O OLHAR QUE ACOLHE: A IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17705460
Josefa Edna Amancio1
RESUMO
Este texto fala sobre como observar as crianças na Educação Infantil é algo muito importante. Mais do que uma técnica, observar é uma atitude do professor: é estar presente, prestar atenção de verdade e olhar cada criança com cuidado e sensibilidade. Autores como Vygotsky, Freire, Wallon e Barbosa ajudam a entender que esse olhar atento não é só para “controlar” ou avaliar, mas para compreender quem a criança é, como ela se expressa e como vive o dia a dia. Quando o professor observa bem, ele consegue perceber gestos, emoções, jeitos de brincar, de falar e de se relacionar. Isso ajuda a incluir todas as crianças, entender suas necessidades e planejar atividades que façam sentido para elas. A observação também deixa os registros pedagógicos mais ricos, porque eles passam a mostrar o que realmente acontece com o grupo e com cada criança. A rotina como a hora do lanche, da roda, das brincadeiras e até das pequenas transições é um momento muito especial para observar. É ali que a criança mostra seu jeito de ser, suas preferências, sua forma de lidar com o mundo e com os outros. No fim das contas, observar na Educação Infantil é um gesto que humaniza o trabalho do professor. Aproxima, cria vínculo, dá segurança para as crianças e garante que cada uma seja respeitada em sua singularidade e nos seus direitos. É um jeito de educar com coração e com intenção.
Palavras-chave: Educação Infantil; Observação; Docência; Desenvolvimento Infantil; Inclusão.
ABSTRACT
O texto discute a relevância da observação na Educação Infantil, entendendo-a como uma atitude ética, sensível e intencional do professor. Baseado em autores como Vygotsky, Freire, Wallon e Barbosa, enfatiza que observar vai além de uma técnica: é um modo de compreender a criança em suas expressões, emoções, formas de brincar, comunicar-se e relacionar-se. A observação qualifica práticas inclusivas, orienta o planejamento pedagógico e enriquece os registros sobre o desenvolvimento infantil. A rotina com momentos como lanche, roda e brincadeiras é destacada como espaço privilegiado para perceber a singularidade de cada criança. Conclui-se que observar humaniza a prática docente, fortalece vínculos e assegura que o processo educativo respeite os direitos e a individualidade das crianças.
Keywords: Early Childhood Education; Observation; Teaching Practice; Child Development; Inclusion.
1. INTRODUÇÃO
Falar sobre Educação Infantil é falar de um universo vivo, que pulsa, vibra, experimenta e transforma o tempo todo. É um ambiente onde a criança expressa aquilo que sente muito antes de conseguir colocar as emoções em palavras. Ela fala pelo corpo: pelo jeito como segura um brinquedo, pelo tom do choro, pelo ritmo da corrida, pelo modo como se aproxima ou se afasta dos colegas, pela forma como observa o mundo com aquela curiosidade tão dela, tão própria da infância. E é por isso que o professor desse nível de ensino precisa desenvolver um olhar diferente um olhar que não se limite a ver, mas que procure compreender.
A observação, nesse contexto, não é um ato frio, burocrático ou mecânico. Ela é parte da relação. É o tipo de gesto que aproxima o professor da criança e permite que ele entenda o que está por trás das atitudes e comportamentos. Como destaca Horn (2004), “a observação é uma ferramenta essencial para compreender a criança em sua totalidade”, e isso significa que o olhar atento do professor tem o poder de revelar sentimentos que nem sempre aparecem na fala.
Ao mesmo tempo, a observação exige sensibilidade. Não é apenas passar o olho pela sala. É olhar com atenção, com interesse genuíno, com curiosidade, com inquietação pedagógica. Vygotsky (1998) lembra que “toda aprendizagem é mediada pelo outro”, e isso nos mostra que o professor, ao observar, não está apenas coletando informações: está mediando processos internos da criança emocionais, cognitivos, sociais e afetivos.
