IMPACTO DA TECNOLOGIA NO ENSINO DE ESL: PROTAGONISMO ESTUDANTIL E DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14560198
José Antônio da Silva Costa1
RESUMO
Este estudo procura investigar o potencial da tecnologia digital para revolucionar o ensino de inglês como língua estrangeira (ESL) no Brasil, um país com desafios significativos em relação ao acesso igualitário à educação e à proficiência em inglês. Considerando o crescente uso da internet e das mídias digitais no país, a pesquisa busca explorar como ferramentas digitais podem democratizar o ensino de ESL e promover o protagonismo estudantil. A pesquisa se baseia em uma revisão da literatura sobre Educação, Linguística e Neurociência, além das contribuições de teóricos como Paulo Freire, Larry Cuban, James Cummins e Stephen Krashen, entre outros. Através de uma abordagem qualitativa, o estudo analisa o impacto da tecnologia digital no ensino de ESL, considerando as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Resultados preliminares indicam que a tecnologia digital possui grande potencial para transformar o ensino de ESL, oferecendo novas possibilidades para o aprendizado personalizado, a colaboração entre estudantes e professores e o desenvolvimento de habilidades essenciais para o presente século. No entanto, a pesquisa também destaca a necessidade de investimentos em infraestrutura tecnológica, formação de professores e políticas públicas que incentivem o uso pedagógico da tecnologia.
Palavras-chave: Ensino de inglês. Tecnologia digital. Protagonismo estudantil. Democratização da educação. BNCC.
ABSTRACT
This study aims to investigate the potential of digital technology to revolutionize English as a Second Language (ESL) teaching in Brazil, a country facing significant challenges regarding equitable access to education and English proficiency. Given the growing use of the internet and digital media in the country, the research explores how digital tools can democratize ESL education and promote student agency. The study is grounded in a literature review on Education, Linguistics, and Neuroscience, as well as the contributions of theorists such as Paulo Freire, Larry Cuban, James Cummins, and Stephen Krashen, among others. Through a qualitative approach, the study analyzes the impact of digital technology on ESL teaching, considering the guidelines set by the National Common Curricular Base (BNCC). Preliminary results indicate that digital technology holds great potential to transform ESL teaching by offering new possibilities for personalized learning, collaboration between students and teachers, and the development of essential skills for the present century. However, the research also emphasizes the need for investments in technological infrastructure, teacher training, and public policies that encourage the pedagogical use of technology.
Keywords: English teaching. Digital technology. Student agency. Democratization of education. BNCC.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um país vasto e diverso, com desafios significativos em termos de acesso igualitário à educação, à internet e à proficiência em inglês. Estudos sobre proficiência em inglês, no país, apontam para uma realidade distante do ideal. Essa lacuna pode ser uma oportunidade, se levada em conta a expansão do acesso à internet e às mídias digitais.
Pesquisa realizada pela We are social e pela Meltwater, em 2022, revelou que, no Brasil, “gasta-se 9 horas e 32 minutos por dia olhando para a tela”2. São quase três horas acima da média mundial, segundo a pesquisa. Nesse contexto, podem existir oportunidades inexploradas para a aquisição de uma língua estrangeira, como o Inglês, em razão de seu uso global.
A transição do francês para o inglês como língua dominante, de relevância global, efetuou-se gradualmente e por diversos fatores. O francês ainda desfruta de prestígio cultural, mas o inglês se tornou a língua dominante em diferentes campos, incluindo a economia, a ciência, a tecnologia, a mídia e a educação superior.
A expressão “inglês como segunda língua” (ESL) diz respeito à aprendizagem do inglês por falantes não nativos em um ambiente em que o inglês não é a língua predominante. Trata-se de conveniência descritiva que não reflete adequadamente as situações de aprendizagem. Para lidar com essas limitações, há linguistas que preferem termos como “inglês como língua adicional” (ELA) ou “inglês como língua estrangeira” (EFL). Feitas essas observações, neste artigo, será utilizado ESL.
