MEDIDAS PROTETIVAS, GUARDA E CONVIVÊNCIA: DESAFIOS NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA À LUZ DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13950493
Murillo Leite França Pandolfi1
Gabrielle Saraiva Silva2
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso busca explorar os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, enquanto examina os direitos dos cônjuges durante o casamento. Além disso, discute como o princípio do melhor interesse da criança influencia na escolha do tipo de guarda. O estudo não se limita ao divórcio em si, mas também aborda os desafios que a concessão de medidas protetivas pode acarretar na determinação da guarda e no modelo de convivência com os filhos. Utilizando metodologia de pesquisa bibliográfica, o trabalho foca em analisar o papel da criança e seus interesses na decisão sobre a guarda, além de investigar formas de promover uma convivência pacífica, mesmo no contexto de medidas protetivas.
Palavras-chave: Guarda, Divórcio, Medida Protetiva, Filhos
ABSTRACT
The current course conclusion work seeks to explore the rights and duties of the parents in relation to children, while ponders the rights of spouses during the marriage. Furthermore, discuss how the best interest of children’s principle influences the choice of the guard modality. The study is not limited to divorce itself, but also addresses the challenges which concession of protective measures may carry on the determination of guard and coexistence type with the children. Using the bibliographic research methodology, the current work focus on analyzes the child’s role and its interest in the decision about the guard, beyond investigate ways to promote a pacific coexistence, even in the context of such measures.
Keywords: Guard, Divorce, Protective measure, Children
1. INTRODUÇÃO
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – no Brasil, no ano de 2022 (último censo contabilizado), foram registrados 340.459 (trezentos e quarenta mil e quatrocentos e cinquenta e nove) ações de divórcio judiciais em 1ª instância e 79.580 (setenta e nove mil e quinhentos e oitenta) no tabelionato de notas de forma extrajudicial. Dentre todos os divórcios realizados no território nacional, de acordo com a Tabela 5929 do IBGE, ao todo, 159.852 (cento e cinquenta e nove mil e oitocentos e cinquenta e duas) dessas separações eram de casais que possuíam filhos menores de idade.
Com tamanha demanda no Direito de Família e notada a exorbitante quantidade de casais que possuíam filhos, necessário se faz saber como realizar a dinâmica da convivência familiar no contexto de apuração de violência doméstica, notadamente quando se tem decretada a medida protetiva de urgência. Ademais, a situação fica ainda mais crítica ao ter que lidar com o sensível tópico da violência doméstica e como ela é capaz de afetar psicologicamente tanto os pais quanto os próprios filhos.
No último levantamento realizado pelo DataSenado em 2023 na Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, 21.787 (vinte e uma mil e setecentos e oitenta e sete) brasileiras foram entrevistadas em todo o território nacional. Dessa pesquisa foi possível constatar que 30% das mulheres entrevistadas já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica praticada por um homem e, além do mais, 50% das entrevistadas afirmaram que o episódio já ocorreu 04 vezes ou mais.
Prevista entre os arts. 22 a 24 da Lei nº 11.340, nominada de Lei Maria da Penha, a medida protetiva é um direito criado pelo legislativo que visa evitar a aproximação e, com isso, prevenir possíveis episódios de violência. Desse modo, inúmeras restrições são impostas ao agressor, como, por exemplo, a fixação de um limite mínimo de distância a ser respeitado e a proibição do contato com a vítima.
Todavia, apenas no ano de 2020 foram registrados 1.350 (mil trezentos e cinquenta) casos de feminicídio no Brasil, de acordo com o Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ainda pela mesma pesquisa, constata-se que em 80% (oitenta porcento) desses casos foram cometidos contra mulheres que eram mães.
É de se considerar que as vítimas de violência doméstica buscam as vias judiciais não apenas para o deferimento da medida protetiva, mas também para pôr fim a suas relações, uma vez que foi dada maior atenção, proteção e celeridade processual para as ofendidas, como se observa no disposto do art. 19, §1º, da Lei Maria da Penha, podendo, inclusive, ser deferida tanto pelo juízo cível quanto penal, como preconiza o §5º do mesmo dispositivo. In verbis:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
Com a dinâmica extremamente complexa de uma ação de guarda e convivência concomitante com o deferimento de uma medida protetiva, as partes no divórcio ficam em situação delicada, mas há que se pensar também na perspectiva dos filhos, sobretudo, quando crianças ou adolescente em desenvolvimento.