Ao longo dos últimos anos, discutir a importância da observação ganhou força porque a Educação Infantil passou a ser compreendida como um espaço de desenvolvimento integral. A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) enfatiza que a criança deve ser vista como sujeito de direitos e é observando que o professor reconhece esses direitos na prática: o direito de brincar, de interagir, de ser escutado, de ser reconhecido, de participar e de construir sua identidade.
Este artigo nasceu justamente da compreensão de que observar é muito mais do que acompanhar. É educar. É acolher. É cuidar. É escutar. É planejar. É intervir com sentido. Aqui, busco discutir o papel da observação na Educação Infantil de forma humanizada, acolhedora e fiel à realidade vivida por quem está na sala de aula.
2. A OBSERVAÇÃO COMO PONTE PARA ENTENDER A INFÂNCIA
Observar uma criança é observar um universo inteiro. Pode parecer exagero, mas não é. A infância é um período da vida marcado por descobertas, experimentações, emoções à flor da pele e curiosidades sem fim. A criança aprende tocando, experimentando, repetindo, errando, tentando de novo, imitando e criando. E tudo isso fica evidente quando o professor observa com intencionalidade.
Ao contrário do que muitos imaginam, observar não é “ficar parado olhando”. É um ato ativo, cheio de significado. É perceber detalhes que dizem muito como: o olhar demorado para um objeto; a dificuldade em iniciar uma brincadeira; o interesse repentino por uma área da sala; o desconforto diante de barulhos; a forma como a criança organiza seus brinquedos; a maneira como se relaciona com os colegas.
Esses pequenos sinais ajudam o professor a montar o quebra-cabeça do desenvolvimento infantil. E esse quebra-cabeça nunca está pronto — é sempre reconstruído, refeito e ampliado conforme a criança cresce. Vygotsky (1998) explica que o desenvolvimento ocorre por meio das interações sociais. Isso significa que aquilo que a criança faz, sente e expressa está sempre conectado ao ambiente que a cerca. Por isso, observar é entender o contexto, a rotina, a dinâmica, os vínculos e até os conflitos que fazem parte da sala.
Ao observar regularmente, o professor percebe padrões. Ele consegue identificar, por exemplo, que uma criança tem mais dificuldade em se separar dos responsáveis nas segundas-feiras, que outra sempre procura o mesmo colega para brincar e que outra ainda se expressa melhor quando está em atividades ao ar livre. São esses detalhes que permitem intervenções significativas.
Barbosa (2012) afirma que “a escuta e a observação são práticas fundamentais para reconhecer a criança como sujeito ativo”. Assim, quando o professor observa com autenticidade, ele valida o que a criança é — não aquilo que ele espera que ela seja.
Observar a infância é um exercício constante de humildade pedagógica: significa reconhecer que a criança não aprende apenas seguindo o planejamento do professor; ela aprende vivendo cada segundo da rotina.
3. O CUIDADO QUE NASCE DO OLHAR: OBSERVAR PARA PROTEGER
Cuidar, na Educação Infantil, vai muito além das questões físicas como alimentação, higiene e segurança. Cuidar é também e principalmente acolher o emocional. E nenhuma forma de cuidado acontece sem observação. A criança nem sempre consegue verbalizar o que sente. Muitas vezes, ela demonstra pelas atitudes: choro repentino, irritabilidade, isolamento, apego exagerado a um objeto, resistência a participar das atividades, mudança de humor ou até excesso de energia.
Wallon (1975) afirma que “a emoção é a primeira forma de comunicação da criança”, e isso revela que o professor, ao observar, está decodificando essas primeiras linguagens emocionais. Ele percebe quando algo está fora do habitual, quando uma emoção está forte demais ou quando um comportamento está sinalizando uma necessidade oculta.
Observar, nesse contexto, é proteger. É identificar: sinais de ansiedade, dificuldades de adaptação, comportamentos que pedem acolhimento, inseguranças que só aparecem no corpo, mudanças que podem estar relacionadas à rotina familiar.
