O HOMESCHOOLING NA CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA COMO DISPUTA ENTRE LIBERDADE EDUCACIONAL E CONTROLE SOCIAL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15476801


Verônica Ferreira Montel1
Ingrid Fabres Robaina Miller2
Atila Barros3


RESUMO
Este artigo apresenta uma análise sobre o homeschooling no Brasil, a partir de uma pesquisa em revisão de literatura, com foco nos desafios, desigualdades e perspectivas dessa modalidade educacional. A pesquisa busca compreender os principais aspectos que envolvem a educação domiciliar no contexto brasileiro, destacando a influência das disparidades socioeconômicas na implementação e eficácia desse modelo de ensino. Além disso, são discutidos os obstáculos relacionados ao acesso a recursos pedagógicos, infraestrutura e qualificação dos responsáveis, bem como os desafios para a regulamentação e monitoramento da prática. O estudo também aborda o papel do Estado na mediação do homeschooling, sugerindo alternativas para garantir a equidade e a qualidade educacional. Por fim, são refletidas as implicações desse modelo no cenário educacional brasileiro e suas perspectivas para o futuro, especialmente em termos de inclusão e justiça social.
Palavras-chave: Homeschooling, desigualdade social, educação domiciliar, regulamentação educacional.

ABSTRACT
This article presents an analysis of homeschooling in Brazil, based on a literature review, focusing on the challenges, inequalities, and perspectives of this educational modality. The research aims to understand the main aspects surrounding homeschooling in the Brazilian context, highlighting the influence of socioeconomic disparities on the implementation and effectiveness of this teaching model. Furthermore, the article discusses the obstacles related to access to pedagogical resources, infrastructure, and the qualification of caregivers, as well as the challenges for the regulation and monitoring of the practice. The study also addresses the role of the state in mediating homeschooling, suggesting alternatives to ensure equity and educational quality. Finally, the implications of this model on the Brazilian educational landscape and its future perspectives, particularly in terms of inclusion and social justice, are reflected upon.
Keywords: Homeschooling, social inequality, home education, educational regulation.

INTRODUÇÃO

O conceito de homeschooling, ou educação domiciliar, refere-se a uma modalidade de ensino em que os pais ou responsáveis legais assumem diretamente a função de educadores. Nesse modelo, o processo educativo ocorre predominantemente no ambiente doméstico, dispensando a necessidade de inserção da criança ou adolescente em uma instituição escolar tradicional. Assim, a residência familiar torna-se o espaço privilegiado para o desenvolvimento das atividades pedagógicas e educativas (Almeida, 2023).

Atualmente, no Brasil, não existe uma legislação federal específica que regulamente o homeschooling. No entanto, a temática tem ganhado relevância no cenário jurídico e político, especialmente com a tramitação de projetos de lei que visam normatizar essa prática. Entre as iniciativas mais recentes, destaca-se o Projeto de Lei 1338/2022, que propõe regulamentar a oferta domiciliar da educação básica no país (BRASIL, 2022). Esse projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e representa um passo significativo para o reconhecimento legal dessa modalidade de ensino, embora ainda dependa de outras etapas legislativas para ser plenamente implementado.

A adoção do homeschooling por parte de diversas famílias brasileiras pode ser motivada por um conjunto heterogêneo de fatores. Entre os principais motivos elencados estão a preocupação com a segurança, devido ao aumento da violência urbana, e a busca por um ensino que reflita de maneira mais direta os valores familiares, incluindo preceitos religiosos e morais específicos (Oliveira, 2020). Ademais, questões geográficas também influenciam a escolha, especialmente em regiões rurais ou localidades com acesso precário às instituições de ensino formal. Além dessas razões, há famílias que optam pelo homeschooling por acreditarem que essa modalidade permite maior personalização do ensino, respeitando o ritmo individual de aprendizagem e proporcionando uma educação mais centrada nas necessidades e interesses da criança (Martins, 2019).

