ESQUERDA E DIREITA: A DISPUTA DA NARRATIVA POLÍTICA NA ERA DIGITAL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17065436
Nilton Pereira da Cunha1
RESUMO
A disputa política contemporânea entre esquerda e direita se transformou no contexto da Era Digital, em que a lógica da atenção redefine a forma de comunicar e engajar. A esquerda, ancorada em raízes marxistas e em uma tradição de racionalidade argumentativa voltada para questões econômicas e estruturais, enfrenta dificuldades em adaptar-se a um ambiente no qual a reflexão dá lugar à reação imediata. A direita, por sua vez, consolidou uma estratégia baseada na emoção, no uso de símbolos e na simplificação de mensagens, encontrando no espaço digital um campo fértil para mobilizar afetos e engajar rapidamente grandes públicos. A arena digital potencializa narrativas emocionais em detrimento das mais argumentativas, deslocando a política do debate profundo para a disputa pela atenção instantânea. O modelo tradicional de propaganda – cartazes, panfletos, rádio e televisão – foi substituído pela velocidade das redes sociais, onde algoritmos determinam a relevância de mensagens. Assim, a política contemporânea não se define mais por quem apresenta os argumentos mais consistentes, mas por quem captura emoções e controla fluxos de atenção. Essa mutação desafia o modelo tradicional a equilibrar intensidade afetiva e profundidade racional na construção do espaço público, na disputa da narrativa política da Era Digital.
Palavras-chave: Era Digital. Esquerda. Direita. Arena Digital. Algoritmos.
ABSTRACT
The contemporary political struggle between the left and the right has transformed in the context of the Digital Age, in which the logic of attention redefines the way we communicate and engage. The left, anchored in Marxist roots and a tradition of argumentative rationality focused on economic and structural issues, faces difficulties adapting to an environment in which reflection gives way to immediate reaction. The right, in turn, has consolidated a strategy based on emotion, the use of symbols, and the simplification of messages, finding in the digital space a fertile field to mobilize emotions and quickly engage large audiences. The digital arena enhances emotional narratives to the detriment of more argumentative ones, shifting politics from in-depth debate to the struggle for instant attention. The traditional propaganda model—posters, pamphlets, radio, and television—has been replaced by the speed of social media, where algorithms determine the relevance of messages. Thus, contemporary politics is no longer defined by who presents the most coherent arguments, but by who captures emotions and controls attention flows. This mutation challenges the traditional model to balance affective intensity and rational depth in the construction of public space, in the dispute over the political narrative of the Digital Age.
Keywords: Digital Age. Left. Right. Digital Arena. Algorithms.
1 Introdução
Vivemos uma época em que a política deixou de ser apenas a disputa de projetos econômicos e sociais e passou a ser, sobretudo, a disputa pela narrativa. Se em outros momentos históricos a arena política se estruturava em torno do trabalho, da produção e da distribuição de riquezas, hoje, na chamada Era Digital, a batalha deslocou-se para o campo da comunicação, emoção e construção simbólica.
Nesse cenário, Esquerda e Direita continuam a se enfrentar, mas a lógica que cada uma utiliza para se posicionar revela uma assimetria que ajuda a compreender por que a direita tem alcançado maior ressonância no espaço virtual.
Esse mesmo processo, impulsionado pelas redes sociais, inviabiliza o surgimento de uma terceira via, consolidando uma política cada vez mais polarizada entre dois lados em permanente confronto.
A esquerda, ainda muito vinculada ao paradigma marxista, parte da convicção de que a estrutura econômica é o elemento determinante da vida social. Daí a centralidade em seu discurso da desigualdade, exploração e da luta de classes. Trata-se de uma narrativa fundamentada na razão argumentativa, que busca convencer pela lógica social dos dados econômicos.
Entretanto, em uma sociedade em que a atenção se tornou fragmentada e em que o tempo de processamento da mensagem é cada vez mais curto, essa lógica encontra dificuldades para penetrar no imaginário coletivo.
