O LÚDICO NOS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17419948


Jane katia Bocalan Ricaldes1
Jocely Fatima Caranhato de Campos2


RESUMO
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo que estabelece as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver na Educação Básica, assegurando seus direitos de aprendizagem e formação integral. Na Educação Infantil, organiza-se em Campos de Experiências, que orientam práticas pedagógicas integradas e significativas, entre eles: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. O objetivo é analisar de que maneira o lúdico, compreendido como elemento essencial da Educação Infantil, se manifesta nos Campos de Experiência propostos pela BNCC, destacando sua relevância para a formação docente e sua efetividade nas práticas pedagógicas. A metodologia adotada caracteriza-se como pesquisa bibliográfica, desenvolvida por meio de abordagem qualitativa e de caráter descritivo, fundamentada na interpretação de autores da área e de documentos oficiais que tratam da Educação Infantil e do papel do brincar no processo de ensino-aprendizagem. Assim, conclui-se que a BNCC, é documento normativo que desde 2018 orienta a educação básica no Brasil, representa um marco regulatório para o cenário educacional, exigindo leitura, interpretação e análise crítica tanto por estudantes de Pedagogia quanto por professores em exercício. Nesse sentido, compreender como o lúdico está presente nesse documento é fundamental para fortalecer práticas pedagógicas voltadas a uma educação integral e de qualidade.
Palavras-chave: Lúdico; Educação Infantil; BNCC; Campos de Experiências

ABSTRACT
The National Common Curricular Base (BNCC) is a normative document that establishes the essential learning skills that all students must develop in Basic Education, ensuring their rights to comprehensive learning and development. In Early Childhood Education, it is organized into Fields of Experience, which guide integrated and meaningful pedagogical practices, including: Self, Other, and We; Body, Gestures, and Movements; Lines, Sounds, Colors, and Shapes; Listening, Speech, Thought, and Imagination; and Spaces, Times, Quantities, Relationships, and Transformations. The objective is to analyze how play, understood as an essential element of Early Childhood Education, manifests itself in the Fields of Experience proposed by the BNCC, highlighting its relevance for teacher training and its effectiveness in pedagogical practices. The methodology adopted is characterized as bibliographic research, developed through a qualitative and descriptive approach, based on the interpretation of authors in the field and official documents that deal with Early Childhood Education and the role of play in the teaching-learning process. Thus, it can be concluded that the BNCC, a normative document that has guided basic education in Brazil since 2018, represents a regulatory framework for the educational landscape, requiring reading, interpretation, and critical analysis by both Pedagogy students and practicing teachers. Therefore, understanding how playful aspects are present in this document is essential to strengthening pedagogical practices aimed at comprehensive, quality education.
Keywords: Playful; Early Childhood Education; BNCC; Fields of Experience

1. INTRODUÇÃO

A Base Nacional Comum Curricular, BNCC, constitui um documento de grande relevância para a educação brasileira, elaborado pelo Ministério da Educação com o propósito central de assegurar uma formação básica comum a todos os estudantes do país. Trata-se de uma proposta atualizada, que busca responder às demandas contemporâneas dos alunos e prepará-los para os desafios futuros.

Diante disso, torna-se fundamental que os educadores, especialmente aqueles que atuam na Educação Infantil, dediquem-se à leitura, interpretação e análise atenta desse documento. Esse movimento possibilita a construção de práticas pedagógicas coerentes com as diretrizes estabelecidas, favorecendo uma atuação docente mais alinhada às necessidades da escola e da sociedade. Ao aprofundar o estudo da BNCC, abre-se espaço para compreender a educação de maneira ampla, assegurando aos estudantes condições para o desenvolvimento integral

Dessa forma, ao analisarmos os Campos de Experiências propostos pela BNCC para a Educação Infantil, identificamos a definição de cinco eixos centrais: O eu, o outro e o nós, Corpo, gestos e movimentos, Traços, sons, cores e formas, Escuta, fala, pensamento e imaginação e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Esses campos, concebidos como estruturantes do processo de aprendizagem nessa etapa, organizam-se em torno de habilidades específicas distribuídas em três faixas etárias: bebês (0 a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses).

