O ESTUDO DE CASO E OS MÉTODOS MISTOS: UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS QUANTITATIVAS EM COMPLEMENTARIDADE À PESQUISA QUALITATIVA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12538961


André Luiz Santos de Oliveira1


RESUMO
A escolha da metodologia adequada é essencial para iniciar uma investigação científica, considerando a natureza do objeto de estudo e o problema a ser desenvolvido. Antigamente, havia um debate entre métodos quantitativos e qualitativos. Hoje, há uma tendência crescente de utilizar métodos mistos, combinando técnicas quantitativas e qualitativas para aumentar a precisão e coesão da pesquisa. O estudo de caso, um método qualitativo, tem raízes na pesquisa médica e psicológica e é amplamente utilizado nas ciências sociais para obter informações detalhadas de um único caso. Métodos quantitativos e qualitativos podem ser usados complementarmente. A pesquisa qualitativa é flexível e adapta-se ao caso estudado, utilizando um espectro de métodos e técnicas. A triangulação, ou pesquisa de métodos mistos, combina dados qualitativos e quantitativos, oferecendo uma visão mais abrangente e precisa dos fenômenos sociais. Em conclusão, a combinação de métodos quantitativos e qualitativos enriquece a pesquisa em ciências sociais, proporcionando maior compreensão e detalhamento dos estudos. A aceitação de tais abordagens depende da clareza na exposição das escolhas metodológicas e do rigor científico aplicado.
Palavras-chave: Estudo de Caso; Métodos Mistos; Pesquisa Qualitativa; Pesquisa Quantitativa

Introdução

Um dos primeiros empenhos por parte do pesquisador ao se iniciar uma investigação científica é o da eleição da mais adequada abordagem metodológica a ser utilizada sobre um dado objeto e problema, o que inclui seus correspondentes instrumentos e técnicas de implementação, devendo em tal esforço, sempre ser levado em consideração a natureza do objeto de estudo e a problemática que se pretende desenvolver, não sendo, portanto, a eleição do método ou métodos de pesquisa uma simples questão de preferência.

Diferentemente de duas ou três décadas atrás, onde na seara metodológica das ciências sociais predominavam discussões nas quais se contrapunham defensores dos métodos quantitativos de um lado e dos métodos qualitativos de outro. Atualmente, ainda que notada em certo grau tal dicotomia no debate, há um ambiente onde florescem discussões alternativas,nas quais se defende e se desenvolve a idéia de flexibilidade, manifestada na utilização combinada de técnicas e métodos em variadas e inovadoras formas de combinação.

A utilização de métodos mistos (chamados também de multimétodos, triangulação, métodos múltiplos entre outras designações) em uma mesma pesquisa, atendendo a certos critérios de cientificidade, é hodiernamente bem vista e estimulada sob o argumento de aumentar as chances de precisão e coesão da pesquisa, sendo que a associação de métodos pode ocorrer tanto entre métodos que seguem a mesma linha paradigmática – métodos quantitativos combinados entre si ou qualitativos – ou ainda podem se dar combinações utilizando-se métodos qualitativos associados aos quantitativos.

O presente artigo pretende a partir da perspectiva do método qualitativo de pesquisa, estudo de caso, abordar de forma exploratória a temática da combinação de métodos, sobretudo sobre as possibilidades de complementaridade dos métodos quantitativos à pesquisa qualitativa. Assim, apresentamos abaixo uma compreensão teórico-metodológica sobre o método estudo caso, com suas possibilidades de aplicação e finalidades. Na sequência, abordamos breves definições e utilizações para os métodos quantitativos e qualitativos, como base para uma introdução sobre a combinação de métodos – “métodos mistos”- e suas possibilidades, tentando responder à questão de que modo os métodos quantitativos podem estar associados ao estudo de caso.

1. O Estudo de Caso Como Método de Pesquisa

Considera-se que o primeiro trabalho a utilizar o estudo de caso como metodologia foi o de J. S. Mill, intitulado "A System of Logic", publicado pela primeira vez em 1843. Desde então, o método tem sido amplamente explorado e discutido, resultando em uma vasta e diversa literatura sobre o assunto. Isso torna desafiadora a tarefa de descrever o método de forma abrangente, o que pode ser interpretado como um sinal de seu sucesso ou fracasso, dependendo da perspectiva adotada.

