PERÍODO PREPARATÓRIO PARA A ALFABETIZAÇÃO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DOS CONCEITOS E FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A PRÁTICA PEDAGÓGICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17836310
Elaina Cristina Gonçalvez da Silva1
RESUMO
O período preparatório constitui o alicerce da alfabetização, na medida em que reúne experiências e vivências fundamentais para a construção das condições necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita. O objetivo é analisar os conceitos e fundamentos do período preparatório para a alfabetização, de modo a compreender como eles sustentam e orientam a prática pedagógica nos anos iniciais da educação básica. A metodologia, trata-se de um estudo bibliográfico através da abordagem qualitativa, os instrumentos de coletas dos dados foram estudos de publicações no google acadêmico, nos últimos anos. Os resultados da pesquisa evidenciaram que o período preparatório para a alfabetização é reconhecido como uma etapa fundamental, na qual se desenvolvem habilidades cognitivas, motoras, linguísticas e socioemocionais fundamentais ao sucesso na leitura e na escrita. A análise dos estudos selecionados permitiu identificar diferentes concepções de período preparatório, os fundamentos teóricos que o sustentam e as orientações propostas para a prática pedagógica. Também foram apontadas consequências importantes quando essa etapa é negligenciada, como dificuldades de aprendizagem, fragilidades no processo de alfabetização e maior risco de fracasso escolar.
Palavras-chave: Período preparatório. Alfabetização. Prática pedagogia.
ABSTRACT
The preparatory period constitutes the foundation of literacy, as it brings together fundamental experiences and activities for building the necessary conditions for learning to read and write. The objective is to analyze the concepts and foundations of the preparatory period for literacy, in order to understand how they support and guide pedagogical practice in the early years of basic education. The methodology consists of a bibliographic study using a qualitative approach; the data collection instruments were studies of publications in Google Scholar in recent years. The research results showed that the preparatory period for literacy is recognized as a fundamental stage, in which cognitive, motor, linguistic, and socio-emotional skills essential for success in reading and writing are developed. The analysis of the selected studies allowed for the identification of different conceptions of the preparatory period, the theoretical foundations that support it, and the guidelines proposed for pedagogical practice. Important consequences were also pointed out when this stage is neglected, such as learning difficulties, weaknesses in the literacy process, and a greater risk of school failure.
Keywords: Preparatory period. Literacy. Pedagogical practice.
INTRODUÇÃO
O período preparatório para a alfabetização corresponde à fase em que se constituem as bases cognitivas, motoras, linguísticas e socioemocionais necessárias para que a criança se aproprie, com maior segurança, da leitura e da escrita. Nessa etapa, vivenciada sobretudo na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, destacam-se experiências que envolvem brincadeiras, exploração de materiais, escuta e produção de narrativas, jogos simbólicos, coordenação motora, atenção e memória, as quais favorecem a construção de conceitos, a organização do pensamento e o contato significativo com a linguagem escrita, antes mesmo do ensino sistemático do sistema alfabético.
Apesar de sua relevância, a implementação do período preparatório nas escolas enfrenta diversos desafios. Entre eles, destacam-se a falta de formação específica de professores para planejar atividades intencionais e lúdicas, a pressão por resultados imediatos em leitura e escrita, a redução do tempo destinado às experiências de brincadeira e exploração, bem como condições estruturais e materiais limitadas. Em muitos contextos, o trabalho pedagógico acaba sendo antecipado para práticas mecanizadas de cópia e memorização, o que fragiliza a construção das habilidades que deveriam sustentar a alfabetização.
O objetivo foi analisar os conceitos e fundamentos do período preparatório para a alfabetização, de modo a compreender como eles sustentam e orientam a prática pedagógica nos anos iniciais da educação básica. Seguidos dos específicos: Analisar a importância do período preparatório como alicerce da alfabetização; identificar as principais implicações pedagógicas do período preparatório para a alfabetização; conceituar maturidade e prontidão escolar, destacando suas relações com o desenvolvimento cognitivo, motor, linguístico, socioemocional e com o ingresso no processo de alfabetização.
A abordagem utilizada neste estudo é bibliográfica, com enfoque qualitativo, e as informações foram obtidas por meio da consulta a publicações e artigos científicos disponíveis no Google Acadêmico, selecionados a partir de descritores relacionados ao período preparatório e alfabetização, considerando-se critérios de relevância, rigor teórico-metodológico e alinhamento ao objetivo da pesquisa.
Espera-se que este estudo contribua para ampliar a compreensão sobre a importância do período preparatório para a alfabetização, oferecendo subsídios teóricos e reflexões que apoiem o trabalho de professores e gestores, orientem o planejamento de práticas pedagógicas mais consistentes e fundamentadas e incentivem novas pesquisas sobre o tema no contexto da educação básica.
1. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo bibliográfico, de abordagem qualitativa, sobre o período preparatório para a alfabetização, que busca analisar seus fundamentos teóricos, suas contribuições para o desenvolvimento infantil e suas implicações para o processo de alfabetização. Segundo Gil (2007), abordagem bibliográfica, diz que a pesquisa bibliográfica é feita de materiais já existentes e constituída, especialmente, de livros e artigos científicos. Em relação a abordagem qualitativa Creswell (2014) explica que representa uma forma de compreensão dos significados atribuídos a eventos específicos pelos seus participantes, considerando a existência de uma natureza subjetiva sobre um assunto a ser narrado ou descrito.
A coleta de dados foi realizada por meio de levantamento sistemático de artigos científicos publicados e disponíveis no Google Acadêmico, que abordam diretamente essa temática, utilizando descritores relacionados ao período preparatório e alfabetização. Foram considerados, como critérios de inclusão, textos com acesso integral, publicados em periódicos científicos, alinhados ao objetivo da pesquisa, excluindo trabalhos duplicados, resenhas, materiais de divulgação e produções sem rigor científico. Os estudos selecionados foram organizados em fichas de leitura e submetidos a leitura analítica e categorização temática, de modo a identificar convergências, divergências e contribuições para a compreensão do período preparatório para a alfabetização.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo tem por intuito aprofundar a compreensão do período preparatório como etapa decisiva para a alfabetização, evidenciando que a aprendizagem da leitura e da escrita não se inicia apenas com o ensino formal do sistema alfabético, mas é antecedida por um conjunto de experiências que envolvem o corpo, a linguagem, o pensamento e as relações sociais. Inicialmente, destaca-se o período preparatório como alicerce da alfabetização, evidenciando seu papel na organização de experiências lúdicas, interativas e significativas que aproximam a criança do universo da linguagem escrita. Em seguida, aborda maturidade, prontidão e fundamentos teóricos do período preparatório, apresentando contribuições de autores clássicos e contemporâneos que ajudam a compreender como se articulam desenvolvimento infantil, neuropsicologia, linguagem e aprendizagem. Por fim, são analisadas as implicações pedagógicas e as consequências da negligência do período preparatório, evidenciando como a ausência de propostas intencionais nessa etapa repercute em dificuldades de leitura, escrita, matemática e participação escolar, ao mesmo tempo em que se discute a responsabilidade da escola em planejar práticas que reduzam desigualdades e garantam condições mais equitativas de aprendizagem.
2.1. Período Preparatório Como Alicerce Da Alfabetização
O período preparatório constitui o alicerce sobre o qual se ergue todo o processo de alfabetização, sendo determinante para o sucesso na aquisição da leitura e da escrita. Trata-se de uma fase decisiva, pois nela se formam as bases cognitivas, motoras, linguísticas e socioemocionais que sustentarão a aprendizagem futura. Essas experiências se constroem de maneira integrada nos diferentes contextos em que a criança está inserida, família, escola e comunidade, revelando a complexidade dessa etapa e a necessidade de propostas pedagógicas intencionalmente planejadas para favorecer o desenvolvimento global da criança (Vygotski, 1998).
Nesse sentido, documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, DCNEI, aprovadas pela Resolução CNE/CEB nº 5/2009 (Brasil, 2009), e a Base Nacional Comum Curricular, BNCC (Brasil, 2017), reconhecem a criança como sujeito de direitos e enfatizam que a educação infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar experiências que integrem cuidar e educar, articulando corpo, linguagem, cognição e afetividade.
No âmbito dos métodos de alfabetização, destaca-se a concepção de leitura como um ato global e audiovisual, que orienta práticas em que se trabalha a partir de unidades completas de linguagem para, posteriormente, chegar aos elementos menores. Nessa perspectiva, partem-se de frases e pequenos textos para, então, identificar palavras, sílabas e, por fim, letras. O objetivo central é possibilitar à criança a compreensão do texto e o uso significativo da linguagem, estimulando a leitura com sentido, a expressão oral e a formulação de ideias próprias. Ao se utilizarem contos, histórias e outras unidades textuais com começo, meio e fim, o período preparatório deixa de ser apenas um momento de exercícios mecânicos e passa a configurar-se como um espaço de contato vivo com a linguagem escrita, conectada à experiência cotidiana da criança, em consonância com a perspectiva de alfabetização com letramento defendida por Soares (2004), para quem ler e escrever implica participação em práticas sociais reais de uso da escrita.
Na perspectiva de Vygotsky (2009), a linguagem escrita é uma forma superior de atividade simbólica, pois exige do indivíduo maior nível de abstração e capacidade de planejamento. O autor afirma que “a linguagem escrita contribui para o fluxo do discurso na ordem da atividade complexa” (Vygotsky, 2009, p. 457), demonstrando que, ao escrever, o sujeito reorganiza seu pensamento, consolida saberes e amplia sua capacidade argumentativa. Assim, a escrita deixa de ser apenas um instrumento de comunicação e se converte em elemento estruturante da aprendizagem.
A utilização e aplicação de procedimentos de caráter global no período preparatório pressupõem que tais experiências sejam mediadas por jogos e atividades lúdicas planejadas, que auxiliem intencionalmente a aprendizagem e mantenham o interesse da criança. Por meio de brincadeiras de encaixe, jogos simbólicos, atividades rítmicas, canções, histórias ilustradas e exploração de materiais variados, a escola contribui para o desenvolvimento da atenção, da memória, da percepção, da linguagem oral e da coordenação motora, preparando o estudante para o contato sistemático com o sistema de escrita. Assim, o lúdico cumpre a função de articular prazer e conhecimento, aproximando a criança do universo da leitura e da escrita de forma significativa (Kishimoto, 1994). Em sintonia com essa compreensão, as DCNEI e a BNCC elegem a brincadeira e as interações como eixos estruturantes das práticas pedagógicas na educação infantil, destacando que tais experiências são condição para o desenvolvimento integral e para a futura apropriação da linguagem escrita (Brasil, 2009).
O ingresso da criança na alfabetização formal, portanto, não ocorre de maneira súbita, como se bastasse apresentar o sistema alfabético. Antes disso, há um tempo de maturação psicomotora, cognitiva e socioemocional que configura o chamado período preparatório. É uma fase essencial em que corpo, mente e emoções trabalham em sintonia para organizar experiências, estruturar símbolos e abrir caminhos para a apropriação da leitura, da escrita e da matemática (Seabra & Capovilla, 2010). Assim compreender e valorizar esse período significa reconhecer que a alfabetização começa muito antes da decodificação das letras, enraizando-se nas múltiplas vivências lúdicas, interativas e significativas que antecedem o ensino formal.
2.2. Maturidade, Prontidão e Fundamentos Teóricos do Período Preparatório
Nesse contexto, dois aspectos psicológicos assumem papel central para a compreensão do período preparatório: maturidade e prontidão. A maturidade diz respeito ao conjunto de habilidades cognitivas, linguísticas, motoras e perceptivas que a criança desenvolve progressivamente, possibilitando-lhe interpretar o mundo, comunicar-se e agir de forma cada vez mais autônoma. A prontidão, por sua vez, caracteriza-se pela presença de um nível suficiente de desenvolvimento que permita o início da função simbólica envolvida na leitura e na escrita, ou seja, a capacidade de compreender que os sinais gráficos representam sons, palavras, ideias e significados (Poppovic, 1968).
Assim, maturidade e prontidão não são estados fixos, mas processos em construção, resultantes da interação entre fatores biológicos, emocionais, sociais e pedagógicos. Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular, BNCC (Brasil, 2017) reforça que o desenvolvimento integral da criança, envolvendo aspectos cognitivos, motores, afetivos e sociais, deve ser considerado como condição para a aprendizagem sistemática da leitura e da escrita nos anos iniciais.
As práticas que caracterizam o período preparatório vão muito além das brincadeiras espontâneas e descompromissadas. Jogos de encaixe, atividades de recorte e colagem, experiências rítmicas, canções, contação de histórias e brincadeiras motoras são recursos que organizam o cérebro infantil, uma vez que, ao brincar, a criança experimenta, explora, simboliza e elabora significados (Piaget, 1976). Essa compreensão está alinhada às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, DCNEI (Brasil, 2009) e ao Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, RCNEI (Brasil, 1998), que destacam o brincar como eixo estruturante do trabalho pedagógico, articulando cuidado, desenvolvimento e aprendizagem. Do mesmo modo, a Base Nacional Comum Curricular, BNCC (Brasil, 2017) reconhece que experiências corporais, lúdicas, linguísticas e simbólicas, especialmente nos campos de experiências “Corpo, gestos e movimentos” e “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, constituem fundamento para a futura apropriação da leitura e da escrita.
A BNCC, ao tratar dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ressalta que o processo de alfabetização deve considerar essas dimensões como parte do desenvolvimento integral, compreendendo que habilidades motoras, perceptivas, atencionais e de linguagem são condições necessárias para que os estudantes se apropriem do sistema alfabético de escrita (Brasil, 2017). Neste contexto, diversas habilidades emergem, portanto, como verdadeiras portas de entrada para o aprendizado formal: coordenação motora ampla e fina, lateralidade, orientação espacial, memória, atenção e raciocínio lógico-abstrato. Quando tais elementos são devidamente estimulados por práticas pedagógicas intencionais, favorecem a autonomia da criança diante da linguagem escrita e da matemática, ampliando sua capacidade de compreender enunciados, resolver problemas, organizar informações e registrar ideias (Seabra; Capovilla, 2010).
À luz da psicologia do desenvolvimento e das contribuições contemporâneas da neurociência, o período preparatório pode ser compreendido como uma fase de pré-sintonia neural, em que conexões cerebrais relacionadas à linguagem, à memória, ao controle inibitório e ao raciocínio se fortalecem a partir de experiências sensório-motoras, emocionais e simbólicas vividas em contextos desafiadores e afetivamente significativos (Wallon, 2007).
Ferreiro e Teberosky (1985) trouxeram contribuições fundamentais ao demonstrar que a criança formula hipóteses sobre a escrita antes mesmo de dominar o sistema alfabético. Em suas investigações, evidenciam que os pequenos analisam o tamanho das palavras, a posição das letras, a relação entre escrita e oralidade e constroem explicações próprias sobre como a escrita funciona. Assim, o período preparatório não é uma etapa de espera passiva pelo momento certo de aprender, mas um espaço de intensa construção ativa do conhecimento. Como afirmam as autoras, o ponto de partida de toda aprendizagem é o próprio sujeito, que elabora hipóteses a partir de seus esquemas assimiladores, confrontando-os continuamente com as situações de leitura e escrita que vivencia.
Na mesma direção, Soares (2004) defende que alfabetização e letramento devem caminhar juntos desde os primeiros contatos com a linguagem escrita. Para a autora, ler e escrever não se restringe à decodificação de símbolos, mas envolve a inserção da criança em práticas sociais significativas, nas quais a escrita cumpre funções reais, comunicar, registrar, informar, imaginar, argumentar. Desse modo, no período preparatório, torna-se fundamental oferecer vivências concretas de leitura e escrita: manuseio de livros, observação de placas, listas, bilhetes, produções coletivas e situações em que o adulto lê em voz alta para as crianças. Tais experiências permitem que o estudante perceba a função social da linguagem e se reconheça como sujeito ativo da comunicação, articulando maturidade, prontidão e participação em práticas letradas desde o início de sua trajetória escolar. Nessa perspectiva, iniciativas como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, PNAIC (Brasil, 2012) reforçam a importância de práticas de alfabetização que integrem o domínio do sistema de escrita com o letramento, propondo que a criança seja inserida, desde o período preparatório, em situações reais de uso da leitura e da escrita.
2.3. Implicações Pedagógicas e Consequências da Negligência do Período Preparatório
O período preparatório é a fase que antecede diretamente a alfabetização formal, geralmente vivida na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Não se trata de ensinar letras antes da hora, mas de oferecer experiências que desenvolvam habilidades básicas para que a criança esteja madura e pronta para aprender a ler e escrever: coordenação motora (ampla e fina), atenção, memória, linguagem oral, noção de espaço e tempo, percepção visual e auditiva, curiosidade e capacidade de simbolizar. É nesse período que o aluno explora materiais, brinca com sons da fala, observa escritas no ambiente, desenha, brinca de faz de conta, manipula jogos e ouve histórias, construindo aos poucos a compreensão de que a escrita representa a fala e carrega significados.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB nº 5/2009), em seu Artigo 4º, definem a criança como:
Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (Brasil, 2009).
Ainda de acordo com as DCNEI, em seu Artigo 9º, os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Educação Básica são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, possibilitando aprendizagens, desenvolvimento e socialização.
Se essa etapa for negligenciada, os impactos não se restringem às dificuldades de decodificação, como leitura pouco fluente, escrita fragmentada, baixo desempenho em matemática e dificuldades de organização de ideias e de raciocínios mais complexos. Tais dificuldades repercutem no conjunto da trajetória escolar, afetando a compreensão de textos, a resolução de problemas, a participação em atividades coletivas e a construção da autonomia intelectual. Reconhecer o valor do período preparatório significa compreender que a alfabetização não começa na letra, mas no corpo que desenha, no ouvido que capta sons e no pensamento que organiza símbolos e significados. Essa compreensão dialoga com as contribuições de Wallon (2007), ao enfatizar que o desenvolvimento intelectual se ancora nas ações do corpo, nas emoções e nas interações sociais que antecedem a aprendizagem formal da leitura e da escrita.
O Quadro 1 sintetiza essas implicações ao evidenciar, de um lado, as consequências da negligência do período preparatório e, de outro, a importância de seu reconhecimento como fase fundante da alfabetização.
Quadro 1 - Importância do período preparatório para a alfabetização
ASPECTOS | DESCRIÇÃO |
Consequências da negligência | Quando essa etapa é desconsiderada, os impactos não se restringem apenas às dificuldades na decodificação. Manifestam-se fragilidades mais amplas, como leitura pouco fluente, escrita fragmentada, baixo desempenho em matemática e dificuldades na organização de ideias e raciocínios complexos. |
Reconhecimento do valor do período preparatório | Compreender essa fase significa reconhecer que a alfabetização não se inicia na letra, mas no corpo que desenha, no ouvido que capta sons e no pensamento que organiza símbolos e significados. |
Fonte: Elaborado pela autora, 2025.
Dessa forma, o período preparatório deve ser entendido como um alicerce indispensável para o processo de alfabetização. É nele que a criança desenvolve habilidades perceptivas, motoras, cognitivas e socioemocionais que servirão de base para a construção da leitura e da escrita. Investir nessa etapa significa garantir condições mais equitativas de aprendizagem, respeitando o ritmo de desenvolvimento infantil e promovendo uma educação mais significativa e integral, na qual cada criança possa aproximar-se do universo da escrita com segurança, confiança e sentido.
Do ponto de vista pedagógico, ignorar o período preparatório implica reduzir a alfabetização a um processo meramente técnico, centrado na memorização de letras, sílabas e palavras, desvinculado da experiência concreta da criança. Quando as habilidades perceptivas, motoras, cognitivas e socioemocionais não são devidamente estimuladas, a escola tende a culpar o estudante por suas dificuldades, sem considerar que ele não teve oportunidades suficientes de vivenciar jogos, movimentos, ritmos, narrativas e situações de exploração que estruturam a base do aprender. Nesses casos, tornam-se frequentes rótulos como desatento, imaturos ou sem interesse, que mascaram lacunas formativas presentes na própria organização do trabalho pedagógico.
Nesse sentido, o período preparatório precisa ser compreendido como uma etapa pedagógica intencional, marcada por propostas que articulem ludicidade, linguagem, movimento e interação social. Planejar atividades que envolvam coordenação motora ampla e fina, lateralidade, orientação espacial, discriminação auditiva e visual, memória e atenção não é algo acessório, mas uma condição para que a criança chegue ao ensino sistemático da leitura e da escrita com maiores possibilidades de êxito (Soares, 2004). Ao mesmo tempo, quando essas experiências são oferecidas de forma contínua e contextualizada, a escola contribui para reduzir desigualdades, especialmente em contextos em que muitas crianças têm pouco acesso a materiais culturais e experiências de letramento em suas famílias e comunidades. Do ponto de vista pedagógico, isso implica que o planejamento, a organização dos espaços, a escolha dos materiais e a mediação docente no período preparatório não podem ser improvisados, mas precisam ser pensados como parte estruturante do processo de alfabetização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, verifica-se que o período preparatório constitui, de fato, o alicerce sobre o qual se estrutura todo o processo de alfabetização, na medida em que integra experiências corporais, cognitivas, emocionais e linguísticas vividas pela criança em diferentes contextos. Ao reconhecer essa etapa como fundante, supera-se a visão reducionista de que alfabetizar é apenas ensinar letras e sílabas, compreendendo-se que a aprendizagem da leitura e da escrita se enraíza nas vivências lúdicas, nas relações afetivas e nas interações significativas com o mundo. Valorizar o período preparatório significa, portanto, assumir uma concepção ampliada de alfabetização, em que o desenvolvimento infantil é visto de forma global, contínua e processual, exigindo da escola um planejamento intencional que una cuidado, ludicidade e conhecimento.
As discussões em torno de maturidade, prontidão e dos fundamentos teóricos do período preparatório evidenciam que o ingresso na alfabetização não depende de um momento mágico ou de uma idade cronológica fixa, mas de um conjunto de condições construídas ao longo do desenvolvimento infantil. A articulação entre aspectos cognitivos, motores, perceptivos, emocionais e sociais, somada às contribuições de autores como Poppovic, Piaget, Ferreiro, Teberosky, Soares, Capovilla e Wallon, reforça a ideia de que a criança é sujeito ativo na construção do conhecimento e que o brincar, a exploração e a participação em práticas letradas são experiências estruturantes. Dessa forma, compreender maturidade e prontidão à luz desses referenciais permite à escola planejar intervenções mais adequadas, respeitar ritmos individuais e evitar práticas que antecipem mecanicamente conteúdo sem que as bases necessárias tenham sido consolidadas.
As implicações pedagógicas analisadas mostram que negligenciar o período preparatório repercute em toda a trajetória escolar, produzindo dificuldades que vão muito além da simples decodificação de palavras. Fragilidades na leitura, na escrita, na matemática e na organização de raciocínios complexos revelam, muitas vezes, a ausência de experiências prévias que favorecessem o desenvolvimento de habilidades perceptivas, motoras, cognitivas e socioemocionais. Por outro lado, quando essa etapa é reconhecida e tratada como parte constitutiva do processo de alfabetização, abre-se a possibilidade de uma prática pedagógica mais justa e inclusiva, capaz de reduzir desigualdades e ampliar as chances de sucesso escolar. Assim, investir no período preparatório não é opcional, mas um compromisso ético e pedagógico com a garantia do direito de aprender, desde os primeiros anos da escolarização.
Conclui-se que o período preparatório constitui uma etapa indispensável e estruturante do processo de alfabetização, na medida em que nele se articulam maturidade, prontidão e experiências pedagógicas intencionalmente planejadas. Ao reconhecer que a alfabetização não se inicia na letra, mas nas vivências corporais, cognitivas, emocionais e linguísticas que antecedem o ensino formal, supera-se uma visão restrita e mecanicista do aprender a ler e escrever.
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1 Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992). Pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal de Rondônia (1999). E-mail: [email protected]