Por exemplo: uma criança que passa a brincar sozinha depois de semanas brincando em grupo está comunicando algo. Uma que começa a ter medo do banheiro, ou que não quer mais sentar perto de um colega específico, também está. E o professor só identifica isso se observa com atenção, sem julgamentos. Oliveira (2011) destaca que “a observação do professor deve ser contínua, sistemática e sensível”, porque é por meio dela que se constroem estratégias de cuidado e intervenção. Essa sensibilidade permite que o professor acolha antes que a criança precise pedir ajuda.
Ao observar, o professor exerce também sua função ética. Ele garante que cada criança seja vista em sua singularidade, sem comparações injustas, sem expectativas irreais e sem cobranças inadequadas para a faixa etária. Observar para cuidar é reconhecer que a infância é um tempo de vulnerabilidade e potência e que as duas coisas caminham juntas.
4. A BRINCADEIRA COMO JANELA PARA A ALMA DA CRIANÇA
A brincadeira, na Educação Infantil, é muito mais do que um momento de “gastar energia”. Ela é o coração da infância. É ali que a criança se revela como realmente é: curiosa, criadora, exploradora, questionadora, inventora de mundos.
Kishimoto (2010) afirma que “o brincar é a linguagem natural da criança”, e isso significa que, para compreender verdadeiramente o que ela pensa, sente e deseja, é preciso observar como ela brinca. A forma como segura um boneco, como organiza blocos, como escolhe personagens e como resolve conflitos nos jogos diz muito sobre sua personalidade e seu processo de desenvolvimento.
É durante a brincadeira que aparecem aspectos como: criatividade e imaginação; coordenação motora; habilidades sociais; resolução de problemas; regulação emocional; autonomia; capacidade de cooperar. A criança que insiste em alinhar os carrinhos pode estar buscando organização interna. A que explode em risadas durante um jogo de perseguição está liberando tensões. A que brinca de casinha reproduz situações que observa em casa. A que prefere brincar especificamente com blocos talvez esteja explorando conceitos matemáticos sem perceber. A brincadeira é um espelho e a observação é a lente que permite interpretá-lo.
Segundo Vygotsky (1998), “no brinquedo, a criança é maior do que ela mesma”. Ou seja, enquanto brinca, ela avança cognitivamente, emocionalmente e socialmente. O professor que observa com cuidado percebe isso na prática: vê a criança tentando resolver conflitos sozinha, negociando regras, usando argumentos, experimentando papéis sociais e criando novas formas de interagir.
Ao observar o brincar, o professor também descobre o que interessa à turma. Uma criança que passa semanas fascinada por animais pode render um projeto investigativo rico e significativo. Outra que demonstra interesse por construções pode se beneficiar de materiais que estimulem o raciocínio espacial. Quando o professor observa, ele planeja melhor. Planeja com sentido. Planeja com propósito.
Barbosa (2012) reforça que “a criança revela seu modo de ser por meio das situações cotidianas, sobretudo nas brincadeiras”. Por isso, a observação não é uma prática secundária ela é uma forma de entender a infância em sua essência mais profunda.
5. O OLHAR QUE ESCUTA: OBSERVAR COMO FORMA DE DIÁLOGO
Observar é escutar. E quando digo escutar, não me refiro apenas à fala. Escutar é perceber o que o corpo diz, o que o silêncio comunica, o que a expressão facial revela. A criança pequena ainda está construindo sua linguagem verbal por isso, seu corpo fala por ela. Barbosa (2012) afirma que “a escuta sensível do professor amplia o entendimento sobre quem é a criança e o que ela comunica por meio de suas ações”. Essa escuta sensível passa primeiro pelo olhar. Não existe escuta verdadeira sem observação verdadeira.
Quando o professor observa com esse tipo de atenção, ele enxerga nuances importantes, como: o aluno que só fala quando está em pequenos grupos; o que evita contato visual quando está inseguro; o que repete gestos quando está ansioso; o que se aproxima quando precisa de acolhimento; o que silencia quando está confuso ou sobrecarregado. Esses sinais nem sempre aparecem nas palavras, mas aparecem no corpo. E quando o professor não observa, eles passam despercebidos e a criança fica sem resposta para aquilo que está tentando comunicar.