De acordo com Becker (1997), a expressão "estudo de caso" originou-se nas tradições de pesquisa médica e psicológica, onde se realizava uma análise detalhada de um caso individual para entender uma doença, sua dinâmica e aspectos patológicos. Este método foi adaptado para as ciências sociais, onde se tornou uma das principais abordagens, permitindo obter informações detalhadas sobre fenômenos a partir de um único caso.

No contexto das ciências sociais, conforme Becker explica, o estudo de caso frequentemente se concentra em organizações ou comunidades, embora também possa ser aplicado a fenômenos como "cidades industriais, bairros urbanos, fábricas, hospitais mentais, e as relações entre bairros pobres, política e criminalidade".

Sobre os objetivos do estudo de caso, Becker destaca que há geralmente um propósito duplo: obter uma compreensão abrangente do grupo em estudo, incluindo o perfil dos membros, atividades recorrentes e estáveis, e relações internas e externas; além disso, busca-se desenvolver declarações teóricas mais amplas sobre regularidades nos processos e estruturas sociais. Esse método frequentemente resulta em descobertas inesperadas, exigindo que os pesquisadores estejam preparados para lidar com uma variedade de questões teóricas e descritivas. Becker ainda esclarece a importância de atribuir relevância teórica aos fenômenos observados durante a pesquisa de campo. Vejamos:

Assim postos, os objetivos do estudo de caso mal podem ser conscientizados; é utópico supor que se pode ver, descrever e descobrir a relevância teórica de tudo. Os investigadores tipicamente terminam se concentrando nuns poucos problemas que parecem ser de maior importância no grupo estudado – problemas que se ligam a muitos aspectos da vida e da estrutura do grupo. Desse modo, um estudo de comunidade pode vir a se concentrar nos problemas de industrialização e contato cultural, ou um estudo de um bairro urbano pode se concentrar na relação entre etnicidade e classe social2

“E para que serviriam os casos?” Em resposta a essa pergunta, Thacher ( 2006 ), aponta que os cientistas tradicionalmente recorrem a duas respostas sobrepostas: os casos que são estudados podem ajudar a identificar relações causais, e podem servir, ainda, para entender a visão de mundo das pessoas estudadas. A primeira opção ele denomina de “caso de estudo causal” e a segunda, “estudo de caso interpretativo3”. Thacher em seu trabalho, acrescenta ainda a terceira resposta à referida pergunta a que ele se refere como “o caso de estudo normativo4”, que em uma breve explicação, considera o estudo de caso como um meio de se “avaliar a racionalidade”, uma opção para contribuir ao objetivo de compreender nosso entendimento sobre “valores públicos importantes”, como por exemplo, quais responsabilidades lideres organizacionais deveriam atender ou quando se justifica uma intervenção militar5.

O autor atribui ao estudo de caso, a importância de ser uma das principais estratégias de pesquisa na ciência social contemporânea, entendimento seguido por Günther (2006), que em menção a Mayring (2002) e a Flick e colab. (2000), registra ser o estudo de caso, “ponto de partida ou elemento essencial da pesquisa qualitativa”6.

Os referidos autores reportados por Günther, ressaltam o “princípio da abertura” inerente à pesquisa qualitativa, sendo que tal princípio consiste na ideia que a pesquisa qualitativa se caracteriza por ser um “espectro de métodos e técnicas” que se adaptam a um caso específico, não sendo, portanto, um método único padronizado. Sobre essa disponibilidade das ferramentas metodológicas às necessidades impostas pelo caso a ser abordado, diz o autor:

Ao conceber o processo de pesquisa como um mosaico que descreve um fenômeno complexo a ser compreendido é fácil entender que as peças individuais representem um espectro de métodos e técnicas, que precisam estar abertas a novas idéias, perguntas e dados. Ao mesmo tempo, a diversidade nas peças deste mosaico inclui perguntas fechadas e abertas, implica em passos predeterminados e abertos, utiliza procedimentos qualitativos e quantitativos.7

Há uma visão distorcida sobre a natureza do estudo de caso que o faz muitas vezes ser aplicado equivocadamente, gerando trabalhos que não se caracterizam propriamente como tal. Nesses casos, normalmente ocorre de se utilizar como único critério para a designação “estudo de caso”, o fato de terem como objeto uma única unidade (uma turma ou uma escola, por exemplo) ou sobre um número reduzido de pessoas. Em tais trabalhos, costumam-se aplicar um questionário ou entrevistas às pessoas de determinado ambiente, sem se deixar claro quais foram os critérios de escolha, causando a impressão de que tal escolha se dá, simplesmente, por meras razões de conveniência pessoal do pesquisador e não por critérios científicos ou embasados no que propõe a teoria sobre o referido método.8