Paralelamente à expansão global da língua inglesa, outro fenômeno notável refere-se a avanços significativos nas áreas da Educação, Linguística e Neurociência, que impactaram grandemente não apenas, mas, sobretudo, o ensino e a aprendizagem de ESL.
Nas últimas décadas, o acelerado desenvolvimento tecnológico tem modificado a educação em todo o mundo, especialmente a tecnologia digital ou seu termo correlato, tecnologia da informação. É oportuno, pois, indagar sobre o potencial da tecnologia digital para influenciar positivamente o ensino de ESL, impulsionando tanto a democratização desse ensino quanto o protagonismo estudantil. Embora seja comum o uso de TIC e TDIC, neste artigo, optou-se por tecnologia digital.
Por meio de uma abordagem qualitativa, este artigo busca investigar o potencial da tecnologia digital para impactar o ensino de ESL, promovendo o protagonismo estudantil e a democratização da aquisição de ESL, no Brasil. À luz desse objetivo, planeja-se examinar o progresso da Educação, Linguística e Neurociência, com aportes ao ensino-aprendizagem de ESL. Por fim, intenta-se analisar tendências e o impacto da tecnologia digital para impulso positivo da Educação.
Como alicerce teórico, recorreu-se às contribuições de Paulo Freire (1996; 2008; 2018), quanto à democratização da educação e ao protagonismo estudantil, e de Larry Cuban (2015), sobre impacto da tecnologia digital na Educação. No campo do ensino de ESL, foram basilares as diretrizes da BNCC, somadas às perspectivas de James Cummins (1984) e Stephen Krashen (1982), entre outros, sem perder de vista que o ensino de ESL também foi moldado por teóricos da Educação, Linguística e Neurociência.
2 AVANÇOS EM EDUCAÇÃO, LINGUÍSTICA E NEUROCIÊNCIA
Avanço significativo nas áreas da educação, linguística e neurociência, em paralelo à evolução tecnológica, resultou em grandes mudanças no ensino, possibilitando a criação de metodologias mais eficazes, abordagens mais personalizadas e estratégias pedagógicas inovadoras, otimizando a experiência de aprendizado de uma língua adicional, como o inglês.
Embora haja convergência entre essas áreas e, por isso, considerável entendimento delas, pode ser útil resgatar abreviadamente3 seus respectivos avanços, pertinentes ao desenvolvimento de práticas de ensino de língua estrangeira.
Na primeira metade do século XX, no campo pedagógico, Ivan Pavlov (2012), John Watson (2008) e B. F. Skinner (2003; 2006) desenvolveram a teoria behaviorista que, em linhas gerais, enfatiza a aprendizagem como resposta a estímulos externos. Condicionamento e recompensa desempenham papéis-chave no behaviorismo.
Na segunda metade do século XX, Abraham Maslow (2013) e Carl Rogers (1973) propuseram uma teoria humanista, que valoriza o crescimento pessoal e o potencial humano. Nessa teoria, a aprendizagem é uma busca de autorrealização e autoconhecimento.
Nesse período, Jean Piaget (2010) e Lev Vygotsky (1989) destacaram a importância de processos mentais na aprendizagem. É a conhecida teoria cognitiva.
A partir de 1960, com influências de Paulo Freire (1996; 2008; 2018) e Henry Giroux (1997), por exemplo, há a defesa da educação como ferramenta para a transformação social e a justiça. Lev Vygotsky, por volta de 1970, esteve em cena, com ênfase nas interações sociais e na cultura como influências cruciais na aprendizagem. O desenvolvimento ocorre por meio da interação com os outros.
A partir dos anos 1980, Jerome Bruner (1991; 2001) e Seymour Papert (1991) defenderam o aprendizado como construção ativa do conhecimento pelo aluno e, geralmente, por meio de experiências práticas e contextualizadas. Jean Lave e Etienne Wenger (1991; 1998) postulam o aprendizado contextualizado, inseparável da prática.