Nessa perspectiva, ao se considerar a idade das crianças na Educação Infantil, é preciso destacar a ludicidade como importante elemento para o desenvolvimento humano em suas dimensões física, cognitiva, emocional e social. Nessa fase da vida, a brincadeira assume um papel central, sendo reconhecida não apenas como uma atividade espontânea da criança, mas como um caminho privilegiado para o aprender. O lúdico, nesse contexto, ultrapassa o caráter de entretenimento e torna-se uma estratégia pedagógica potente, capaz de promover a curiosidade, a imaginação, a criatividade e a expressão dos sentimentos, das ideias e dos saberes infantis.

O objetivo deste estudo é analisar de que maneira o lúdico, compreendido como elemento essencial da Educação Infantil, se manifesta nos Campos de Experiência propostos pela BNCC, destacando sua relevância para a formação docente e sua efetividade nas práticas pedagógicas. A metodologia adotada consiste em uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa, com caráter descritivo, fundamentada na interpretação de autores e documentos oficiais relacionados ao tema

Portanto, espera-se que o estudo contribua não apenas para o fortalecimento do debate acadêmico, mas também para incentivar futuros pesquisadores a investirem em investigações sobre o desenvolvimento socioemocional na Educação Infantil, reconhecendo que, por meio do conhecimento científico e de práticas pedagógicas humanizadoras, é possível construir um futuro mais brilhante e promissor para as próximas gerações.

2. METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica. De acordo com Cervo, Bervian e Silva (2007), a pesquisa bibliográfica consiste na busca por referências teóricas publicadas em artigos, dissertações, livros e teses para explicar um problema e analisar as contribuições culturais e científicas sobre um tema específico. Aliado ao método qualitativo, conforme destaca Creswell (2007, p. 186), é essencial notar que nesta abordagem o ambiente natural se configura como a fonte primária de dados. O pesquisador, por sua vez, assume um papel central como o principal instrumento de coleta de informações. Neste contexto, os dados obtidos são predominantemente descritivos, proporcionando uma compreensão profunda e contextualizada do fenômeno estudado.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica do artigo busca oferecer ao leitor uma visão clara e articulada sobre o papel do lúdico na Educação Infantil e sua relação com a Base Nacional Comum Curricular, BNCC. Inicialmente, são apresentadas as concepções de ludicidade, em seguida, aborda-se a BNCC como documento normativo que organiza os direitos de aprendizagem e estrutura a Educação Infantil em eixos e Campos de Experiência, e por fim, discute-se de que maneira o lúdico se manifesta nos Campos de Experiência. Dessa forma, esta seção oferece os fundamentos necessários para compreender a relevância da ludicidade e sua efetivação no contexto da BNCC.

3.1. Concepções de Ludicidade e Sua Importancia na Educação Infantil

Antes de iniciarmos a tecer reflexões sobre o lúdico na construção da BNCC no que diz respeito à Educação Infantil, torna-se relevante compreender o significado (ou os significados) da palavra lúdico. A palavra tem origem no latim ludus, que significa jogo, brincadeira ou divertimento. De acordo com o Dicionário Aurélio, o termo refere-se a tudo aquilo que diz respeito ao jogo, ao brincar e ao universo do entretenimento infantil, envolvendo atividades que despertam prazer, espontaneidade e imaginação.

No contexto educacional, especialmente na Educação Infantil, o lúdico ultrapassa a dimensão do simples divertimento e assume papel essencial no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Ao brincar, a criança explora o mundo ao seu redor, constrói significados, socializa, elabora emoções e desenvolve habilidades cognitivas, motoras, afetivas e sociais. Assim, o lúdico se configura como uma linguagem legítima da infância, sendo indispensável em práticas pedagógicas que visam uma formação integral.

Diversos autores como Dewey (1979), Vigotsky (1991), Piaget (1998) e Friedmann (2006) defendem que o brincar deve ser respeitado como uma necessidade da infância e como um direito garantido. Friedmann (2006, p. 38) afirma: “o brincar incentiva a criatividade e constitui um dos meios essenciais do desenvolvimento e diversas aprendizagens nas crianças”. Para Piaget (1998), “O jogo é o trabalho da criança. É por meio dele que ela assimila o mundo, representa e transforma a realidade.” Piaget sintetiza sua compreensão sobre o papel do jogo no desenvolvimento infantil, mostrando que o brincar não é uma simples atividade de passatempo, mas uma forma estruturada e ativa pela qual a criança se apropria da realidade que a cerca. Nesse processo, ela não apenas reproduz o que vê, mas reconstrói a realidade com base em suas experiências e compreensões. De modo semelhante, Santos (1997) também considera que o lúdico é indispensável, pois “o desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento” (Santos, 1997, p. 12).