Em complemento a abordagem de Thacher, Alves-Mazzotti (2006), questiona quais situações é aconselhável a escolha do Estudo de Caso como método. Em busca de tal resposta, a autora, em comentário a obra de Robert Stake - autor dedicado ao construcionismo social - distingue três modalidades de estudos de caso considerando suas finalidades: o “intrínseco, instrumental e coletivo”. No estudo de caso intrínseco o caso particular em si, é a primeira razão de interesse da pesquisa, buscando-se sua melhor compreensão; no “instrumental” como o próprio termo já sugere, o interesse no caso se dá pela crença de que ele vai trazer uma compreensão mais ampla sobre algo, seria um meio pra se atingir uma compreensão mais ampla e utilitária de determinado fenômeno. E por fim estudo de caso “coletivo”, que seria uma espécie de caso instrumental estendido a várias unidades que são estudadas em conjunto, estas duas últimas modalidades do Estudo de Caso se prestariam, por exemplo, a subsidiar argumentos de contestação ou favorecimento a generalizações aceitas ou “fornecendo insights” que poderão vir a contribuir para outros estudos9. Yin, por sua vez, categoriza os estudos de caso por explanatórios, exploratórios ou descritivos10.

À mesma pergunta feita por Alves-Mazzotti, acima referida, Baxter& Jack (2008) em alusão a Yin (2003), responderiam argumentando que a escolha do estudo de caso deve se dar uma vez a que situação atendaaos seguintes requisitos:

(A) o foco do estudo é responder a questões do tipo iniciadas por "como" e "porquê"; (B) você não pode manipular o comportamento das pessoas envolvidas no estudo; (C) você pretende cobrir condições contextuais, por acreditar que elas são relevantes para o fenômeno em estudo; ou (d) os limites não são claros entre o fenómeno e contexto11

1.1 Procedimentos de Aplicação do Estudo de caso

Na prática do estudo de caso o pesquisador ao iniciar a pesquisa, com o fim de promover coleta de dados, pode adotar o posicionamento como observador-participante ou somente observador, surgindo daí uma série de procedimentos que podem vir a ser adotados, a depender do grau de envolvimento ao assumir uma ou outra posição. Pode, por exemplo, no caso da opção por ser participante, o fazer de modo integral, passando a morar numa dada comunidade, ou assumir um emprego na organização que pretende estudar, ou em outro extremo, colocar-se somente como observador, não participando em nada, evitando ao máximo se fazer notar no ambiente que estuda12.

Gil (1991), mais objetivamente complementa que na fase de coleta de dados, os procedimentos mais usuais são “a observação, a análise de documentos, a entrevista e a história de vida”. Podendo se recorrer a mais de um procedimento, sendo que, geralmente, a coleta tem como ponto de partida a leitura de documentos, seguindo-se da observação (participante ou não), entrevistas, culminando eventualmente com estudo de histórias de vida13.

Em tais casos, o pesquisador deve se disponibilizar por certo período de tempo a acompanhar as rotinas e atividades da comunidade, como se dão as interações pessoais, os seus conteúdos e as conseqüências pós-interação, fazendo o registro de suas observações de modo o mais imediato possível, assim que elas ocorrem. Esses registros devem ser o mais detalhado possível, fazendo-se constar “ações, mapas de localização de pessoas enquanto atuam [...] e transcrições literais das conversações”14.

É comum certa dificuldade em se fazer relatos dos referidos registros empiricos de forma concisa, lembrando que deve ser ainda objetivo do pesquisador tornar o seu relato o mais inteligível possível para o leitor, ocorrendo portanto, caso necessário,de ter que converter um fenômeno complexo em um formato facilmente compreensível de modo que o leitor possa se sentir como um participante ativo na pesquisa, gerando a possibilidade de que sejam aproveitados os resultados do estudo à sua própria situação. Outro cuidado que se deve tomar,é o de evitar a armadilha de se distrair com informações superfluas à questão de pesquisa, ainda que se mostrem interessantes15.