A direita, por outro lado, compreendeu que, no ambiente digital, não vence o argumento mais elaborado, mas a emoção mais bem articulada. O medo, a indignação, o orgulho e o pertencimento são recursos constantemente mobilizados em narrativas simples, diretas e altamente compartilháveis.
Essa estratégia se ajusta de maneira quase natural à lógica, que privilegiam conteúdos capazes de gerar reações imediatas, impulsos de engajamento e, sobretudo, polarização. Nesse ponto, a direita encontra no próprio desenho do ambiente digital – construído pela economia da atenção – um aliado estratégico.
Essa diferença revela que a disputa ideológica contemporâneas não pode mais ser lida apenas pelas lentes do materialismo histórico ou das estruturas econômicas.
O campo de batalha agora é híbrido, misturando o real e o virtual, o racional e o emocional, a argumentação e a estética da viralização. Quem melhor compreender essa mutação terá maiores condições de disputar corações e mentes na sociedade digitalizada.
A esquerda parece permanecer presa à lógica da razão, enquanto a direita se fortalece pela lógica da emoção. E nesse contraste, abre-se a questão central deste artigo: como se configuram hoje as lógicas de esquerda e direita na disputa pela narrativa política na Era Digital?
2 A lógica da esquerda: o econômico como fundamento
A narrativa política da esquerda, sobretudo em sua versão contemporânea, guarda raízes profundas no pensamento marxista e na crítica estrutural ao capitalismo. Embora o contexto histórico tenha se transformado radicalmente desde o século XIX, a centralidade da noção de desigualdade como categoria analítica e como base para a ação de desigualdade continua a ser o ponto nevrálgico de sua racionalidade argumentativa.
Mais do que um slogan ou bandeira, a desigualdade é o fio condutor que legitima discursos, justifica políticas e sustenta projetos de poder.
Karl Marx2, em sua crítica à economia política, apontava que a lógica do capital engendrava necessariamente um processo de acumulação desigual, no qual poucos concentravam os meios de produção e a maioria era reduzida à condição de força de trabalho vendida como mercadoria.
A alienação, o fetichismo da mercadoria e a exploração da mais-valia compunham, portanto, o pano de fundo teórico que explicava por que a desigualdade não era um acidente ou um desvio, mas a própria essência da dinâmica capitalista.
Essa perspectiva atravessou gerações, alimentando o imaginário político da esquerda ao longo do século XX e XXI.
No entanto, a apropriação contemporânea da lógica marxista pela esquerda vai além do diagnóstico econômico. A desigualdade passa a ser expandido para múltiplas dimensões: de gênero, raça, sexualidade, território e acesso à informação.
A racionalidade argumentativa da esquerda, nesse sentido, adquire uma amplitude transversal, articulando-se com diferentes movimentos sociais que encontram no paradigma da desigualdade um eixo de coesão e legitimidade.
Como observa Nancy Fraser3, o reconhecimento das diferenças culturais e identitárias não pode ser dissociado da redistribuição econômica; trata-se de uma luta dialética, onde a justiça social só se realiza se as duas esferas forem integradas.
Essa lógica, contudo, também encontra críticas, ao eleger a desigualdade como categoria central de interpretação do mundo, a esquerda frequentemente corre o risco de reduzir a complexidade da experiência humana a um contínuo de opressor versus oprimido.
Essa dualidade, ainda que politicamente mobilizadora, pode ser tornar intelectualmente limitadora e até mesmo reprodutora de novas formas de exclusão simbólica.
Byung-Chul Han4, ao refletir sobre a sociedade contemporânea, aponta que a hiperindividualização e a lógica do desempenho alteram os fundamentos da experiência social, criando novos tipos de sofrimento que não se enquadram facilmente na narrativa da desigualdade material.
Apesar dessas críticas, a força da racionalidade da esquerda reside justamente em sua capacidade de adaptação. O discurso da desigualdade, com raízes marxistas, transborda hoje para o ambiente digital, em que plataforma e algoritmos não apenas refletem, mas amplificam assimetrias sociais.
A batalha pela narrativa política nas redes não é, portanto, apenas uma disputa ideológica, mas também epistêmica: quem mede e quem legitima as formas de corrigi-la.