O século XXI inicia com a chamada teoria da aprendizagem móvel, que se concentra na aprendizagem facilitada por dispositivos móveis e tecnologia, possibilitando com que alunos aprendam em qualquer lugar e a qualquer momento.
Teorias, como a do Estado de Fluxo, de Mihaly Csikszentmihalyi (2020), têm influenciado a aprendizagem baseada em jogos, para a qual jogos proporcionam experiências imersivas e motivadoras de aprendizado. A recente teoria da aprendizagem personalizada, influenciada por Sugata Mitra (2016), visa a atender às necessidades individuais dos alunos, flexibilizando o aprendizado.
Em relação à Linguística, desde Ferdinand de Saussure (2015), a área passou por várias transformações e descobertas, que impactaram o ensino de línguas. Saussure introduziu a ideia de que a linguagem tem uma estrutura subjacente, com elementos que se relacionam e se diferenciam. Isso influenciou a análise estrutural de línguas e a ênfase na gramática e na sintaxe.
O ensino de língua estrangeira foi influenciado pelo estruturalismo, por meio dos ensinamentos de teóricos como Leonard Bloomfield (1961), Charles Fries (1962) e Robert Lado (1964). Resumidamente, pode-se dizer que enfatizavam o valor de identificar as diferenças estruturais entre a língua nativa e a língua-alvo para melhorar o ensino de ESL, por exemplo.
Outra vertente linguística, sendo Roman Jakobson (2008) um de seus principais representantes, veio a destacar a função da linguagem na comunicação. A abordagem funcionalista influenciou a aprendizagem de línguas. Michael Halliday (2013), por sua vez, enfatizava a importância de entender como a linguagem funciona em diferentes contextos sociais. Esses e outros teóricos funcionalistas, como Maria Helena de Moura Neves (2018) trouxeram à tona a ideia de que a linguagem não é uma estrutura estática, mas algo dinâmico e funcional, usado para realizar diferentes funções comunicativas.
Esse aspecto dinâmico da linguagem ilustra o dinamismo das descobertas linguísticas e suas respectivas abordagens, ao longo do século XX. Noam Chomsky é o principal proponente da teoria da gramática gerativa. Chomsky (2015; 2019) influenciou indiretamente o ensino de línguas ao estabelecer os fundamentos da competência linguística inata.
A sociolinguística é outro valoroso enfoque da linguística. William Labov (2003) e outros pesquisadores mostraram como fatores sociais, tais como classe, gênero e etnia, influenciam o uso da linguagem. Labov contribuiu para a compreensão de como o contexto social pode impactar a aprendizagem e o uso de língua estrangeira. Joshua Fishman (1971), além de promover a sociolinguística, dedicou-se ao estudo do bilinguismo. A sociolinguística, portanto, favoreceu a criação de métodos de ensino que respeitam a diversidade linguística e cultural dos aprendizes de ESL.
Cabe ainda lembrar da abordagem comunicativa, concentrada na comunicação real em contextos reais, em vez de apenas em aspectos gramaticais da norma-padrão. A abordagem comunicativa enfatiza a interação e a capacidade de usar a língua em situações práticas. Tal abordagem, na linguística e no ensino de línguas, não está associada a um único teórico, pois as contribuições vêm de nomes como Dell Hymes (1972), Wilga Rivers (1968), Stephen Krashen (1982) e Merrill Swain (2000).
A terceira área pertinente na construção deste texto, a Neurociência, ocupa-se com o estudo do sistema nervoso e seu funcionamento. Na área da educação, seu impacto teve destaque com pesquisas sobre como o cérebro aprende. A interseção entre Neurociência e Educação ajudou a desenvolver métodos de ensino mais personalizados e eficientes, considerando a diversidade de estilos de aprendizagem e necessidades individuais de aprendizes.
Descobertas em neurociência a partir de estudos sobre motivação, extrínseca ou intrínseca, têm relevantes implicações para a educação. Sabe-se que o cérebro se predispõe a absorver mais conteúdo quando está envolvido emocionalmente.