Assim, Baxter & Jack (2008) aconselham para fins de alcance de qualidade e confiabilidade no estudo de caso e para garantir ainda a possibilidade de avaliação da validade por parte dos leitores, que os pesquisadores responsabilizem - se emassegurar que:

(a) a questão de pesquisa do estudo de caso está claramente escrita, proposições (se apropriado ao tipo de estudo de caso) são fornecidas, e a questão é plausível; (B) o desenho de estudo de caso é apropriado para a questão de pesquisa; (C) estratégias de amostragem apropriadas para estudo de caso foram aplicadas; (D) os dados são recebidos e geridos de forma sistemática; e (e) os dados são analisados corretamente16.

Da discussão sobre melhor abordagem metodológica e métodos, apreende-se que se deve ter em mente que não há a superioridade de um método ou técnica em relação a outro, apenas deve-se considerar critérios de adequação e oportunidade na utilização de cada um. O que está em própria consonância com a relatividade e fim maior da ciência social em si. Nesse sentido, oportuna a lição de Domingues Filho (2006):

Na realidade, o desenvolvimento teórico na sociologia pode ser compreendido como um movimento pendular, ora enfatizando o “macro”, ora privilegiando o “micro”, em função do objeto de estudo escolhido. Eis o “alimento diário” para a tese da “ausência de uma matriz disciplinar ‘forte’”. Por exemplo: a explicação da ação social, respectivamente, ora é determinada pela estrutura, ora é contingencial. O micro e o macro, para a teoria social, dizem respeito às tentativas de construção de uma teoria “forte” sobre os fenômenos sociais17.

No atendimento às necessidades de compreensão e análise de um dado fenômeno em uma pesquisa que se conduz a partir de um estudo de caso, o pesquisador deve se sentir livre para inventar métodos capazes de resolver o problema de sua pesquisa.18 Ou se não necessário os inventar, simplesmente recorrer a arranjos metodológicos já disponibilizados e cabíveis, nos quais promova a associação do estudo de caso a outros métodos e técnicas que tanto podem compactuar do mesmo paradigma construcionista, qualitativo ou até mesmo, lançar mão de utilização de métodos quantitativos (ou ao menos dados quantitativos), para fins de maior coesão e abrangência da pesquisa.

2. A adoção de técnicas Quantitativas e Qualitativas

Ao se iniciar uma investigação científica uma das primeiras atitudes é o empenho em torno da eleição da mais adequada abordagem metodológica a ser utilizada sobre um dado objeto e as perguntas de partida levantadas, o que inclui a seleção de seus correspondentes instrumentos e técnicas de implementação, devendo em tal esforço, sempre ser levado em consideração a natureza do objeto de estudo e a problemática que se pretende desenvolver. É inerente a esse processo, a partir de uma fundamentação filosófica e metateórica19 a adoção de determinadas técnicas compatíveis a serem aplicadas sobre o objeto de investigação. Nesse sentido, diz acertadamente Augusto (2014):

Argumenta-se que, para um investigador, escolher uma metodologia de pesquisa não pode ser uma questão de preferência. Essa escolha terá de estar relacionada com as questões que o investigador coloca, com a natureza do que se pretende conhecer, com o tipo de respostas que espera providenciar20.

É natural da pesquisa em ciências sociais ter como ponto de partida uma pergunta ou elaboração de um problema, direcionada ao campo de abrangência de uma (ao menos) determinada área do conhecimento, que, por sua vez, correlacionam-se com um conjunto de possibilidades teóricas e de métodos que, devidamente aplicados, conduz as respostas.21

Essas teorias e métodos alinham-se a paradigmas positivistas e construtivistas que fazem correspondência com as técnicas quantitativas e qualitativas, respectivamente, adotadas na implementação de pesquisas.

Dalfovo; Lana; Silveira22 (2008) em citação a Ramos; Ramos; Busnello (2005), em linguagem simples e didática resumem com base na tradicional dicotomia, que considerando o modo de se abordar o problema, a pesquisa pode ser classificada em:

a) quantitativa – tudo que pode ser mensurado em números, classificados e analisados. Utiliza-se de técnicas estatísticas;

b) qualitativa – não é traduzida em números, na qual pretende verificar a relação da realidade com o objeto de estudo, obtendo várias interpretações de uma análise indutiva por parte do pesquisador. 23

São comumente estabelecidos três paradigmas na sociologia,“se não mesmo diretamente referenciados: o paradigma construtivista ou qualitativo, o quantitativo ou positivista e o recente paradigma pragmático, o qual advoga o uso da pesquisa de métodos mistos”24

A adoção de abordagens metodológicas de uma e outra linha paradigmática é terreno fértil para polêmicas nas ciências sociais, ao que se pode acrescentar ainda a tal discussão, o uso complementar (ou equiparado) de técnicas quantitativas em pesquisas de perfil predominantemente qualitativo.

