry points to better understand the pedagogical practices and their ongoing transformations. The results suggest that when extension activities are designed based on real classroom experiences and the tacit knowledge teachers already carry, they become more meaningful and capable of strengthening the relationship between university and society. In conclusion, the article highlights the need to recognize and value the everyday gestures of teaching work, which, though subtle, hold strong formative potential.
Keywords: teaching practice; university extension; everyday knowledge; indiciary paradigm; teacher education.

1. INTRODUÇÃO

Falar sobre a prática docente hoje é, inevitavelmente, reconhecer que ensinar se tornou uma tarefa cada vez mais complexa. Os tempos mudaram, e com eles vieram novas demandas, novas políticas e, claro, muitas incertezas. No ensino superior, em especial, os professores têm sido chamados a repensar o jeito como ensinam, como organizam o currículo e como se relacionam com os estudantes e com a sociedade em geral. Entre as mudanças mais significativas dos últimos anos, a curricularização da extensão aparece como uma dessas pautas que nos provocam a sair do automático e a encarar o desafio de dar mais sentido social à formação acadêmica.

Mais do que uma regra a ser seguida, a extensão integrada ao currículo se apresenta como uma possibilidade concreta de abrir a universidade para o mundo, de escutar o que está do lado de fora dos muros institucionais e de ensinar (e aprender) a partir dessa escuta. Mas isso, claro, não acontece sem causar certo desconforto. Muitos docentes ainda se perguntam como dar conta dessa integração, como planejar essas ações e, principalmente, como transformar isso tudo em experiências de aprendizagem que realmente façam sentido.

Entretanto, o que se observa, na prática, é que essa integração nem sempre se dá de forma fluida ou natural. Muitos docentes se deparam com um vazio metodológico, com dúvidas sobre como planejar ações extensionistas coerentes com seus conteúdos disciplinares, e sobre como avaliar aprendizagens que emergem de experiências vividas fora dos muros da universidade. É nesse cenário que este artigo propõe uma abordagem alternativa para compreender a prática docente frente à curricularização da extensão: os prolegômenos do paradigma indiciário, conforme delineado por Carlo Ginzburg.

O paradigma indiciário, que nasce das investigações historiográficas e se inspira tanto na prática dos antigos médicos quanto nos métodos dos detetives modernos, parte de uma ideia simples, mas poderosa: são os pequenos sinais, aqueles indícios que muitas vezes passam despercebidos ou são considerados pouco relevantes, que podem nos revelar as camadas mais profundas e estruturais de uma realidade. É como aprender a ler nas entrelinhas daquilo que parece marginal, mas que, na verdade, carrega pistas essenciais para compreendermos o que está por trás do que se apresenta à primeira vista.

São os gestos quase automáticos, as escolhas feitas no improviso, os silêncios em sala de aula, as dúvidas que não viram pergunta, os caminhos que o professor decide trilhar sem roteiros prontos. Tudo isso carrega marcas importantes do que é ser docente. Ao nos debruçarmos sobre esses indícios, conseguimos acessar uma camada mais profunda do trabalho pedagógico, que normalmente escapa das análises mais tradicionais. É nessa escuta mais atenta quase investigativa que o paradigma indiciário se revela uma ferramenta potente para compreender a complexidade que envolve a prática docente.

Ao considerar os prolegômenos desse paradigma como ponto de partida para a reflexão, este trabalho se propõe a escutar com atenção aquilo que o discurso técnico muitas vezes silencia: as estratégias intuitivas, as improvisações criativas, os modos silenciosos de resistir e de inovar. A hipótese que se apresenta é que, ao lançar mão dessa escuta sensível e investigativa, torna-se possível interpretar com mais profundidade os desafios e as potências da docência no processo de curricularização da extensão.

A relevância deste estudo reside, portanto, na tentativa de articular três dimensões que, nem sempre, conversam entre si de forma explícita: a prática docente, a curricularização da extensão e a epistemologia indiciária. Ao invés de tratar a extensão como mero cumprimento de carga horária, e a prática docente como aplicação técnica de métodos, defende-se aqui que há um campo rico de significações que pode (e deve) ser interpretado a partir dos sinais deixados pelos próprios sujeitos que ensinam.

Nesse sentido, o artigo está organizado da seguinte forma: primeiro, apresenta-se uma breve retomada conceitual sobre a curricularização da extensão no contexto da educação superior brasileira, com foco nas implicações para o trabalho docente. Em seguida, discute-se o paradigma indiciário como base teórico-metodológica, resgatando seus fundamentos e refletindo sobre suas possibilidades no campo da educação. Por fim, são analisados relatos e situações concretas que evidenciam como os professores vêm vivenciando esse processo, destacando os indícios que ajudam a compreender as transformações em curso.