Freire (2000) reforça que “ensinar exige escuta”. E escutar, no caso da Educação Infantil, começa pelo olhar. É um tipo de escuta que não pressiona, não apressa, não cobra respostas imediatas. É uma escuta que acolhe, que legitima, que válida. Quando o professor observa com essa sensibilidade, ele transforma a relação com a criança. Ela passa a se sentir reconhecida, respeitada e segura. E a segurança emocional, como sabemos, é a base de toda aprendizagem. Ninguém aprende com medo. Ninguém aprende quando não se sente visto. Observar é estabelecer um diálogo silencioso, porém cheio de significado. É o professor dizendo para a criança, sem palavras: “Eu te vejo. Estou aqui com você. Pode confiar.” E essa confiança é o que sustenta todo o processo educativo.
6. OBSERVAÇÃO E PLANEJAMENTO: QUANDO O OLHAR GANHA AÇÃO
A observação só tem valor real quando se transforma em ação. Olhar sem usar o que foi visto não gera mudança, não gera acolhimento, não gera aprendizagem. Por isso, a observação é o primeiro passo do planejamento pedagógico e talvez o mais importante. Oliveira (2011) explica que “a observação é um instrumento que orienta o professor a planejar práticas significativas e contextualizadas”. Em outras palavras: não faz sentido planejar sem antes observar. O planejamento na Educação Infantil nasce da escuta, da vivência e das necessidades reais da turma.
Quando o professor observa, ele descobre: o que precisa ser retomado; o que funciona melhor; quais brincadeiras mobilizam mais aprendizagem; quais espaços precisam ser reorganizados; quais atividades precisam ser adaptadas; como cada criança aprende. Assim, o planejamento deixa de ser um documento rígido e passa a ser vivo, dinâmico e em constante transformação.
Freire (2000) lembra que “não há ensino sem pesquisa”, e a observação é a primeira forma de pesquisa que o professor realiza. Pesquisar a criança é observá-la. É entender o que mobiliza seu interesse, o que estimula sua curiosidade e o que precisa de intervenção. Quando o professor observa antes de planejar, ele garante que: a criança seja protagonista; as propostas tenham sentido real; o aprendizado aconteça com prazer;o desenvolvimento seja respeitado em seu ritmo; a inclusão seja possível para todos. A observação permite que o professor ensine com mais precisão e sensibilidade. Ele para de agir por suposição e passa a agir com base em evidências vividas no cotidiano da sala.
7. O OLHAR PARA A INCLUSÃO: OBSERVAR PARA GARANTIR DIREITOS
Falar de inclusão na Educação Infantil é falar de sensibilidade. É entender que cada criança aprende de um jeito, sente de um jeito, se expressa de um jeito. E é a observação que ajuda o professor a compreender essas diferenças. Não existe inclusão verdadeira sem um olhar atento que reconheça as singularidades de cada criança.
A BNCC (BRASIL, 2017) reforça que “todas as crianças têm direito à educação que respeite suas diferenças e potencialidades”. Isso significa que não basta colocar todas no mesmo espaço físico; é necessário criar condições reais para que todas participem e aprendam. E só observando é possível perceber o que cada criança precisa.
Uma criança com atraso de linguagem, por exemplo, pode se expressar por gestos muito claros e é observando que o professor aprende a ler esses sinais. Uma criança com TEA pode demonstrar incômodos sensoriais através do corpo, do olhar, da repetição de movimentos e é observando que o professor entende como organizar melhor o ambiente. Uma criança tímida pode se expressar pelas brincadeiras simbólicas e só a observação revela esses detalhes.