Günther (2006) observa que na literatura sobre pesquisa qualitativa, chama atenção o fato desta sempre ser definida em contraponto à pesquisa quantitativa, nunca isoladamente.

É impossível, porém, se adotar uma hierarquia de excelência entre os métodos de pesquisa,visto que cada um deles atende a específicos propósitose questões de investigação, nos diz Augusto (2014). Continua a autora, reforçando a idéia de que “a opção por uma metodologia quantitativa ou qualitativa tem de estar de acordo tanto com os objetivos da pesquisa como com os atributos dos objetos em estudo”25

Equiparando em termos de importância ambos os métodos quantitativos e qualitativos, Becker (1997) aponta que compartilham de princípios subjacentes semelhantes: Sociólogos que aderem a uma linha ou outra igualmente querem descobrir algo que valha a pena; ambos visam, persuadir e convencer “um público de colegas e outros especialistas” da inovação ou contribuição de sua pesquisa26.

Contudo, as questões metodológicas antagônicas, geram grandes dificuldades para a promoção de consensos epistemológicos nas ciências sociais, sendo a ação e a estrutura permanentes fontes de dissenso, criando obstáculos ao atendimento da função explicativa da ciência27.

Nessa toada, são vários os relatos a cerca de certo preconceito e fomento a um estigma em torno da pesquisa qualitativa28, sob alegações que passam por falta de atendimento a “princípios científicos rigorosos” e, consequentemente, carência de cientificidade. Porém, existem os seus defensores e muitas contribuições no campo metodológico que discutem a qualidade científica de pesquisas qualitativas frente aos “exclusivistas” defensores da investigação quantitativa, ao que se aponta29:

Como resultado destes ataques, é muito mais profícua a produção de textos que assumem a defesa e procuram provar o rigor da pesquisa qualitativa, do que o número de textos que se dedicam a discutir e a atestar o rigor da pesquisa quantitativa. De facto, parece ser mais fácil lançar ataques à pesquisa qualitativa. Contudo e paradoxalmente, esta é muito difícil de fazer e está repleta de armadilhas, sobretudo para os investigadores menos experientes.30

A mesma autora ressalta, contudo, como óbvia a importância de se avaliar a qualidade de uma pesquisa qualitativa, existindo formas de erros serem evitados e de perseguir a validade através do atendimento da exigência de integridade e de um exercício constante de julgamento ao conduzir a investigação que incluem, entre outras, a triangulação (que não deve ser entendida como um teste de validade), a reflexividade, a atenção aos casos desviantes e a relevância, ainda que se saiba que a questão da validade da pesquisa está ancorada num debate epistemológico sobre a natureza do conhecimento produzido”.31

Até os anos oitenta do século XX, ainda eram intensos os debates sobre a superioridade do método quantitativo ou qualitativo. Tais debates, embora ainda persistirem, hoje coabitam com discussões alternativas, que tendem a fortalecer e desenvolver a idéia de utilização de métodos em diversas combinações, que são genericamente chamados de métodos mistos32

A triangulação ou para alguns, pesquisa de métodos mistos, a que o autor se refere, pode ocorrer entre os métodos qualitativos, os quantitativos e cruzadamente empregando-se métodos e técnicas qualitativas e quantitativas combinando-se as duas modalidades33.

Croswell (2009), ressalta o ganho de popularidade das pesquisas que empregam a combinação de abordagens quantitativas e qualitativas - a designada pesquisa de métodos mistos ( mixed methods research) –para quem se trata de um avanço para a pesquisa. O autor aponta as vantagens dessa modalidade de pesquisa, que seriam: a utilização dos pontos fortes de ambas as abordagens quantitativa e qualitativa; o suprimento das dificuldades em face de problemas complexos das ciências sociais e da saúde,que com a abordagem quantitativa ou qualitativa utilizadas isoladamente, tornam-se inadequadas ou insuficientes; a natureza interdisciplinar da pesquisa contribui para a formação de equipes com interesses e habilidades diversas e pra finalizar, existe ainda a vantagem do maior ganho em insight com a adoção da combinação de pesquisas quantitativas e qualitativas, ampliando a compreensão sobre um dado problema34.