Para melhor atender os interesses da criança e preservar um bom desenvolvimento, o legislador fixou a guarda compartilhada como regra geral no ordenamento jurídico , resguardada pelo art. 1.584, §2º, do CC. Tal modalidade consiste no compartilhamento total de cuidado com o filho entre o pai e a mãe, mesmo após o fim da relação, possibilitando que ambos os genitores permaneçam conectados e cuidando da criança, conforme fixa o art. 1.583, §2º, do CC, como descrito à seguir:
§2º. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Todavia, apesar do fato de garantir os interesses da criança e dar a ela uma convivência equilibrada com os pais ser um dever dos genitores, o cumprimento dessa obrigação parental pode se tornar dificultoso quando uma medida protetiva é deferida. Ter que balancear o convívio com o filho e, ao mesmo tempo, respeitar a medida de segurança monta um cenário complexo para se lidar, ainda sendo necessário resguardar a saúde mental de todos os envolvidos.
Assim sendo, por meio da pesquisa bibliográfica, busca-se analisar a importância do direito da criança no contexto do deferimento da modalidade de guarda nos casos de violência doméstica, compreender o princípio que prega o melhor interesse dos filhos e questionar em que medida a legislação dá conta de equilibrar as medidas legais à suposta vítima.
Ao final do presente estudo pretende-se chegar a uma conclusão satisfatória sobre a problemática dos casais que se divorciam na esfera judicial, mas que anteriormente buscaram a esfera penal para verem deferida a medida protetiva e como, após o divórcio, torna-se possível conciliar uma boa relação de ambos os pais com o filho, mesmo havendo as restrições legais impostas pela medida protetiva.
2. DOS DIREITOS E DEVERES DOS PAIS, FILHOS E CÔNJUGES
A Magna Carta Brasileira disciplina, em seu art. 226, a proteção da família, dando a ela uma camada de proteção especial por parte do Estado. Ou seja, esse deve prezar e usar de todos os seus esforços para manter o pilar familiar íntegro e sadio, devendo criar “mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, como se observa na letra do §7º do art. 226 da CRFB.
Todavia, a participação estatal no âmbito familiar não é absoluta, sendo limitada pelo mesmo texto do §7º supramencionado, uma vez que o planejamento familiar é de exclusiva e livre regulação de seus integrantes, devendo ser fundado nos basilares princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.
O primeiro desses princípios vem acompanhado de reconhecimento constitucional no art. 1º, III, da CRFB, trazendo consigo um resguardo maior da integralidade humana e, para Dimas Messias de Carvalho (2019, p. 98), a dignidade da pessoa humana está intrinsecamente ligada ao Direito de Família, uma vez que:
A dignidade do homem tornou-se assim indissociável das constituições democráticas, que por sua vez são indissociáveis dos preceitos basilares dos direitos humanos. Os homens são livres e iguais em dignidade e direitos. Demonstra-se, dessa forma, que o direito de família está intrinsecamente ligado aos direitos humanos e à dignidade, o que tem resultado no reconhecimento jurídico da igualdade do homem e da mulher, de outros modelos de constituição de família, e na igualdade dos filhos, independente da origem.
Igualmente relevante, o princípio da paternidade responsável torna dever dos pais prezarem pelo bom desenvolvimento de seus filhos, sendo um dever legal o provimento material, moral e afetivo, independentemente da relação dos cônjuges entre si, afinal, como leciona Dimas Messias de Carvalho (2019, p. 115), “os pais não divorciam dos filhos, mas do cônjuge ou do companheiro”. Assim, a construção de um lar sadio é objetivo do Estado, de modo que a ofensa a esse pressuposto afeta tanto os cônjuges quanto os filhos, bem como também o próprio Estado.
E não só a entidade familiar teve um estudo mais aprofundado pelo legislador, como também cada um de seus integrantes. Dessa forma, os filhos, que não necessariamente são essenciais para se formar uma família, mas precisando eles de uma para se desenvolverem, ganham os olhares do Estado no art. 227 da CRFB, onde são detentores de inúmeros direitos, quais sejam:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desta feita, dentro da família os filhos têm o direito de serem protegidos pelos seus guardiões. Ter a guarda dos filhos significa prezar pelo seu bom desenvolvimento, dando-lhe acesso pleno à educação, cultura, lazer e afins. Tais caracteres tem força de lei, sendo um direito da criança e do adolescente e conjuntamente um dever dos pais aos quais exercem a guarda de seus filhos, legislado pelo artigo supramencionado.
Ademais, este dever é reforçado novamente pela letra do art. 229 da CRFB, afirmando que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (BRASIL, 1988). Além de que os detentores da guarda do infante são obrigados a lhe prestarem assistência material, moral e educacional, como legislado pelo art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 – ECA.
Desse modo, a criança se revela tão detentora de direitos próprios dentro do círculo familiar que um dos princípios revolucionários do Direito de Família é o chamado Princípio do Melhor Interesse da Criança. Basicamente, nele é reforçado o “poder” que os filhos possuem no momento de tomadas de decisões que possam afetar a vivência e harmonia da família, equiparando as crianças aos seus próprios pais. Para ser tomada alguma decisão de peso que afete o círculo familiar, não só os pais devem sopesar as suas vontades, como também as crianças devem ser ouvidas e os seus desejos devem ser postos em equidistância aos desejos dos cônjuges.
Em outra perspectiva, os pais, como cônjuges, também carregam seus próprios direitos e deveres mútuos, que são basilares para se manter um relacionamento contínuo e respeitoso, esse que influenciará diretamente o desenvolvimento dos infantes.
Desse modo, apregoa o legislador no art. 1.566 do CC que ambos os cônjuges possuem os deveres recíprocos de fidelidade, vida compartilhada, assistência mútua, cuidado para com os filhos e respeito. Além de que é expressamente previsto no art. 1.567, também do CC, que “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”.
Assim, ficam estabelecidas diretrizes a serem seguidas para o bom mantimento da entidade familiar. Todavia, a possibilidade de divórcio é plenamente regulamentada na legislação pátria, encontrando base no art. 1.571, IV, do CC. Entretanto, não se pode perder de vista que, quando divorciados, os deveres dos pais perante seus filhos não se extinguem, uma vez que, como leciona Rodrigo da Cunha Pereira (2022, p. 246):
Independente da convivência ou relacionamento dos pais, a eles cabe a responsabilidade pela criação e educação dos filhos, pois é inconcebível a ideia de que o divórcio ou término da relação dos genitores acarrete o fim da convivência entre os filhos e seus pais
Com isso, findada a relação conjugal, um delicado tratamento precisará ser feito nas vias jurídicas e fáticas para que tanto as vontades dos pais quanto a dos filhos sejam ouvidas, afinal, pelo princípio do melhor interesse da criança, seus interesses precisam ser levados em consideração na tomada de decisões.
3. DA INDICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA COMO FORMA DE PRESERVAR O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
A legislação até o momento apresentada revela como foco a prole e dita sobre a obrigação dos guardiões da criança ou do adolescente de prestar-lhe os devidos cuidados para um bom desenvolvimento. Todavia, a questão se torna mais complexa quando se vê cumprida todas aquelas obrigações, mas em relação à vida conjugal, esta encontra-se dilacerada.
O princípio do melhor interesse da criança trouxe consigo a mudança, mesmo que gradativa, do que antes era o “pátrio poder”. Em se tratando do esquema familiar atual, não há mais que se falar em “poder”, mas, sim, em “autoridade”. Essa é horizontal, sem hierarquias, onde todos os membros estão equiparados, enquanto aquela cria uma escala vertical, sempre devendo ser obedecida do mais forte para o mais fraco. Para Paulo Lôbo (2018, p. 213) a autoridade familiar é formada por deveres e direitos recíprocos.
Ainda que a guarda do filho esteja sob a detenção de apenas um dos pais, a autoridade parental deve ser exercida por ambos. Com a separação dos cônjuges, mesmo que apenas um deles tenha a convivência rotineira com o filho, o outro pai permanece com os direitos e deveres de proteção perante sua prole, não ficando apenas com o direito de visita/convivência. O art. 1.579 do CC estabelece que, mesmo após o divórcio, os direitos e deveres dos pais perante os filhos não serão modificados.
De acordo com Paulo Lôbo, o direito à companhia “não pode ser exercido contrariamente ao interesse do filho”, ainda sendo que apenas um dos pais seja seu guardião legal “o filho tem direito à companhia de ambos” (2018, p. 217). Assim, ao se estabelecer o regime de guarda e visitas, deve se analisar não somente as condições dos genitores, mas também, na medida do possível, a vontade das crianças.
Como bem figuram Valerio Pocar e Paola Ronfani (2001, p. 207) a relação familiar não deve mais ser vista graficamente como uma pirâmide, estando a prole na posição mais baixa; mas, sim, como um círculo, em que os filhos habitam a posição central da relação, sendo o exterior cercado pelos genitores.
Tendo o importante papel do bem-estar das crianças em mente, as Leis nº 13.058/2014 e 14.713/22023 reformaram certos termos acerca da guarda compartilhada. Tal modalidade surge como alternativa ao regime de guarda unilateral, para combater os malefícios que tal regime traz aos infantes.
Os novos termos trazem consigo o efeito de prestigiar a modalidade compartilhada de guarda, informando no §2º do art. 1.583 que “o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”, proporcionando, assim, óbvia participação de ambos os genitores na vida e desenvolvimento do infante.
Além do mais, mesmo que o pai não esteja sob a guarda de fato da criança, ele ainda tem o direito de visitar seu filho e ter informações prestadas sobre sua vivência, como prevê o art. 1.589 do CC. Ademais, como leciona a jurista Maria Berenice Dias (2021, p. 384), a modalidade da guarda compartilhada é a única que “garante, de forma efetiva, a corresponsabilidade parental, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla participação dos dois na formação e educação do filho, do que a simples visitação não dá espaço”.
Desse modo, a escolha da guarda compartilhada faz com que, mesmo após a quebra do vínculo matrimonial do casal, ambos os pais ainda possam ter em sua companhia os seus filhos, lhes visitando e convivendo em conjunto. E ainda na análise fria dos termos legais, a Lei nº 14.713/2023 trouxe uma alteração para o texto legal do CC em seu art. 1.584, §2º, a qual estabeleceu a guarda compartilhada como regra nos casos de divórcio.
Todavia, o mesmo dispositivo impõe a modalidade unilateral apenas quando “um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.” (BRASIL, 2023). Com o exposto, é notório que o regime unilateral é adotado apenas em questões excepcionais.
Em resumo, alternativamente à unilateral, na guarda compartilhada, ambos os pais ficam responsáveis pela tomada de decisões na vida da criança, mantendo firme, mesmo após o divórcio, os seus papeis de tutores e guias. Todavia, é necessário frisar que, mesmo com o regime unilateral, o genitor que não mantiver a guarda, ainda tem o direito de ficar ciente de todos os atos da vida de seu filho, podendo também gerar influência em sua criação.
Ou seja, a guarda unilateral não apaga por completo as influências do outro genitor na vida da criança, mas, mesmo assim, restringe a convivência familiar em um grau bastante elevado, como leciona o doutrinador Paulo Lobo (2018, p. 193).
Na ótica do professor supracitado, a guarda unilateral apenas fomenta a imagem de “pais de fins de semana”, ou seja, aqueles que só mantém contato com os filhos aos finais de semana e/ou feriados. Além de tudo, instiga a alienação parental, já que afasta o filho de um de seus genitores de forma drástica, sendo a criança obrigada a ser formada por apenas um dos pais.
Além das modalidades de guarda supramencionadas, vale ressaltar, em apertada síntese, o regime alternado, que seria uma espécie de guarda unilateral, assim como exemplifica o professor Dimas Messias Carvalho (2019, p. 526). Antes aceito pelos juristas, tal regime impõe a convivência alternada dos filhos com cada um de seus pais, ora residindo com um, ora com o outro.
Todavia, a guarda alternada logo se revelou prejudicial à criança, uma vez que, de acordo com pesquisas no âmbito da psicanálise exemplificadas por Dolto (1989, p. 74), a mudança constante de domicílio traz a quebra do continuum afetivo, espacial e social, ou seja, gera uma sensação de insegurança nos menores, o que, por óbvio, é prejudicial. E diferentemente da alternada, na guarda compartilhada desde já fica definido um lar de referência para o infante.
Com a observância do princípio do melhor interesse da criança, assim, resta comprovada a superioridade da guarda compartilhada em relação as demais, tanto é que no atual CC aquela é dita como regra, sendo a unilateral instaurada apenas quando um dos genitores expressa rigorosamente que não deseja a guarda de sua prole e a alternada não mais sendo recomendada no mundo fático.
4. DA APURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS AO INFANTE
Igualmente resguardada pela legislação nacional, assim como os filhos, a mulher tem seus próprios direitos assegurados dentro da relação familiar. A própria Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – traz, no texto de seu art. 2º, que a toda mulher brasileira são dados “direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social” (Brasil, 2006).
Além do mais, é dever do Estado garantir que a mulher se encontre livre de qualquer tipo de ameaça ou violência, tanto na esfera domiciliar, quanto na esfera familiar, devendo ser usado o poder público para criar mecanismo de prevenção desses males, como bem figura o art. 3º, §1º da Lei Maria da Penha. Todavia, ainda assim o índice de problemas domésticos é extremo no país, como observado pelo resultado das pesquisas realizadas do DataSenado, em que 30% das entrevistadas se declararam vítimas de violência.
Para conferir maior segurança para as vítimas, além de ser uma forma eficiente de cessar com a violência doméstica, a Lei Maria da Penha contou com alterações dadas pela Lei nº 13.894/2019, a fim de facilitar a proposição da ação de divórcio por parte da vítima, podendo fazê-la diretamente no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme prevê o art. 14-A, caput, da Lei Maria da Penha. Vale destacar também que a vítima contará com assistência judiciária específica para ingressar com as ações, como notado no art. 9º, §2º, III de mesma Lei:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada em caráter prioritário no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), e em outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente, quando for o caso.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
III - encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.
Assim, o impasse dentro do núcleo familiar surge quando há caso de violência doméstica contra a genitora e, ao mesmo tempo em que esta busca as vias judiciais para verem cessadas as agressões, o sistema de justiça precisa conciliar os interesses e direitos dos filhos, notadamente com relação a guarda e convivência com o genitor ao qual se apura o delito de violência doméstica.
Desse modo, monta-se um quadro delicado em que se preza pela segurança da mulher, decretando com frequência medidas protetivas, dentre elas o afastamento do lar e a proibição de se aproximar da mulher. Entretanto, é necessário considerar o cenário e proteção dos direitos do infante e adolescente, com relação a convivência familiar com o suposto agressor.
De acordo com dados apresentados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, até metade do ano de 2022, houve o crescente número de mais de 31.000 (trinta e uma mil) denúncias de violência doméstica ou familiar contra mulher no Brasil. Não necessariamente todas estas 31.000 (trinta e uma mil) denúncias de violência doméstica ou familiar vieram de mulheres que tinham filhos, mas, de acordo com Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020 houve 1.350 (mil trezentos e cinquenta) casos de feminicídio no país, sendo que 80% (oitenta por cento) das vítimas eram mães.
Em outros termos, a violência doméstica contra a mulher é uma questão de segurança pública nacional e, em alguns casos, essa violência pode se dirigir aos filhos ou serem esses expectadores do cenário de violência, o que pode provocar danos ao seu bom desenvolvimento. Isso, por si só, contraria os deveres fundamentais dos pais perante os filhos, que deveriam prezar pelo crescimento sadio do infante.
É fato que uma criança que seja obrigada a crescer e se desenvolver em um lar desconstituído de paz interfere bruscamente em sua saúde mental. Visando explicar as consequências que a mera observação de atos de violência traz para o cérebro, o psicólogo canadense Albert Bandura (2017) desenvolveu a chamada Teoria da Aprendizagem Social. Essa linha teórica defende que o aprendizado poderá vir por meio de mera observação e convívio por parte do “aluno”. Assim, aquilo que o observador presenciar poderá interferir gravemente em suas ações futuras.
Com isso em mente é possível aferir que a criança, mesmo que não seja a vítima direta das violências, é muito provável que tenha prejuízos no seu desenvolvimento saudável.
Desse modo, é possível questionar se, nesse caso, a guarda compartilhada é a mais recomendável e se ela é ainda possível nesse contexto. Isso porque o sistema legal brasileiro elenca o princípio do melhor interesse da criança e, nesse contexto, torna-se desafiadora a logística de manter um convívio pleno com o suposto agressor, de modo a ele participar das decisões relativas à sua prole sem pôr em xeque o afastamento imposto pela medida protetiva.
Assim, apesar do regime compartilhado de guarda trazer variados benefícios para os menores, este instituto acaba por entrar em grave conflito a medida protetiva de urgência.
É notório que a medida protetiva é hoje o principal instrumento para impor barreiras e limites ao investigado de violência doméstica familiar, sendo elas:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Após o deferimento de uma medida protetiva de urgência, direito esse dado à mulher vítima de violência para assegurar que os episódios de violência não ocorram novamente, voltar a manter contato com investigado é algo, na maioria das vezes, não desejado e nem recomendado.
Mas, apesar dos casos de violência serem concretos, com relação aos filhos dessa relação, a presença da figura paterna continua sendo um dever e um direito, fundamental ao desenvolvimento do infante. As medidas protetivas não podem ser utilizadas para apagar a existência do pai, servindo tão somente à proteção da integridade física da vítima de violência doméstica.
Não é difícil observar casos em que o homem é violento apenas com sua esposa, não sendo com seus filhos. Assim, afastar esse pai dos cuidados, responsabilidades e deveres com os filhos não é a solução dos problemas, ao contrário, é criadora de outros. Assim, da ocorrência de violência doméstica nasce a discussão sobre a guarda do infante, com todas as peculiaridades já narrados.
Por isso, no ano de 2023 foi sancionada a Lei nº 14.713/2023, que altera o art. 1.584, §2º, do CC, abrindo a possibilidade do deferimento de guarda unilateral pelo magistrado quando comprovada a ocorrência de algum tipo de violência no âmbito familiar.
Todavia, apesar de tal modulação, à priori, demonstrar maior segurança para as partes, necessário reforçar que há a possibilidade da medida protetiva ser deferida apenas em favor da mulher e não necessariamente ser estendida aos infantes. A guarda dialoga com o tempo de vivência e contato dos pais com seus filhos, desse modo, caso não seja comprovado o real risco contra as crianças e as alegações contra o agressor sejam genéricas, não há motivação para a concessão da guarda unilateral e o cerceamento de convívio entre familiares.
Assim, apesar das medidas de distanciamento serem de extrema necessidade à proteção às vítimas, pensando no melhor interesse da criança, o deferimento da guarda unilateral pode ter como consequência prática atos de alienação parental, que, caso ocorra, irá violar diretamente os princípios constitucionais e direitos fundamentais das crianças de se ter uma relação saudável com o meio familiar, além de ser considerado abuso moral e descumprimento dos deveres paternos, como bem leciona o texto do art. 3º da Lei nº 12.318/2010:
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Desta feita, é crucial trazer à baila novamente o princípio do melhor interesse da criança, para fazer entender que não apenas a situação dos cônjuges importa na tomada de decisões, mas a criança deve ser posta em equidistância de direitos na definição de guarda no contexto de violência doméstica.
Além disso, é importante ressaltar que o contato direto entre os ex-cônjuges, após a concessão da medida protetiva, é proibido por força da decisão judicial. Assim, para auxiliar no translado do infante do lar da mãe até o pai e para se certificar que a criança está em segurança com a figura paterna, a legislação prevê as possibilidades de visitação assistidas, constadas no art. 4º, parágrafo único da Lei nº 12.318/2010, deferidas apenas quando provada a alienação parental, assim descritas:
Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida no fórum em que tramita a ação ou em entidades conveniadas com a Justiça, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Todavia, a jurisprudência brasileira já adota as hipóteses de convívio assistido além dos casos em que foi constatada a alienação parental, sendo concedida também para os casos em que há histórico de comportamento violento por parte do genitor. Assim, veja-se:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIVÓRCIO, ALIMENTOS E GUARDA - REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL - VISITAS ASSISTIDAS PELO CONSELHO TUTELAR - A fixação do exercício de convívio deve ser realizada observando-se o melhor interesse da criança - Demonstrado comportamento agressivo pelo genitor e o envolvimento com drogas, revela-se, razoável, a princípio, a concessão do direito de visitas de modo assistido.
(TJ-MG - AC: 10000220734404001 MG, Relator: Maria Luiza Santana Assunção (JD Convocada), Data de Julgamento: 07/07/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 08/07/2022).
Com isso, nota-se que a abrangência da convivência assistida, no mundo fático, vai além dos casos de alienação parental, sendo usado também para dar razão ao melhor interesse da criança, como bem figura o excerto do julgado acima.
Assim, para resguardar o infante de qualquer perigo, dar a ele a oportunidade de manter contato com o pai e evitar a comprovada alienação parental, o legislador previu a possibilidade das visitas assistidas por meio do art. 4º, parágrafo único da Lei nº 12.318/2010. Entretanto, a visitação assistida tem a possibilidade de ser expandida, como visto no entendimento jurisprudencial transcrito acima, para além dos casos em que houve a alienação, possuindo maior abrangência.
Afinal, o direito de convivência é tanto dos pais quanto do próprio filho e há grande necessidade da presença de uma figura paterna no cotidiano, pois, para Winicott (1958), a criança, no começo de sua infância, possui uma ligação praticamente simbiótica com a mãe, e então deve o pai estar presente em seu desenvolvimento até que a criança o perceba e consiga se distinguir da figura materna. Desta forma, o pai é de grande valia para que o infante crie uma noção de independência (Winnicott, 1958).
Todavia, ineficaz seria dar ao infante apenas o direito de visitas acompanhadas com o pai, se ao momento do divórcio ele mesmo não fosse ouvido e suas vontades não fossem levadas em conta. Para tanto, corrobora o art. 12 da Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças que é inerente ao infante o direito de poder manifestar suas vontades e anseios em qualquer processo que o afetar, in verbis:
Artigo 12: 1. Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança. 2.Para tanto, a criança deve ter a oportunidade de ser ouvida em todos os processos judiciais ou administrativos que a afetem, seja diretamente, seja por intermédio de um representante ou de um órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional (Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, 1989).
Ademais, a melhor jurisprudência também já defende casos em que o infante poderá, no processo de divórcio dos pais, vir a servir como testemunha para ser ouvida em juízo. Vale frisar que não deve estar configurado o impedimento ou a suspeição da testemunha, uma vez que esta não mantém pretensão de favorecer uma das partes mais do que a outra. É como leciona o STJ no julgamento do REsp 1947751/GO:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PROVA TESTEMUNHAL. FILHOS DO CASAL LITIGANTE. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O propósito recursal diz respeito a definir se os filhos comuns do casal são impedidos de atuar como testemunha no processo de divórcio dos pais.
2. A prova testemunhal possui destaque entre os meios de prova, pois a mais usual na prática forense, sendo as testemunhas verdadeiras auxiliares do Juízo. Contudo, não é um meio de prova infalível, porquanto as experiências efetivamente vivenciadas, direta ou indiretamente, pelas testemunhas, podem vir influenciadas por variados juízos de valor pessoal.
3. As hipóteses de impedimento e suspeição da testemunha partem do pressuposto de que a testemunha tenderia a dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico.
Assim, não se verifica uma parcialidade presumida quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer um dos litigantes em detrimento do outro.
4. Ademais, o art. 447, §§ 4º e 5º, do CPC/2015 prevê que, sendo necessário, pode o Magistrado admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas, hipótese em que os depoimentos serão consentidos independentemente de compromisso e lhes serão atribuído s o valor que mereçam.
5. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp n. 1.947.751/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 28/4/2023.)
Desse modo, a decisão da guarda não será baseada apenas nos interesses dos cônjuges. Um quadro de violência doméstica contra a mulher com posterior deferimento de medida protetiva, torna, por vezes, mais provável o deferimento da guarda unilateral em favor da mãe. Mas é preciso lembrar de todo o lastro probatório que justifica a qualidade de uma guarda compartilhada, principalmente quando observada a necessidade de uma criança crescer tendo uma figura paterna.
O julgamento favorável da cláusula de guarda unilateral se distancia de uma alienação parental de forma tênue. Assim, afastar um dos genitores sem antes ouvir a criança é negar-lhe o direito de expressão. Com isso, necessário se faz estudar o quadro fático dos trágicos acontecimentos relacionados à mãe, mas, ao mesmo tempo, dar espaço para a criança não perder a essência de família.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato que a entidade familiar se torna essencial para a vida em sociedade e o Estado entende isso, tanto é que cria mecanismos de proteção para vê-la íntegra. O art. 226 da CRFB já leciona que a família é a base da sociedade e por isso deve ser foco de proteção. Cada membro que compõe essa estrutura possui direitos e deveres a serem cumpridos, para que não se perca a harmonia. Os filhos e mulheres principalmente, estas tanto como cônjuges, que devem auxiliar na direção e tomada de poder familiar, quanto como indivíduos em si.
E apesar da hipótese de divórcio estar plenamente regulamentada na legislação brasileira, no art. 1.571, IV, do CC, a dissolução da sociedade conjugal não põe fim aos deveres e direitos dos pais perante os seus filhos. Para tanto, visando proporcionar a manutenção do contato do infante com ambos os pais, mesmo após o divórcio, e ver cumprido o princípio do melhor interesse da criança, surge a cláusula de guarda compartilhada, amplamente defendida pelo legislador.
Prevista no art. 1.583, §2º do CC, a guarda compartilhada não exclui de nenhum dos pais o poder familiar que possuía sobre o filho à época antes do divórcio e busca manter o relacionamento ativo entre infante e genitor. Alternativamente, a guarda unilateral também é possível, todavia não recomendada e deferida apenas nos casos de expressa vontade de um dos pais de assim tê-la, uma vez que pode fomentar o distanciamento entre pai e filho.
Assim, em um quadro ideal, a guarda compartilhada é a modalidade recomendada a ser tomada pelas partes, por proporcionar um cenário mais favorável ao desenvolvimento do filho. Todavia, pela ótica dos pais, a depender do caso concreto, manter o antigo parceiro por perto convivendo com o filho pode soar como um cenário perigoso, como é o caso de mulheres que mantém medidas protetivas de urgência contra os ex-maridos.
Regulada pela Lei Maria da Penha, a medida protetiva pode ser deferida para resguardar a integridade da vítima de violência doméstica ou familiar, criando diversificados métodos de distanciamento e proteção para a ofendida. Em um país em que a já mencionada Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher aponta que 30% das mulheres já sofreram agressões domésticas, a violência doméstica também deve ser considerada na tomada da guarda do infante.
Fazer uma mulher voltar a manter contato com seu agressor, mesmo após finalmente ver cessada a união conjugal, viola as cláusulas de contato estabelecidas pela medida protetiva antes deferida. Desse modo, conciliar o princípio do melhor interesse da criança com a segurança da mulher torna-se de difícil tarefa.
Desse modo, para fazer valer a melhor modalidade de guarda prevista no direito de família e proporcionar que o infante tenha contato com uma figura paterna e evitar o distanciamento do filho com seu pai, necessário se faz ouvir a criança e colocá-la em igualdade de direitos perante os pais no momento da tomada de decisão da modalidade de guarda.
Assim, ouvido o infante, o magistrado estará apto a decidir pelo melhor caminho, lembrando que, independente de qual regime decidir, pende ainda a desafiadora logística de convivência quando medidas protetivas são impostas, necessitando da intermediação por terceiros, questão ainda não solucionada pela legislação e jurisprudência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim – FDCI.
2 Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Possui especialização em Direito Processual pela Escola Superior do Ministério Público do Espírito Santo. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim - FDCI. Extensão universitária "Law and Legal Systems of the United States" - Indiana University Robert H. McKinney School of Law (Indianápolis, EUA). Foi coordenadora de curso na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI). Atualmente Professora de Direito Civil e Processo Constitucional da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI). Advogada Sócia da Saraiva Silva Advogados.