Por outro lado, a implementação do homeschooling no Brasil ainda suscita debates intensos sobre a garantia do direito à educação, a socialização das crianças e a supervisão pedagógica adequada (Alves, 2020). O tema divide especialistas, legisladores e a sociedade em geral, pois, enquanto alguns defendem o direito das famílias de optarem pela educação domiciliar, outros ressaltam a importância da escola como espaço de convivência e formação social. Portanto, o avanço legislativo sobre o homeschooling no Brasil representa não apenas uma adaptação às demandas de parte da população, mas também um desafio na conciliação entre liberdade educacional e garantia de direitos básicos (Moura, 2023).

MÉTODO

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, do tipo revisão de literatura, com o objetivo de investigar as principais questões envolvidas no homeschooling no Brasil, focando nos desafios, desigualdades e perspectivas dessa modalidade educacional. A revisão de literatura é uma estratégia metodológica amplamente utilizada em pesquisas acadêmicas, especialmente em temas que ainda carecem de uma abordagem empírica aprofundada, como o homeschooling no contexto brasileiro. A metodologia adotada visa sintetizar e analisar criticamente os principais estudos e publicações existentes sobre o tema, buscando identificar tendências, lacunas e pontos de convergência nas abordagens dos diferentes autores.

Para a realização da revisão, foram selecionadas fontes acadêmicas publicadas em periódicos especializados, livros, dissertações e teses que tratam do homeschooling no Brasil, com ênfase em suas implicações sociais, legais e pedagógicas. A pesquisa abrange publicações que datam dos últimos dez anos, garantindo que as referências estejam atualizadas e reflitam as discussões mais recentes sobre o assunto. Além disso, foram incluídas obras de autores que abordam temas complementares, como desigualdade social, políticas públicas educacionais e a regulamentação do ensino domiciliar.

Os critérios de inclusão para a seleção dos estudos basearam-se na relevância dos trabalhos para o tema do homeschooling no Brasil, no contexto das desigualdades sociais e do papel do Estado na regulamentação dessa prática. Foram priorizados artigos de periódicos indexados, publicações em eventos acadêmicos reconhecidos, livros e capítulos de livros de autores consagrados nas áreas de educação e sociologia. Além disso, foram selecionadas dissertações e teses que abordam o homeschooling em uma perspectiva crítica e contextualizada no Brasil.

Foram excluídos da revisão estudos que abordavam exclusivamente o homeschooling em outros contextos nacionais ou internacionais, sem fazer qualquer tipo de análise comparativa ou contextualização com a realidade brasileira. Também foram desconsideradas publicações que não discutiam diretamente os desafios, desigualdades ou políticas públicas relacionadas ao homeschooling.

A análise das fontes selecionadas foi realizada a partir de uma leitura crítica e reflexiva dos textos, com o objetivo de identificar as principais temáticas recorrentes, como as desigualdades socioeconômicas no acesso ao homeschooling, a eficácia das políticas públicas voltadas para essa modalidade de ensino, as propostas de regulamentação e a capacitação dos responsáveis pelo ensino domiciliar. O processo envolveu a categorização dos dados em tópicos centrais, com o intuito de compreender as inter-relações entre os desafios do homeschooling e as condições socioeconômicas que impactam sua implementação.

Para organizar a análise, os seguintes eixos temáticos foram definidos: (1) desigualdade social e acesso ao homeschooling, (2) regulamentação e políticas públicas, (3) o papel do Estado na mediação do homeschooling, e (4) perspectivas futuras para a educação domiciliar no Brasil. Esses eixos foram desenvolvidos com base nas discussões teóricas e nas análises empíricas de estudos anteriores, buscando uma visão abrangente do cenário do homeschooling no país.