Neurocientistas têm, pois, contribuído significativamente para a compreensão de como princípios da neurociência podem ser aplicados de forma prática na sala de aula e no desenvolvimento de estratégias de ensino mais eficazes. Daniel Willingham (2023), por exemplo, explora como a ciência cognitiva pode informar e melhorar a prática educacional. Mary Helen Immordino-Yang (2015) investiga como as emoções e a cultura podem influenciar a aprendizagem.
3 ABORDAGENS DO ENSINO DE ESL
O ensino de Inglês como língua estrangeira passou por inúmeras mudanças, muitas das quais em razão de descobertas pedagógicas, linguísticas e neurocientíficas. Avanços tecnológicos também contribuíram para tais modificações. Algumas das principais abordagens, desde o início do século XX, demonstram isso:
Método Gramatical e Tradicional (envolve abordagens baseadas em regras gramaticais e tradução, enfatizando a aprendizagem de estruturas gramaticais e vocabulário);
Método Áudio-Lingual (tem enfoque na repetição e na prática auditiva e oral, com ênfase na imitação e na memorização de diálogos);
Abordagem Comunicativa (foca na comunicação real em situações autênticas);
Aprendizagem Cooperativa (busca a aprendizagem social e a interação estudantil para o aprendizado eficaz e enaltece a colaboração na aquisição do idioma);
Método TBL (Task-Based Learning, em inglês, enfatiza a aprendizagem por meio da realização de tarefas e projetos significativos que exigem comunicação em inglês);
Tecnologia no Ensino (calcado na incorporação de ferramentas digitais, como aplicativos, plataformas de aprendizado online e recursos multimídia);
Aprendizagem personalizada (uso tecnológico e insights de teorias de aprendizado, permite que alunos sigam o próprio ritmo e escolham tópicos relevantes para eles);
Aprendizagem baseada em jogos (utilização de jogos e simulações educacionais que podem tornar o processo de aprendizado de ESL envolvente e divertido);
Aprendizado misto (Blended Learning, em inglês, combina métodos tradicionais de ensino e recursos online, conseguindo maior flexibilidade no ensino de ESL);
Aprendizado de línguas assistido por Inteligência Artificial (personaliza aulas de ESL, oferecendo feedback e exercícios adaptados ao progresso de cada aluno).
Essas abordagens refletem a evolução das teorias neurocientíficas, linguísticas e pedagógicas que, somadas ao avanço tecnológico, têm tornado o ensino de ESL mais dinâmico, personalizado e centrado no aluno.
4 TECNOLOGIA DIGITAL NA EDUCAÇÃO: TENDÊNCIAS E IMPACTOS
Sabe-se que a evolução tecnológica desempenha papel significativo na educação contemporânea. Larry Cuban (2015), da Universidade Stanford, renomado pesquisador da área de tecnologia educacional, pontua que a introdução de tecnologia nas salas de aula nem sempre resulta, necessariamente, em melhorias substanciais no processo educativo.
É crucial, pois, considerar o contexto e as finalidades da tecnologia no ensino. Ao aplicar essa perspectiva à aquisição de ESL, fica notório que a tecnologia digital tem moldado o aprendizado de idiomas, mas a tecnologia deve ser um instrumento para aprimorar, não substituir, o papel de professores e a interação em classe.
Ainda no contexto de ESL, as tendências tecnológicas incluem o uso de aplicativos, softwares interativos, recursos online e plataformas de ensino à distância. Obtém-se vantagens como a acessibilidade 24 horas por dia, personalização do aprendizado e a oportunidade de praticar o idioma em contextos reais. Resultados eficazes, porém, dependem de como essas ferramentas são integradas e utilizadas.
Cuban argumenta que o impacto da tecnologia na educação depende da maneira como as inovações são adotadas e implementadas. No caso da aquisição de ESL, a tecnologia digital pode ser uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento de habilidades linguísticas, desde que usada de forma a promover a participação ativa dos alunos e a prática comunicativa. A tecnologia também pode ajudar a superar barreiras geográficas e facilitar o acesso a recursos educacionais, beneficiando estudantes de diversas origens e níveis de proficiência.