Nesse terreno, a esquerda constrói sua autoridade ao mobilizar dados, relatos e imagens que evidenciam disparidades sociais e econômicas, ampliando sua ressonância emocional e moral.
Assim, compreender a lógica da esquerda exige reconhecer tanto a persistência de suas raízes marxistas quanto sua plasticidade diante das transformações históricas. A desigualdade argumentativa, mas é reconfigurada pelas urgências de cada tempo: da luta de classe à luta de identidades, do chão da fábrica ao campo algoritmo.
Trata-se de uma racionalidade que, ainda que criticada, conserva sua vitalidade política ao manter a desigualdade no centro do debate público.
3 A lógica da direita: a emoção como estratégia
Se, para a esquerda, a racionalidade argumentativa se ancora historicamente na desigualdade, para a direita contemporânea o núcleo de sua eficácia política está no uso estratégico da emoção.
A lógica da direita não se estrutura prioritariamente a partir de elaborações teóricas complexas, mas da capacidade de mobilizar sentimentos imediatos, traduzidos em símbolos, slogans, narrativas simplificadas e um engajamento afetivo direto.
Essa estratégia, intensificada na era digital, confere à direita uma vantagem significativa na disputa de narrativas, já que responde ao ritmo acelerado das redes sociais e à necessidade de impacto instantâneo.
Historicamente, a direita sempre se apoiou em símbolos que evocam pertencimento, tradição e identidade nacional. A bandeira, o hino, a pátria, a família e a religião são evocados como marcadores emocionais, capazes de ativar uma conexão que dispensa explicações longas ou raciocínios elaborados.
Como afirma George Lakof5, a linguagem política não é neutra, mas molda a forma como as pessoas percebem o mundo. Nesse sentido, a direita constrói uma narrativa baseada em “quadros morais” que apelam à autoridade, proteção e à ordem, ativando uma resposta emocional mais eficaz do que argumentos racionais.
O apelo afetivo também se traduz na simplificação das mensagens. A lógica da direita compreende que, em um ecossistema saturado de informações, mensagens curtas, de fácil assimilação e com forte carga simbólica tendem a se espalhar com maior rapidez. Essa simplificação, longe de ser um empobrecimento discursivo acidental, é uma estratégia calculada de comunicação.
Shoshana Zuboff6 mostra que o ambiente digital favorece aquilo que é breve, direto e emocional, já que os algoritmos priorizam conteúdos que despertam reações intensas e imediatas. Assim, a direita adapta sua narrativa ao meio, explorando ao máximo os recursos visuais, sonoros e retóricos que asseguram maior visibilidade.
Outro traço marcante é a construção do engajamento imediato. A lógica da direita não busca, em primeiro plano, formar consensos lentos ou promover debates densos. Seu objetivo é capturar a atenção e gerar mobilização rápida, criando um elo entre emoção e ação.
Ao apelar para o medo, indignação ou orgulho, produz-se um efeito performativo: o público não apenas consome a mensagem, mas se sente convocado a agir – seja compartilhando, manifestando-se ou defendendo uma posição em seu grupo social.
No ambiente digital, essa lógica ganha contornos ainda mais evidentes. As redes sociais funcionam como catalisadores da emoção, favorecendo discursos polarizados e pouco complexos, mas altamente eficazes em engajar públicos.
A direita, ao adotar a emoção como estratégia, opera em sintonia com a lógica algorítmica, que recompensa conteúdos capazes de provocar choque, identificação ou antagonismo.
O resultado é uma narrativa política menos dependente da razão reflexiva e mais centrada na ressonância afetiva: não importa tanto a coerência dos argumentos, mas o quanto eles focam, inflamam e mobilizam.
Portanto, a lógica da direita contemporâneas pode ser resumida como uma política da emoção.
Através do apelo simbólico, da simplificação da mensagem e do engajamento imediato, a direita se adapta perfeitamente às condições da comunicação digital, onde a velocidade e a intensidade emocional superam a profundidade analítica.