Vale ressaltar que, por se tratar de uma pesquisa em revisão de literatura, este estudo está limitado à análise dos materiais disponíveis na base de dados e publicações acessadas até o momento. Além disso, a abordagem qualitativa da pesquisa não permite generalizações empíricas sobre as práticas de homeschooling no Brasil, mas sim uma reflexão crítica sobre as questões teóricas e conceituais envolvidas. As perspectivas e conclusões obtidas neste estudo são, portanto, limitadas ao escopo da revisão e não refletem dados de campo ou experiências diretas de famílias praticantes do homeschooling.

A metodologia adotada visa fornecer uma compreensão aprofundada sobre os desafios e as implicações do homeschooling no Brasil, com base nas produções acadêmicas mais recentes. Ao analisar criticamente as publicações existentes, espera-se contribuir para o avanço do conhecimento sobre essa modalidade educacional e seus impactos no contexto social, econômico e educacional brasileiro.

ENTRE O DIREITO À EDUCAÇÃO E A GENEALOGIA DO PODER DISCIPLINAR

O debate sobre a legalização e implementação do homeschooling no Brasil, ainda que antigo, tem ganhado nova centralidade no cenário político-educacional contemporâneo, especialmente em contextos de reconfiguração das políticas públicas sob o influxo de forças conservadoras e discursos neoliberais. A proposta de educação domiciliar — compreendida como a prática pela qual os pais ou responsáveis legais assumem integralmente a função educativa formal, em substituição à escolarização tradicional — reativa, no seio da sociedade brasileira, tensões estruturais entre a liberdade individual, os deveres do Estado e os imperativos coletivos da formação cidadã.

A discussão jurídica sobre o homeschooling no Brasil orbita, de forma recorrente, os dispositivos constitucionais que regem o direito à educação. Segundo o artigo 205 da Constituição Federal de 1988, a educação é "direito de todos e dever do Estado e da família", devendo ser promovida e incentivada "com a colaboração da sociedade" para o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Ocorre, entretanto, que a interpretação desse enunciado normativo tem se mostrado campo fértil para divergências quanto à obrigatoriedade da mediação institucional escolar na efetivação desse direito.

Para Costa (2015), embora a Constituição preveja a participação da família no processo educacional, não há respaldo legal para que esta substitua o papel da escola, sobretudo no que se refere à socialização e ao cumprimento das diretrizes curriculares nacionais. O autor salienta que o Projeto de Lei nº 3179/2012, que visa regulamentar o ensino domiciliar, fere os princípios da igualdade de acesso à educação e do pluralismo de ideias, previstos na LDB (Lei 9.394/1996). Em outras palavras, a ausência de um espaço comum de aprendizagem compromete a função social da escola como espaço de convivência democrática e confronto epistemológico.

Cury (2019), ao problematizar o homeschooling a partir de uma perspectiva filosófico-política, questiona se a defesa da educação domiciliar não representa, na prática, um processo de "desescolarização do direito", isto é, a fragmentação da educação como um bem público, sendo apropriada por interesses particulares que desconsideram a heteronomia fundamental da vida social. Em sua análise, a escola constitui um espaço simbólico de produção de alteridade, onde a criança é exposta à diferença e à convivência com o outro. Portanto, a exclusão dessa experiência compromete o processo formativo em sua totalidade.

A emergência do homeschooling no Brasil não é neutra nem desprovida de inserção ideológica. Cecchetti e Tedesco (2020) demonstram que o avanço de pautas pró-educação domiciliar está profundamente articulado a um campo de forças neoconservadoras que, sob o pretexto da liberdade religiosa e da proteção moral das crianças, tenta deslegitimar o papel da escola pública como espaço de emancipação crítica e construção de cidadania plural.