Mantoan (2003) afirma que “incluir é mudar o olhar”. E essa mudança começa exatamente no cotidiano, quando o professor presta atenção nos pequenos gestos que revelam necessidades específicas. Observar para incluir significa: entender ritmos diferentes; adaptar o ambiente; rever práticas; repensar formas de comunicação; permitir múltiplos modos de expressão; acolher fragilidades sem patologizar. Quando o professor observa com cuidado, ele cria um espaço onde todas as crianças se sentem pertencentes. E sensação de pertencimento, na infância, é a chave para aprender com segurança e confiança.
8. O REGISTRO COMO EXTENSÃO DO OLHAR: ANOTAR PARA COMPREENDER
Observar é o primeiro passo; registrar é o segundo. O registro pedagógico é uma forma de eternizar aquilo que foi visto. Ele ajuda o professor a acompanhar o desenvolvimento da criança ao longo do tempo, identificar avanços, dificuldades, mudanças e interesses. Segundo Oliveira (2011), “o registro torna visível o processo de aprendizagem e orienta decisões pedagógicas consistentes”. Ou seja, não é apenas uma formalidade. É uma ferramenta essencial. Registrar não precisa ser algo complicado.
Pode ser feito por meio de: anotações rápidas no caderno; fotografias com descrição; relatórios narrativos; quadros de observação; portfólios individuais; registros em grupo; desenhos comentados. O importante é que o registro traduza a realidade, sem exageros e sem interpretações distorcidas. Ele precisa refletir a criança como ela é não como o professor gostaria que ela fosse.
A documentação pedagógica, muito utilizada em abordagens como Reggio Emilia, reforça que “o registro é uma forma de valorizar a infância e tornar o processo educativo visível” (EDWARDS, 1998). Ao registrar, o professor dá significado ao aprendizado. Ele também cria um histórico que ajuda a orientar famílias, gestores e outros profissionais. Além disso, o registro permite ao próprio professor se observar. Muitas vezes, ao reler suas anotações, ele percebe padrões, repensa práticas e compreende melhor as demandas da turma. É um processo reflexivo. Registrar é, portanto, continuar observando só que com palavras.
9. A ROTINA COMO CENÁRIO DE OBSERVAÇÃO: VER O EXTRAORDINÁRIO NO COTIDIANO
A rotina da Educação Infantil é rica em oportunidades de observação. E é justamente no simples que o professor encontra as pistas mais importantes sobre o desenvolvimento infantil. A entrada das crianças, o lanche, a hora do sono, o momento do parque, a roda de conversa tudo se transforma em material de estudo para quem sabe olhar. Hernández (2010) afirma que “é no cotidiano que a criança revela sua maneira de estar no mundo”. Por isso, a observação não deve ocorrer apenas durante atividades planejadas, mas também nos momentos espontâneos, nas transições, nos pequenos intervalos da rotina.
Durante a chegada, por exemplo, a criança mostra como se sente em relação ao ambiente. Há as que entram correndo, empolgadas; as que chegam devagar, precisando de colo; e as que ficam na porta observando tudo antes de entrar. Esse momento revela segurança, adaptação e vínculos. Durante o lanche, é possível observar habilidades motoras, autonomia alimentar, preferências, necessidades e interações sociais. Na hora do parque, surgem questões de movimento, cooperação, regras e criatividade. E no sono, o professor percebe como cada criança regula as emoções e encontra conforto.
A rotina é um laboratório vivo, onde cada ação cotidiana se transforma em informação pedagógica. Quando o professor observa a rotina com atenção, ele percebe que: uma criança pode estar chorando porque não dormiu bem; outra está irritada porque está com fome; outra busca carinho porque sente falta de segurança emocional; outra prefere brincar sozinha porque precisa de tempo para se adaptar. São detalhes assim que transformam o trabalho pedagógico em algo profundo e sensível. O olhar para a rotina é o olhar para a vida acontecendo.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre a observação na Educação Infantil não é simples, porque esse tema abraça tantas camadas que parece impossível encerrá-lo em algumas páginas. A observação é mais do que técnica; é postura. É presença. É sensibilidade. É responsabilidade. É a base da relação pedagógica com a criança pequena.
Freire (2000) lembra que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção”. E como criar essas possibilidades sem compreender quem é a criança que está ali, diante do professor? É observando que o professor cria esse espaço fértil para que a criança desenvolva suas capacidades, sua autonomia, sua curiosidade e sua identidade. Ao longo deste artigo, ficou evidente que observar não é apenas um ato profissional é um ato humano. A observação aproxima o professor da criança, revela o que ela ainda não consegue expressar e permite que a prática pedagógica seja realmente significativa. É observando que o professor reconhece singularidades, identifica ritmos, acolhe fragilidades, celebra conquistas e constrói vínculos que sustentam a aprendizagem.
Também vimos que a observação permite que o professor compreenda o corpo da criança como linguagem. Como destacou Wallon (1975), “a emoção é a base de toda construção humana”, e na infância isso é ainda mais visível. A criança fala pelos olhos, pelos gestos, pelas brincadeiras, pelos silêncios e pelos movimentos e só um olhar sensível consegue captar essas expressões.
Além disso, a observação é o pilar da inclusão. Mantoan (2003) enfatiza que “incluir é olhar de outro jeito”, e é esse olhar que permite entender as necessidades específicas de cada criança, oferecendo a cada uma o cuidado e a atenção que merece. A observação torna o ambiente mais justo, mais acolhedor e mais humano.
Outro ponto central é que observar não basta: é preciso registrar. O registro torna o aprendizado visível, ajuda o professor a acompanhar a trajetória da criança, orienta o planejamento e permite refletir sobre a prática. Como aponta Oliveira (2011), “o registro é um instrumento de ação pedagógica, não apenas de memória”. E claro: a rotina é o grande cenário da observação. Cada momento do dia a chegada, o lanche, o parque, o sono, a despedida revelam aspectos profundos da infância. Hernández (2010) reforça que “é no cotidiano que a criança mostra quem é”, e é justamente nesse cotidiano que o professor aprende a conhecer verdadeiramente seus alunos.
Observar é respeitar o tempo da criança, suas incertezas, suas descobertas e seus desejos. É reconhecer que ela é um ser potente, capaz, ativo e cheio de saberes. É ajustar o planejamento para que ele faça sentido. É criar um ambiente saudavelmente desafiador. É dar espaço para que cada criança se expresse e seja como é.
A observação, na Educação Infantil, é um gesto de amor pedagógico. Um gesto que exige entrega, paciência, cuidado e olhar profundo. Um gesto que transforma o professor e transforma as crianças. Um gesto que dá vida à prática educativa e que coloca a infância no centro, onde sempre deveria estar.
Em um mundo tão acelerado e cheio de pressa, a observação nos lembra do valor do tempo lento, do tempo de ver, de escutar, de acompanhar. E talvez seja justamente aí que mora a beleza da Educação Infantil: naquilo que é pequeno, silencioso, cotidiano, mas que diz tudo. Podemos constatar que a observação é o que sustenta o trabalho pedagógico na Educação Infantil, porque é ela que nos permite enxergar o extraordinário escondido no simples.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. A escuta e a observação na Educação Infantil. Porto Alegre: Mediação, 2012.
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EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George (orgs.). As cem linguagens da criança: A abordagem de Reggio Emilia na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Penso, 2010.
HORN, Maria das Graças. O cotidiano da Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 2010.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação Infantil: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2011.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
WALLON, Henri. As etapas do desenvolvimento da criança. Lisboa: Moraes Editores, 1975.
1 Graduada em Historia Educação pela Universidade Estadual da Paríba (UEPB), Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Faculdade IBRA, Graduada em Licenciatura em Língua Portuguesa pela Faculdade IBRA,Especialista em Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual da Paríba (UEPB), Mestre Ciências da Educação pela Universidad de la Integración de las Américas – UNID, Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad de la Integración de las Américas – UNIDA [email protected]. E-mail: [email protected].