OS INTELECTUAIS ACADÊMICOS VERSUS PRODUTIVISMO ACADÊMICO: REFLEXÕES PARA O CAMPO CIENTÍFICO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10511624


Silvia Gomes Correia1
Ana Luiza Dutra2


RESUMO
Este artigo objetiva promover reflexões do que atualmente se denomina como “a mercadorização da ciência” que implica na produção acadêmica e no fazer científico. Dentro de interesse dominantes, esse processo tem suas raízes nas perspectivas meramente do chamado produtivismo acadêmico e que tem induzido a criação de novos modelos e indicadores de qualidade pelos agentes sociais e associações científicas. Este ensaio aponta para o fato de que os sistemas e instituições de ensino passaram por muitas reformas educacionais e que se reconhece que o campo intelectual atravessado por tantas incertezas de ordem econômica, social e política precisa aprofundar a relação estado e ciência versus melhoria no trabalho docente. Trata-se de um eixo de política de indução com forte singularidade e identidade em que se formam muitos pesquisadores.
Palavras-chave: Produtivismo acadêmico, campo ciêntifico, campo intelectual.

ABSTRACT
This article aims to promote reflections on what is currently called “the commodification of science” which implies academic production and scientific practice. Within dominant interests, this process has its roots in the perspectives merely of the so-called academic productivism and which has induced the creation of new models and quality indicators by social agents and scientific associations. This essay points to the fact that educational systems and institutions have undergone many educational reforms and that it is recognized that the intellectual field crossed by so many economic, social and political uncertainties needs to deepen the relationship between state and science versus improvement in teaching work. . It is an axis of induction policy with strong uniqueness and identity in which many researchers are trained.
Keywords: Academic productivism, scientific field, intellectual field.

Introdução

Produções recentes brasileiras evidenciam grandes debates políticos eeducacionais em torno de propostas de para concessão de bolsas de pesquisas e de indicadores para analisar a qualidade dessas pesquisas em distintas áreas do conhecimento. Na educação, por exemplo, temos observado o que denominamos da precarização do trabalho docente , uma vez que o professor também é na sua práxis um pesquisador no seu processo laborativo.

Dentro de vários fatores que ressoam para uma ordem social que evidenciem pesquisas e a operacionalização das mesmas, recaímos sumariamente em aspectos que circunscrevem o produtivismo acadêmico versus qualidade da pesquisa e publicação. Conforme sublinhado por Zuin (2015) vivemos numa cultura digital que de certa forma conturba a vida cotidiana e que se configura na era do “publique, apareça ou pereça”. Trata-se de um desafio para o pesquisador, porque implica na qualidade das suas produções e nas agrúrias para se buscar o equilíbrio de publicações em estratos que este possa “aparecer”.

Para além, as discussões a respeito da necessidade de as instituições de ensino saírem de um modelo de educação instaurado a séculos passados para atender as atuais demandas advindas da crescente tecnologia não são recentes e muitos menos nos causam estranhezas. Porém, o que nos inquieta são que referências ou diálogos de sentidos, o professor e o pesquisador vem extraindo nessa nova cultura do “publique ou pereça” tão difundida dentro de um senso comum nas academias.

Para fundamentar tais questões, apoiamos nas contribuições de Chauí (1989), Kuhlmann (2015), Pereira (2015), Macedo (2015), Macedo (2015), Zuin(2015) que trazem entre outros questões sobre o produtivismo acadêmico, apontamentos sobre os dilemas éticos que o pesquisador enfrenta na sua prática científica.

Dentro dessa natureza sobre uma cultura científica que vem se estabelecendo, Chauí (1989) apresenta uma questão importante sobre o que significa produtividade nas ciências humanas? Ora, se por pesquisa entende-se que deve ser realizado uma investigação de algo que nos lança a uma questão e/ou pergunta e que suscita a reflexão e a crítica em meio a tantas questões de ordem política, econômica e social, como se pode pensar que há pesquisa numa universidade que nessa cultura midiática vem se configurando como operacional? Trata-se de uma universidade que no contexto atual parece não (trans) formar, não criar pensamento e que anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições materialmente determinadas (Chauí, 1989).

Para Gatti (2015), nas ciências humanas há temporalidade nas produções na ideia de que se vive uma cultura performativa que leva ao “produtivismo ou o império do lattes” (p.04).Ainda que colocado no contexto atual a existências de diferentes tendências metodológicas, essa cultura perfomativa está imbricada na estrutura e na cultura da universidade e que “tem redundado em uma pressão por produção contabilizável – publicação, patente, formação de recursos humanos” ( GATTI, 2015, p. 05). São instrumentos que possuem um valor de signo no sentido que influencia diretamente na forma como pesquisador atua e de como ele pode atender e equilibrar seu campo de pesquisa dentro do que é preconizado pelas agências de fomento de pesquisa. Nessa esteira, Gatti salienta que em se tratando de uma perfomatividade na academia, não há dentro das pesquisas em educação tal “corrida produtivista” e que se precisa atentar para os limites e as fragilidades de um trabalho investigativo da área.

Severino (2015), por sua vez, assevera a relação sobre o produtivismo que leva a certo publicacionismo e atropela questões éticas. Tratam-se de desafios que se no atual contexto da pós-graduação no Brasil. O modelo avaliativo apresentado pela pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes (2011) tem gerado uma certos códigos, ações, custos e desgastes físicos e emocionais para que se possa atender a inúmeras exigências. Essas pressões na perspectiva de um “produtivismo institucionalizado”, resultam na distorção de parâmetros de eticidade que se deve haver em qualquer pesquisa.

O ato de apropriação de um objeto de pesquisa, cujo tratamento dos dados subjazem na própria escrita, pressupõe uma compreensão holística sobre o tema na qual suscita vários debates teóricos e que, uma vez formada essa “colcha de retalhos”, o pesquisador precisa trazer o seu próprio discurso. No entanto, as distintas formas de publicar resultados de pesquisas em estratos legitimados pelas agencias como de fomentos como revistas especializadas e com conceito elevado, é motivo de preocupação no sentido dos aspectos formativos e valorativos que se busca ter através da educação.

As exigências de natureza ética que se impõem aos pesquisadores, as quais se buscam definir e formalizar no respectivo código de ética, não dizem respeito apenas aos sujeitos imediatamente envolvidos nos protocolos da pesquisa. O respeito ou o desrespeito a determinados princípios e direitos respingam simultaneamente no todo da sociedade, nas instituições enquanto entidades sociais e em todos aqueles que indiretamente colaboram com a realização da pesquisa ou que são seus destinatários. (SEVERINO, 2015, 2014)

A obra “o fim dos intelectuais acadêmicos de Bianchetti, Valle e Pereira (2015) vem problematizar os tipos de distorções que os modelos de políticas científicas, dde avaliação advindas das agências de fomento à pesquisa vem causando na produção acadêmica e induzido para certo produtivismo.

É crescente o debate em torno da qualidade do ensino superior no Brasil e que estabelecer certos parâmetros de qualidade na educação pode parecer uma ideia que leve um tempo para ser gestado. O contexto se configura por uma corrida produtivista e o que tempo destinado a debates, a estreita relação da universidade e sociedade parecem ser cada vez mais escassos.

De acordo com Bianchetti et.al (2015), os meios de produção, as reformas do estado ainda são de interesse mínimo dos trabalhadores, mas ficam na maior proximidade possível das classes dominantes para que essas possam propor novos ajustes. Configura-se nesses ajustes, uma “mercadorização da ciência” cujos fins remete para o aumento da produção que, por sua vez, infere-se no aspecto estrito do “processo do fazer científico e de trabalho cada vez mais curtos e rígidos” (p.11). Estabelece assim uma cultura de alienação de intelectuais ou a formação de intelectuais institucionais, pois visa atender determinada demanda ou sistema de regulação.

No entanto, o pesquisador precisa do conhecimento historicamente construído pela humanidade e as contribuições daqueles que estiveram se debruçando para entender e buscar aliviar as problemáticas que causavam a miséria (no amplo sentido da palavra) são muitas. Platão, Sócrates, Galileu, Descartes, Leonardo da Vinci e muitos outros superaram mitos, questionaram algumas leis, dogmas e até mesmo arriscaram suas vidas em favor da ciência. Em alguns casos, conhecemos pela história o status conferido para renomadas academias cuja o caráter romântico e ídilico não foram apagados de atuais livros de história, se reconfigurando no tempo e no espaço como lugar de referência para aquisição do conhecimento científico.

Mas o texto sobre os intelectuais acadêmicos corrobora a ideia de se reconhecer intelectuais em distintos campos ideológicos. Para apresentar a definição de intelectual, Bianchetti et al (2015) se apoiou no grande intelectual francês Pierre Bourdieu.

Intelectual é alguém que, tendo por base uma autoridade específica adquirida em lutas internas ao campo intelectual, artístico, literário, segundo os valores inerentes a esses universos relativamente autônomos, intervém no campo político sob a base de uma autoridade, de uma obra , de uma competência, de uma virtude, de uma moral (Bourdieu, 2012, p.350)

As contribuições do Sociólogo Francês Pierre Bourdieu são de suma importância para entendermos o predomínio dessa perspectiva pragmática e utililitária do que vem a ser o produtivismo acadêmico. Bourdieu (1998) entende que, dentre as formas de capital social, o capital econômico e o cultural fornecem os critérios de diferenciação mais pertinentes para a construção de espaços sociais nas sociedades desenvolvidas. O campo científico é um mundo social que tem imposições e contradições e se pauta pela desigualdade e hierarquização, o que gera diferenças na ocupação de posições por seus agentes, em função de seu capital. O capital cultural, que corresponde ao conjunto de qualificações intelectuais adquiridas na família ou no sistema escolar, é assim herdado pelos alunos e estabelece referências que advêm da classe social a que eles pertencem e são geradas por diferenças em termos meios de acesso a bens culturais e formas de se relacionar com essa realidade.

Na esteira política, ao se referir ao intelectual militante, Bourdieu (1998) pondera de que não há verdadeira democracia sem verdadeiro contrapoder crítico. O intelectual não deixa de ser esse “contrapoder”. No entanto, para Santos (2011) mencionado por Bianchetti et al (2015), existem muitos pseudo intelectuais ao afirmar de que no contexto atual só se amplia o número de letrados e cada vez mais diminui os intelectuais. Parte daí a questão crucial na obra de Bianchetti et al (2015), “o quê o u quem quereria o fim desse tipo de intelectual, tão necessária para a manutenção e o avanço da democracia”? (p.17). Existem inúmeros fatores que podem levar a essa possível desaparição do intelectual crítico. É preciso se pensar numa produção imediata e rentável e emerge cada vez mais aqueles intelectuais institucionais que atendem os órgãos de regulação, de controle e de financiamento. Trata-se de um campo minado de polêmicas e de contradições de ordem política e social.

Para tanto, é de extrema importância os estudos de Bourdieu sobre a noção de campo, pensando nele na seara científica. Para o teórico francês, o campo científico é um “mundo social” que tem suas imposições, suas contradições. Esse mundo social pode se deslocar para o que ele chama de um espaço social que é hierarquizado pela desigual distribuição dos capitais. Esse aspecto permite que se observe a dimensão relacional encontrada nas posições sociais ocupadas pelos seus agentes. Bourdieu utiliza critérios de classificação para explicar a estrutura social.

A primeira questão trata-se na análise das diferentes formas de capital que permitem estruturar o espaço social. Uma análise fundante nesse processo é sobre a noção de capital que está ligada á abordagem econômica. Bourdieu distingue quatro tipos de capital: o capital econômico, o capital cultural, o capital social e o capital simbólico. O capital econômico caracteriza-se por ser constituído pelos diferentes fatores de produção e pelo conjunto dos bens económicos. O capital cultural está diretamente ligado ao conjunto das qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou recebidas da família. Por três formas supõe-se a existência desse capital: a primeira dessas formas é através de um estado já incorporado; a segunda forma é por um estado objetivo e a terceira forma é através de um estado institucionalizado. O capital social, por sua vez, é constituído pelo conjunto das relações sociais de que se dispõe um indivíduo ou grupo. Já o capital simbólico, se relaciona pelo conjunto dos rituais que estão diretamente ligados à honra e ao reconhecimento. O autor chama atenção de que a posição dos agentes no espaço das classes sociais depende do volume e da estrutura do seu capital. Dentre as distintas formas de capitais sociais existentes, o capital econômico e o capital cultural é o que fornecem os critérios de diferenciação mais pertinentes para a construção de um espaço social das sociedades desenvolvidas.

Seguindo essa lógica, os agentes sociais se organizam em lógicas e dimensões duplas. A primeira dentro de uma dimensão vertical, consiste em hierarquizar os grupos sociais segundo o volume de capital o qual por eles são dispostos. A segunda dimensão opera de acordo com a estrutura do capital e é devido dentro da importância das duas espécies de capital no volume total desse capital.

Parece ser complexo entender essa lógica de noção do campo, do espaço social e de capital tratados por Bourdieu (2004), mas isso afeta diretamente ao campo científico e que, conforme Bianchetti et al não pode ser reduzido simplesmente a um problema de financiamento. Para esses autores, essa autonomia muitas vezes é frágil e difícil de proteger.

Foi preciso muito tempo para que o campo de produção simbólica – arte, literatura, ciência – se livrasse da submissão aos veredictos dos mecenas, dos amadores, das autoridades religiosas, dos plíticos e dos governos, entre outros, e criasse a rede de censuras cruzadas que, seguindo uma lógica toda própria, estivesse inteiramente a consagrar as obras autônomas [...] (BIANCHETTI et al, 2015. p.49).

No anseio de atender uma lógica de mercado, ou um racionalismo, se perde um intelectual como um sujeito autônomo e que deveria está a serviço de formação e produção para a cidadania. Nessa perspectiva, uma das consequências é a exclusão de parte de uma sociedade do acesso aos bens sociais, e por conseguinte, nessa esfera, não haverá mobilidade e produção dos intelectuais. Para Bourdieu (2004), uma mudança social está relacionada diretamente à “mobilidade social”.

Por mobilidade encontra-se a circulação dos indivíduos entre categorias ou classes sociais. Para que haja a eficácia das estratégias de reprodução, os instrumentos de reprodução devem ser disponibilizados para os agentes que ora se modificam com a evolução estrutural da sociedade. Têm se agentes interessados e com isso surgem inúmeras estratégias de reprodução, algumas independentes e orquestradas, mas com o fim de reproduzir aquela estrutura social.

Nessa esfera, muitas vezes o que está em jogo no meio acadêmico não é a qualidade nas pesquisas, mas o quantitativo nas publicações. Dá um sentido as conotações como “publique ou pereça”, ou o surgimento do novo personagem denominado como “Homo Lattes”, mencionados nesse estudo de Bianchetti (2015).

Cremos que podem existirem muitos intelectuais acadêmicos e que o conhecimento historicamente construído pela humanidade ainda são pautas de muita discussão na academia. Os autores concluem que não se vê os fins dos intelectuais, mas uma mudança estrutural nos processos de formação das elites responsáveis por muitos projetos políticos. Pensa-se, no entanto, que existe uma universidade silenciada na formação desses intelectuais, cujo função e sentido deve ser repensada dentro do seu capital simbólico e cultural apresentadas por Pierre Bourdieu.

Considerações Finais:

Por tal que foi aqui exposto, reconhecemos que o campo intelectual tem gerado incertezas, dilemas e contradições quando se trata da produção acadêmica vinculados a um campo de disputa por que podemos denominar como “produtores da ciência”. Por sua vez, esse “produtivismo acadêmico” vem se consolidando, ao longo dos anos, como uma prática comum nas instituições de ensino superior, seja nos níveis de graduação como nos programas de pós graduação. Esse último, precisa atender as exigências dos bancos de fomento à pesquisa e o estreitamento da relação entre avaliação e financiamento e acaba incidindo em indicadores complexos da qualidade dessas pesquisas

No que pese a pluralidade de identificações que definem os pesquisadores (intelectuais, acadêmicos, cientistas) seja da ciência pura ou aplicada, é necessário por essa linha de análise, uma visão holística no intuito de compreendermos essa vertiginoso aumento das produções acadêmicas dentro de sua dinâmica, especificidades e ambiguidades presentes em muitas áreas do conhecimento. Os desdobramento dessa reflexão nos leva refletir de que as escolhas científicas são estratégias políticas e de que o produtivismo acadêmico, está presente, sim, na academia ao considerar os bolsistas de programas de pós-graduação e os pesquisadores com suas patentes concedidas pelas agências de fomento e autoridades científicas vinculadas nas instituições que promovem tal produção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Doutora em Educação pela Unimep. Atualmente é professora do Instituto Federal do Amapá- Campi/ Macapá. E-mail: [email protected]

2 Bacharel em Direito e Especialista em Direito civil pela Fames/RS. E-mail: [email protected]