Os autores apontam que o homeschooling é frequentemente instrumentalizado como tática para evitar o contato das crianças com debates sobre diversidade sexual, igualdade de gênero, direitos humanos e religiosidade plural. Trata-se, portanto, de um movimento que busca recriar no lar uma bolha epistemológica, fechada e homogênea, onde os valores familiares e religiosos operam como critérios absolutos de verdade. Nesse sentido, Foucault (1975), em Vigiar e Punir, já nos advertia que "o poder não se exerce simplesmente por meio da repressão, mas pela produção de saberes e verdades". Ao negar o pluralismo e o confronto discursivo que a escola proporciona, o homeschooling erige-se como um dispositivo disciplinar que mascara sua violência simbólica sob o verniz da liberdade.

Ao pretender desvincular a educação de um espaço público institucionalizado, o homeschooling reacende desigualdades estruturais. Embora se proclame como expressão da liberdade individual, ele tende a se restringir às famílias com capital cultural, pedagógico e financeiro suficiente para suprir as complexas demandas da educação formal.

Nesse ponto, Bernardes e Tomaz (2016) assinalam que a tentativa de conformar juridicamente a prática do homeschooling desconsidera o princípio da isonomia educacional. Para os autores, o projeto de legalização carece de mecanismos robustos de controle de qualidade, de avaliação de aprendizagem e de fiscalização das condições em que o ensino domiciliar se realiza. O risco evidente é a constituição de uma “zona de exceção educativa”, onde o direito à educação deixa de ser universal e passa a depender das condições e interesses privados de cada núcleo familiar.

A crítica foucaultiana à racionalidade neoliberal se revela pertinente nesse contexto. Como demonstra Foucault (2008) em Nascimento da Biopolítica, o neoliberalismo desloca a ação do Estado para um papel de regulador das liberdades individuais, o que, paradoxalmente, amplia os mecanismos de governamentalidade. O homeschooling, nesse cenário, configura-se como mais uma técnica de produção de subjetividades adaptadas à lógica da performance, da auto-responsabilização e da gestão individualizada da vida.

É no interior do que Foucault denomina de “sociedades disciplinares” que a escola emerge como uma das principais instituições de conformação dos corpos e subjetividades. Ao lado do quartel, do hospital e da prisão, a escola opera como dispositivo de vigilância, normalização e exame, segundo as lógicas da microfísica do poder (Foucault, 1977). No entanto, ao contrário do que sugerem as críticas reducionistas, essa disciplinaridade não é apenas repressiva, mas também produtiva, pois engendra práticas de saber e formas de subjetivação.

O homeschooling, ao pretender escapar à normatização escolar, não rompe com as lógicas disciplinares — ao contrário, as radicaliza na medida em que internaliza o controle dentro da célula familiar. Substitui-se o espaço coletivo do aprendizado por um espaço privado de adestramento moral. A criança, antes inserida em redes de interações múltiplas e confrontos discursivos, passa a ser submetida a uma pedagogia do mesmo, regida por dispositivos familiares de vigilância contínua.

Foucault (1995) já alertava em A Ordem do Discurso que o saber se produz a partir de regras de exclusão e rarificação. O homeschooling, ao restringir as fontes e experiências de aprendizagem, tende a reduzir a multiplicidade de discursos aos quais a criança teria acesso na escola. Ao invés de libertar, pode confinar.

A discussão sobre o homeschooling no Brasil revela, em última instância, a luta entre projetos distintos de sociedade. De um lado, a defesa de uma educação como bem público, plural, universal e garantido pelo Estado; de outro, a ascensão de modelos privatistas, moralistas e autorreferentes, que se sustentam em uma concepção excludente de liberdade e em uma crítica instrumentalizada à escola como espaço de contestação e diversidade.

A escola, por mais imperfeita que seja, constitui um campo de experiência ética e política fundamental. É nela que os sujeitos se defrontam com o diferente, aprendem a negociar sentidos, a resistir a imposições e a construir coletivamente formas de vida. Legalizar o homeschooling, sem uma base regulatória sólida e sem considerar seus impactos sociais, representa não um avanço na liberdade educacional, mas um retrocesso civilizatório. Como bem afirmou Foucault, “onde há poder, há resistência” (Foucault, 2011). A crítica ao homeschooling não é, portanto, uma defesa ingênua da escola, mas um chamado à sua reinvenção permanente como espaço público de liberdade e de produção de subjetividades plurais.