Essa estratégia não apenas explica sua capacidade de mobilização, mas também revela dos desafios contemporâneos de um cenário em que as emoções, mais do que os argumentos, definem os rumos do debate público.
4 A era digital como arena
A era digital não é apenas um espaço de comunicação, mas um verdadeiro campo de batalha simbólico, no qual a disputa entre narrativas políticas encontra sua forma mais intensa.
Diferente do debate presencial ou mesmo dos meios tradicionais de massa, o ambiente digital estrutura-se em torno da velocidade, impacto e viralidade. Isso cria um cenário em que a lógica argumentativa e racional é progressivamente substituída por narrativas moldadas para atingir as emoções de forma direta e imediata.
A arena digital, nesse sentido, é menos um espaço de deliberação e mais um palco em que a emoção se torna o combustível essencial da atenção e do engajamento.
Zygmunt Bauman já advertia que vivemos em uma modernidade líquida, marcada por vínculos frágeis e instantâneos, em que “a comunicação digital favorece contatos, mas raramente relações7”.
Esse mesmo princípio se aplica à política: quanto mais efêmero o vínculo, mas intensa deve ser a emoção, para manter a adesão. Assim, as narrativas digitais não se sustentam por sua coerência lógica, mas pela capacidade de gerar indignação, medo, esperança ou entusiasmo em poucos segundos de leitura ou em um curto vídeo.
Esse deslocamento da razão para a emoção não ocorre ao acaso, mas é intensificado pela lógica algorítmica das plataformas. Como observa Shoshana Zuboff em sua análise sobre o capitalismo de vigilância, “as plataformas digitais não apenas registram o comportamento, mas aprendem a moldá-lo em função da previsibilidade e do lucro8”.
Ou seja, o que circula nas redes não é o que provoca maior reação emocional, porque esse é o conteúdo mais lucrativo para os algoritmos. Dessa forma, os discursos políticos se adaptam a esse ambiente, transformando-se em slogans, memes e narrativas curtas mobilizam afetos mais do que ideias.
Byung-Chul Han também ressaltar esse ponto ao destacar que o excesso de estímulos digitais gera uma sociedade da exaustão e da superficialidade: “A comunicação digital, marcada pela positividade e pela velocidade, não deixa espaço para a contemplação nem para o aprofundamento9”.
Na política, essa lógica resulta em debates que se transformam em espetáculos, nos quais importa mais a performance da emoção do que a consistência da razão.
A arena digital, assim, premia quem grita mais alto, quem mobiliza símbolos mais chamativos e quem desperta reações imediatas, deixando em segundo plano a construção de projetos políticos sólidos.
Esse fenômeno tem consequências profundas para a dinâmica social. A esfera pública, que em Habermas se estruturava pelo diálogo racional, se dissolve em um espaço marcado pelo ruído, pela polarização e pela fragmentação.
O que se fortalece não é a busca pelo consenso racional, mas a consolidação de bolhas informacionais que se retroalimentam de emoções convergentes.
O resultado é um ambiente cada vez menos propício ao debate de ideias e cada vez mais dominado por batalhas narrativas, nas quais vence não quem tem melhor argumentos, mas quem melhor domina a gramática da emoção.
Em suma, a era digital transformou-se em uma arena política em que a emoção reina soberana. Como consequência, as narrativas políticas se tornam mais simples, mais polarizadas e mais espetaculares.
Se, por um lado, isso amplia o alcance das mensagens e mobiliza multidões, por outro fragiliza o espaço do discurso das ideias, reduzindo à complexidade da realidade a slogans emocionais.
Nesse contexto, compreender como a lógica digital estrutura e distorce a disputa narrativa é essencial não apenas para analisar a política contemporânea, mas também para refletir sobre os rumos da própria dinâmica social em um tempo em que a emoção supera a razão.
Na Era Moderna, o pensamento cartesiano defendia que a razão deveria suplantar as emoções – “penso, logo existo” era o lema que consagrava a primazia da racionalidade sobre a instabilidade afetiva.
Na Era Digital, porém, o movimento parece inverso: já não é a razão que governa, mas a emoção que arrasta.