Embora tecnologias digitais possam ter o potencial de aprimorar o ensino de ESL, é preciso considerar desafios e advertências. Cuban (2015) ressalta a necessidade de equilibrar o entusiasmo pela tecnologia com uma abordagem crítica, o que remete à Pedagogia da autonomia, quando Paulo Freire (1996) diz não ser ingênuo admirador da tecnologia. Os desafios incluem dependência excessiva de plataformas digitais, falta de interação humana em situações de aprendizado e a necessidade de garantir que o acesso à tecnologia seja equitativo. A qualidade do conteúdo e a preparação de professores também são aspectos relevantes a serem considerados.
A perspectiva de Larry Cuban (2015) sobre tendências e impacto da tecnologia digital na educação lembra que a adoção de tecnologia no ensino deve ser meticulosamente planejada e orientada para o desenvolvimento de habilidades específicas. Em termos de ESL, a tecnologia digital pode ser uma aliada valiosa na promoção do desenvolvimento linguístico dos alunos, se usada de maneira crítica, direcionada, pedagógica e equilibrada.
5 TECNOLOGIA DIGITAL PARA TRANSPOR BARREIRAS
James Cummins (1984) é conhecido por suas contribuições significativas para a teoria do bilinguismo e educação, inclusive pontuando barreiras tradicionais na aquisição de ESL. Para ele uma das principais barreiras é a falta de apoio e reconhecimento da língua materna do aprendiz. Se a língua materna não é valorizada, pode haver perda de conexão cultural e emocional, afetando a motivação e a autoestima do aprendiz.
Outro desafio significativo é a falta de oportunidades para praticar o idioma fora da sala de aula. A imersão no idioma é crucial para o desenvolvimento da proficiência. Sem ambiente ou situações cotidianas para usar o inglês, surgem dificuldades em aplicar o que aprenderam, limitando assim suas habilidades comunicativas.
Paralelo a métodos de ensino desatualizados e pouco interativos estão questões de autoconfiança e ansiedade, que constituem barreiras consideráveis. A pressão para alcançar “fluência” pode criar um ambiente de estresse, inibir a capacidade do aluno de se expressar livremente e aprender de maneira eficaz.
6 DEMOCRATIZAÇÃO E PROTAGONISMO ESTUDANTIL NO ENSINO DE ESL
A democratização da educação pressupõe oferta de ensino e atenção às questões relativas ao acesso e à participação discente na construção da aprendizagem, como pontua Paulo Freire ao refletir sobre escola pública4. A democratização da educação visa, pois, a garantir que todos tenham oportunidade de acesso e de participação ativa nas decisões pertinentes, independentemente de sua origem socioeconômica, etnia ou local de residência.
O protagonismo estudantil na aprendizagem é uma perspectiva freireana (2018), implícita na crítica à “educação bancária”, apresentada em Pedagogia do Oprimido. Em lugar de mera transmissão de conhecimento, é preciso fomentar o protagonismo discente mediante conversas, debates e atividades interativas, nas quais poderão aplicar o aprendizado. A parceria educador-educando pode produzir resultados eficazes e mutuamente significativos.
Conscientização é outro conceito freireano e inclusive título de livro dele (2008). Estudantes têm o direito de aprender a língua e entender complexidades culturais e sociais implícitas. Ao considerar cultura e comunicação partes integrantes do ensino de ESL, alunos são preparados para interagir em contexto globalizado, no qual a compreensão intercultural é essencial.
O diálogo é um componente fundamental na democratização da educação e no protagonismo discente. Esse conceito também recebeu atenção de Freire (2018), em Pedagogia do Oprimido. No contexto da aquisição de ESL, diálogo ocorre não apenas entre docente e discente, mas também entre estudantes, que podem compartilhar experiências e conhecimentos culturais diversos. O diálogo enriquece a aprendizagem, promove a compreensão mútua e a criação de espaços inclusivos em que diferentes perspectivas são valorizadas.
