IMPLEMENTAÇÃO DO IVA DUAL NO BRASIL: DESAFIOS À NEUTRALIDADE FISCAL, EQUIDADE E COOPERAÇÃO FEDERATIVA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15541294
Robson Luiz Magalhães Coutinho1
RESUMO
Este artigo analisa os desafios e implicações da Reforma Tributária brasileira (EC 132/2023), que institui um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, substituindo tributos indiretos fragmentados como ICMS, ISS, PIS e Cofins. O objetivo central é avaliar sua capacidade de simplificar o sistema, promover neutralidade fiscal e reduzir impactos regressivos, considerando obstáculos como disparidades regionais, complexidade operacional e tensões federativas. A metodologia baseia-se na análise documental da legislação, comparação com modelos internacionais (como a IVA canadense) e revisão de simulações de impacto socioeconômico. Os resultados indicam que, embora a reforma avance na harmonização tributária e eliminação da cumulatividade, sua eficácia é limitada por fatores como alíquotas elevadas (30,7%), regimes especiais setoriais e mecanismos compensatórios mal focalizados, como isenções da cesta básica. A experiência internacional sugere que a cooperação federativa e sistemas digitais integrados são críticos para evitar custos administrativos e litígios. Conclui-se que o êxito da reforma depende de ajustes regulatórios ágeis, consenso político para equilibrar autonomia regional e centralização, além de políticas redistributivas mais eficazes, como transferências diretas. Recomenda-se monitorar os efeitos sobre preços e desigualdade, bem como estudar modelos alternativos de compensação social, visando consolidar um sistema tributário transparente e equitativo.
Palavras-chave: Reforma Tributária. IVA dual. Equidade Fiscal.
ABSTRACT
This article examines the challenges and implications of the Brazilian Tax Reform (Constitutional Amendment 132/2023), which introduces a dual Value-Added Tax (VAT) system, replacing fragmented indirect taxes such as ICMS, ISS, PIS and Cofins. The primary objective is to assess its potential to simplify the tax system, promote fiscal neutrality, and mitigate regressive impacts, while addressing obstacles such as regional disparities, operational complexity, and intergovernmental tensions. The methodology relies on documentary analysis of legislation, comparisons with international models (e.g, the Canadian VAT), and a review of socioeconomic impact simulations. Results indicate that, while the reform advances tax harmonization and eliminates tax cascading, its effectiveness is constrained by factors such as high tax rates (30.7%), sector-specific exemptions, and poorly targeted compensatory mechanisms, such as exemptions for basic food baskets. International experience suggests that intergovernmental cooperation and integrated digital systems are critical to avoiding administrative costs and legal disputes. It is concluded that the reform’s success hinges on agile regulatory adjustments, political consensus to balance regional autonomy and centralizations, and more effective redistributive policies, such as direct cash transfers. It is recommended to monitor effects on prices and inequality, as well as to study alternative social compensation models, aiming to consolidate a transparent and equitable tax system.
Keywords: Tax Reform. Dual VAT. Fiscal Equity.
1 Introdução
A Reforma Tributária brasileira, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, emerge como uma proposta ambiciosa para substituir o sistema indireto fragmentado composto por impostos como ICMS, ISS, PIS e Cofins por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, inspirado em modelos internacionais como o canadense. Seu objetivo declarado é simplificar a estrutura tributária, reduzir custos de conformidade e corrigir distorções históricas, como a regressividade e a guerra fiscal entre estados (Silva, Lima, & Carvalho, 2024). Contudo, sua implementação enfrenta críticas substanciais quanto à capacidade de conciliar eficiência econômica com justiça social, harmonizar interesses federativos e evitar impactos regressivos persistentes, especialmente em um contexto marcado por desigualdades regionais e dependência de tributos sobre o consumo.
Apesar de prometer neutralidade tributária, princípio que visa evitar distorções nas decisões econômicas, a coexistência de regimes especiais, como isenções ao agronegócio e à Zona Franca de Manaus, revela tensões entre objetivos fiscais e políticos setoriais (Pestana, 2024). Além disso, a alíquota combinada estimada em 30,7% para o IVA dual (CBS e IBS) supera a média internacional, levantando preocupações sobre pressões inflacionárias e aumento da carga tributária efetiva (Bird & Gendron, 1998). Paralelamente, mecanismos compensatórios, como o cashback para famílias de baixa renda e a isenção da cesta básica, enfrentam desafios operacionais: simulações indicam que substituir isenções por transferências diretas ampliaria em 56% os benefícios aos mais pobres, evidenciando falhas de focalização (Siqueira, Nogueira, & Luna, 2021).
A complexidade federativa também representa um obstáculo crítico. A criação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), com representação paritária de estados e municípios, busca evitar conflitos, mas sua eficácia depende de cooperação em um cenário historicamente marcado por disputas fiscais. Como observado no Canadá, a harmonização entre tributos federais e provinciais exigiu décadas de ajustes, com resultados díspares: províncias como Quebec mantiveram sistemas autônomos, gerando custos administrativos 30% superiores aos de regiões com harmonização total (Bird & Smart, 2012). No Brasil, a transição até 2033 e a indefinição sobre critérios de repartição de receitas ampliam riscos de litígios e insegurança jurídica, especialmente para empresas que operam em múltiplos estados (Alexandre, 2024).
Diante desses desafios, questiona-se: como equilibrar a simplificação técnica com a equidade socioeconômica em um sistema tributário historicamente regressivo? E quais lições de modelos internacionais podem orientar a adaptação do IVA dual às singularidades federativas brasileiras? A análise dessas questões é fundamental para evitar que a reforma reproduza as mesas distorções que buscam resolver, reforçando a urgência de ajustes regulatórios e diálogo multinível para assegurar transparência, eficiência e justiça fiscal.
2 Desafios e Consequências da Reforma Tributária Brasileira: Lições do Modelo Canadense
A Reforma Tributária brasileira, materializada pela Emenda Constitucional n.132/2023, propõe substituir impostos complexos e cumulativos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, inspirado em modelos internacionais como o canadense. Apesar de seu objetivo declarado de simplificação e justiça fiscal, sua implementação enfrenta desafios significativos, especialmente em um contexto federativo marcado por disparidades regionais e históricas de centralização tributária (Silva, Lima, & Carvalho, 2024).
Complexidade Operacional e Neutralidade Fiscal
A proposta de unificar tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins em um IVA dual (CBS e IBS) visa reduzir a burocracia, que hoje consome 1.958 horas anuais para cumprimento de obrigações tributárias (Banco Mundial, 2018, citado em Silva et al., 2024). No entanto, a coexistência de dois sistemas (federal e subnacional) pode manter entraves. Como observa Alexandre (2021), a fragmentação de competências entre União, estados e municípios tende a gerar conflitos, especialmente na definição de alíquotas e na fiscalização. O modelo canadense, que harmoniza GST (federal) e QST/HST (provinciais), demonstra que a centralização parcial como HST reduz custos administrativos, enquanto a autonomia excessiva, como no Quebec, aumenta riscos de divergências (Bird & Gendron, 1998).
Impactos Regressivos e Justiça Social
A EC n. 132/2023 introduz princípios como “justiça tributária” para corrigir desigualdades regionais, mas persistem dúvidas sobre sua efetividade. A tributação “por fora” do IBS busca eliminar a cumulatividade do ICMS, que onera cadeias produtivas (Sachsida, 2015). Contudo, a ausência de alíquotas progressivas pode perpetuar regressividade, afetando grupos de menor renda. No Canadá, a isenção do GST para produtos essenciais atenua esse efeito (Costa Neto, 2018), estratégia não explicitada na reforma brasileira.
Redistribuição Federativa e Autonomia
A criação do Comitê Gestor do IBS busca equilibrar interesses estaduais e municipais, mas sua eficácia depende de cooperação algo historicamente frágil no Brasil.
Como alerta Lobo (2006), a perda de autonomia fiscal estadual, especialmente em incentivos fiscais, gera resistência política. O Canadá resolveu parte desse conflito com repartição clara de receitas do HST, baseada no consumo local (Bird & Smart, 2012). No Brasil, a EC n. 132/2023 prevê repasses via Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, mas sua operacionalização ainda é incerta.
Adaptação Empresarial e Incertezas Legais
A transição para o IVA exigirá mudanças contábeis e tecnológicas das empresas, especialmente nas regras de créditos e débito. A experiência canadense mostra que sistemas digitais integrados são essenciais para evitar fraudes (Costa Neto, 2018). No entanto, a falta de regulamentação detalhada na EC n. 132/2023 como critérios para definição do “local de destino” cria insegurança jurídica. Além disso, a constitucionalidade da reforma pode ser questionada no STF, especialmente quanto à cláusula pétrea da autonomia federativa (Silva et al., 2024).
A Reforma Tributária brasileira avança ao adotar um IVA dual, mas replicar o sucesso canadense exigirá superar desafios estruturais. A harmonização de alíquotas, a cooperação federativa e a regulação detalhada são críticas para evitar que a simplificação proposta se perca em nova complexidade. Como destacam Bird e Gendron (1998), em federações, a eficácia do IVA depende menos do modelo técnico e mais da capacidade política de equilibrar autonomia e centralização. O Brasil, com suas singularidades, precisará adaptar essas lições para não repetir erros históricos.
3 Avaliação do Impacto Distributivo da Reforma Tributária Indireta no Brasil: Desafios e Implicações da PEC 45/2019
Formulação da Problemática
O sistema tributário indireto brasileiro, marcado por complexidade e múltiplos impostos como ICMS, PIS, Cofins, IPI e ISS, há muito é criticado por seu impacto regressivo e ineficiência administrativa (Siqueira, Nogueira, & Luna, 2021). A recente Emenda Constitucional EC 132/2023, derivada da PEC 45/2019, propõe simplificar essa estrutura mediante a introdução de um sistema dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) a Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS) para tributos federais e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para estaduais e municipais, além de impostos seletivos sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Embora a reforma prometa maior equidade fiscal e redução de custos de conformidade, sua capacidade de resolver a regressividade histórica e os desafios operacionais permanece incerta.
As simulações de Siqueira et al. (2021) revelam que o sistema tributário indireto vigente impõe uma carga desproporcionalmente maior sobre famílias de baixa renda, apesar de isenções e alíquotas reduzidas supostamente destinada a promover equidade. As alíquotas diferenciadas e isenções da reforma aprovada, embora voltadas a mitigar a regressividade, podem inadvertidamente perpetuar desigualdades ao beneficiar grupos de maior renda por meio de reduções tributárias em serviços majoritariamente consumidos por populações mais ricas. Por exemplo, a Reforma 3 do estudo inspirada na EC 132/2023 demonstra que, embora a isenção da cesta básica beneficia famílias de baixa renda, outras medidas, como alíquotas reduzidas para serviços profissionais, privilegiam principalmente estratos mais abastados, limitando a eficácia redistributiva da reforma (Siqueira et al., 2021). Em contraste, um IVA uniforme combina mecanismos de cashback direcionado (Reforma 2) mostra maior potencial para reduzir pobreza e desigualdade, evidenciando o dilema entre simplicidade política e intervenções focalizadas de bem-estar.
Contudo, incertezas críticas persistem. A dependência da reforma em leis complementares para definir itens complementares para definir itens isentos e bases de impostos seletivos introduz ambiguidade, dificultando avaliações precisas de impacto (Siqueira et al., 2021). Além disso, a complexidade administrativa de gerenciar múltiplas alíquotas e regimes especiais ameaça comprometer a eficiência operacional da reforma. Esses desafios são agravados pela necessidade de neutralidade arrecadatória, que exige alíquotas-padrão mais elevadas quando isenções e reduções são implementadas, um fator que pode ampliar custos de conformidade e distorções econômicas.
Diante dessas considerações, esta análise ressalta a necessidade de avaliar criticamente o desenho e as estratégias de implementação da reforma. Questões centrais incluem: Como o Brasil pode equilibrar a simplificação do sistema tributário com a redistribuição equitativa? Quais mecanismos como cashback versus isenções são mais eficazes para mitigar impactos regressivos? E em que medida decisões legislativas pendentes influenciarão o sucesso da reforma? Responder a essas questões é vital para garantir que a reforma alcance seus objetivos duais de eficiência e equidade sem gerar consequências socioeconômicas indesejadas.
4 Desafios e Consequências da Reforma Tributária Brasileira: Uma Análise Baseada no PLP 68/2024
A proposta de Reforma Tributária no Brasil, materializada no Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, tem sido defendida como um mecanismo para simplificar o sistema tributário nacional e promover maior equidade fiscal. No entanto, sua implementação enfrenta questionamentos críticos quanto à capacidade de resolver distorções históricas, reduzir a complexidade operacional e evitar impactos regressivos sobre setores econômicos e grupos populacionais (Siqueira, Nogueira, & Luna, 2024). Este artigo analisa os principais desafios, incertezas e potenciais consequências da reforma, com ênfase em quatro dimensões: neutralização tributária, redistribuição da carga fiscal, harmonização federativa e adaptação empresarial.
Neutralidade e Carga Tributária
O PLP 68/2024 propõe a substituição de tributos indiretos por um sistema baseado na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e no Imposto Seletivo (IS). A alíquota de referência do novo sistema foi estimada em 37,9% (calculada “por fora”), valor significativamente superior às alíquotas efetivas de setores como energia elétrica (51%) e gasolina (49%) no regime vigente (Siqueira et al., 2024). Contudo, apenas 45,7% do consumo das famílias estaria sujeito exclusivamente a essa alíquota, enquanto o restante seria tributado por isenções, alíquotas reduzidas ou regimes específicos. Essa fragmentação compromete a neutralidade do sistema, pois setores estratégicos, como combustíveis e telecomunicações, terão reduções abruptas de carga, exigindo compensação via aumento da alíquota de referência. Além disso, a dependência de regimes diferenciados como o IS, cujas alíquotas foram arbitrariamente fixadas nas simulações introduz incertezas sobre a estabilidade da arrecadação (Siqueira et al., 2024, p. 6).
Impactos Redistributivos e Regressividade
A reforma prevê mecanismos de compensação, como o cashback para famílias de baixa renda, mas seus efeitos redistributivos são limitados. Simulações indicam que os 20% mais pobres teriam um ganho médio equivalente a 9% da despesa domiciliar, enquanto os 20% mais ricos sofreram aumento tributário de 2%. A isenção da cesta básica, por exemplo, mostrou-se mal focalizada: substituí-la por transferências universais geraria ganhos 56% maiores para os mais pobres (Siqueira et al., 2024, p.7). Esses resultados sugerem que políticas focalizadas, em vez de isenções amplas, seriam mais eficazes para reduzir a regressividade. Ademais, o Imposto Seletivo, embora reduza a alíquota de referência em 2,5 pontos percentuais, incide sobre produtos como bebidas alcoólicas e veículos, cujo consumo é proporcionalmente maior entre os mais ricos, mitigando parcialmente efeitos regressivos.
Complexidade Operacional e Adaptação Empresarial
Apesar dos discursos de simplificação, o PLP 68/2024 mantém regimes específicos para setores como serviços financeiros, hotelaria e transporte interestadual, com alíquotas que variam de 14% a 33% (Siqueira et al., 2024, p. 2). Essa heterogeneidade exige que empresas recalculem bases de incidência, adaptem sistemas contábeis e monitorem mudanças legais, especialmente em setores sujeitos ao IS. Além disso, a coexistência de CBS (federal), IBS (estadual/municipal) e IS pode gerar conflitos na redistribuição federativa de receitas, já que estados e municípios dependem de harmonização para evitar guerras fiscais. O estudo ressalta que a indefinição de parâmetros-chave como alíquotas finais do IS amplia riscos de litígios e custos de compliance (Siqueira et al., 2024, p.8).
A Reforma Tributária brasileira, embora ambiciosa, enfrenta desafios estruturais que podem limitar seus objetivos. A alta alíquota de referência, aliada à base tributária restrita, pressiona setores produtivos e ameaça a neutralidade do sistema. Os mecanismos de compensação social, como o cashback, têm efeito redistributivo modesto, enquanto a manutenção de regimes específicos perpetua a complexidade. Para garantir sucesso, é essencial calibrar alíquotas do IS, aprimorar a focalização de políticas sociais e estabelecer mecanismos claros de coordenação federativa. Como destacam Siqueira et al. (2024), a reforma “oferece apenas uma ideia de ordem de magnitude” (p. 7), exigindo ajustes contínuos para evitar distorções indesejadas.
5 Desafios da Reforma Tributária no Brasil: Neutralidade, Complexidade e Equidade na Era Pós-Emenda Constitucional 132/2023
A Reforma Tributária brasileira, materializada por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, tem sido apresentada como uma medida transformadora para simplificar o Sistema Tributário Nacional, reduzir os custos de conformidade e promover a justiça fiscal. Ao introduzir princípios como simplicidade, transparência e proteção ambiental (Brasil, 2023), a reforma visa substituir os tributos sobre o consumo fragmentados por um modelo dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Contudo, apesar de suas aspirações progressistas, a reforma enfrenta desafios críticos no enfrentamento das distorções históricas, na garantia da neutralidade e na mitigação dos impactos regressivos, especialmente durante sua fase de transição.
Uma das promessas centrais da reforma é a redução da complexidade operacional. O sistema atual, caracterizado por mais de 42.536 normas tributárias federais e uma média de 3,33 novas regras por dia útil (Instituição Fiscal Independente, 2024), obriga as empresas a dedicarem 1.501 horas anuais ao cumprimento das obrigações fiscais dez vezes mais que a média da OCDE (FENACON, 2023).
Embora o modelo de IVA busque unificar os tributos estaduais e municipais (ICMS e ISS) em um único sistema, a coexistência dos tributos antigos e novos durante o período de transição de 2026 a 2033 pode agravar o ônus de conformidade. Conforme ressalta Alexandre (2024), sistemas sobrepostos podem gerar um “caos temporário”, exigindo que as empresas naveguem por regimes duplos, retardando, assim, a esperada simplificação (p. 231).
O princípio da neutralidade tributária, consagrado no Artigo 156-A da Constituição alterada, também suscita ceticismo. A neutralidade pressupõe que os tributos causem distorções mínimas nas decisões econômicas, contudo a estrutura dual do IVA (IBS e CBS) pode favorecer inadvertidamente determinados setores. Por exemplo, as isenções concedidas ao agronegócio e à Zona Franca de Manaus (Brasil, 2023) perpetuam desigualdades regionais. Pestana (2024) alerta que “as alíquotas diferenciadas e regimes especiais, mesmo que reduzidos, comprometem a neutralidade” (p. 7), potencialmente distorcendo os fluxos de investimento. Ademais, os imposto seletivos (“imposto do pecado”) sobre bens ambientalmente nocivos introduz uma não neutralidade internacional, refletindo a tensão entre objetivos fiscais e metas regulatórias.
A natureza regressiva dos tributos sobre o consumo permanece uma preocupação crítica. Antes da reforma, os tributos indiretos consumiam 21,2% do orçamento das famílias de baixa renda, contra 10,9% para os grupos de alta renda (Instituição Fiscal Independente, 2024). Embora mecanismos como cashback e zero-rating para itens alimentares básicos busquem mitigar essa disparidade, sua eficácia depende de uma implementação robusta. Por exemplo, o sistema de cashback, que devolve parte dos tributos aos cidadãos de baixa renda, requer um direcionamento eficiente para evitar ineficiências burocráticas. Como enfatiza Machado (2011), “a justiça tributária depende da progressividade” (p. 50), contudo a regressividade inerente do IVA pode persistir caso as políticas complementares falhem.
A redistribuição de receitas entre entes federativos representa outro desafio. A reforma centraliza a administração tributária, mas impõe a partilha das receitas, o que pode tensionar a cooperação intergovernamental. Estados e municípios, historicamente dependentes do ICMS e do ISS, podem resistir a ceder controle, gerando conflitos quanto à autonomia fiscal. Além disso, a destinação de 5% das receitas do IBS aos municípios com base em indicadores ambientais (Brasil, 2023) introduz incertezas, visto que métricas para “preservação” ainda não foram definidas, podendo atrasar a liberação dos recursos.
Por fim, a adaptação das empresas ao novo sistema impõe obstáculos logísticos e financeiros. Pequenas empresas, já sobrecarregadas por custos com litígios (57% da receita anual contra 3,33% globalmente; Insper/CNJ, 2022), precisarão investir em sistemas contábeis atualizados e treinamento. Embora regimes simplificados para microempresas estejam propostos (Brasil, 2023), o sucesso da transição depende de legislações infraconstitucionais oportunas, como o Projeto de Lei Complementar 68/2024, ainda em debate no Congresso.
Em conclusão, embora a Emenda Constitucional 132/2023 estabeleça as bases para um sistema tributário mais justo e simples, seu êxito depende da resolução das ambiguidades operacionais, da garantia de implementação equitativa e da cooperação entre os diversos atores envolvidos. Sem o enfrentamento desses desafios, a reforma corre o risco de perpetuar as próprias desigualdades que pretende eliminar.
6 Desafios e Consequências da Reforma Tributária Brasileira: Uma Análise Crítica
A Reforma Tributária brasileira, promulgada em 2023 por meio da Emenda Constitucional n. 132, surge como resposta às críticas históricas ao sistema tributário nacional, marcado por complexidade, regressividade e falta de transparência. Apesar de seu objetivo declarado de simplificar a estrutura fiscal e promover justiça social, persistem questionamentos sobre sua capacidade de mitigar desigualdades e evitar impactos adversos sobre setores econômicos e grupos vulneráveis. Este texto analisa os principais desafios da reforma, com ênfase em sua neutralidade, redistribuição federativa de receitas e adaptação dos agentes econômicos ao novo modelo.
Complexidade e Regressividade do Sistema Anterior
O sistema tributário anterior, baseado em mais de 500 mil normas editadas desde 1988 (Amaral et al., 2023), concentrava-se majoritariamente na tributação indireta sobre o consumo, responsável por 44% da arrecadação total entre 2007 e 2022 (Pestana, 2024). Essa estrutura, contudo, apresentava caráter regressivo, penalizando os estados de menor renda. Como destacado por Buzatto e Cavalcante (2022), famílias com renda per capita de baixas. Tal desequilíbrio reforçava desigualdades sociais, já que 32% da população vivia abaixo da linha da pobreza em 2022 (IBGE, 2024).
O IVA Dual e a Promessa da Simplificação
A principal inovação da reforma é a introdução do IVA dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios. A proposta visa eliminar a cumulatividade e a “guerra fiscal” entre entes federados, centralizando a gestão tributária no Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) (Alexandre & Arruda, 2024). Contudo, estimativas apontam que a alíquota combinada do IVA dua poderá atingir até 30,7%, superior à média de 19% dos países da OCDE (Pestana, 2024). Isso levanta preocupações sobre o risco de aumento da carga tributária e potenciais efeitos inflacionários, especialmente em um contexto de transição prolongada (2026-2033).
Mecanismos de Mitigação da Regressividade
Para compensar a natureza regressiva do consumo, a reforma propõe três mecanismos: (1) Impostos Seletivo (IS), que incide sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente; (2) Cesta Básica Nacional, com alíquotas zero para alimentos essenciais; e (3) Cashback, que devolve parte dos tributos a famílias de baixa renda. Entretanto, críticas apontam limitações. O IS, inspirado no modelo norte-americano de sin tax, pode onerar pequenos empreendedores e não considera diferenças regionais (Smith, 2020). Já a Cesta Básica exclui proteínas animais e sal, contrariando recomendações do Ministério da Saúde (Brasil, 2024). Quanto ao cashback, sua eficácia depende de operacionalização precisa pela Receita Federal, além de limitar devoluções a 20%-50% do IBS e CBS (Alexandre & Arruda, 2024).
Redistribuição Federativa e Neutralidade
A reforma busca neutralidade ao extinguir benefícios fiscais estaduais e unificar legislações. No entanto, a centralização no CG-IBS, composto por 54 membros paritários (Brasil, 2024), gera incertezas sobre a capacidade de harmonizar interesses divergentes entre estados e municípios.
Adicionalmente, a extinção gradual do IPI e ICMS pode reduzir receitas de regiões dependentes de incentivos fiscais, como a Zona Franca de Manaus, cujo regime permanece até 2073 (Sabbag, 2024).
A Reforma Tributária de 2023 representa um avanço na simplificação do sistema, mas enfrenta desafios significativos para cumprir sua promessa de justiça fiscal. A elevada alíquota do IVA dual, a implementação fragmentada dos mecanismos compensatórios e a complexidade da transição fiscal sugerem que os impactos regressivos podem persistir. Como alertado por D’Araújo (2022), a transparência na tributação “por fora” reduz a ilusão fiscal, mas não garante equidade. Para que a reforma atinja seus objetivos, é essencial ajustar políticas como a inclusão de proteínas na Cesta Básica e ampliar o escopo do cashback, garantindo que a simplificação não aprofunde desigualdades preexistentes.
7 Considerações Finais
A Reforma Tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023, busca superar um sistema historicamente marcado por complexidade e regressividade, substituindo tributos fragmentados por um IVA dual. Seus objetivos centrais: simplificação, neutralidade fiscal e equidade enfrentam desafios estruturais que exigem análise crítica. A proposta demonstra potencial para reduzir custos operacionais e harmonizar disputas federativas, mas a coexistência de regimes especiais, a elevada alíquota combinada e a dependência de mecanismos compensatórios mal focalizados limitam sua eficácia redistributiva.
Conclui-se que o sucesso da reforma dependerá não apenas de ajustes técnicos, como a definição clara de critérios para repartição de receitas e regulamentação ágil, mas também de consensos políticos para equilibrar autonomia regional e centralização.
Recomenda-se que estudos futuros avaliem os impactos de longo prazo sobre preços, consumo, e desigualdade regional, além de analisar modelos alternativos de compensação social, como transferências diretas, para aprimorar a equidade. A implementação exigirá monitoramento contínuo, adaptação às dinâmicas econômicas e diálogo entre os entes federativos, evitando que a reforma se torne mais uma iniciativa promissora, porém inconclusa.
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1 Graduação. Especialização. Mestrando em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University.