O problema é que, diferente das paixões clássicas estudadas pela filosofia, hoje essas emoções são calibradas e intensificadas por algoritmos, que não apenas refletem nossos desejos, mas moldam silenciosamente nossos afetos.
O que deveria ser uma escolha consciente entre razão e emoção tornou-se uma captura invisível, na qual acreditamos agir livremente, quando na verdade estamos apenas respondendo aos estímulos previamente arquitetados pelas plataformas.
É justamente nesse ponto que precisamos romper a naturalização desse fenômeno. Não é normal nos distanciarmos de pessoas queridas apenas porque a lógica da polarização afetiva nos coloca em lados opostos de uma disputa digital.
Não é natural acreditar que a hostilidade crescente faz parte de quem somos, quando na verdade ela é consequência de um ambiente construído para gerar divisão e engajamento emocional.
A cada afastamento silencioso, a cada amizade corroída pela lógica algorítmica, esquecemos que estamos sendo conduzidos por forças externas quase imperceptíveis. O que deveria ser escolhas se torna condicionamento: o que deveria ser diálogo se torna ruptura.
Reconhecer que esse processo não é espontâneo, mas induzido, é o primeiro passo para resgatar nossa humanidade e restituir à razão, o espaço que lhe foi usurpado.
5 Economia da atenção e sociedade híbrida
A chamada economia da atenção, expressão popularizada por Herbert Simon ao afirmar que: “a riqueza de informações criar a pobreza de atenção10”, constitui o terreno fértil sobre o qual se ergue a sociedade híbrida contemporânea, marcada pela fusão entre o real e o virtual.
Nesse ambiente, a disputa política não se dá prioritariamente no campo da razão, mas na esfera afetiva, mediada por algoritmos que privilegia, conteúdos mais emocionais, polêmicos e polarizadores.
A lógica da direita, ao se valer dos símbolos imediatos, narrativas simplificadas e apelos emotivos, encontrasse nesse ecossistema digital uma ressonância que lhe é particularmente favorável, pois o espaço virtual amplifica aquilo que desperta reações rápidas e intensas.
O que está em jogo é uma mudança estrutural no modo como as sociedades produzem e compartilham sentido. Se, na modernidade cartesiana, buscava-se a primazia da razão sobre as paixões, na sociedade híbrida é a emoção que se torna moeda corrente de circulação social e política.
Byung-Chul Han observa que: “a comunicação digital não é orientada pela verdade, mas pela viralidade11”, o que significa que o que importa não é a consistência argumentativa, mas a capacidade de mobilizar afetos, provocar indignação ou reforçar identidades de ideias já defendidas.
Nesse cenário, a lógica da direita, ao mobilizar símbolos de pertencimento, patriotismo e moralidade, adapta-se com naturalidade ao espaço algoritmo, enquanto narrativas mais racionais, analíticas ou complexas encontram maior dificuldades em emergir.
A polarização afetiva, que separa grupos não apenas por ideias, mas sobretudo por sentimentos de repulsa ou lealdade, é intensificada pelo design algorítmico.
Cass Sunstein12 chama a atenção para o efeito das echo chambers, em que indivíduos são constantemente expostos a conteúdos que confirmam suas crenças e ampliam a hostilidade em relação ao outro.
O que se observa é uma sociedade cada vez mais fragmentada, em que o espaço comum da deliberação racional cede lugar à batalha permanente de narrativas emocionais.
Essa fragmentação é, ao mesmo tempo, um produto e um combustível da economia da atenção: quanto mais polarizados os afetos, mais engajamento e tempo de tela são produzidos – e, portanto, mais lucro para as plataformas.
No fundo, trata-se de um círculo virtuoso: os algoritmos incentivam a exibição de emoções estremadas, essas emoções alimentam a polarização, e a polarização reforça a lógica algorítmica que sustenta a economia da atenção.
Zigmunt Bauman13 já advertia que, em tempos líquidos, os vínculos humanos tornam-se frágeis e sujeitos à lógica de consumo.