PERSPECTIVAS E DESAFIOS DO HOMESCHOOLING NO BRASIL

À medida que o debate sobre o homeschooling avança no Brasil, diversos aspectos relacionados à sua implementação e regulamentação continuam a ser discutidos. Um dos principais pontos de tensão reside na necessidade de equilibrar o direito dos pais de escolherem o modelo educacional mais adequado para seus filhos com a responsabilidade estatal de garantir uma educação de qualidade e universal (Almeida, 2023). No contexto jurídico, os opositores do homeschooling argumentam que a educação domiciliar pode comprometer a socialização das crianças e adolescentes, visto que o ambiente escolar é tradicionalmente considerado um espaço fundamental para o desenvolvimento de habilidades sociais e cívicas. Além disso, há preocupações sobre a possibilidade de negligência educacional, uma vez que o acompanhamento pedagógico pode se tornar insuficiente ou inadequado sem a supervisão direta de instituições especializadas (Alves, 2020).

Por outro lado, os defensores do homeschooling destacam que o modelo domiciliar não necessariamente inviabiliza a socialização. Muitas famílias que adotam essa prática inserem seus filhos em atividades extracurriculares, esportivas e comunitárias, proporcionando interações sociais que complementam o aprendizado acadêmico. Além disso, argumentam que a personalização do ensino é um diferencial significativo, permitindo maior atenção às especificidades de cada estudante e respeitando o ritmo individual de aprendizado (Martins, 2019). Outro aspecto relevante é o impacto das tecnologias digitais no contexto do homeschooling. Nos últimos anos, o avanço de plataformas educacionais online tem proporcionado um conjunto vasto de recursos didáticos, facilitando o planejamento e a execução das atividades pedagógicas. As famílias adeptas do homeschooling podem acessar conteúdos interativos, aulas virtuais e materiais didáticos diversificados, promovendo um aprendizado mais dinâmico e adaptado às exigências contemporâneas (Santos, 2022).

A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E OS CAMINHOS PARA O BRASIL

Internacionalmente, o homeschooling é uma prática consolidada em países como os Estados Unidos, Canadá e alguns países europeus, onde já existe regulamentação específica e acompanhamento estatal para garantir padrões mínimos de qualidade educacional. Nesses contextos, a modalidade domiciliar é vista como uma alternativa legítima, desde que cumpridos certos requisitos legais e pedagógicos (Ray, 2017).

Inspirando-se nessas experiências, o Brasil enfrenta o desafio de elaborar uma legislação que contemple tanto a liberdade educacional quanto a necessidade de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Para isso, será fundamental criar mecanismos de fiscalização que garantam a qualidade do ensino domiciliar e promovam avaliações periódicas, assegurando que o aprendizado corresponda às diretrizes curriculares nacionais (Carvalho; Moura, 2023). Além disso, a capacitação dos responsáveis legais para atuarem como educadores é um ponto crucial. Alguns especialistas sugerem a criação de cursos específicos para pais que optam pelo homeschooling, orientando sobre práticas pedagógicas eficazes e gestão educacional. A participação de profissionais da educação no apoio técnico e na elaboração de planos pedagógicos também pode ser uma solução viável para garantir uma base educacional sólida (Gomes, 2023).

