POLÍTICAS EDUCACIONAIS E ENSINO DE FILOSOFIA DURANTE A DITADURA MILITAR NO BRASIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13918361


André Francisco Freire Monteiro1
Adriele Freire Monteiro2


RESUMO
Este artigo analisa O Ensino de Filosofia durante o regime militar no Brasil (1964-1985), e as políticas educacionais que foram implementadas, que visavam controlar a produção e distribuição de livros didáticos. A criação da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED) em 1966 foi fundamental na disseminação dos livros didáticos, favorecendo a expansão do ensino técnico e alinhando-se aos interesses do governo militar e do capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, a disciplina de Filosofia foi retirada do currículo obrigatório, sendo vista como uma ameaça à ordem estabelecida por promover o pensamento crítico. O controle sobre o material didático e a exclusão da Filosofia das escolas contribuíram para a imposição de uma ideologia tecnicista, refletindo os interesses políticos e econômicos da época.
Palavras-chave: Educação. Ensino de Filosofia. Livros Didáticos.

ABSTRACT
This article analyzes the Teaching of Philosophy during the military regime in Brazil (1964-1985) and the educational policies that were implemented to control the production and distribution of didactic books. The creation of the Commission for Technical and Didactic Books (COLTED) in 1966 was fundamental in disseminating didactic books, favoring the expansion of technical education and aligning with the interests of the military government and foreign capital. At the same time, the subject of Philosophy was removed from the mandatory curriculum, being seen as a threat to the established order for promoting critical thinking. The control over didactic material and the exclusion of Philosophy from schools contributed to the imposition of a technocratic ideology, reflecting the political and economic interests of the time.
Keywords: Education. Teaching of Philosophy. Didactic Books.

1 INTRODUÇÃO

A educação no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985) enfrentou um período de grandes transformações, marcado pela imposição de um modelo educacional que buscava se alinhar aos interesses políticos e econômicos do governo. Nesse contexto, as políticas educacionais foram ferramentas essenciais para o controle ideológico da população, refletindo as diretrizes de uma época em que o pensamento crítico e a pluralidade de ideias eram frequentemente silenciados. A atuação do Estado na educação foi orientada por um ideário que privilegiava a conformidade e a obediência, influenciando diretamente o conteúdo curricular nas escolas.

Um dos principais mecanismos da intervenção educacional foi o Acordo MEC/USAID, assinado em 1967, que tinha como objetivo a produção e distribuição de livros didáticos em larga escala. Este acordo não apenas facilitou o acesso a materiais didáticos, mas também garantiu que esses conteúdos estivessem alinhados às ideologias norte-americanas. A Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), criada em 1966, desempenhou um papel fundamental na implementação dessa política, promovendo a disseminação de livros que refletiam os valores do regime militar e a lógica tecnicista que se tornava predominante.

Dentro desse cenário, a disciplina de Filosofia foi progressivamente considerada uma ameaça ao controle político e à ordem estabelecida e excluída do currículo obrigatório. Historicamente, a Filosofia sempre foi uma área que incentivou o pensamento crítico, a reflexão e a discussão de ideias. Entretanto, com a crescente repressão e a busca pela homogeneização do conhecimento, a presença dessa disciplina nas escolas foi reduzida a um status complementar ou optativo em muitas instituições de ensino.

Este artigo visa analisar como as políticas educacionais implementadas durante a ditadura militar impactaram o ensino de Filosofia no Brasil, bem como a produção e distribuição de livros didáticos. Ao investigar as intersecções entre educação, controle ideológico e a exclusão do pensamento crítico, pretende-se evidenciar as consequências dessas políticas para a formação de uma geração de estudantes e para a própria construção do conhecimento no país.

Contexto Histórico

Durante o regime militar no Brasil (1964-1985) e da existência da Comissão Nacional do Livro Didático (1938-1969), o Ministério da Educação (MEC), em 06 de janeiro de 1967, assinou um acordo (MEC/USAID) juntamente com a Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Nacional (USAID) e o Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) para aquisição de 51 milhões de livros para serem distribuídos de forma gratuita aos estudantes da rede pública de ensino.

Anteriormente, em 04 de outubro de 1966, foi instituída pelo Ministério da Educação por meio do Decreto n°. 59.355 a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), órgão responsável por “[...] incentivar, orientar, coordenar e executar as atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionados com a produção, a edição o aprimoramento e a distribuição de livros técnicos e de livros didáticos” (BRASIL, 1966). A Comissão foi criada para atender os seguintes objetivos:

Facilitar a distribuição e utilização de livros pela criação de bibliotecas escolares e pelo suprimento às já existentes, de um número adequado de livros selecionados pela COLTED. Promover, por contrato comercial com as editoras, em decorrência da maior e imediata demanda desses livros, e tendo em vista os termos do Decreto N° 59 355, substancial aumento no número de livros disponíveis nos níveis de ensino primário, médio e superior e sua distribuição oportuna e econômica, através da rede comercial. Promover a edição de livros didáticos nas matérias em que não haja publicações em Português, ou quando as disponíveis não atenderem aos requisitos de qualidade exigidos pelo ensino. Aperfeiçoar as técnicas da indústria editorial e gráfica e os sistemas usuais de distribuição de livros. Estimular os autores e ilustradores brasileiros de livros técnicos e didáticos. Difundir entre os três níveis de ensino os meios de aperfeiçoar técnicas didáticas, pelo melhor uso dos livros e dos materiais didáticos e científicos. (BRASIL, 1967).

Professores e críticos da educação do período denunciaram que o acordo MEC/USAID era na realidade um meio para o governo americano controlar o mercado de livro didático no Brasil e por conseguinte o controle ideológico do que era ensinado nas escolas (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1989).

Romanelli (1980) aponta que mediante o acordo o Ministério da Educação e o Sindicato Nacional de Editores de Livros ficaram responsáveis apenas pela execução do programa, cabendo a USAID as questões técnicas de fabricação dos livros, elaboração, editoração, distribuição e orientação no processo de compra por parte das editoras brasileiras dos direitos autoras de livros estrangeiros, em sua maioria, livros norte-americanos. Em 1965 também foi assinado um acordo, MEC-CONTAP (Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso) – USAID, onde o órgão americano ficou responsável por fornecer assessorias técnicas para o planejamento do ensino secundário.

Segundo Hallewell (1985), o setor editorial foi um dos principais beneficiários do acordo MEC-USAID pois fortaleceu o comércio de livros didáticos, beneficiando desde os livreiros varejistas até mesmo os que fabricavam tinta para impressão.

A COLTED começou a funcionar em março de 1967, tendo como objetivo a criação de Bibliotecas básicas em língua portuguesa nas escolas de nível primário, médio (criado pela Lei n°. 4.024, de 1961, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, englobando o ensino secundário, cursos técnicos e de formação de professores) e ainda no Ensino Superior. No total, durante a vigência do acordo, foram criadas cerca de 23.024 bibliotecas.

Foi nesse período, juntamente com os livros didáticos, também passaram a ser entregues manuais didáticos para os professores. Ainda foram implementados cursos e treinamento para os professores mostrando como utilizar os livros. No primeiro ano de funcionamento da COLTED foram entregues cerca de 2.563.175 livros para as Bibliotecas escolares. As duas primeiras etapas do programa da COLTED foram voltadas para a entrega de livros de leituras e livros didáticos.

O Programa da COLTED compreendeu na sua primeira etapa prioritariamente a distribuição de três categorias de livros: de leitura ou consulta básica, os livros de leitura complementar e suplementar e os livros de referência. Nesta primeira fase a COLTED utilizou a bibliografia existente em circulação no país. Na segunda etapa o Programa já se encontrava mais solidificado a partir dos anos de 1968 e 1969, e o foco passou a ser o setor do livro didático. Tal setor responsabilizava-se por verificar as necessidades para edição dos livros em colaboração com entidades oficiais e consultores especializados para o planejamento da aquisição de livros e atualização dos cadastros e catálogos referentes às editoras e aos autores nacionais. (KRAFZIK, 2006, p. 69).

Na segunda etapa do Programa da COLTED foi instituído o processo de avaliação dos novos livros didáticos que deveriam ser enviados as escolas. Na terceira etapa do programa constou a seleção dos livros e a fase de distribuição para os alunos e professores da rede pública de ensino, sendo que o processo de seleção e avaliação ocorreu no final do primeiro semestre de 1968, “[...] a edição dos livros em grandes tiragens aconteceu durante praticamente todo o segundo semestre do mesmo ano. A distribuição dos livros para o uso dos alunos e o último livro entregue ao destinatário estendeu-se até o ano de 1969” (KRAFZIK, 2006, p. 70).

A COLTED foi extinta em junho de 1971, tendo distribuído para o nível médio, durante a primeira e segunda etapa do seu plano de ação, cerca de 765.500 livros para o Ginasial e 226.000 para o Colegial. Cerca de 107.539 foram entregues no Estado de Goiás (atuais Goiás e Tocantins). A COLTED desempenhou durante o período da ditadura militar no Brasil as mesmas funções que a CNLD teve no período do Estado Novo (KRAFZIK, 2006).

Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, a disciplina de Filosofia perdeu o status de obrigatória na grade curricular da União, passando a se tornar no sistema Federal de Ensino uma disciplina complementar. O Conselho Federal de Educação definiu que somente as disciplinas de Português, Matemática, Geografia, História e Ciências seriam obrigatórias no ensino secundário, cabendo aos Conselhos Estaduais de Educação escolher as disciplinas optativas e complementares que deveriam constar na grande curricular de suas escolas.

Cartolano (1985) analisando o período da retirada da disciplina de Filosofia dos currículos das escolas mantidas pela União e pelos Estados mostra que isso ocorreu visando atender os diversos interesses dos grupos dominantes que controlavam o poder Estatal.

A expansão econômica impulsionada pela penetração do capital estrangeiro e sua proteção pelo governo militar, a segurança nacional como princípio norteador da política interna e externa do país, e a ajuda externa ao desenvolvimento econômico, por meio de investimentos na educação, todos esses fatores contribuíram para a extinção, paulatina, da filosofia (dentre as humanidades) do currículo da escola secundária. Os acordos MEC-USAID, com a intenção manifesta de ‘ajudar’ a expansão do ensino, a fim de atender ao aumento da demanda social da educação, de melhorar a ‘qualidade do ensino’ denunciada pela crise que se instaurou logo após 1964, na realidade, o que pretendiam era a imposição dos valores culturais norte-americanos, personificados num modelo ‘ideal’ de educação para o Brasil. (CARTOLANO, 1985, p. 71).

A disciplina de Filosofia passou então a ser vista como uma questão de segurança nacional, pois ao não se enquadrar nos mecanismos do governo militar para o controle político- ideológico do sistema educacional e no modelo tecnicista que as escolas deveriam seguir, foi sendo retirada do currículo das escolas públicas por meio de regulamentações institucionais, como Leis, decretos e pareceres dos conselhos Federais e Estaduais de Educação.

Cartolano (1985, p. 74) diz que apesar da disciplina de Filosofia ter sido tratada durante o período da Ditadura Militar como uma ameaça ao poder da época, pois poderia formar indivíduos que refletissem sobre os reais problemas da sociedade, contribuindo para um pensamento crítico e transformador, era na realidade “[...] um ensino da filosofia que em geral tivemos no transcorrer de toda nossa história da educação: um ensino centrado em conteúdos acadêmicos e enciclopédicos que primavam por cindir a teoria da prática social”.

A partir de 1961, a disciplina de Filosofia passou a figurar hora como complementar nos currículos escolares e mais tarde, pela lei n°. 7.044 de 1982, se tornou optativa, sendo assim, ficou a cargo dos Estados definirem a sua implementação no Ensino Médio, o que impactou na produção de livros didáticos para área de Filosofia, uma vez que não havia uma demanda para produção dos manuais, compêndios ou livros de Filosofia.

Apenas na primeira década do século XXI, por meio do decreto Lei n°. 11.684 de junho de 2008, a disciplina de Filosofia voltou a ser obrigatória em todas as escolas de nível médio. Mesmo com a política educacional mantida após 1961 restringindo a presença da disciplina de Filosofia, ainda foram publicados alguns manuais e livros didáticos para área entre os anos de 1961 até 2000.

Considerações Finais

A disciplina de Filosofia passou a figurar como complementar ou optativo nos últimos 40 anos do século XX, os livros aqui listados foram utilizados apenas em algumas escolas que continuaram ofertando a disciplina em sua grade curricular. Esses manuais escolares foram mais utilizados em cursos preparatórios para as Faculdades de Direito e Filosofia.

Mediante o processo de expansão das escolas visando atender a demanda pelo Ensino, da necessidade de formação técnica para o aumento da produção industrial-capitalista, do processo de institucionalização da escolha dos livros didático e de escolha dos conhecimentos válidos para escolarização, o livro didático no Brasil passou a ser a mercadoria mais lucrativa para o setor gráfico e editorial, integrando o livro didático a lógica do mercado.

Desta forma, além de ser um objeto com valores culturais e educacionais, o livro didático se tornou uma ferramenta que possibilitou atender os interesses de controle político-ideológico dos diferentes grupos que influenciavam as políticas educacionais.

O papel do livro didático na vida escolar pode ser de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado. É necessário enfatizar que o livro didático possuí vários sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela intervenção de professores e alunos que realizam praticas diferentes de leitura e de trabalho escolar. Os usos que os professores e alunos fazem do livro didático são variados e podem transformar esse veículo ideológico e fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino autônomo [...]. Assim, mesmo considerando que o livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e diretivo acompanhado de exercícios prescritivos, existem e existiram formas diversas de uso nas quais a atuação do professor é fundamental. (BITTENCOURT, 1998, p. 73-74).

O livro didático no Brasil, a partir da década de 1960, consolidou-se como um instrumento privilegiado de comunicação e formação, tanto pelo Estado, que passou a financiar a aquisição do livro didático, do professor do sistema público de ensino que se tornou o responsável por escolher qual o melhor livro para o processo de escolarização, quanto para o aluno que teve no livro didático a sistematização dos conteúdos curriculares. Desta forma, o livro didático se consolidou como um instrumento multifacetado buscando atender os interesses dos diversos personagens envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, C. Livros didáticos entre textos e imagens. In.: BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.

BRASIL. Decreto n°. 59.355, de 4 de outubro de 1966. Institui No Ministério da Educação e

Cultura a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (Colted) e Revoga o Decreto n°. 58.653-66.

_______. Portaria n°. 69, de 13 de março de 1967. Regimento da Comissão do Livro Técnico

e do Livro Didático, 1967

CARTOLANO, M. T. P. Filosofia no Ensino de 2° grau. São Paulo: Cortez, 1985

FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria R.; COSTA, Wanderly F. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1989.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1985.

KRAFZIK. M. L. A. Acordo MEC/USAID – A Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático – COLTED (1966-1971). Dissertação (mestrado)- Faculdade de Educação da UERJ, 2006.

ROMANELLI, Otaíza. Historia da Educação no Brasil (1930-1973). 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1980.


1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]

2 Bacharel em Psicologia e Especialista em Avaliação Psicológica. E-mail: [email protected]