É cada vez mais comum a defesa do “sincretismo” metodológico na pesquisa, podendo ocorrer, por exemplo, que metodólogos adeptos de uma modalidade metodológica promover métodos da outra. A exemplo, Small (2015), cita poder ocorrer de demógrafos cada vez mais concordarem com recorrer a métodos qualitativos para responder a questões que seus métodos de costume não tem condições de abordar. Essa crescente aderência aos métodos mistos em seus diversos formatos propiciaram a emersão de um campo inteiro dedicado à sua promoção, são “periódicos, manuais e conferencias dedicadas ao tema”35.

Avaliações sobre eventuais ganhos efetivos e inovações advindos do implemento dessas combinações estão em curso, como também, estudos sobre quais estratégias são empregadas pelos pesquisadores, quais desenhos de pesquisa permitem. Os estudos dos referidos métodos incluem abordagens teóricas e metodológicas, priorizando o foco, porém, nos interesses do pesquisador empírico36.

Small ressalta que as combinações possíveis são diversas, ao que sugere e passa a definir como modalidades de abordagem a “coleta de dados mistos” (mixed data - collection) – quando se dá com dois ou mais tipos de dados ou duas formas de coletá-los37;“estudos de análise de dados mistos”(mixed data–analysis studies) - como as entrevistas e experimento controlado - quando há combinação de duas ou mais técnicas analíticas ou técnicas cruzadas e tipos de dados38, independentemente do número de fonte. Essa proposta,para o autor evitaria a “armadilha” da dicotomia padrão - quantitativo, qualitativo - que não se presta para os propósitos atuais da pesquisa39.

Ainda recorrendo a Small, o autor argumenta que caracterizar um estudo como exemplo de aplicação de método misto, não é uma tarefa tão simples, sendo “fácil efetuar a classificação quando se tem um levantamento quantitativo suplementado por uma entrevista qualitativa”. Mas a tarefa pode se tornar bastante complicada quando se verifica que na literatura não são fáceis os consensos, a começar de aspectos semânticos, tais como o que realmente quer se dizer quando se utiliza o termo “quantitativo” ou “qualitativo” e o que se acredita está combinando em uma pesquisa que recorra a métodos mistos.Contudo, alerta que as questões vão além de simples semântica, podendo ocorrer também diferenciações em modos de categorização e compreensão de métodos.

Ao que pode ocorrer a exemplo: alguns usam o termo “quantitativo” para caracterizar estudos baseados em grandes amostras, já outros o utilizam simplesmente para descrever qualquer estudo que se use modelos matemáticos formais ao analisar dados, mesmo em pequenas amostras. Por outro lado, alguns usam o termo “qualitativo” para descrever todo estudo que se faça sobre pequenas amostras, não importando que a análise seja rigorosamente formal, uma vez que não são considerados desprovidos de “generalidade estatística”.40

Assim, o que deve prevalecer é a idéia que nas novas discussões a cerca de metodos mistos que aqui se aborda, os termos “quantitativo” e “qualitativo” são utilizados como “abreviações”, não se referindo a métodos generalizadores que de certo modo seriam aplicados em corte transversal sobre todas as fases da pequisa, mas sim especificamente “a tipos de dados, ou coleta, ou análise, com maiores esclarecimentos a medida que a discussão requeira”41.

3. Conclusões

No presente artigo foi apresentado o método qualitativo estudo de caso, enfatizando a sua importância e protagonismo na prática da pesquisa em ciências sociais.

A partir de uma abordagem das concepções do que dentro da epistemologia tradicional, seriam os métodos ou técnicas “quantitativas” e “qualitativas”, tentamos brevemente descrever o cenário em que gradativamente os designados métodos mistos ganham cada vez mais importância e complexidade consubstanciada em diversas possibilidades concebíveis de desenho de pesquisa.

O Artigo visou explorar também a partir do pensamento de autores que tratam do tema, a falta de consenso por parte de metodólogos e dentro da produção científica em relação às acepções dos termos que compõem esse universo, não somente em relação à semântica, mas também quanto a sua categorização, o que nos leva a crer que a credibilidade e a aceitação por parte de colegas e avaliadores de certas combinações na pesquisa, vão depender muito mais da linguagem utilizada para expor as bases em que essas escolhas foram feitas - incluindo nesse processo a questão semântica - do que necessariamente de falha de rigorosidade ou cientificidade nessas escolhas.