O homeschooling, embora já praticado por diversas famílias brasileiras, permanece um tema controverso e complexo no contexto educacional do país. Sua regulamentação requer um debate amplo e aprofundado, que considere tanto as demandas familiares quanto os princípios constitucionais que asseguram a educação como um direito fundamental (Souza, 2020). À medida que o Brasil busca consolidar um marco legal para a educação domiciliar, será imprescindível equilibrar a autonomia familiar com a garantia de qualidade e inclusão educacional. Somente com políticas públicas bem estruturadas e monitoradas será possível assegurar que o homeschooling contribua positivamente para o desenvolvimento integral dos estudantes, respeitando tanto as particularidades familiares quanto os compromissos sociais com a educação (Nunes, 2023).

EDUCAÇÃO DOMICILIAR E DESIGUALDADE SOCIAL

Outro ponto importante a ser considerado no debate sobre homeschooling no Brasil é a questão da desigualdade social. Em um país marcado por profundas disparidades socioeconômicas e desigualdades regionais, a regulamentação do ensino domiciliar pode gerar desafios adicionais no que tange à equidade educacional.

Uma das críticas levantadas por especialistas é que a possibilidade de optar pelo homeschooling pode acabar sendo restrita às famílias que possuem recursos econômicos e culturais suficientes para garantir um ensino de qualidade (Ferreira; Nascimento, 2020). A falta de estrutura física adequada, de materiais pedagógicos e de acesso à internet de alta qualidade são barreiras significativas para famílias de baixa renda que desejam adotar esse modelo.

Ademais, o nível de escolaridade dos pais ou responsáveis também se apresenta como um fator determinante. Pesquisas indicam que famílias mais escolarizadas têm maior capacidade de estruturar um currículo robusto e acompanhar de maneira eficaz o desenvolvimento dos filhos (Alves, 2020). Isso pode resultar em um quadro de desigualdade educacional ainda mais acentuado, à medida que crianças de famílias com menos recursos podem ficar em desvantagem frente àquelas cujo contexto familiar propicia uma educação mais completa (Lima; Pontes, 2022).

DESAFIOS PARA A AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO

A regulamentação do homeschooling no Brasil também levanta questionamentos sobre os mecanismos de avaliação e monitoramento do aprendizado dos estudantes. Diferentemente das escolas tradicionais, que seguem uma grade curricular estruturada e contam com avaliações periódicas, o ensino domiciliar pode variar consideravelmente de acordo com as preferências e habilidades dos responsáveis (Mendes, 2023).

Diante disso, surge a necessidade de desenvolver diretrizes claras para garantir que o conteúdo ministrado no ambiente domiciliar corresponda às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Algumas propostas sugerem avaliações anuais ou semestrais realizadas por órgãos públicos ou escolas da rede para verificar o cumprimento dos objetivos pedagógicos estabelecidos (Costa, 2023). Outro aspecto crucial é assegurar que os estudantes educados em casa tenham acesso a exames nacionais, como o ENEM, para que possam ter as mesmas oportunidades acadêmicas e profissionais que aqueles formados pelo sistema regular (Barros; Ribeiro, 2022). Assim, garantir que a educação domiciliar prepare adequadamente os estudantes para ingressar no ensino superior ou no mercado de trabalho torna-se um ponto fundamental.

Apesar da ênfase na autonomia familiar, é consenso entre especialistas que o Estado deve desempenhar um papel ativo na mediação do homeschooling. Isso inclui tanto a oferta de suporte pedagógico quanto a criação de mecanismos para garantir que o direito à educação seja plenamente assegurado (Cunha, 2021). Uma alternativa promissora seria a criação de plataformas públicas de apoio ao homeschooling, onde as famílias pudessem acessar conteúdos didáticos, orientações pedagógicas e tutoria online. Dessa forma, o poder público não apenas regulamentaria, mas também apoiaria diretamente aqueles que optam pela educação domiciliar, promovendo maior equidade e qualidade no processo educativo (Gomes, 2023).

Além disso, parcerias com instituições de ensino superior e organizações educativas poderiam contribuir para a capacitação de pais e responsáveis, oferecendo cursos sobre práticas pedagógicas, planejamento de aulas e estratégias de avaliação (Santos; Araújo, 2023). A criação de uma rede de apoio entre famílias que praticam homeschooling também poderia ser incentivada, promovendo o intercâmbio de experiências e boas práticas.