A questão do diálogo discente, que pressupõe algum nível de protagonismo dos alunos, remete à questão da aprendizagem autodirigida, uma teoria educacional que privilegia o protagonismo estudantil no processo de aprendizagem. Ralph Brockett e Roger Hiemstra (1991), teóricos que atuam nessa área, reconhecem a capacidade dos alunos de controlar, planejar e avaliar seu próprio processo de aprendizagem.
Na aprendizagem autodirigida, o papel do professor deixa de ser mero transmissor de conhecimento para facilitador e orientador. Na aquisição de ESL, isso se traduz em estudantes que definem seus objetivos de proficiência em inglês e elaboram planos de estudo personalizados. Envolve ainda reflexão contínua sobre seu próprio desempenho e uma busca constante por feedback e oportunidades de aprendizado. Essa abordagem coloca os alunos no centro do processo educacional, permitindo que alcancem suas metas de maneira eficaz e significativa e se tornem aprendizes ao longo da vida.
Ao refletir sobre o ensino de ESL, ainda que abreviadamente, deve-se trazer à pauta a relevância de uma educação igualitária, participativa e emancipatória. A aquisição de ESL pode exemplificar esse processo de democratização, de modo a promover a participação ativa dos estudantes, a conscientização cultural e o diálogo. O domínio de uma língua adicional é tão relevante quanto a preparação de cidadãos críticos e culturalmente conscientes.
7 TECNOLOGIA DIGITAL NO ENSINO DE ESL: APORTES DA BNCC
A Base Nacional Comum Curricular - BNCC - (2017)5 é um marco para o ensino no Brasil. No contexto do ensino de inglês, a BNCC define diretrizes para a promoção de uma abordagem comunicativa, que implica desenvolver habilidades linguísticas, interculturais e sociais, essenciais à participação efetiva no mundo globalizado.
A BNCC enfatiza a importância das quatro habilidades linguísticas principais: ouvir, falar, ler e escrever, com vistas à capacidade de compreender e produzir textos orais e escritos em situações reais de comunicação, em lugar da mera memorização de regras gramaticais e vocabulário. A interdisciplinaridade é incentivada, promovendo uma abordagem mais abrangente e significativa para o ensino de inglês. A BNCC, portanto, tem relevante contribuição para o aprendizado de uma língua estrangeira, mesmo em projetos pessoais ou de natureza particular.
Nesse sentido, a tecnologia digital oferece ferramentas e recursos que, em consonância com diretrizes da BNCC, têm o potencial de estimular o protagonismo estudantil durante o processo de aprendizagem de inglês. A BNCC propõe cinco eixos para o ensino de inglês e em cada um deles é possível o uso da tecnologia digital.
No eixo oralidade, a BNCC evidencia que plataformas de videochamadas podem conectar alunos a falantes nativos ao redor do mundo. São oportunidades reais de interação oral, aprimorando fluência e compreensão auditiva, consideravelmente.
Para o eixo leitura, pode-se recorrer a aplicativos ou sites que ofereçam livros digitais interativos em inglês. Isso permite que alunos leiam textos adaptados ao seu nível, com opções de tradução e recursos audiovisuais para facilitar a compreensão.
Para o eixo escrita, existem ferramentas online que permitem aos alunos colaborar na escrita em inglês. Eles têm a possibilidade de atuarem juntos em projetos, revisar texto uns dos outros e ainda receber feedback em tempo real.
No eixo cultura, há recomendações para que se aproveitem museus virtuais, documentários online ou sites interativos que ofereçam insights sobre a cultura de países de língua inglesa. Os alunos podem explorar arte, música, história e costumes de forma imersiva.
Para o eixo gramática e vocabulário, é estimulado o uso de aplicativos de aprendizado de idiomas que ofereçam lições interativas, exercícios de vocabulário e prática gramatical.