Mais do que buscar respostas definitivas, este trabalho pretende abrir um campo de diálogo, no qual a escuta e a interpretação dos detalhes se tornem estratégias legítimas para pensar a docência e a extensão de forma mais integrada, ética e comprometida com a realidade social. Afinal, como nos ensina o próprio Ginzburg, é nos detalhes naquilo que escapa ao olhar apressado que muitas vezes se escondem as verdades mais relevantes.

2. CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO: CONTEXTOS E DESAFIOS PARA A PRÁTICA DOCENTE

Falar sobre a curricularização da extensão é, antes de tudo, reconhecer que estamos diante de uma mudança de rota no modo como a universidade compreende sua função social. Há muito se discute a necessidade de romper com a lógica do ensino superior centrado apenas na sala de aula e voltado exclusivamente à transmissão de conteúdo. A extensão, nesse contexto, aparece como uma tentativa ainda em construção de reconstruir essa relação, trazendo o mundo para dentro da universidade e levando a universidade para fora dos seus próprios muros.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazem do ensino algo mecanizado, transferindo saberes e conteúdos prontos, negam a curiosidade, que é o motor do conhecimento. Ensinar exige sensibilidade e ética, e também disposição para aprender com os educandos e com a realidade. (FREIRE, 1996, p. 33)

A Resolução CNE/CES nº 7, de 18 de dezembro de 2018, que estabelece as diretrizes para a extensão na educação superior, reforça essa perspectiva ao determinar que, no mínimo, 10% da carga horária total dos cursos de graduação deve ser destinada a atividades de extensão. Mas, mais do que atender a uma exigência normativa, a curricularização da extensão nos convida a pensar a formação universitária de forma mais integrada, conectando ensino, pesquisa e extensão como dimensões que se complementam e que, idealmente, se alimentam mutuamente.

No entanto, entre a proposta e a prática, existe um caminho cheio de nuances, tensões e desafios concretos. Para muitos professores, a curricularização tem chegado como uma demanda institucional que, embora bem-intencionada, ainda carece de mediação pedagógica mais cuidadosa. São frequentes os relatos de incerteza: como planejar ações extensionistas que dialoguem com os conteúdos das disciplinas? Como avaliar aprendizagens que ocorrem fora do ambiente formal da sala de aula? Como manter a coerência pedagógica diante de realidades sociais tão diversas? Essas perguntas não têm respostas simples e talvez nem devam ter.

A extensão, quando pensada a partir de uma perspectiva crítica e dialógica, rompe com os modelos mais engessados de ensino. Ela nos obriga a lidar com o imprevisto, com o diferente, com o que escapa ao controle dos planos de aula. E é justamente aí que reside um de seus maiores potenciais formativos: ao inserir o estudante (e o professor) em situações reais, ela nos obriga a reconfigurar a nossa prática, a repensar nossas certezas e a exercitar uma escuta mais sensível ao outro.

A extensão universitária deve ser compreendida como uma via de mão dupla, com trânsito assegurado entre a universidade e a sociedade. Isso significa que o saber acadêmico não pode se fechar em si mesmo, mas precisa ser confrontado com os problemas reais, com os sujeitos concretos e com os desafios do tempo presente. (BRANDÃO, 2002, p. 15)

Do ponto de vista da prática docente, isso exige uma postura de abertura, mas também de enfrentamento. Nem sempre os professores recebem formação ou apoio institucional para assumir essa nova função com segurança. Muitas vezes, a extensão é tratada como um apêndice do currículo, um complemento que se ajusta “onde der”. Isso gera sobrecarga, confusão e, por vezes, resistência. E é compreensível: ninguém ensina bem sob pressão, e a inovação pedagógica não se impõe por decreto.

É nesse cenário que se torna fundamental olhar com mais cuidado para o lugar do professor nesse processo. Ele não é apenas executor de uma política, mas sujeito que constrói sentido no que faz. Seus saberes, mesmo os não formalizados, são decisivos para o êxito (ou fracasso) da integração entre extensão e formação acadêmica. Por isso, mais do que impor formatos, é preciso criar espaços de diálogo, escuta e troca de experiências onde os docentes possam refletir juntos sobre suas práticas, reconhecer os desafios e compartilhar caminhos possíveis.