REFLEXÕES FINAIS

O homeschooling no Brasil representa um desafio multifacetado, que exige uma delicada conciliação entre a liberdade educativa das famílias e as obrigações do Estado em garantir um ensino de qualidade, inclusivo e equitativo para todos os cidadãos. Essa modalidade educacional, que tem ganhado crescente atenção e apoio em diversos setores da sociedade, exige uma análise aprofundada sobre seus impactos nas desigualdades sociais e educacionais do país. De um lado, há os defensores da liberdade educativa, que argumentam que as famílias devem ter o direito de escolher a forma de ensino que consideram mais adequada às necessidades de seus filhos. Por outro lado, existem os princípios fundamentais da educação pública e universal, que determinam que o Estado deve assegurar uma educação de qualidade a todos os cidadãos, independentemente de sua classe social, etnia ou região.

A regulamentação do homeschooling no Brasil, portanto, deve ser cuidadosamente estruturada, levando em consideração esses dois lados do debate. É imprescindível que a regulamentação não se baseie exclusivamente nos interesses de um grupo, mas que busque o equilíbrio entre a garantia da autonomia familiar e o cumprimento das obrigações do Estado na promoção da equidade educacional. A legislação precisa criar mecanismos que assegurem o cumprimento dos direitos educacionais de todas as crianças, respeitando as particularidades culturais, econômicas e sociais das diferentes regiões do Brasil.

Para que o homeschooling seja uma prática viável e justa, é fundamental que as políticas públicas voltadas para essa modalidade de ensino sejam fundamentadas no compromisso com a redução das desigualdades educacionais. Não basta apenas permitir a prática do ensino domiciliar; é necessário que as famílias que optam por esse modelo tenham acesso a recursos pedagógicos adequados, orientação profissional e acompanhamento contínuo do processo educativo. Isso implica a criação de programas de capacitação para os pais e responsáveis, a disponibilização de materiais pedagógicos acessíveis e a implementação de sistemas de monitoramento que assegurem que os alunos estejam recebendo um ensino de qualidade, alinhado às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Almeida, 2023). Além disso, é essencial que o sistema educacional brasileiro ofereça suporte às famílias de baixa renda, que, muitas vezes, enfrentam dificuldades para acessar os recursos necessários para uma educação domiciliar de qualidade. Nesse contexto, a implementação de plataformas públicas de apoio, com conteúdo didático, tutoria online e orientação pedagógica, poderia contribuir significativamente para nivelar as condições de acesso ao homeschooling, permitindo que mais famílias, independentemente de sua situação econômica, possam adotar essa prática com sucesso. A criação de redes de apoio entre as famílias que praticam homeschooling também é uma alternativa importante, pois permite o compartilhamento de experiências e boas práticas, promovendo um ambiente de aprendizado colaborativo e inclusivo.

Só assim será possível viabilizar o homeschooling de maneira justa e eficiente, respeitando as diversidades regionais e socioeconômicas do Brasil, sem deixar de lado a obrigação do Estado de garantir uma educação pública de qualidade e inclusiva para todos os seus cidadãos. A regulamentação do homeschooling no Brasil deve, portanto, ser vista como um processo dinâmico, que deve evoluir com base nas necessidades das famílias, nos avanços da pesquisa educacional e na observância dos princípios constitucionais que garantem o direito à educação. A busca por um equilíbrio entre a liberdade educativa das famílias e a responsabilidade do Estado é, sem dúvida, o maior desafio para que o homeschooling se torne uma prática legítima e benéfica para o conjunto da sociedade brasileira (Rodrigues, 2022).

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1 Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá (Unesa), Campus Teresópolis, RJ.

2 Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá (Unesa), Campus Teresópolis, RJ.

3 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP).