O ENSINO DE GEOGRAFIA E A (DES)CONSTRUÇÃO DO ORIENTE: SUPERANDO O PENSAMENTO CONCRETO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10925626
Ana Maria Vaz Peixoto
RESUMO
O presente trabalho aborda a preocupação do professor de Geografia em incitar o aluno a refletir sobre seu espaço e a superar o pensamento concreto. Buscou-se, nessa ótica, mensurar como a sociedade chinesa continuou, num contexto pandêmico, a promover investimentos em transportes interna e externamente. Para tanto, focamos na elucidação de alguns questionamentos em relação ao tema, como o comportamento da China diante de pandemias, as diferentes agressões externas sofridas e os impactos de tais episódios ao seu parque produtivo. Os procedimentos metodológicos basearam-se em revisão bibliográfica e análise de dados disponíveis em fontes diversas. Os resultados sugerem a importância da mediação do professor de Geografia para a compreensão de assuntos concernentes à estruturação do espaço geográfico. Além do mais, disponibilizamos uma proposta de sequência didática voltada à abordagem do tema em destaque, no escopo de que a ligação estratégica de atividades possa subsidiar a relação ensino-aprendizagem do fenômeno investigado.
Palavras-chave: Espaço geográfico; China; redes de transporte; sequência didática.
ABSTRACT
The present work addresses the concern of the Geography teacher in inciting the student to reflect on his space and to overcome concrete thinking. From this perspective, we sought to measure how Chinese society continued, in a pandemic context, to promote investments in transport internally and externally. To this end, we focus on the elucidation of some questions in relation to the theme, such as China's behavior in the face of pandemics, the different external aggressions suffered and the impacts of such episodes on its productive park. The methodological procedures were based on literature review and analysis of data available from different sources. The results suggest the importance of the mediation of the Geography teacher for the understanding of issues related to the structuring of the geographic space. In addition, we provide a proposal for a didactic sequence aimed at addressing the highlighted theme, in the scope that the strategic connection of activities can subsidize the teaching-learning relationship of the investigated phenomenon.
Keywords: Geographic space; China; transport networks; didactic sequence.
1. INTRODUÇÃO
O processo de ensino-aprendizagem, para ser efetivo quanto às suas realizações, deve incorporar o mais possível das nuances que cercam o entendimento. Em uma faixa etária na qual, por efeito das novas tecnologias, a atenção do discente tem pouca duração, os meros conceitos, apresentados de forma “seca”, não induzirão ao interesse e ao aprendizado.
Nesse sentido, em se considerando que os conceitos evidentemente importam, como apresentá-los aos discentes? Que tipo de ensino de Geografia seria adequado para este século? A Geografia do século XXI deve deixar o aluno descobrir o mundo em que vive com foco na globalização e a questão ambiental, as relações sociedade e natureza devem ser estudadas juntamente com a interpretação dos textos, fotos, mapas e paisagens.
Neste artigo, buscamos uma tentativa de construção de conteúdo crítico e interpretativo, tendo como pano de fundo a formação do espaço geográfico, especificamente o chinês, considerando a relação entre pandemias e meios de transporte, muito mais antiga do que se supõe. Ademais, o presente trabalho ambiciona analisar a maneira como os meios de transporte foram importantes para que, historicamente, a civilização chinesa se desenvolvesse, ainda que, ao mesmo tempo, como a construção pioneira que colaborou para a ocorrência de epidemias e pandemias entre os chineses, tanto histórica quanto contemporaneamente.
Para tanto, fizemos uso de ampla leitura de textos, a exemplo de relatórios produzidos pelo Banco Mundial e instituições assemelhadas, de teses, de dissertações e de textos técnicos, publicados em diferentes idiomas. Nossa análise começa ainda no neolítico, e busca acompanhar a conexão entre essas duas temáticas [transporte e epidemias] ao longo de toda a civilização chinesa, até os tempos atuais.
Os resultados apontam que, ao longo do tempo, os riscos sanitários e as históricas conexões entre China e o restante do mundo, pelas quais esta foi submetida e, eventualmente, vitimada, geraram mais benefícios do que malefícios, tendo em vista que a expertise adquirida pelos chineses foi fundamental para o sucesso dessa nação durante a pandemia de COVID-19.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O Ensino de Geografia
Desde seu surgimento no século XIX, a Geografia, no modelo em que foi criada, tornou-se uma disciplina classificatória de elementos naturais, econômicos e populacionais. O ensino de Geografia, de maneira geral, baseia-se apenas na análise daquilo que é visível (SANTOS, 1982). Ainda que a produção textual da disciplina ressalte que, na formação espacial, a dinâmica histórico-social é pouco percebida, os professores detêm-se apenas em descrever o aspecto acabado do espaço geográfico.
Para Lacoste (1988), tal comportamento deriva de certo pensamento positivista, capaz de moldar um discurso pedagógico de tipo enciclopédico como discurso científico, na medida em que as aulas enfadonhas instituem a realidade aparente como base do conhecimento, de modo acrítico, atemporal e sedimentado na mera enumeração de conteúdos. Trata-se, na definição de Freire (1981), de uma educação bancária que, em sua função, apenas transfere um acúmulo de conhecimento que será posteriormente esquecido pelos alunos.
Contudo, uma outra tendência no ensino de Geografia possibilita, ao aluno, compreender a si mesmo como sujeito social concreto. Diz respeito à emergência, no decurso dos anos 1970, de uma Geografia crítica, que surge com a pretensão de construir cidadãos plenos, críticos da realidade sendo capazes de transformá-la. Quando uma nova consciência se forma, com o desenvolvimento da cidadania, o aluno emerge como coautor do saber, saindo da passividade e partindo para a produção do pensamento científico.
A pedagogia crítica visa conscientizar os alunos sobre a realidade social, econômica e política em que estão inseridos. No ensino de geografia, isso implica entender as relações entre espaço, lugar e sociedade, destacando as desigualdades territoriais e as questões geopolíticas. Os alunos são incentivados a questionar e problematizar essas realidades.
Através da pedagogia crítica, os estudantes são encorajados a analisar e refletir criticamente sobre as informações geográficas que recebem. Eles aprenderão a questionar as fontes de informação, a manipulação dos dados e a influência política nas representações geográficas, esta vai além da mera análise crítica, ela busca capacitar os alunos para se tornarem agentes de mudança em suas comunidades e na sociedade como um todo. No ensino de geografia, isso pode ser traduzido em projetos e ações que abordam questões geográficas e ambientais, como planejamento urbano, conservação ambiental, políticas territoriais, entre outros.
No âmbito crítico, incentiva os alunos a se tornarem agentes de mudança em suas comunidades e na sociedade como um todo. No ensino de geografia, isso pode ser traduzido em projetos e ações que abordam questões geográficas e ambientais, como planejamento urbano, conservação ambiental, políticas territoriais, entre outros.
A pedagogia crítica enfatiza o diálogo e a participação ativa dos alunos. Isso implica ouvir suas perspectivas, experiências e preocupações, tornando o processo educacional mais democrático. No contexto da geografia, isso pode envolver a divulgação de temas geográficos atuais, como migração, mudanças climáticas e conflitos territoriais.
A pedagogia crítica no ensino de geografia, inspirada nas ideias de Paulo Freire, capacita os alunos a compreender o mundo geográfico de forma crítica, a se envolverem em debates políticos relacionados a questões territoriais e a agirem como agentes de mudança em suas comunidades e na sociedade em geral. Dessa forma, ela contribui para a educação como um ato político, promovendo a consciência, a participação e a transformação social.Parte superior do formulário
Silva e Silva (2007, p. 3) consideram que a relação ensino-aprendizagem, em Geografia, segue norteada pela compreensão das categorias de análise geográficas, pela experiência do professor da disciplina, e pelo “conhecimento do aluno no que concerne ao desenvolvimento do seu raciocínio e ao ambiente social, ou seja, a partir do espaço vivido, o seu cotidiano”. Fica implícito, assim, que para o desenvolvimento do raciocínio - muito mais importante do que a mnemônica - o professor deve conhecer os conceitos, mas que o aluno também deve introjetá-los, o que implica no reconhecimento dos ambientes espaço-temporais nos quais os conceitos se inserem/foram construídos.
Ao professor, em suas aulas, cabe fornecer informações, prover recursos, discutir ideias, levantar dúvidas e avaliar resultados (ALMEIDA, 1991), requisitos necessários para um trabalho pedagógico conceitual que supere a alienação imposta outrora. De um ponto de vista teórico, podemos citar Almeida (1982), apud Kostrowick (2011) ao afirmar que, em Geografia,
[...] não se deve trabalhar unicamente com o espaço absoluto, como se fazia até data recente. As análises espaciais conferem atualmente uma grande importância ao espaço relativo, e se depara obstáculos e limitações do espaço euclidiano depois que se compreendeu que o comportamento dos seres humanos no espaço é regido pela interação das decisões tomadas em diversos espaços, respectivamente político, econômico, cultural, sociológico, etc., e que se o espaço absoluto é sempre o mesmo, os espaços relativos mudam constantemente.
Destarte, a Geografia deve trabalhar com novas ideias e interpretações, com a sociedade e suas organizações, conhecendo fábricas, fazendo excursões, estudos do meio, observando paisagens, interpretando mapas, gráficos, textos e fotos. Deve-se, ainda, estudar a natureza, os ecossistemas, as relações e interdependências entre clima e relevo, clima e solo, solo e vegetação. Contudo, interessa à Geografia as influências da sociedade na natureza, na busca por novas respostas a velhas questões para a compreensão do espaço geográfico.
2.2. A nação chinesa no âmbito das pandemias e o desenvolvimento do setor de transportes chinês: um panorama epistemológico
A China, uma civilização milenar, sempre sustentou sua primazia em inovações tecnológicas. Dentre as primeiras, destaca-se a cerâmica, conforme atestam recentes achados na caverna Xoanrendong, datadas de 20 mil anos antes do presente, portanto, ainda no Pleistoceno, momento em que o planeta enfrentava sua última grande glaciação. Evidentemente, a cerâmica só faz sentido em situações em que haja alguma forma de vegetacultura e semi-sedentarismo.
Também foram um dos primeiros a cultivar fibras têxteis, no caso, o cânhamo e, há pelo menos 7.000 anos, os povos que viviam na China praticavam a tecelagem. Nessa ótica, é possível mensurar que os chineses, desde os tempos mais remotos, exercem o comércio, uma atividade que não prescinde de interações espaciais1 que, por sua vez, favorecem a disseminação de uma série de doenças. De fato, Rascovan et al. (2019, p. 295) salienta que
durante o declínio das populações neolíticas na Europa, entre 6.000-5.000 AP, várias linhagens de Y. pestis se ramificaram e expandiram por toda a Eurásia. A análise do contexto arqueológico e dos genomas humanos revelou que o surgimento e disseminação não se deveu a migrações em massa, mas provavelmente facilitado pelos estilos de vida, crescimento populacional e redes comerciais em expansão.
Disso, resultou a difusão da própria Peste Negra, uma moléstia mortal, altamente contagiosa e originada nos Bálcãs, que alcançou o território chinês por meio de rotas comerciais há muito estabelecidas. Há de se considerar, também, que o dano causado pelas pandemias pode ser devastador, em vários aspectos. Grandes perdas de vidas humanas traduzem-se em significativas perdas econômicas, na medida em que muitas das vítimas eram trabalhadores e trabalhadoras, ou comerciantes, ou artífices e até mesmo artistas, os quais nem sempre são substituíveis.
É importante destacar que a evolução da economia chinesa é bastante anterior tanto ao socialismo quanto ao período de intervenção capitalista anterior, e foi precedida por duas tragédias nacionais. A primeira delas foi a guerra com os mongóis, ao longo de 65 anos, após a qual, segundo o World Bank (2013, op cit, p. 28):
A população chinesa caiu em um terço durante o domínio mongol da China. Isso se deveu: a) à selvageria inicial da conquista mongol; e b) à epidemia de peste que atingiu a China mais ou menos ao mesmo tempo que a Peste Negra na Europa. Os mongóis tomaram o norte da China em 1234. Seu impacto inicial, sob Ghengis Khan e seu filho Ogotai, foi muito destrutivo. O norte da China já havia sofrido com a negligência hidráulica (o Rio Amarelo havia transbordado e o Grande Canal havia parado de funcionar (...) os cavaleiros mongóis espalharam a peste bubônica na China exatamente quando trouxeram a Peste Negra para a Europa. Ele sugere que sua incidência mais pesada ocorreu na China depois de 1353 e que essa fonte de mortalidade desempenhou um papel pelo menos tão grande quanto a ferocidade mongol na redução da população. O colapso populacional no final da dinastia Yuan teve sua contrapartida na transição de meados do século XVII entre as dinastias Ming e Ch’ing, quando a selvageria, a varíola e a fome reduziram a população em um quinto.
Passado esse período, a China se recupera novamante; como de praxe, sob os Ch’ing[Qin], os quais, segundo World Bank (2013, op cit, p. 43), tiveram
Um desempenho extremamente bom em termos de seus próprios objetivos do final do século XVII ao início do século XIX. De 1700 a 1820, a população aumentou de 138 para 381 milhões – quase oito vezes mais rápido que no Japão e quase duas vezes mais rápido que na Europa. Este crescimento populacional foi acomodado sem queda nos padrões de vida. O PIB chinês cresceu mais rápido do que o da Europa no século XVIII, embora a renda per capita europeia tenha aumentado em um quarto.
Todavia, no século XIX, os chineses enfrentariam sérios problemas com o avanço do imperialismo, originalmente apenas britânico, mas subsequentemente euro-americano em geral. Como sugere World Bank (op cit, p. 52),
O registro sob os vários regimes republicanos (1912-1949) também foi sombrio. O PIB per capita chinês era menor em 1952 do que em 1820, em forte contraste com a experiência em outros lugares da economia mundial. A participação da China no PIB mundial caiu de um terço para um vigésimo. Sua renda real per capita caiu de paridade para um quarto da média mundial.
Os resultados do imperialismo foram dantescos à estrutura socioeconômica chinesa. Duas grandes guerras do ópio, imposição de tradados injustos, tomada de Tibete, Xinjiang e Mongólia por britânicos e russos, guerra dos boxers e a rebelião de Taíping que, além de resultar em 20 milhões de mortos e promover a feudalização do país, fizeram com que a China regredisse como nunca em sua história. A Tabela 1 registra indicadores econômicos de diferentes países, entre os anos de 1700 e 2003.
Tabela 1: indicadores econômicos das principais regiões do mundo (1700-2003)
China | Japão | Europa | Estados Unidos | USSR | Índia | World | |
GDP (billon 1900 *international* dollars) | |||||||
1700 | 82.8 | 15.4 | 92.6 | 0.5 | 16.2 | 90.8 | 371.4 |
1820 | 228.6 | 20.7 | 184.8 | 12.5 | 37.7 | 111.4 | 694.5 |
1952 | 305.9 | 202.0 | 1 730.7 | 1 625.2 | 545.8 | 234.1 | 5 912.8 |
1978 | 935.1 | 1 446.2 | 5 268.2 | 4 089.5 | 1 715.2 | 625.7 | 18 969.0 |
2003 | 6 188.0 | 2 699.3 | 8 643.8 | 8 430.8 | 1 552.2 | 2 267.1 | 40 913.4 |
Populatioon (million) | |||||||
1700 | 138 | 27 | 100.3 | 1 | 26.6 | 165 | 603.2 |
1820 | 381 | 31 | 169.5 | 10 | 54.8 | 209 | 1 041.7 |
1952 | 569 | 86.5 | 398.6 | 157.6 | 185.9 | 372 | 2 616.0 |
1978 | 956 | 114.9 | 480.1 | 222.6 | 261.5 | 648 | 4 279.7 |
2003 | 1 288.4 | 127.2 | 516.0 | 290.3 | 287.6 | 1 050 | 6 278.6 |
GDP per capita (1990 *international* dollars) | |||||||
1700 | 600 | 570 | 923 | 527 | 610 | 550 | 615 |
1820 | 600 | 669 | 1 090 | 1 257 | 688 | 533 | 667 |
1952 | 538 | 2 366 | 4 342 | 10 316 | 2 937 | 629 | 2 260 |
1978 | 978 | 12 585 | 10 972 | 18 373 | 6 559 | 966 | 4 432 |
2003 | 4 803 | 21 218 | 16 750 | 29 037 | 5 397 | 2 160 | 6 516 |
Fonte: Maddison (2001 e 2003) atualizado, consulte www.ggdc.net/Maddison. A Europa inclui 29 países da Europa Ocidental e 10 da Europa Oriental (a Turquia não está incluída). Os números da Índia excluem Bangladesh e Paquistão de 1952. Os números dos Estados Unidos incluem a população indígena. 110.1787/086121023387">http://dx.doi.org/110.1787/086121023387
Na verdade, os danos causados pelo capitalismo imperialista à China foram tão devastadores que a participação da China na economia mundial, conforme tabela do World Bank (op cit, p. 46), caiu de quase 1/3 para cerca de 1/20 em pouco mais de um século. Nesse período ocorreram epidemias, mas a causa da ruína do país foi mesmo o capitalismo imperialista ocidental. Os chineses, inclusive, descrevem o período 1829/1939 como o “O Século da Grande Humilhação”, conforme Kaufman (2010). A Tabela 2 ilustra bem o desastre que esse período representou para a China.
Tabela 2: participação das principais regiões do mundo na economia mundial,
em % (1700-2003)
1700 | 1820 | 1952 | 1978 | 2003 | |
China | 22.3 | 32.9 | 5.2 | 4.9 | 15.1 |
Índia | 24.4 | 16.0 | 4.0 | 3.3 | 5.5 |
Japão | 4.1 | 3.0. | 3.4 | 7.6 | 6.6 |
Europa | 24.9 | 26.6 | 29.3 | 27.8 | 21.1 |
Estados Unidos | 0.1 | 1.8 | 27.5 | 21.6 | 20.6 |
Rússia/URSS | 4.4 | 5.4 | 9.2 | 9.0 | 3.8 |
Fonte: Derived from Table 2.1 and www.ggdc.net/Maddison
110.1787/086178556753">http://dx.doi.org/110.1787/086178556753
A China, berço de um sem número de tecnologias que foram cruciais para o desenvolvimento da humanidade, de repente se viu mergulhada no atraso e na obsolescência. O supracitado World Bank (op cit, P. 52) nos informa que
A China praticamente não tinha ferrovias, a principal inovação no transporte foi a chegada de navios a vapor estrangeiros operando no Yangtse e nas rotas costeiras. Uma rede de telegrafia foi iniciada na década de 1880. O modesto programa de auto fortalecimento envolveu a criação de alguns empreendimentos industriais governamentais - arsenais em Xangai e Nanking e um estaleiro em Foochow na década de 1860, inauguração da China Merchants' Steam Navigation Company, que comprou uma empresa de navegação americana em Xangai em 1877, criação das minas de carvão Kaiping em Tientsin, algumas fábricas têxteis na década de 1870, mais algumas fábricas na década de 1880 e as siderúrgicas de Hanyang em 1890.