Contudo, para o bem da ciência e suas conseqüências sociais, de modo algum pode ser negligenciado o rigor, não tanto no sentido de manutenção de velhas tradições epistemológicas e culturais, mas sobretudo sobre a lucidez intelectual e conceitual sobre as quais se decide proceder às combinações de métodos e técnicas.

Assim, a proposta de combinar o Estudo de caso, com métodos quantitativos será tão bem sucedida quanto se domine “abreviadamente” cada técnica e método, como também quais parâmetros lingüísticos serão estabelecidos, na condução da pesquisa.

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1 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe – PPGS - UFS.

2 Id. 1997, loc. Cit.

3 Tradução nossa. No original, David Thacher usa os termos causal case study e interpretive case study .in THACHER, David. The Normative Case Study1. American journal of sociology, v. 111, n. 6, p. 1631-1676, 2006.

4Tradução nossa. Id., 2006.

5 THACHER, op. cit.

6 GÜNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 22, n. 2, p. 201-210, 2006.

7GÜNTHER, 2006, op. cit.

8 ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Usos e abusos dos estudos de caso. Cadernos de pesquisa, v. 36, n. 129, p. 637-651, 2006.

9 ALVES-MAZZOTTI, 2006, op. cit.

10 BAXTER, Pamela; JACK, Susan. Qualitative case study methodology: Study design and implementation for novice researchers. The qualitative report, v. 13, n. 4, p. 544-559, 2008.

11 YIN, 2003, apud, BAXTER & JACK, 2008.

12 BECKER, 1997, op. cit., p. 120.

13 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. Métodos e técnicas de pesquisa social, v. 5, 1995.

14 BECKER, 1997, loc. cit.

15 BAXTER & JACK, 2008, Op. Cit.

16 RUSSELL, GREGORY, PLOEG, DICENSO, & GUYATT, 2005, apud, BAXTER& JACK, 2008.

17 DOMINGUES FILHO, João Batista. Epistemologia Social e Metodologia: survey, comparação e estudo de caso. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, semestral, v. 1, n. 33, 2006.

18 BECKER, 1997, op. cit.

19 AUGUSTO, Amélia. Metodologias quantitativas/metodologias qualitativas: mais do que uma questão de preferência. In: Forum Sociológico. Série II. CESNOVA, 2014. p. 73-77.

20 AUGUSTO, 2014.

21 FIGARO, Roseli. A triangulação metodológica em pesquisas sobre a Comunicação no mundo do trabalho. Fronteiras-estudos midiáticos, v. 16, n. 2, p. 124-131, 2014.

22 DALFOVO, Michael Samir; LANA, Rogério Adilson; SILVEIRA, Amélia. Métodos quantitativos e qualitativos: um resgate teórico. Revista Interdisciplinar Científica Aplicada, v. 2, n. 3, p. 1-13, 2008. 23 RAMOS; RAMOS; BUSNELLO, 2005, apud, DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008, Ibid.

24 AUGUSTO, op. cit.

25 Ibid.

26 BECKER, op. cit.

27 DOMINGUES FILHO,op. cit.

28 Augusto (2014), nesse contexto, refere-se a existência de um neoconservadorismo e, economicamente, de um neoliberalismo, que forçam as universidades a adotar um ambiente mais comercial e empresarial.

29AUGUSTO, op. cit.

30 Ibid.

31 AUGUSTO, loc. cit

32 Enfatiza o autor que embora a utilização de métodos mistos não seja algo exatamente novo, hoje os estudos empíricos combinam métodos de modo mais diverso e por vezes inovativos, in SMALL, Mario Luis. How to conduct a mixed methods study: Recent trends in a rapidly growing literature. Sociology, v. 37, n. 1, p. 57, 2011.

33 Ibid.

34 CRESWELL, John W. Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Sage publications, 2013.

35 SMALL, 2015,op.cit.

36 Ibid.

37o autor cita como exemplo para esta modalidade, as notas de campo e registros administrativos.

38o autor cita como exemplo para esta modalidade, a utilização da regressão para se analisar entrevistas transcritas (SMALL, 2015, Op. Cit.)

39 SMALL, 2015, op. cit.

40 Ibid.

41 Ibid.