PARÂMETROS PARA ANÁLISE DE DOIS TIPOS DIFERENTES DE BOLDO (PEUMUS BOLDUS) E (PLECTRANTHUS BARBATUS)

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15560183


Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2


RESUMO
Diferentes espécies de Monimiaceae são conhecidas popularmente como boldo e empregadas indistintamente na medicina tradicional como estomáquicas e diuréticas. São plantas muito utilizadas para ajudar a tratar problemas do fígado, devido às suas propriedades digestivas e hepáticas. No entanto, também possui propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, que podem ajudar no tratamento e prevenção de gastrite. O presente trabalho teve como objetivo contribuir para a determinação de parâmetros para o controle de qualidade e aplicação na indústria de fitoterápicos, através da análise de duas espécies de boldo: P. boldus e P. barbatus. De um modo geral, P. boldus apresentou os maiores teores de umidade e de perda por dessecação, e nos demais parâmetros analisados (índice afro simétrico, teor de cinzas totais, cinzas insolúveis em ácido, teor de óleo essencial).
Palavras-chave: Boldo. Propriedades digestivas. Antioxidantes. Controle de qualidade.

ABSTRACT
Different species of Monimiaceae are popularly known as boldo and are used interchangeably in traditional medicine as stomachic and diuretic. These plants are widely used to help treat liver problems, due to their digestive and hepatic properties. However, they also have anti-inflammatory and antioxidant properties, which can help in the treatment and prevention of gastritis. The present study aimed to contribute to the determination of parameters for quality control and application in the herbal medicine industry, through the analysis of two species of boldo: P. boldus and P. barbatus. In general, P. boldus presented the highest moisture and loss on drying contents, and in the other parameters analyzed (afro-symmetric index, total ash content, acid-insoluble ash, essential oil content).
Keywords: Boldo. Digestive properties. Antioxidants. Quality control.

INTRODUÇÃO

O boldo-do-chile (Peumus boldus) é uma árvore que atinge de 12 a 15 metros de altura e pertence à família das Monimiaceae. É comumente confundido com o boldo-da-terra (Coleus barbatus ou Plectranthus barbatus), arbusto de propriedades medicinais semelhantes, mas com contraindicações diferentes (AMORIM & SANTOS, 2008).

As propriedades fitoterápicas de suas folhas eram conhecidas das comunidades indígenas sul-americanas que habitavam os Andes chilenos, tornando-se conhecidas mundialmente a partir da colonização europeia da América.

É uma planta medicinal utilizada principalmente por seu efeito espasmolítico, contra os distúrbios digestivos, podendo ser encontrada em infusão ou cápsulas. 

Empregado em casos de desconforto digestivo e do fígado, o seu princípio ativo é a boldina, um alcaloide, principal responsável pelas suas propriedades hepatoprotetoras e coleréticas.

O boldo traz benefícios principalmente para o fígado. Ajuda-o a trabalhar melhor e é ótimo para quem tem problemas frequentes ligados ao fígado, como dor de cabeça, suores frios e mal-estar. O boldo, tomado antes das refeições ajuda na digestão e nas funções do aparelho digestor. É ótimo para quem tem intestino preso e ajuda a digerir gorduras. Esta planta não deve ser consumida por quem tem problemas inflamatórios nas vias biliares e no pâncreas, cálculos biliares e hepatite. O seu uso é contraindicado nos casos de gestação também, pois o boldo pode gerar problemas na formação do bebê, principalmente nos primeiros três meses (AMORIM & SANTOS, 2008).

Plectranthus barbatus, conhecido pelo sinónimo taxonômico Coleus forskohlii e pelos nomes comuns de boldo-graúdo, boldo-da-terra, boldo-de-jardim, falso-boldo, boldo-brasileiro, alumã, boldo-peludo, boldo-veludo, boldo-do-reino e malva santa, é uma espécie de arbustos perenes da família Lamiaceae (labíadas), originária da região Paleotropical (da África à Índia). A espécie é utilizada como planta ornamental nas regiões tropicais e subtropicais e como planta medicinal, sendo uma importante fonte de forskolina, um diterpeno com forte atividade biológica e usos farmacológicos, antiácido e hepatoprotetor (ALASBAHI & MELZIG, 2010).

Quadro 1. Classificação científica de Peumus boldus e Plectranthus barbatus.

 CLASSIFICAÇÃO CIENTÍFICA
Reino:Plantae
Divisão:Magnoliophyta
Classe:Magnoliopsida
Ordem:Laurales
Família:Monimiaceae
Gênero:Peumus
Espécie:P. boldus

Peumus boldus (boldo-do-chile).

Reino:Plantae
Divisão:Magnoliophyta
Clado:Angiosperms
Clado:Eudicots
Clado:Euasterids I
Classe:Magnoliopsida
Ordem:Lamiales
Família:Lamiaceae
Género:Plectranthus
Espécie:P. barbatus

O objetivo do presente trabalho foi realizar métodos de análise farmacognóstica de P. boldus e P. barbatus (Figura 1), com a finalidade de demonstrar variações dos parâmetros analisados nas duas espécies, uma vez que a falta de parâmetros para a identificação de matéria-prima vegetal causa grande confusão, impossibilitando o seu controle de qualidade.

Figura 1. Aspectos de folhas e dos frutos de Peumus boldus (a) e Plectranthus barbatus (b).
Fonte: Os autores

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O boldo é de origem chilena e é considerada uma planta arbustiva, sendo capaz de chegar a 6 metros de estatura (Figura 1a), porém pode ser encontrada em muitas das vezes com mais ou menos 2 ou 3 metros de altura. Apresentando folhas coriáceas, possui uma cor verde acinzentado, possuem glândulas exóticas e ricas em um óleo essencial de aroma marcante, lembrando levemente a cânfora. Ela costuma ser encontrada em solos formados por pedras, pouco úmidos, e com 1000 a 1500 metros de altitude. A planta chamada de Peumus boldus, recebeu esse nome em homenagem ao botânico espanhol D. Boldo, que foi quem a descobriu.

A população andina utilizava a mesma no tratamento de luxações e dores reumáticas. A partir do ano de 1869, a Europa já utilizava o boldo como hepatoprotetor, estomáquico, antiedematoso, antissifilítico e, também, nos casos de otites. Percebe-se a quão rica quimicamente é essa planta, sendo usada em tratamentos terapêuticos.

Na medicina popular, nos tratamentos de problemas hepáticos e digestivos, é bastante comum o uso das folhas do boldo. Ademais, uso popular, preparados a base dessa planta medicinal, são descritas em várias obras oficiais de cunho farmacognósticos, como é o caso de Martindale Extra Farmacopeia e as farmacopeias oficiais do Chile, Brasil, Portugal, Alemanha, Romênia, Suíça e Espanha. Porém, mesmo com todas as ações favoráveis, pode também trazer riscos que afetam a saúde. Ademais, por ser bastante usada tradicionalmente é importante se atentar para os cuidados com a quantidade e o modo a ser utilizada, uma vez que o seu chá se consumido em quantidades inapropriadas, pode acarretar problemas sérios como é o caso da hepatotoxicidade.

As espécies dos boldos são pertencentes a um grupo que possuem as chamadas propriedades colagogas. No entanto, o boldo do Chile, Peumus boldus Molina, é o verdadeiro boldo. Aqui no Brasil, é facilmente confundido com o Plectranthus barbatus Andr, nesse caso, o falso boldo, entre os boldos, ambos bastantes utilizados pela comunidade brasileira (MAURO et al, 2008; MORAIS et al., 2005; AGRA et al., 2007). O boldo verdadeiro pode apresentar também atividade abortiva e o falso-boldo mesmo proporcionando um efeito relaxante na mobilidade da tuba, ele acaba afetando diretamente o transporte do embrião até o útero causando danos no período de pré-implantação, o que pode levar a perdas embrionárias.

A boldina (Figura 2) é considerada responsável pelas ações digestivas da planta, tanto nas secreções biliares e gástricas como na motilidade intestinal, além de apresentar atividade antioxidante, hepatoprotetora, atividade tripanossomicida in vitro, antitumoral, anti-inflamatória e antipirética (O’ BRIEN et al, 2006). Estudos já foram realizados com ação anticolinesterásica do boldo e concluíram que a boldina poderá agir como um protótipo de futuros fármacos contra o Mal de Alzheimer. O mal de Alzheimer é causado por um defeito na neurotransmissão colinérgica, assim, a enzima acetilcolinesterase (AchE) catalisa e hidrolisa a acetilcolina, impedindo as sinapses e a produção de estímulos. Um anticolinesterásico retarda a degradação da acetilcolina, assim, o neurotransmissor passa mais tempo na fenda sináptica, intensificando desta forma a transmissão colinérgica (ARAÚJO et al, 2016).

Boldina: fórmula, características físicas, presencia en la naturaleza
Figura 2. Estrutura química da boldina.
Fonte: https://antropocene.it/es/2023/02/08/boldina-2/

Devido ao uso medicinal de infusões de folhas de boldo no Chile e, posteriormente, em vários outros países, um estudo químico inicial levou à descoberta da boldina, seguido pelo estudo de suas propriedades farmacológicas. Em consonância com seu uso tradicional como auxiliar na digestão, demonstrou-se inicialmente que aumentava o fluxo biliar e, posteriormente, que possuía fortes propriedades antioxidantes e antiinflamatórias e que antagonizava a neurotransmissão adrenérgica edopaminérgica. Mais recentemente, uma série de novas ações farmacológicas foi revelada, iniciando diversas vias de pesquisa altamente promissoras com alto potencial para desenvolvimento clínico.

Os óleos essenciais de Peumus boldus Molina e Plectranthus barbatus Andr, são constituídos por monoterpenos como α-pineno, β-pineno, α-terpineno, limoneno, linalol e 1,8-cineol. Outros compostos que contribuem para o sabor e aroma, como p-cimeno.

Dados da literatura indicam que do óleo essencial obtido das folhas, foi possível, utilizando CG-EM, identificar ascaridol e o 1,8-cineol (teor de ≅ 35 e 29% respectivamente), sendo os compostos majoritários encontrados. Comprovou-se que as atividades larvicida e inseticida estão atreladas a estes compostos encontrados no óleo essencial das folhas do boldo, como já descritos na literatura anteriormente (LOPES et al., 2020).

Em um estudo mais recente, foram identificados os alcaloides, flavonoides e compostos fenólicos (Figura 3) presentes nas infusões das folhas de P. boldus. E esses constituintes foram responsáveis pela atividade antioxidante observada, o que valida a ação neuroprotetora contra processos oxidativos patológicos na doença de Alzheimer investigadas em recentes pesquisas (DA SILVA et al., 2022).

Figura 3. Compostos fenólicos identificados (A: Luteolina-pentosil-glicosil-ramnose; B: Caempferol-3-O-glicosil-ramnosil-ramnose; C: Cafeoilquímico.
Fonte: DA SILVA et al., 2022)
Figura 4. Constituintes identificados (1: Clocaurina; 2: N-metilclocaurina; 3: Boldina; 4: N-metillaurotetanina). 
Fonte: DA SILVA et al., 2022)

De acordo com Silva e colaboradores (2022), os alcaloides isoboldina, boldina, coclaurina, leurotetanina, N-metillaurotetanina, reticulina e N-metilcoclaurina (Figura 4), presentes no extrato aquoso, mostraram atividade antiacetilcolinesterase em ensaio in sílico, pois foram capazes de inibir a enzima AChE interagindo quimicamente com o sítio catalítico da enzima. Apontando que o fracionamento e purificação dos extratos das folhas de P. boldus são promissores na busca pela molécula ativa isolada, com potencial anti-AChE (DA SILVA et al., 2022).

METODOLOGIA

Foram coletadas partes aéreas (folhas) de Peumus boldus e Plectranthus barbatus, todas no Estado de São Paulo, no horto de plantas medicinais da Universidade Brasil, Fernandópolis-SP.

Com os exemplares foram montadas as exsicatas, identificadas por especialistas e os representantes equivalentes estão registrados no Herbário da Universidade Brasil, sob os seguintes números: IUB n. 8.132.

As partes aéreas de Peumus boldus e Plectranthus barbatus correspondentes às folhas, foram secas em estufa a 40oC e fragmentadas no laboratório.

Foram realizados os seguintes ensaios: determinação dos teores dos extratos aquosos secos a frio e a quente, de cinzas totais, de cinzas insolúveis em ácido, de umidade pelo método azeotrópico (WHO, 1998), índice afrosimétrico (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 1977), perda por dessecação por infravermelho (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 1988) e índice de amargor (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 1959; 2000). Os óleos essenciais das folhas foram obtidos por hidrodestilação, em aparelho de Clevenger, para essências menos densas do que a água.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As análises demonstraram que ao se comparar os dois métodos de determinação de extrato seco (a frio e a quente), a espécie que apresentou maior quantidade de matéria extraível foi Peumus boldus, sendo respectivamente, 22,0 e 18,6 %, enquanto a menor quantidade obtida com o método a frio foi Plectranthus barbatus, somente 12,7%.

Em relação ao índice afrosimétrico, observou-se que Peumus boldus apresentou maior índice afrosimétrico do que Plectranthus barbatus.

Com relação às cinzas totais, Peumus boldus apresentou maior teor (4,89%) em relação Plectranthus barbatus (3,0%).

Em relação a cinzas insolúveis em ácido, a maior percentagem foi de Plectranthus barbatus (1,05%), enquanto Peumus boldus (0,82%).

Os componentes voláteis foram quantificados nas quatro amostras. Em Peumus boldus (0,5%). Em Plectranthus barbatus, encontrou-se (0,4%).

Os teores médios de umidade encontrados para Peumus boldus e Plectranthus barbatus foram considerados satisfatórios por situarem-se entre 8 e 14%, como indicado na Farmacopéia Brasileira (1988).

Tabela 1. Resultado das análises farmacognósticas de Peumus boldus e Plectranthus barbatus.

ANÁLISES

Extrato seco

Índice afro simétrico

Teor de cinzas

Teor de óleo essencial (mg/100 g)

Perda por dessecação

(mL/100g)

Teor de umidade (mL/100g)

A frio (%)

A quente (%)

Totais (%)

Insolúveis em ácido (%)

ESPÉCIES

Peumus boldus

18,6±2,1

22,0±2,5

21,0±2,4

4,89±1,1

0,82±0,02

0,4±0,0

11,17±0,32

9,2±0,5

Plectranthus barbatus

12,7±2,4

14,0±1,0

11,0±1,0

3,00±1,0

1,05±0,2

0,5±0,0

9,88±0,04

8,5±0,4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família das Monimiaceae apresenta um grande número de espécies, que são utilizadas como medicinais e a presença de várias classes de metabólitos secundários precisam ser melhor investigadas. Este trabalho buscou contribuir para a investigação farmacognóstica de duas espécies de boldo, Peumus boldus e Plectranthus barbatus.

A falta de parâmetros para identificação da matéria-prima vegetal causa grande confusão, impossibilitando seu controle de qualidade e a obtenção do efeito a que se propõe. Dessa forma, o presente trabalho mostrou que existem variações dos diferentes parâmetros analisados nas duas espécies de boldo o que poderia contribuir significativamente para a distinção dessas plantas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALASBAHI RH, MELZIG MF. Plectranthus barbatus: a review of phytochemistry, ethnobotanical uses and pharmacology - Part 1. Planta Med., 2010.

AMORIM, M.M.R.; SANTOS, L.C. Tratamento da vaginose bacteriana com gel vaginal. Revista Brasileira de Farmacognosia (2): 295–300, 2008.

ARAÚJO, C. R. M.; SANTOS, V. L. A.; GONSALVES, A. A. Acetilcolinesterase - AChE: Uma Enzima de Interesse Farmacológico. Revista Virtual de Química, 2016.

DA SILVA, Bruna Yuka Koide et al. Chemical and Biological Evaluation of the Aqueous Extract of Peumus boldus Molina (Monimiaceae) Leaves. Pharmacognosy Research, v. 14, n. 1, 2022.

FARMACOPÉIA dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. São Paulo: Siqueira, 1959.

FARMACOPÉIA Brasileira. 3. ed. São Paulo: Andrei, 1977.

FARMACOPÉIA Brasileira. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 1988.

FARMACOPÉIA Brasileira. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2000.

LOPES, Aniele da Silva Neves et al. Composição química e atividades biológicas do óleo essencial de Peumus boldus (Monimiaceae). Revista Virtual de Química, v. 12, n. 2, 2020.

MAURO, Claudia et al. Estudo anatômico comparado de órgãos vegetativos de boldo miúdo, Plectranthus ornatus Codd. e malvariço, Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.-Lamiaceae. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 18, p. 608-613, 2008.

O’ BRIEN, P.; CARRASCO-POZO, C.; SPEISKY, H. Boldine and its antioxidante or health-promoting properties. Chemico-Biological Interations, 2006.

SCHWANZ, M.; NUNES, E.; KONRATH, E. L.; VENDRUSCOLO, G. S.; VIGNOLI-SILVA, M.; HENRIQUES, A. T.; MENTZ, L. A. Caracterização Farmacobotânica de Peumus boldus (Monimiaceae) e Avaliação de Atividades Biológicas do Alcalóide Boldina. Latin American Journal of Pharmacy, 2008.

WORLD Health Organization (WHO). Quality control methods for medicinal plant materials. Geneva: WHO, 1998.


1 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química UNESP, Campus de Araraquara-SP. E-mail: [email protected]

2 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Mestre em Química (PPGQUIM/UNESP - Araraquara-SP). E-mail: [email protected]