A curricularização da extensão, portanto, não pode ser reduzida a uma adequação burocrática. Ela exige uma revisão mais profunda do projeto formativo de cada curso, e isso passa, inevitavelmente, por repensar o papel da docência. Incorporar a extensão ao currículo é, em grande medida, redesenhar o modo como se ensina e se aprende. E esse redesenho precisa considerar as particularidades de cada área, de cada território, de cada grupo social com o qual a universidade se relaciona, tendo em vista que,

O trabalho docente, por ser trabalho com seres humanos em formação, é também sempre trabalho sobre si mesmo. O professor, ao ensinar, refaz e reconstrói saberes que não são apenas disciplinares, mas também existenciais, éticos e políticos, ligados ao mundo e às vidas com as quais convive. (ARROYO, 2013, p. 42)

Mais do que ensinar conteúdos, espera-se que o professor ajude a construir pontes entre o conhecimento acadêmico e as questões que emergem da vida concreta. E isso só é possível quando se compreende a docência como uma prática situada, viva, permeada por escolhas éticas e políticas. O desafio não está apenas em "cumprir a meta de 10%", mas em fazer com que essa presença da extensão no currículo seja significativa, transformadora e, sobretudo, coerente com os princípios de uma educação pública, democrática e socialmente referenciada.

3. PARADIGMA INDICIÁRIO: FUNDAMENTOS TEÓRICOS E POTENCIALIDADES NA EDUCAÇÃO

Nem sempre as grandes explicações partem de evidências óbvias. Há situações em que o que nos permite compreender melhor uma realidade são justamente os detalhes, os fragmentos, aquilo que parece pequeno demais para ser notado mas, que, ao ser interpretado com cuidado, revela dimensões profundas e estruturais. É essa a proposta do paradigma indiciário, desenvolvido por Carlo Ginzburg, e que aqui nos interessa como uma lente para olhar de forma mais sensível e crítica para o cotidiano da prática docente.

Ginzburg (1989), historiador italiano, parte da ideia de que o conhecimento pode e muitas vezes deve ser construído a partir de sinais indiretos, como faziam os antigos médicos, os caçadores ou mesmo os detetives. Em vez de buscar leis universais ou verdades totalizantes, o paradigma indiciário propõe um movimento de investigação atento ao que é aparentemente secundário: rastros, indícios, sintomas, hesitações. Esse tipo de leitura, que exige escuta fina e disposição para lidar com o ambíguo, permite acessar realidades que os métodos tradicionais tendem a ignorar.

Transportar esse modo de ver para o campo da educação nos coloca diante de uma postura investigativa que valoriza o cotidiano escolar e universitário não como um cenário neutro ou banal, mas como um campo rico em significados, mesmo quando (ou principalmente quando) esses significados não se apresentam de forma explícita. A prática docente, por exemplo, é repleta de decisões improvisadas, gestos silenciosos, dúvidas que não são ditas em voz alta, mas, que se lidas com atenção, dizem muito sobre o que significa ensinar em determinado contexto histórico e social, uma vez que,

O indício é algo que, a partir de um vestígio mínimo, leva a uma realidade mais complexa. Essa lógica não opera com certezas, mas com aproximações, com hipóteses construídas em cima de fragmentos. É o conhecimento que se faz pelo detalhe, pela escuta fina, pela leitura sensível dos sinais.”(GINZBURG, 1989, p. 150)

Ao assumir o paradigma indiciário como ferramenta de análise da docência, propomos aqui um deslocamento metodológico e epistemológico: passamos a considerar que o que o professor faz, sente ou hesita em fazer são dados legítimos para refletir sobre os rumos da educação. A maneira como o professor organiza sua aula, como reage a situações inesperadas ou mesmo como constrói vínculos com os estudantes tudo isso, embora pareça parte da rotina, carrega sentidos importantes. Esses gestos e decisões, muitas vezes silenciosos, nos dizem muito sobre o contexto em que esse docente atua, sobre as pressões e atravessamentos institucionais, e também sobre os valores e percepções que orientam sua prática.

Essa forma de interpretar a docência não nega a importância dos métodos tradicionais de pesquisa ou das teorias pedagógicas consolidadas. Pelo contrário, ela se soma a eles. O que se propõe aqui é uma escuta mais afinada, mais atenta ao que é sutil, ao que escapa das estatísticas. Afinal, ensinar é um ato profundamente humano, e como tal, exige um olhar capaz de reconhecer a riqueza que existe nos detalhes.

. Como destaca Ginzburg, trata-se de uma “ciência do singular”, voltada ao que escapa da média, ao que foge da regra justamente porque é ali que moram os sentidos mais profundos da experiência. Na educação, isso pode significar reconhecer que não há um “modelo ideal” de ser professor, mas muitos modos possíveis de exercer a docência, cada um atravessado por histórias, territórios, culturas e subjetividades.

No contexto da curricularização da extensão, esse olhar indiciário ganha ainda mais relevância. Afinal, quando o professor é convocado a sair da sala de aula e entrar em diálogo com a comunidade, surgem novas camadas de complexidade que não podem ser entendidas apenas por relatórios ou indicadores quantitativos. É preciso observar os sinais: como os docentes se apropriam (ou não) dessa proposta? Quais resistências surgem? Que estratégias criativas são mobilizadas para lidar com a falta de recursos, de tempo, de apoio institucional?

Em suma, o paradigma indiciário convida a educação a sair da busca por respostas prontas e a entrar em um campo mais aberto, mais interpretativo e mais sensível às nuances da prática. A potência dessa abordagem está justamente em legitimar o cotidiano como lugar de produção de conhecimento, e o professor como sujeito que, mesmo sem verbalizar teorias, constrói saberes por meio da experiência, da escuta e da leitura atenta do mundo, considerando que,

A prática educativa não pode ser reduzida a uma simples aplicação de métodos ou teorias. Ela exige um modo de ser no mundo, uma atitude ética e política diante do outro, um compromisso com a escuta e com a leitura do contexto em que se atua.”
(FREIRE, 1996, p. 90)

Ao colocarmos essa perspectiva em diálogo com a docência, ampliamos nossa capacidade de compreender não apenas o que está funcionando ou não nas políticas educacionais como a curricularização da extensão, mas também como elas são vividas no plano concreto, onde cada escolha carrega intenções, medos, convicções e improvisos. E é aí, nesse campo aparentemente instável, que moram os indícios mais valiosos para pensar uma educação mais justa, mais humana e mais conectada com a realidade.

4. A PRÁTICA DOCENTE À LUZ DO PARADIGMA INDICIÁRIO: INDÍCIOS DO COTIDIANO EDUCATIVO

Observar a prática docente com os olhos do paradigma indiciário é aceitar que os aspectos mais significativos do ensino nem sempre se revelam em planejamentos, avaliações formais ou discursos didáticos. Muitas vezes, são os detalhes silenciosos um olhar que acolhe, uma pausa antes da resposta, uma mudança de rota no meio da explicação que nos contam o que realmente está acontecendo na relação entre professor, estudante e conhecimento.

O cotidiano educativo é cheio de sinais que, à primeira vista, parecem banais, mas que, sob um olhar mais atento, ganham outra dimensão. A forma como o professor reage ao inesperado, como lida com a ausência de recursos, como reconfigura o plano de aula diante da realidade que encontra tudo isso são indícios vivos de sua prática, que está intrínseca,

Na prática cotidiana dos professores, os gestos, as palavras escolhidas, os silêncios e até mesmo os improvisos são marcas carregadas de sentido. São esses sinais discretos que revelam, mais do que os discursos formais, a maneira como se constrói a ação docente. (TARDIF, 2014, p. 23)

São nesses gestos, muitas vezes invisíveis nos relatórios e nos projetos pedagógicos, que se revelam o compromisso, a criatividade e, não raro, a resistência frente às dificuldades institucionais.

O paradigma indiciário nos convida justamente a olhar para esses rastros. Não com desconfiança, mas com escuta. Escuta do que não é dito, do que se expressa nas entrelinhas da experiência. É um convite à leitura sensível dos modos de ser professor em contextos cada vez mais atravessados por exigências burocráticas, políticas de controle e demandas sociais complexas. Esse olhar não busca totalizações nem verdades absolutas; ele se ocupa do particular, do singular, do que escapa aos grandes modelos. E, justamente,

“É no detalhe, no fragmento, no traço que se esconde a chave de leitura para o todo. A lógica indiciária recusa as evidências óbvias e se debruça sobre os sinais marginais, justamente porque ali está o que há de mais revelador. (GINZBURG, 1989, p. 160)

Ao aplicar esse tipo de leitura à prática docente, compreende-se que os saberes do professor não estão todos nos livros ou nos cursos de formação. Muitos desses saberes se constroem ali, no fazer diário, no enfrentamento de dilemas, nas soluções improvisadas, nas estratégias que nascem da escuta dos alunos e da realidade social que os envolve. São saberes situados, carregados de intuição, experiência e sensibilidade. E é nesse terreno fértil que o paradigma indiciário se revela uma chave potente de compreensão.

Quando falamos da curricularização da extensão, por exemplo, esses indícios se tornam ainda mais relevantes. Como o professor lida com essa nova exigência? Como compreende seu papel nesse processo? Quais caminhos inventa para dar sentido ao que, muitas vezes, chega como imposição? Mais do que respostas prontas, o que temos são sinais, pistas, movimentos. E é a partir deles que podemos pensar uma docência mais conectada com a vida e com os sujeitos reais que habitam a universidade,

O saber docente é tecido na experiência, nos acasos da sala de aula, nas relações com os alunos e nas escolhas que o professor faz diante do imprevisível. Esse saber, embora muitas vezes invisível, é essencial para compreender o que de fato acontece na educação. (NÓVOA, 2009, p. 27).

Por isso, pensar a prática docente à luz do paradigma indiciário é, acima de tudo, um gesto de valorização do cotidiano. É reconhecer que há conhecimento nos detalhes, há potência nas entrelinhas, e que o professor, em sua prática muitas vezes silenciosa, carrega um saber construído na experiência, que merece ser escutado, registrado e reconhecido como legítimo.

5. REFLEXÕES E POSSIBILIDADES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE MAIS INTEGRADA E SENSÍVEL

Formar um professor vai muito além de passar conteúdo ou ensinar técnicas de ensino. É importante que a formação ajude quem está começando a enxergar a docência como algo complexo, cheio de desafios, mas também cheio de significado. Ensinar não é só falar ou explicar, é criar conexões, entender as pessoas que estão na sala e se adaptar às situações do dia a dia,

A formação docente não pode se limitar à transmissão de conhecimentos técnicos e teóricos. Ela deve promover uma reflexão profunda sobre o papel do professor, estimulando a construção de uma prática pedagógica que considere a diversidade dos estudantes, suas necessidades e as complexidades do contexto escolar em que atuam (TARDIF, 2014, p. 52).

Por isso, a formação precisa juntar teoria e prática de um jeito que faça sentido para quem está aprendendo. Não adianta só estudar os conceitos na sala de aula; é preciso sentir na pele o que acontece no cotidiano escolar, com seus altos e baixos. Essa experiência ajuda o futuro professor a pensar sobre seus próprios valores, sentimentos, expectativas, aguçando a sensibilidade, pois,

Ensinar é, antes de tudo, um ato de responsabilidade ética e política. O professor precisa estar atento não só ao conteúdo, mas às histórias, às emoções e às realidades dos seus alunos, buscando sempre uma escuta sensível que permita uma educação verdadeiramente inclusiva e transformadora. (FREIRE, 1996, p. 89)

Saber ouvir, perceber o que está além do que é dito, entender as diferenças entre os alunos isso tudo é algo que se aprende com o tempo, conversando, refletindo e trocando experiências. Não é algo que já nasce pronto.

E essa formação não para quando o diploma é entregue. Pelo contrário, o aprendizado continua na vida toda, sempre que o professor se dispõe a pensar sobre sua prática e a aprender com colegas e estudantes. Criar momentos para essa troca é essencial, porque o professor é quem transforma a escola na prática.

No fim das contas, formar professores integrados e sensíveis é preparar profissionais prontos para encarar a complexidade da sala de aula, comprometidos em fazer da educação um espaço mais humano e justo. É um caminho desafiador, mas que vale a pena trilhar.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, buscou-se lançar um olhar atento e sensível sobre a prática docente à luz do paradigma indiciário, destacando como pequenos sinais e gestos cotidianos revelam dimensões profundas do ensino. A curricularização da extensão, inserida nesse cenário, aparece não apenas como uma exigência normativa, mas como uma oportunidade para repensar e ressignificar a relação entre universidade, professor e sociedade.

Reconhecer a docência como uma prática complexa, que ultrapassa as teorias formais, implica valorizar os saberes tácitos, as improvisações e as decisões que nascem no contato direto com o cotidiano educativo. Essa perspectiva nos convida a ampliar o olhar para a formação docente, ressaltando a importância de processos integrados, que conciliem teoria, prática e sensibilidade para lidar com a diversidade e os desafios atuais.

Por fim, o paradigma indiciário mostra-se uma ferramenta potente para compreender a docência em sua riqueza e pluralidade, permitindo que professores e pesquisadores encontrem nos detalhes do cotidiano pistas fundamentais para transformar a educação. O desafio permanece em seguir investindo em uma formação docente que valorize a experiência, a reflexão crítica e o compromisso ético, preparando profissionais capazes de atuar com humanidade e criatividade nos espaços escolares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

NÓVOA, António. Professores: corpo e alma. Porto: Porto Editora, 2009.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.


1 Graduado em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), GraduandO em Licenciatura em Língua Portuguesa pela Faculdade IBRA, Mestre em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Doutor em Literatura pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: [email protected].