Nesse sentido, esses autores rompem com a visão reducionista que associa o brincar exclusivamente ao entretenimento, reconhecendo seu papel formativo e estruturante nas dimensões emocional, cognitiva e social. Essa perspectiva é especialmente relevante na educação, pois propõe uma abordagem mais sensível, que valoriza o prazer, a espontaneidade e a criatividade como aliados na construção do conhecimento. Além disso, a ludicidade colabora para o equilíbrio psíquico e a saúde mental, o que reforça sua importância em tempos marcados por ansiedade e excesso de estímulos.

Desse modo, conforme aponta Duprat (2014), o brincar não é apenas um elemento de distração cultural; é um direito, presente em leis que fazem parte da Declaração dos Direitos da Criança, da ONU (Unicef, 1959), e do Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 16 (Brasil, 1990) (Duprat, 2014, p.112).

Duprat (2014) revela uma compreensão ampliada do brincar, ao reconhecê-lo não apenas como uma prática cultural ou forma de lazer, mas como um direito assegurado legalmente. A ludicidade, nesse contexto, deixa de ser um recurso pedagógico opcional e passa a ocupar um lugar de legitimidade nas políticas públicas voltadas à infância. O artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1959), reafirmado pelo artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), garante à criança o direito ao brincar, ao repouso, à recreação e à participação em atividades culturais e artísticas. Esses documentos reconhecem o brincar como fundamental à dignidade humana, à liberdade e ao pleno desenvolvimento da infância.

Conceber o brincar como direito implica entendê-lo como elemento fundante da experiência infantil, e não como um mero intervalo entre momentos sérios de aprendizagem. A ludicidade é uma linguagem por meio da qual a criança expressa ideias, emoções, desejos e interpreta o mundo que a cerca. Ela é uma forma de conhecer, de conviver e de elaborar sentidos, tendo valor por si mesma. Ao brincar, a criança age de forma ativa e criadora, explorando, testando hipóteses, negociando regras e exercitando habilidades cognitivas e sociais. Portanto, garantir o direito ao brincar é também garantir o direito à expressão, à imaginação e ao protagonismo infantil.

No campo da educação, reconhecer o brincar como direito exige que a escola se reorganize para acolher a ludicidade como princípio estruturante de suas práticas. Isso significa que o lúdico não pode ser limitado a momentos eventuais, datas comemorativas ou atividades de passatempo, mas deve estar presente de forma planejada, intencional e cotidiana. A Base Nacional Comum Curricular, BNCC, reforça essa concepção ao estruturar a Educação Infantil com base em direitos de aprendizagem e em Campos de Experiência que colocam o brincar e as interações no centro das práticas educativas.

Por fim, é preciso destacar que o respeito à ludicidade exige uma mudança de postura por parte dos educadores e gestores, que devem compreender o brincar não como uma pausa no processo de aprendizagem, mas como o próprio caminho por onde esse processo se realiza na infância. Valorizar a ludicidade é valorizar a infância em sua essência, garantindo que a escola seja um espaço onde a criança possa ser escutada, movimentar-se, imaginar, criar e sentir-se segura para aprender. Assim, educar com base no direito ao brincar é um ato de resistência, de cuidado e de compromisso com uma educação que reconhece o valor da experiência infantil em toda a sua complexidade.

3.2. A Base Nacional Comum Curricular: Principios, Estrutura e Direitos de Aprendizagem na Educação Infantil

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo que define os direitos de aprendizagem e desenvolvimento que todos os estudantes brasileiros têm o direito de alcançar ao longo da Educação Básica. Sua construção foi um processo longo e participativo, iniciado oficialmente em 2015, com diversas versões preliminares submetidas a consulta pública. No entanto, a ideia de uma base comum já estava presente em legislações anteriores, como na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/1996), que já sinalizavam a importância de garantir uma formação básica comum a todos os alunos do país, respeitando a diversidade regional e cultural. A versão final da BNCC foi homologada em dezembro de 2017 para o Ensino Fundamental e Médio, e em dezembro de 2018 para a Educação Infantil, estabelecendo diretrizes que devem ser seguidas por todas as escolas públicas e privadas do Brasil.

A elaboração da BNCC teve como princípios norteadores a equidade, a qualidade da educação e a garantia do direito de aprender. De acordo com o documento,

A BNCC desempenha papel fundamental, pois explicita as aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver e expressa, portanto, a igualdade educacional sobre a qual as singularidades devem ser consideradas e atendidas. Essa igualdade deve valer também para as oportunidades de ingresso e permanência em uma escola de Educação Básica, sem o que o direito de aprender não se concretiza (Brasil, 2018, p. 17).

Especificamente na Educação Infantil, a BNCC reconhece a criança como sujeito de direitos, ativa, curiosa e capaz de construir conhecimentos por meio das interações e brincadeiras. Nessa etapa, o currículo é organizado a partir de dois eixos estruturantes fundamentais: as interações e as brincadeiras. Esses eixos reconhecem a forma como as crianças aprendem e se desenvolvem no cotidiano, enfatizando a importância de experiências significativas que envolvam o corpo, a imaginação, a linguagem e a convivência.

Com base nesses eixos, a BNCC estabelece seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se. Esses direitos asseguram que todas as crianças tenham oportunidades de se envolver ativamente em experiências diversas e desafiadoras, de acordo com sua faixa etária, respeitando seus ritmos, interesses e modos de ser. O direito de conviver destaca a importância das interações em grupo, permitindo que a criança aprenda a respeitar as diferenças, a construir laços afetivos e a desenvolver a empatia. Já o direito de brincar reconhece o brincar como linguagem própria da infância, essencial para que a criança acesse produções culturais, desenvolva a imaginação, a criatividade e experiências sensoriais, emocionais e cognitivas.

O direito de participar reforça o protagonismo infantil, assegurando que a criança tenha voz ativa no planejamento das atividades, na organização dos espaços e na escolha das brincadeiras. Essa participação valoriza a escuta sensível do educador e promove o exercício da autonomia e da tomada de decisões desde a primeira infância. O direito de explorar, por sua vez, garante que a criança possa investigar o mundo ao seu redor, manuseando objetos, experimentando materiais, descobrindo texturas, sons, cores e movimentos, promovendo aprendizagens significativas e contextualizadas.

Complementando esse conjunto, o direito de expressar-se assegura que a criança possa comunicar seus sentimentos, ideias, hipóteses e descobertas por meio de diferentes linguagens — corporal, oral, plástica, musical, escrita, entre outras. Já o direito de conhecer-se está relacionado ao processo de construção da identidade, permitindo que a criança elabore uma imagem positiva de si mesma e de seus grupos de pertencimento. Vivenciar esses direitos na rotina da Educação Infantil é garantir uma educação de qualidade, inclusiva e significativa, onde a criança é reconhecida em sua totalidade.

Para viabilizar tais princípios, a BNCC organiza o currículo da Educação Infantil em cinco Campos de Experiência, que representam grandes eixos de vivência e aprendizagem: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Cada campo propõe situações que favorecem o desenvolvimento das habilidades cognitivas, emocionais, motoras, sociais e simbólicas das crianças, por meio de atividades lúdicas e interativas que dialogam com o universo infantil. Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento são organizados em três grupos etários: de 0 a 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; e de 4 anos a 5 anos e 11 meses, respeitando as especificidades de cada fase.

Dessa forma, a Base Nacional Comum Curricular propõe uma organização curricular para a Educação Infantil que valoriza a infância em sua complexidade, reconhecendo o brincar e as interações como eixos centrais do desenvolvimento e da aprendizagem. Ao assegurar os direitos de aprendizagem e estruturar os objetivos nos cinco Campos de Experiência, a BNCC reafirma o compromisso com uma educação que respeita os modos próprios de ser e de aprender da criança pequena. Trata-se de um documento que não apenas orienta a prática pedagógica, mas que convida educadores a refletirem sobre o papel da escola como espaço de escuta, experimentação, participação e ludicidade.