Incorporar a tecnologia digital em cada um desses eixos, portanto, pode enriquecer a experiência de aprendizagem dos alunos, tornando-a mais envolvente, interativa e alinhada com as demandas contemporâneas do ensino de inglês.
A integração da tecnologia digital, norteada pelas diretrizes da BNCC, pode exercer um impacto significativo no protagonismo estudantil e na democratização do ensino de ESL. Isso não apenas amplia o leque de opções para explorar o idioma, mas também capacita estudantes a moldarem seu ritmo de aprendizagem e a escolherem os métodos que melhor se adequam às suas necessidades individuais, promovendo, assim, o protagonismo na jornada de aquisição do inglês.
Ademais, a tecnologia digital alinhada à BNCC facilita a democratização do ensino de ESL ao eliminar barreiras geográficas e socioeconômicas. Com a acessibilidade crescente à internet e dispositivos digitais, alunos de diferentes origens e localidades podem usufruir desses recursos. Isso possibilita que estudantes de comunidades menos privilegiadas ou em regiões distantes tenham acesso ao mesmo conteúdo e oportunidades de aprendizagem que os de áreas mais desenvolvidas, nivelando, assim, as discrepâncias e contribuindo para uma educação mais equitativa no ensino de inglês como segunda língua.
Ao fomentar a interação colaborativa e o compartilhamento de conhecimento por meio de plataformas digitais, estudantes têm a chance não apenas de consumir conteúdo, mas também de contribuir ativamente, compartilhando suas perspectivas, ideias e descobertas, para a construção coletiva do conhecimento no ensino de ESL.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, explorou-se o potencial transformador da tecnologia digital, como plataformas online, aplicativos e ferramentas de colaboração, no ensino de ESL no Brasil. A expansão do acesso à internet e o avanço tecnológico oferecem uma oportunidade única para democratizar o ensino de inglês e promover o protagonismo estudantil.
Este estudo, ao conectar as perspectivas da Educação, Linguística e Neurociência e empoderar estudantes a construir seu próprio aprendizado e adaptar-se a um mundo cada vez mais digital, busca contribuir para o campo, oferecendo subsídios para educadores e autoridades envolvidas com políticas públicas educacionais. Desse modo, pode-se explorar efetivamente o potencial que a tecnologia digital tem de revolucionar o ensino de línguas e promover o desenvolvimento de habilidades essenciais para o século XXI.
Futuras pesquisas, portanto, poderiam aprofundar a investigação sobre a eficácia de diferentes ferramentas digitais, o impacto do uso da tecnologia na motivação dos estudantes e melhores práticas para integrar a tecnologia digital ao currículo de ESL, promovendo a colaboração entre professores e alunos na construção de ambientes de aprendizagem inovadores e personalizados.
Para que essa transformação se consolide, parece fundamental investir em infraestrutura tecnológica nas escolas, oferecer formação continuada para professores e desenvolver políticas públicas que incentivem o uso pedagógico da tecnologia. Democratizar o acesso ao ensino de inglês contribui para a formação de cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios do mundo globalizado e para o desenvolvimento de um país mais justo e equitativo.
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1 Doutorando em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Letras pelo PPGL/UPM. Especialização em Ensino de Inglês e Literaturas Inglesa e Americana pelo Centro Univ. Claretiano, onde também licenciou-se em Letras – Português. E-mail: [email protected]
2 NAVARRO, Rodrigo. The average screen time and usage by country. 18/04/2023. ElectronicsHub. Disponível em: https://www.electronicshub.org/the-average-screen-time-and-usage-by-country/. Acesso em 02 de novembro de 2023.
3 Para aprofundar-se nas diferentes abordagens pedagógicas, recomenda-se a obra esclarecedora da Professora Maria da Graça Nicoletti Mizukami, Ensino - as abordagens do Processo, 1986. ↑
4 FRANCO, D. S. A gestão de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989-1991) e suas consequências. Proposições, v. 25, n. 03 (75), p. 103-121, set./dez. 2014.
5 BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (2017). Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em 02 de novembro de 2023.