E, em parte graças a esse atraso tecnológico e econômico, e graças ao grande volume de recursos gastos com a exportação de drogas (ópio) para os ingleses, americanos e europeus (à época a Grã Bretanha não apenas era favorável ao comércio de droga, como criou um banco chamado HSBC para financiar esse negócio), a China diminuiu enormemente sua participação no comércio, na indústria e na economia mundiais. O fato é que, conforme World Bank (op cit, P. 55),
No século XX, a China teve um déficit comercial significativo, bem diferente da situação na Índia e na Indonésia, que tiveram grandes superávits. Para a década de 1930, Remer (1933) estimou que havia cerca de 9 milhões de chineses no exterior. Cerca de 3 ou 4 milhões deles estavam fazendo remessas para suas famílias na China. Para 1929, ele estimou o fluxo total em 281 milhões de dólares chineses (US$ 180 milhões). Noventa por cento desses fluxos vieram de Hong Kong, cerca de 44 por cento tiveram origem nos Estados Unidos e a maior parte do restante veio de países asiáticos. Remer também sugeriu que as devoluções alfandegárias subestimaram as exportações chinesas, particularmente aquelas para a Rússia e Hong Kong, de modo que o déficit comercial geral pode ter sido menor do que parecia.
No ano de 1937, a República da China (que incluía Taiwan, mas não Macau, Tibete e Hong Kong) tinha um volume de comércio exterior extraordinário, com valores de exportações e importações equivalentes a US$ 250 bilhões e 270 US$ bilhões, respectivamente, em valores equivalentes a 2022. A título de comparação, a soma de importações e exportações do setor agrícola brasileiro, no mesmo ano, foi inferior a US$ 15 bilhões.
A Revolução Chinesa, embora inicialmente com resultados bastante sofríveis na agricultura, teve na indústria e no comércio exterior, um desempenho bem mais impressionante. Comparado a 1948, a produção industrial cresceu 6,5 vezes até 1960 e mais de 9 vezes até 1970. Segundo Liang-Shing Fant (1972), a participação relativa do setor de máquinas, que é um dos melhores indicadores de desenvolvimento industrial, aumentou de 0,13% em 1952 para 20% da produção industrial total, em 1970.
O período subsequente, principalmente após a ascensão de Deng Xiaoping, foi ainda mais extraordinário, pois, conforme confirmam Diegues e Milaré (2014, p. 67),
Em menos de meio século passou de uma nação primordialmente agrária para o país detentor de um dos mais modernos parques industriais do mundo. A industrialização chinesa, além de fascinante – devido à sua eficácia e rapidez – traz importantes lições às economias periféricas que buscam um crescimento mais consistente e duradouro. Sua forma peculiar de fazer política industrial e modernizar o país é certamente um dos casos mais bem sucedidos do último século.
Além da supracitada estratégia de conferir autonomia com controle aos atores locais encarregados de fazer cumprir o planejamento estatal central, as autoridades chinesas não negligenciaram aspectos mais sutis do planejamento estatal, como, por exemplo, a estrutura tributária do país, usada como ferramenta importante da política industrial chinesa. Segundo Lazzari (2005, p. 175-176),
A carga tributária sofreu uma forte redução, principalmente para estimular o investimento direto externo (IDE). A taxa básica definida pela Lei do Imposto de Renda aplicada a essas empresas era de 33%. No entanto, para aquelas que se instalassem nas ZEEs, era de apenas 15%. Empresas voltadas à exportação, além da isenção fiscal de dois anos e da redução pela metade da tarifa por mais três anos, poderiam manter a redução, desde que suas exportações representassem mais de 70% das vendas totais. Além disso, caso as empresas reinvestissem seus lucros por cinco anos consecutivos no país, poderiam obter até 40% de restituição de todos os impostos pagos; caso o lucro fosse reinvestido em projetos de alta tecnologia, a restituição poderia ser total.
A Figura 1 mostra a notável evolução da República Popular da China nos últimos 70 anos, comparando-a com o Brasil. O êxito chinês deve-se, em grande medida, à política de se enriquecer o país pelo comércio e pela indústria, contrária à estratégia brasileira com foco no agronegócio. Ao produzir essencialmente bens manufaturados, a China compra e vende de todos os países do mundo, gerando e distribuindo riqueza, enquanto o agronegócio limita as trocas comerciais a uns poucos países, concentrando renda.
Figura 1: comparativo de evolução do PIB per capta entre China e Brasil, 2017 (US$)
2.3. Desenvolvimento do setor de transportes chinês e mediação do conhecimento por meio de sequência didática
Na medida em que a China foi se tornando uma potência industrial, também foi se tornando uma potência exportadora, de modo que a república socialista começou a investir maciçamente em transporte, a começar pelo ferroviário. Isso aconteceu porque os chineses perceberam que, se quisessem integrar todas as regiões do país e desenvolvê-lo, era imperativo conectar as regiões produtoras de matérias-primas e recursos energéticos com aquelas que dispusessem de mais trabalhadores e expertise industrial.
Desse modo, o país asiático não apenas reavivou as já milenares hidrovias como viu nas ferrovias um excelente meio para esse propósito, sobretudo no que tangia às necessárias conexões entre as regiões mais planas do leste e aquelas mais acidentadas, mas ricas em recursos, de sua região central. Dessa forma, se em 1950 a malha ferroviária chinesa era bem menor que a brasileira, em 1960 ultrapassou a japonesa e, em 2000, a indiana, tal como exposto na Tabela 4.
Tabela 4: comprimento da malha ferroviária de China, Índia e Japão, em km
China | Índia | Japão | |
1870 | 0 | 7.678 | 0 |
1890 | 10 | 26.400 | 2.349 |
1913 | 9.854 | 55.822 | 10.570 |
1930 | 13.441 | 68.045 | 21.593 |
1950 | 22.238 | 54.845 | 27.401 |
1975 | 46.000 | 60.438 | 26.752 |
1995 | 54.000 | 63.000 | 27.258 |
Fonte: 1870-1950 for China and 1870-1975 for India and Japan from Mitchell (1982), pp.504-7. China 1975 and 1994 from SSB, China Statisttical Yearbook 1995, p.467. India 1995 from Press Information Bureau, Govemment of India. Japan 1995 from Ministry of Transport, Tokyo.
Mas, o gigante asiático não parou por aí. Mesmo com a pandemia ela continuou investindo maciçamente no setor e hoje é a que mais transporta cargas e passageiros em todo o planeta, segundo o Global Times (2022):
O transporte ferroviário de passageiros e cargas da China registrou crescimento estável em 2021, de acordo com dados da Administração Ferroviária Nacional. A ferrovia do país movimentou mais de 2,61 bilhões de passageiros no ano passado, um aumento anual de 18,5%, de acordo com um relatório divulgado pela administração. Mais de 4,77 bilhões de toneladas de carga foram transportadas pela ferrovia da China em 2021, um aumento anual de 4,9%. O investimento em ativos fixos ferroviários da China foi de 748,9 bilhões de yuans (US$ 113,2 bilhões) em 2021, segundo o relatório. A quilometragem da ferrovia do país atingiu 150 mil km no ano passado, incluindo 40 mil km de ferrovias de alta velocidade.
Quando da pandemia, que inclusive começou na própria China, o país, como de resto todo o mundo, foi pego de surpresa, mas soube agir rápido, e com extrema energia e determinação. Além de medidas sanitárias draconianas, o campo econômico e de infraestrutura em momento algum foram negligenciados, mas assim mesmo a economia do país sofreu, na medida em que fortemente conectada à do restante do mundo. Na opinião de Jabour e Rodrigues (2021, p 29):
A tendência é que a epidemia não altere as perspectivas de desenvolvimento da China no longo prazo, haja vista a histórica resiliência econômica chinesa, fruto da capacidade de mudanças institucionais cíclicas.
O controle da produção chinesa afetou de maneira positiva a economia exercendo forte equilíbrio entre a economia planificada e a economia capitalista, como podemos observar na Figura 2. É possível perceber sinais de recuperação nos investimentos de ativos fixos, na produção industrial e nas vendas do varejo.
Figura 2: indicadores de atividade econômica na China (variação interanual)
Em que pese a manutenção prolongada dos rígidos controles concernentes à pandemia o país se saiu melhor, economicamente, do que qualquer outro no mundo. Para Jabour e Rodrigues (2021, p. 25),
China sai fortalecida no cenário geopolítico e geoeconômico, ratifica-se que a centralidade, a legitimidade, o planejamento e a capacidade de construir uma economia movida pela execução de grandes projetos podem influenciar significativamente nessa discussão, principalmente referente aos objetivos estratégicos em relação às quatro grandes transições que estruturarão o sistema internacional no século XXI: climática, energética, demográfica e tecnológica. E, uma vez que a financeirização desregulamentada não adentrou o Império do Meio como em outros países do mundo, o país asiático vem estabelecendo um objetivo societal e disponibilizando as capacidades estatais para atingi-lo. Em outros termos, uma fatia amplamente majoritária do Estado chinês vem sendo participante ativo nos módulos de acumulação de capital, radicalmente distinto ao modelo neoliberal, e que vem possibilitando aos chineses um controle fenomenal da pandemia em seu território através de capacidades estatais, principalmente na área de saúde.
Tal manutenção do status quo e da atividade econômica, mesmo em circunstâncias tão adversas, ocorreu em parte porque, mesmo com a pandemia, a China continuou investindo maciçamente no setor de transporte, e hoje é a que mais transporta cargas e passageiros em todo o planeta. Segundo Liang-Shing (2021. p 252),
Beijing, 3 maio (Xinhua) — O transporte ferroviário de passageiros e cargas da China registrou crescimento estável em 2021, de acordo com dados da Administração Ferroviária Nacional. A ferrovia do país movimentou mais de 2,61 bilhões de passageiros no ano passado, um aumento anual de 18,5%, de acordo com um relatório divulgado pela administração. Mais de 4,77 bilhões de toneladas de carga foram transportadas pela ferrovia da China em 2021, um aumento anual de 4,9%. O investimento em ativos fixos ferroviários da China foi de 748,9 bilhões de yuanes (US$ 113,2 bilhões) em 2021, segundo o relatório. A quilometragem da ferrovia do país atingiu 150 mil km no ano passado, incluindo 40 mil km de ferrovias de alta velocidade.
Mas a explicação definitiva do sucesso chinês pode ser encontrada na tabela 7, que mostra o comércio da República Popular com países não-socialistas. Por ele, é possível notar que os volumes eram muito baixos, de modo que as redes de transporte chinesas nesse período claramente privilegiaram o mercado interno e a economia nacional, o que mais tarde se mostrou sábio e vantajoso.
Tal como sugere Liang-Shing (2021), a indústria de bens de capital, no primeiro ano após a Revolução Chinesa, representava ínfimos 0,2% do total da produção industrial do país. Em 1960, apenas 12 anos depois, havia crescido cem vezes, alcançando 20% do total da produção industrial chinesa, algo jamais conquistado pelo Brasil. Além do mais, desde 1979, a China vem se industrializando de forma vertiginosa. No Brasil, sobretudo a partir da década de 1990, participação dos bens manufaturados na economia nacional recua gradativamente: atualmente, exportamos três vezes menos produtos industrializados do que há 30 anos .É como se a economia da China fosse cada vez mais parecida com a da Alemanha e a nossa cada vez mais parecida com a de Ruanda.
Mas, prossigamos: se no período imediatamente posterior à Revolução Chinesa as exportações do país caíram brutalmente, como elas se comportam hoje? Segundo os dados da alfândega chinesa, ainda que as exportações tenham sentido o impacto dos primeiros meses da pandemia, a retomada aconteceu ainda no ano de 2021, como mostra a Figura 3.
Figura 3: exportações chinesas (em US$)
Mas, e a atenção chinesa aos meios de transporte durante e após a pandemia? Na medida em que as redes de transporte se consolidam em seu mercado doméstico, a China vem investindo em redes de transportes para além de seu território, tal como sugere o periódico chinês Global Times:
O impulso do serviço de trem de carga China-Europa para a indústria automobilística é apenas parte de como a linha de transporte intercontinental de 13.000 quilômetros que liga a China e a Europa desempenhou um papel fundamental na estabilização da cadeia de suprimentos global, ao mesmo tempo em que injetou novo impulso para o crescimento da economia de cada um sob BRI. De 2016 a 2021, o número anual de trens de carga China-Europa aumentou de 1.702 para 15.183, com uma taxa média de crescimento anual de 55%, enquanto o valor anual das mercadorias transportadas subiu de US$ 8 bilhões para US$ 74,9 bilhões, um aumento de nove vezes. Além disso, a participação do serviço ferroviário no comércio total entre a China e a Europa aumentou de 1,5% para 8% em 2021, ajudando na estabilidade da cadeia de suprimentos. (...) Com uma experiência de uma década no fornecimento do serviço one-stop para transporte multimodal de trens China-Europa, Tommy Tan, presidente da Shanghai EPU Supply Chain Management Co, um agente para trens de carga China-UE, é testemunha ocular de como o serviço de trem de carga se tornou a base para ampliar o comércio China-Europa. Os negócios de Tan envolvem uma ampla variedade de categorias comerciais, como o comércio de madeira entre a China e a Rússia, o comércio de grãos e fertilizantes entre a China e o Cazaquistão e o comércio de autopeças entre a China e a Europa.
Bucsky e Kenderdine afirmam que a China enviou especialistas e equipamentos ferroviários ao Turcomenistão para conectar o país ao Irã e integrá-lo à sua própria economia, o que Reeves (2018), confirma. Após esta ligação extrarregional
Inicial, no entanto, o Turcomenistão concentrou-se em resolver problemas internos de transporte ferroviário concernentes à era soviética, também com apoio chinês. Perante as suas limitadas conexões ferroviárias, países da Ásia Central têm recebido amparo da China para o desenvolvimento de infraestrutura ferroviária. Tendo em vista a satisfação de interesses particularistas, o “ajuste espacial” (HARVEY, 2005) chinês construiu mais de 16 mil km de redes ferroviárias na Ásia Central:
Cazaquistão para a Rússia (nove travessias operacionais)
Cazaquistão para China (duas travessias)
Turcomenistão para Irã (duas travessias)
Turcomenistão ao Afeganistão (duas travessias)
Uzbequistão ao Afeganistão
Via balsa ferroviária do Cazaquistão e do Turcomenistão para Baku, no Azerbaijão.
Assim, a integração regional, os fatores internacionais, a facilitação do comércio e as conexões externas, têm sido historicamente menos importantes nas estratégias nacionais de transporte ferroviário dos Estados da Ásia Central, que contém cada vez mais com amplo suporte chinês, na medida em que correspondem, também, aos interesses do gigante asiático. Em relação ao modal rodoviário, o desenvolvimento não foi menos notável. Na tabela 7, é possível perceber que, em 1970, as rodovias da China somavam 650 mil km, mas isso contando todas as rodovias, já que o país nessa data não possuía vias expressas. Pois bem, veja o que diz essa notícia da CGTN:
Em outubro de 1988, a via expressa Shanghai-Jiading Expressway, a primeira no continente chinês, foi oficialmente aberta ao tráfego. Este acontecimento desencadeou o aceleramento do desenvolvimento da rede rodoviária na China. Agora, a quilometragem total de rodovias na China atingiu mais de 160.000 quilômetros, ficando em primeiro lugar no mundo. A Lianyungang-Khorgos Expressway foi aberta para o tráfego em 31 de dezembro de 2014, com uma extensão total de 4.395 km da costa leste da província de Jiangsu até a fronteira ocidental da região autônoma de Xinjiang Uygur. Ela leva o título de "via expressa mais longa da China" e é uma importante via de tráfego ao longo do "Cinturão e Rota da Seda". Graças a esta estrada, um caminhão de carga partindo de Lianyungang agora leva 10 dias para chegar à Europa, cruzando planícies, montanhas, planaltos e desertos. Por mar, a viagem do mesmo ponto de partida para o mesmo destino teria levado 45 dias.
Ou seja: as vias expressas chinesas, que não possuíam qualquer extensão em 1987, somavam 160.000 km 35 anos depois, para tornar-se a maior rede de tal tipo no planeta; não satisfeitos, os chineses expandiram essas vias até a Europa, conectando o país com amplas partes do globo para favorecer o comércio e, por conseguinte, a indústria. Assim, faz sentido que, após a pandemia, a China continue a investir em multimodalidade nos transportes, como sugerem as redes recém implantadas com a Federação Russa, entre a Manchúria e a Sibéria, conforme noticiado pela CNN (2022):
Por décadas, o rio Amur separou a China moderna e a Rússia - suas águas cortando mais de 1.000 de suas cerca de 2.500 milhas de fronteira. Mas sempre faltou uma coisa: uma ponte para veículos. Agora – à medida que o isolamento econômico da Rússia após a invasão da Ucrânia a aproxima de Pequim – isso está mudando, com alarde. Na sexta-feira passada, Pequim e Moscou comemoraram o lançamento de outro novo link - o que a mídia estatal de ambos os lados chamou de a primeira ponte rodoviária sobre o Amur – (...) Uma segunda travessia, a única ponte ferroviária que conecta os países do outro lado do rio, deve ser inaugurada em breve. (...) Os cargueiros chineses carregavam eletrônicos e pneus, os russos óleo de soja e madeira serrada, segundo Moscou.
Em relação ao transporte marítimo, o modal que mais conecta a produção industrial chinesa, via comércio, ao resto do mundo, a pandemia fez desacelerar as interações em 2020. Em que pensem as limitações impostas pelo contexto pandêmico, os volumes do comércio voltaram a crescer substancialmente, o que permite inferir que a China tenha mantido sua primazia no setor, sete dos nove mais movimentados portos de contêineres do mundo, como mostra a Tabela 9.
Tabela 9: maiores portos de contêineres do mundo
Port | Volume 2020 (Million TEU) | Volume 2019 (Million TEU) | Volume 2018 (Million TEU) | Volume 2017 (Million TEU) | Volume 2016 (Million TEU) |
Singapura | 36.6 | 37.20 | 36.6 | 33.67 | 30.9 |
Ningbo-Zhoushan, China | 28.72 | 27.49 | 26.35 | 24.61 | 21.6 |
Shenzhen, China | 26.55 | 25.77 | 27.74 | 25.21 | 23.97 |
Porto de Guangzhou ,China | 23.19 | 23.23 | 21.87 | 20.37 | 18.85 |
Busan, South Korea | 21.59 | 21.99 | 21.66 | 20.49 | 19.85 |
Qingdao, China | 22.00 | 21.01 | 18.26 | 18.3 | 18.01 |
Hong Kong, S.A.R., China | 17.95 | 18.30 | 19.6 | 20.76 | 19.81 |
Tianjin, China | 18.35 | 17.30 | 16 | 15.07 | 14.49 |
Fonte: Global Times (2022). Organizado pela autora.
No caso do transporte aéreo, foi possível observar um interessante fenômeno: antes da pandemia, os aeroportos chineses de Ghangzhou e Chengdu eram o maior e terceiro maior do mundo, respectivamente; em 2021 caíram para 8º e 9º, respectivamente; 8 dos maiores do mundo eram estadunidenses,tendo saído da lista os aeroportos de Tóquio, Dubai, Londres e Paris. Isso aconteceu em função da maneira como cada país reagiu à pandemia. Os Estados Unidos tivertam mais de 1 milhão de mortos e os aeroportos fecharam apenas episodicamente; a China teve menos de 10 mil e, nos aeroportos, foram aplicados controles muito rigorosos. Os dados do Airport Council Internacional (2022) confirmam a tendência, na medida em que a China detinha 6 dos 10 mais movimentados aeroportos do mundo em 2020, mas apenas 2 dos 10 maiores em 2021.
Tabela 10: aeroportos de passageiros mais movimentados do mundo
PASSAGEIROS | |||||
2021 | 2020 | AIRPORT | 2021 | 2020 | Percent change |
1 | 2 | ATLANTA GA US (ATL) | 75 704 760 | 42 918 685 | 76.4 |
2 | 4 | DELLAS/FORT WORT TX. US (DFW) | 62 465 756 | 39 364 990 | 58.7 |
3 | 8 | DENVER CO. US (DEN) | 58 828 552 | 33 741 129 | 74.4 |
4 | 13 | CHICAGO IL US (ORD) | 54 020 399 | 30 860 251 | 75.1 |
5 | 15 | LOS ANGELES CA. US (LAX) | 48 007 284 | 28 779 527 | 66.8 |
6 | 18 | CHARLOTTE NC. US (CLT) | 43 302 230 | 27 205 02 | 59.2 |
7 | 27 | ORLANDO FL. US (MCO) | 40 351 068 | 21 617 803 | 86.7 |
8 | 1 | GUANGZHOU, CN (CAN) | 40 259 401 | 43 767 558 | -8.0 |
9 | 3 | CHENGDU, CN (CTU) | 40 117 496 | 40 741 509 | -1.5 |
10 | 22 | LAS VEGAAS NV. US (LAS) | 39 754 366 | 22 254 511 | 78.6 |
11 | 26 | PHOENIX AZ. US (PHX) | 38 846 713 | 21 928 708 | 77.2 |
12 | 38 | MIAMI FL. US (MIA) | 37 302 456 | 18 663 858 | 99.9 |
13 | 16 | NEW DELHI, IN (DEL) | 37 139 957 | 28 500 545 | 30.3 |
14 | 20 | INTAMBUL. TR (IST) | 36 988 067 | 23 330 411 | 58.5 |
15 | 5 | SHENZHEN, CN (SZX) | 36 358 185 | 37 916 054 | -4.1 |
16 | 32 | SEATTLE WA. US (SEA) | 36 154 015 | 20 045 348 | 80.4 |
17 | 25 | MEXICO CITY. MX (MEX) | 36 056 614 | 21 981 711 | 644.0 |
18 | 6 | CHONGQING. CN (CKG) | 35 766 284 | 34 937 789 | 2.4 |
19 | 10 | SHANGHAI. CN (SHA) | 33 207 337 | 31 165 641 | 6.6 |
20 | 7 | BEIJING. CN (PEK) | 32 639 013 | 34 513 827 | -5.4 |
Fonte: Global Times (2022). Organizado pela autora.
A respeito de transportes, de modo geral, a agência oficial do país, Xinhua (2020), afirmou que:
O investimento da China em ativos fixos no setor de transporte manteve crescimento estável no primeiro semestre do ano, mostraram dados oficiais. O investimento total de ativos fixos aumentou 8,3% ano a ano, para mais de 1,57 trilhão de yuans (US$ 243 bilhões) no período de janeiro a junho, de acordo com o Ministério dos Transportes. O setor de transporte está vendo uma recuperação rápida, disse o ministério, acrescentando que as principais cidades já viram os serviços ferroviários voltarem ao nível pré-epidêmico. Especificamente, o investimento em construção de rodovias e hidrovias foi de 1,2 trilhão de yuans nos primeiros seis meses do ano, um aumento de 13,3% e 22,2% em relação ao mesmo período de 2020 e de 2019.
As hidrovias, por sua vez, somavam 168.000 km em 1960. O Grande Canal, que conecta as bacias do Huang He e Yangtse, bem como os mares Amarelo, da China Oriental e da China Meridional, com seus quase 2.000 km e 2.500 anos, é prova irrefutável do valor que a China, historicamente, dá ao mencionado modal. Para se ter uma ideia da atual importância do modal hidroviário, o maior rio do país (e terceiro maior do mundo), o Yangtze, segundo ILOS (2019),
Passa pelas cidades de Chongqing, Wanzhou, Wuhan, Anqing, Yangzhou, Chuzhou, Nanquim e Suzhou, até chegar a Xangai, capital econômica da China e lar do maior complexo portuário do mundo, que movimenta mais de 700 milhões de toneladas todos os anos. O crescimento recente do porto tem passado pela integração com as linhas férreas que passam pela cidade. Nanquim, além de ter um dos maiores portos fluviais do mundo, conta com a segunda maior estação ferroviária em área do planeta e o relatório da Lloyd’s List indica que houve um aumento de 560% da expedição de cargas para a Europa Central a partir de Nanquim, fortalecendo a posição da cidade de rota para o Ocidente.
Neste sentido, fica evidenciado que a questão dos transportes, talvez mais que em qualquer outra civilização – à exceção de romanos e incas – sempre foi, desde o início da civilização chinesa, uma preocupação de primeira ordem. Em função dos esforços de longa data, a China não só conseguiu se tornar, mas também se manter, como uma grande potência na maior parte dos últimos 25 séculos.
Como, todavia, construir um diálogo acessível entre professor e alunos, para que estes participem ativamente do processo de apropriação do fenômeno aqui abordado? Acreditamos que a abordagem do conteúdo em tela, por meio de sequências didáticas, possa estabelecer uma profícua relação de ensino e de aprendizagem que favoreça a participação ativa dos discentes. Além do mais, é possível que o uso de sequências didáticas favoreça o desenvolvimento profissional docente, na medida em que o processo de elaboração, aplicação e avaliação de suas fases consecutivas facilita a reelaboração cíclica do itinerário que visa alcançar um escopo de ensino.
Tal como sugerem Guimarães e Giordan (2013), as sequências didáticas representam uma unidade constitutiva do processo educativo. Em outro trabalho, Giordan (2008) admite que as sequências didáticas compõem um conjunto de atividades articuladas e organizadas de modo sistemático, que orbita determinada problematização central. Trata-se, portanto, do encadeamento racional de atividades propostas ao longo de um percurso didático, que visa realizar certos objetivos educacionais (ZABALA, 1998).
O Quadro 1 estabelece uma sequência didática que visa fomentar a exposição do conteúdo enfocado no presente texto, quer seja a relação entre pandemias e redes de transporte na China, em diferentes contextos espaço-temporais. Para tanto, busca-se contextualizar, historicamente, os avanços técnicos da sociedade chinesa e a sua relação com diferentes eventos pandêmicos ao longo do tempo. Ademais, a proposta busca lançar luz sobre o desenvolvimento dos diferentes modais de transporte no território chinês de ontem e de hoje, pontuando os impactos da pandemia de Covid-19 sobre os fluxos estabelecidos no atual estágio da globalização econômica.
2.4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA
A presente sequência didática, tem a função de aplicar os conhecimentos obtidos com as leituras realizadas e construir um novo conhecimento á respeito das evoluções chinesas aos longo dos séculos.
Quadro 1: Sequência Didática – pandemias, China e desenvolvimento das redes de transporte
Objetivos:
Público-Alvo: Alunos do Ensino Médio Duração: 5 aulas (pode ser adaptado conforme o cronograma escolar) Aula 1: Introdução às pandemias na China (1 hora)
Aula 2: A Importância das redes de Transporte na história (1 hora)
Aula 3: Impactos das pandemias no desenvolvimento das redes de transporte (1 hora)
Aula 4: A modernização das redes de transporte na China (1 hora)
Aula 5: Globalização e conexões contemporâneas (1 hora)
Atividade Final: Projeto de Pesquisa (Fora da sala de aula)
Avaliação:
|
Fonte: organizado pela autora.
As noções em tela são trabalhadas no decurso de cinco aulas e, ao final, propõe-se que os alunos pesquisem, de forma mais aprofundada, sobre uma das pandemias abordadas ao longo da exposição. O progresso dos discentes deve ser mensurado conforme a participação em sala, o comprometimento com a pesquisa proposta e por meio de avaliação tradicional. Busca-se, assim, que a dinâmica da sequência didática proporcione maior interação entre os alunos e a temática destacada, além de gerar subsídios que permitam ao professor reelaborar, sempre que julgar necessário, a sua prática docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os princípios com os quais buscamos trabalhar envolveram a didática e o ensino de Geografia, partindo da premissa é de que o espaço geográfico é uma construção histórica. Ora, a civilização chinesa é uma das mais antigas que existem no mundo. A sua extensão contínua, bem como avanços técnicos, tecnológicos, econômicos e civilizacionais, não teria sido possível sem um contínuo desenvolvimento dos meios e sistemas de transporte.
Esses avanços foram baseados em duas premissas principais: conexões internas que, ao priorizarem as hidrovias, buscaram agilizar e baratear o comércio e a economia de um modo geral. Para tanto, a China buscou estabelecer conexões com o mundo externo, seja por meio da histórica rota da seda, pelo comércio marítimo e, atualmente, por ampla e moderna multimodalidade em transportes.
Mas, se pelo ponto de vista econômico tal modus operandi formou e garantiu a existência de um mercado interno robusto e crescentemente conectado com o restante do mundo, por outro lado, ampliou sobremaneira a vulnerabilidade das populações chinesa e mundial a uma série de doenças contagiosas. Nesse sentido, vimos que a mais antiga pandemia que se abateu sobre os chineses foi a da peste, causada pela bactéria Yersinia pestis, há cerca de 5.500 anos, a qual se seguiram muitas outras. Assim, a recente pandemia, cuja origem remete ao território chinês, não foi algo novo ou inesperado para o país, que soube combatê-la de modo a ter um dos menores índices de mortalidade do planeta.
Para abordar esse complexo encadeamento de relações em sala de aula, optamos por destacar a sequência didática, cujo escopo encontra-se num conjunto de ações planejadas que orbitam objetivos de aprendizagem mais flexíveis e que não desconsideram as especificidades socioculturais do público alvo. Ao professor, o ferramental exposto permite a reflexão constante acerca de sua própria prática, pois favorece a realização de ajustes contextuais que contribuem para o desenvolvimento profissional do docente.
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1 Segundo Corrêa (2006), as interações espaciais fazem referência ao amplo conjunto de deslocamento de pessoas, mercadorias, capital e informação que ocorrem sobre o espaço geográfico, de forma que os processos de transformação social fazem refletir as diferenças entre lugares, mediante necessidades historicamente