3.3. O Lúdico Como Eixo Estruturante nos Campos de Experiências da Bncc

A BNCC apresenta-se como um documento fundamental para organizar a questão educacional no Brasil. Em sua composição, os Campos de Experiências se destacam como uma proposta inovadora de organização curricular para a Educação Infantil, pois partem da vivência concreta das crianças, valorizando suas interações, sua cultura e seus modos próprios de aprender. Cada campo reúne situações que articulam os direitos de aprendizagem com experiências significativas, promovendo o desenvolvimento integral por meio de práticas pedagógicas que respeitam os interesses, ritmos e contextos infantis. De acordo com o documento, os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural (Brasil, 2018, p. 42)

Nesse sentido, os Campos de Experiência definidos pela BNCC são espaços curriculares que se articulam diretamente com a ludicidade, pois buscam garantir experiências significativas, integradas e contextualizadas, capazes de despertar a curiosidade, a criatividade, a imaginação e a expressão infantil. A presença do brincar em cada campo evidencia o compromisso com uma pedagogia que respeita a criança como sujeito ativo, sensível e criador.

Cada Campo de Experiência propõe vivências que partem do cotidiano das crianças e se desenvolvem por meio de ações lúdicas. Essas experiências são atravessadas pelas diferentes linguagens infantis e têm como finalidade ampliar o repertório cultural da criança, respeitando suas especificidades de idade, interesse e contexto sociocultural. Assim, a ludicidade se manifesta como uma ferramenta pedagógica indispensável para que os objetivos de aprendizagem de cada campo sejam alcançados de maneira prazerosa, significativa e coerente com a essência da infância

No que diz respeito ao Campo de Experiência O Eu, o Outro e o Nós é possível observar que o lúdico desempenha papel central na construção das relações interpessoais e na formação da identidade da criança. Nas primeiras faixas etárias, o brincar permite que a criança perceba os efeitos de suas ações no outro (EI01EO01) e reconheça os limites e possibilidades do próprio corpo nas interações (EI01EO02). Durante as brincadeiras, como jogos de faz de conta, circuitos e atividades sensoriais, a criança experimenta situações sociais concretas que favorecem a exploração do corpo, das emoções e da convivência, o que é fundamental para o desenvolvimento de uma imagem positiva de si mesma e de suas capacidades (EI02EO02).

À medida que as crianças avançam no desenvolvimento, o brincar continua sendo o meio pelo qual elas aprendem a exercer empatia, solidariedade e cooperação. Atividades lúdicas em grupo, como rodas cantadas, brincadeiras de revezamento, dramatizações e jogos simbólicos, favorecem a percepção das diferenças e semelhanças entre os pares, promovendo atitudes de cuidado (EI02EO01), compartilhamento (EI02EO03) e respeito à diversidade (EI02EO05). O lúdico, nesse sentido, não apenas medeia a interação, mas também permite que as crianças expressem emoções, desejos e necessidades (EI02EO04), em um ambiente seguro, criativo e afetivo. Essas experiências colaboram para que a criança compreenda que cada pessoa possui sentimentos, pensamentos e formas distintas de agir (EI03EO01), o que enriquece sua capacidade de se colocar no lugar do outro.

Na faixa etária mais avançada da Educação Infantil, o lúdico continua sendo instrumento de desenvolvimento da autonomia, da expressão e da convivência ética e democrática. As brincadeiras dirigidas e livres favorecem a comunicação de ideias e sentimentos com grupos diversos (EI03EO04), ampliam os vínculos afetivos e fortalecem a autoconfiança (EI03EO02). Ao atuar de forma independente em contextos lúdicos, a criança reconhece suas conquistas e limitações, desenvolvendo a autorregulação emocional e o respeito mútuo. O brincar também propicia o exercício da cidadania desde a infância, ao criar oportunidades reais para que a criança participe, coopere e valorize tanto suas características quanto as dos outros (EI03EO05). Dessa forma, o Campo O eu, o outro e o nós, ao integrar o lúdico às vivências cotidianas, contribui para a formação de sujeitos conscientes, empáticos e socialmente engajados.

Já no Campo Corpo, gestos e movimentos, o lúdico está presente em gestos espontâneos, na imitação, nas expressões faciais e nas movimentações livres que expressam emoções e necessidades (EI01CG01). Brincadeiras simples como esconde-esconde, dança com música suave, jogos de imitação e o manuseio de objetos variados favorecem a exploração dos sentidos e o desenvolvimento da motricidade (EI01CG02 e EI01CG05). Essas atividades, realizadas em ambientes acolhedores, estimulam a consciência corporal e criam vínculos afetivos com os adultos e com outras crianças, promovendo bem-estar e fortalecendo a confiança para agir no espaço (EI01CG04).

Com as crianças bem pequenas, o corpo torna-se ainda mais instrumento de comunicação, invenção e descoberta. Por meio de jogos corporais, brincadeiras cantadas, circuitos de obstáculos, danças e dramatizações, a criança se apropria de gestos da sua cultura e amplia seu repertório motor (EI02CG01 e EI02CG03). Ao pular, correr, dançar, rolar, lançar objetos e interagir com os colegas, ela desenvolve noções espaciais como dentro, fora, embaixo e em cima (EI02CG02), ao mesmo tempo em que experimenta autonomia e progressiva independência no cuidado com o corpo (EI02CG04). O lúdico, nesse estágio, potencializa a coordenação motora fina, como ao desenhar, rasgar e pintar (EI02CG05), sempre em atividades que preservam o prazer, a espontaneidade e a criatividade.

Já as crianças pequenas (de 4 a 5 anos e 11 meses) aprofundam ainda mais suas possibilidades corporais por meio de práticas lúdicas dirigidas e intencionais, como jogos teatrais, rodas de capoeira, coreografias simples, circuitos motores, contação de histórias com movimentos e dramatizações (EI03CG01 e EI03CG03). Nesses contextos, elas desenvolvem o controle e a adequação dos movimentos (EI03CG02), e conseguem criar gestos e ações simbólicas que expressam sentimentos, sensações e emoções. A ludicidade está presente também no autocuidado (EI03CG04), pois, por meio de jogos e brincadeiras relacionadas à higiene e à alimentação, a criança aprende de forma leve e significativa a cuidar de si. Dessa maneira o Corpo, gestos e movimentos evidência como o brincar é caminho legítimo para a criança conhecer, dominar e expressar seu corpo em sua plenitude.

Já no Campo Traços, sons, cores e formas está profundamente vinculado à expressão estética e sensorial da criança, e o lúdico é a principal via por meio da qual essas experiências ocorrem. Para os bebês, o corpo e os sentidos são as principais ferramentas de interação com o mundo. Assim, o brincar aparece de forma espontânea nas explorações sonoras com o corpo, com objetos do cotidiano e nas primeiras marcas gráficas feitas em diferentes superfícies (EI01TS01 e EI01TS02). Atividades como bater palmas, explorar chocalhos, manusear tintas com os dedos e ouvir canções infantis promovem a experimentação sensorial e favorecem a construção das primeiras expressões artísticas e musicais (EI01TS03).

Na faixa etária das crianças bem pequenas, o brincar se torna mais estruturado, e a exploração de sons, formas, texturas e cores se intensifica. A ludicidade está presente na manipulação de diferentes materiais como argila, massinha, tecidos, papéis coloridos, instrumentos musicais e objetos recicláveis, que permitem à criança criar, combinar e transformar (EI02TS01 e EI02TS02). Nessas experiências, o fazer artístico surge naturalmente em brincadeiras cantadas, rodas musicais, construção de brinquedos, dramatizações e atividades de faz de conta (EI02TS03). O ambiente escolar, quando rico em materiais e propostas lúdicas, estimula a sensibilidade estética e o pensamento criativo, valorizando as múltiplas formas de expressão infantil.

Para as crianças pequenas, com idades entre 4 e 5 anos e 11 meses, o lúdico se aprofunda por meio de produções mais intencionais e simbólicas. As brincadeiras passam a envolver elementos mais complexos, como a criação de cenários, personagens, figurinos e trilhas sonoras com base em sons, gestos, formas e cores (EI03TS01). O desenho, a pintura, a escultura e a colagem deixam de ser apenas experimentações e passam a refletir ideias, sentimentos e narrativas construídas pelas próprias crianças (EI03TS02). Além disso, a criança começa a reconhecer qualidades do som, como timbre e intensidade, o que enriquece suas produções musicais e amplia suas possibilidades expressivas (EI03TS03). Dessa forma, este campo evidencia como o brincar artístico e sensorial é essencial para o desenvolvimento da criatividade, da percepção estética e da capacidade de comunicar-se com o mundo por meio de múltiplas linguagens.

No Campo de Experiência Escuta, fala, pensamento e imaginação, e aparece de maneira significativa como meio de expressão, construção de linguagem e desenvolvimento do pensamento simbólico. Desde os primeiros anos, os bebês se envolvem em brincadeiras que exploram sons, gestos, balbucios e imitações de entonação (EI01EF01, EI01EF02, EI01EF05, EI01EF06), sendo esse o início da comunicação oral em contextos lúdicos, como rodas de canções, contação de histórias e jogos de imitação. O ato de ouvir histórias lidas ou cantadas (EI01EF03, EI01EF08), reconhecer ilustrações (EI01EF04), e manusear livros e objetos gráficos (EI01EF07, EI01EF09) se configura como uma experiência rica em significados, pois associa o brincar à escuta atenta, à imaginação e ao prazer pela linguagem.

À medida que crescem, as crianças bem pequenas e pequenas utilizam o lúdico de forma mais elaborada ao criar, contar e recontar histórias, inventar cantigas, explorar gêneros textuais, brincar com rimas e ritmos e simular situações do cotidiano por meio da linguagem (EI02EF06, EI03EF04, EI03EF06). Dramatizações, jogos simbólicos, produção oral de textos e uso de diferentes suportes gráficos (como gibis, cartazes, livros, tablets) são práticas lúdicas que favorecem o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, da escuta ativa e do pensamento criativo. Nessas vivências, o brincar não apenas apoia a aquisição da linguagem, mas também promove o exercício da imaginação, da memória e da construção de narrativas, elementos fundamentais para a formação de leitores e produtores de texto. O lúdico, portanto, atravessa todas as habilidades desse campo, potencializando a aprendizagem de forma prazerosa, espontânea e significativa.

O lúdico também aparece no Campo de Experiência Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações como um meio privilegiado para a criança investigar o mundo físico e social, por meio da curiosidade, da manipulação de objetos e da experimentação. Desde bebês, as descobertas sobre propriedades de materiais — como cor, sabor, textura e temperatura (EI01ET01, EI01ET05) — acontecem em contextos de brincadeiras sensoriais e exploração livre, como caixas táteis, banhos com brinquedos coloridos ou atividades com areia, água, massinha e tinta. As interações lúdicas com objetos e fenômenos simples do cotidiano (EI01ET02 e EI01ET03), como misturar cores ou brincar com luz e sombra, permitem que a criança compreenda relações de causa e efeito. Com as crianças bem pequenas, esse processo se expande: elas comparam, classificam, contam e relatam suas experiências de maneira mais intencional, sempre mediadas por jogos, brincadeiras com blocos lógicos, cuidados com plantas e animais, e atividades ao ar livre (EI02ET02, EI02ET03, EI02ET06). Assim, o brincar não é um recurso complementar, mas o caminho natural pelo qual a criança conhece a si mesma, o outro e o mundo ao seu redor.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão da ludicidade como linguagem própria da infância constitui um ponto fundamental para refletir sobre o processo educativo. Mais do que uma simples atividade de entretenimento, o lúdico se apresenta como um recurso pedagógico que promove o desenvolvimento integral da criança, envolvendo aspectos cognitivos, sociais, afetivos e motores. Historicamente, o brincar passou de uma visão marginalizada para uma concepção reconhecida como direito e necessidade fundamental da infância.

A Base Nacional Comum Curricular, BNCC, surge como documento normativo que organiza os direitos de aprendizagem e desenvolvimento ao longo da Educação Básica, garantindo uma formação comum e de qualidade para todos os estudantes brasileiros. Inspirada em legislações nacionais e internacionais, sua proposta busca assegurar a equidade, a inclusão e a valorização das singularidades de cada contexto social. No âmbito da Educação Infantil, a BNCC assume papel central ao reconhecer a criança como sujeito ativo de direitos, estruturando o currículo em eixos, direitos de aprendizagem e Campos de Experiência. Essa organização reafirma a importância do brincar e das interações, rompendo com modelos fragmentados e promovendo um processo educativo integrado, significativo e coerente com a essência da infância.

Os Campos de Experiência definidos pela BNCC representam uma forma inovadora de organizar o currículo da Educação Infantil, fundamentando-se na ludicidade e nas interações como eixos estruturantes. Cada campo articula os direitos de aprendizagem com situações vivenciais que respeitam os interesses, ritmos e contextos culturais das crianças, garantindo oportunidades para o desenvolvimento integral. O brincar aparece em todas as propostas como meio de expressão, criação e socialização, possibilitando que a criança construa conhecimentos de maneira ativa e prazerosa. Assim, o lúdico não é compreendido como recurso acessório, mas como princípio pedagógico que sustenta a aprendizagem nos cinco Campos de Experiência, favorecendo a formação de sujeitos autônomos, críticos e sensíveis.

Considerar o lúdico como eixo estruturante das práticas pedagógicas na Educação Infantil é reconhecer a criança como sujeito ativo, criativo e potente em seu processo de desenvolvimento. A BNCC, ao propor os Campos de Experiência e os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento, reafirma o brincar como linguagem central da infância e como meio legítimo de construção de saberes. O lúdico, presente de forma transversal em todos os campos, permite que as crianças explorem o mundo com liberdade, curiosidade e prazer, desenvolvendo habilidades cognitivas, emocionais, sociais e motoras por meio de experiências significativas. Valorizar essas vivências é garantir uma educação que respeita os tempos e os modos de ser da criança.

O educador desempenha papel fundamental no processo de mediação da ludicidade na Educação Infantil, pois é ele quem organiza, intencionaliza e dá significado às experiências de aprendizagem vivenciadas pelas crianças. Sua atuação vai além de propor atividades lúdicas, consistindo em criar ambientes acolhedores, ricos em possibilidades e respeitosos às singularidades de cada criança. Nesse contexto, o professor é responsável por favorecer interações que estimulem a criatividade, a autonomia, a cooperação e a curiosidade infantil, assegurando que o brincar se constitua como linguagem legítima da infância e como direito garantido. Assim, o papel do educador não se limita a transmitir conteúdos, mas envolve o compromisso ético e pedagógico de promover experiências significativas, que possibilitem à criança aprender de forma integral e prazerosa.

Assim, a BNCC representa um marco essencial para a Educação Infantil no Brasil, ao reconhecer a criança como sujeito de direitos e ao valorizar o brincar e as interações como eixos centrais do processo educativo. Ao estruturar o currículo em Campos de Experiência e assegurar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, o documento reafirma o compromisso com uma educação inclusiva, significativa e humanizadora, que respeita os tempos e modos próprios da infância. Nesse contexto, a ludicidade emerge não apenas como estratégia pedagógica, mas como princípio estruturante que orienta práticas capazes de promover o desenvolvimento integral das crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2017. Disponível em: https://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em 13 jul. 2025.

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DUPRAT, Gisela Wajskop. Educação Infantil: a base do desenvolvimento humano. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2014.

FRIEDMANN, Adriana. O brincar: o desenvolvimento da criança e o lúdico. São Paulo: Moderna, 2006.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: LTC, 1998.

SANTOS, Santa Marli Pires dos. O lúdico na formação do Educador. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

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VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.


1 E-mail: [email protected]. Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Educacional da Lapa – FAEL. Especialista em Saberes e Práticas da Educação Infantil pela Faculdade São Brás – FSB. Atualmente, é Diretora e Gerente Educacional da Universidade São Luís. Atua na concepção, gestão e avaliação de programas de formação continuada para professores, profissionais de saúde e outras áreas (administração e direito), com ênfase em contextos de difícil acesso na região amazônica e no Pantanal Mato-Grossense. Cursando mestrado em ciência da educação pela São Luís University.

2 E-mail: [email protected]. Graduação em Química pelo Centro Universitário Venda Nova do Imigrante (2023). Graduação em Pedagogia pela Faculdade Educacional da Lapa (2016). Pós-graduação em Gestão em Orientação e Supervisão Escolar pela Faculdade Educacional da Lapa (2021). Pós-graduação em Novas Tecnologias Educacionais pela Faculdade do Vale Elvira Dayrell (2022). Atualmente é professora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Campos Sales. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação. Cursando mestrado em ciência da educação pela São Luís University.