A política inserida nesse mesmo circuito, transforma-se em produto de fácil digestão, pautado mais pela performance emotiva do que pela construção racional de consensos.
É nesse caldo cultural que a lógica da direita encontra espaço privilegiado para ressoar, não necessariamente porque suas ideias sejam mais conscientes, mas porque sua forma de comunicar-se está mais sintonizada com a lógica algorítmica dominante.
Assim, compreender toda essa lógica do espaço virtual não é apenas uma questão de avaliar estratégias discursivas, mas de reconhecer o pano de fundo de uma sociedade que se reconfigura sob os imperativos da atenção, emoção e economia digital.
A verdadeira disputa política, hoje, passa menos pela arena parlamentar e mais pelas telas que carregam nos bolsos, onde emoções suplanta a razão e onde a dinâmica social se vê desafiada a se reinventar para não ser refém da lógica algorítmica que manipula afetos em escala massiva.
Diante desse cenário, é urgente que façamos uma pausa e reflitamos sobre o rumo que estamos tomando.
Não podemos permitir que nossas emoções sejam sequestradas pela lógica dos algoritmos e da economia da atenção, que nos transformam em peças de um jogo cujo objetivo é apenas capturar nosso tempo e dividir nossas relações.
Precisamos resgatar a consciência que o humano não se constrói na solidão das telas, mas no encontro real, na conversa desarmada, na amizade cultivada ao longo do tempo.
Recuperar as amizades perdidas, reatar os vínculos rompidos e reencontrar o valor do diálogo são atos de resistência fundamentais para não nos deixamos arrastar por uma polarização artificial, que alimenta plataformas, mas destrói a confiança e a vida em comum.
6 Considerações finais
Na sociedade conectada, a política deixou de ser apenas uma disputa de projetos racionais e tornou-se, sobretudo, uma batalha pela atenção e pela emoção.
A lógica da Esquerda, historicamente sustentada no econômico, na análise estrutural e na argumentação racional, enfrenta uma arena em que o tempo argumentativo foi substituído pela urgência de reagir.
Já a Direita, ao explorar símbolos, afetos e simplificações imediatas, encontrou no ambiente digital um terreno fértil para propagar suas mensagens com eficácia ampliada pela lógica algorítmica da economia da atenção.
Essa transformação representa mais que uma mudança de linguagem: é uma mutação no próprio modo de fazer política. Se antes a propaganda se materializava em cartazes, faixas, programas de rádio ou televisão, hoje ela se desloca para a velocidade dos feeds e das notificações, onde o impacto visual e emocional supera o argumento.
A consequência é um deslocamento profundo: não vence quem representa as razões mais consistentes, mas quem domina os códigos afetivos que mobilizam e engajam em uma sociedade saturada de estímulos.
Portanto, compreender a disputa contemporânea entre esquerda e direita exige reconhecer que não se trata apenas de ideias, mas de formas de presença no espaço híbrido entre o real e o virtual.
Nesse cenário, razão e emoção não são mais opostas, mas forças em disputa que definem não só o destino da política, mas também a qualidade da democracia.
O desafio maior talvez seja resgatar um equilíbrio: aprender a comunicar com intensidade afetiva sem abrir mão da profundidade racional, sob pena de que a política se converta em espetáculo vazio, refém de cliques e algoritmos, em vez de se manter como um espaço de construção coletiva do futuro.
Se antes eram os cartazes que coloriam os muros da cidade, hoje são os algoritmos que moldam as paredes invisíveis da nossa atenção – e é nesse espaço que a política disputa não apenas votos, mas a própria alma da dinâmica social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______. The Age of Surveillance Capitalism. Nova York: PublicAffairs, 2019.
1 Nilton Pereira da Cunha é Professor, Pesquisador, Escritor e Coordenador Educacional do Instituto Nacional de Evolução Humana. Graduado e Pós-graduação Lato e Stricto Sensu na área da Educação, também graduado e pós-graduado em Direito, com artigos e livros publicados em português e castelhano em vários países: Brasil, Argentina e Colômbia, tais como: O autismo e a interação social: Como desenvolver uma criança saudável na Era Digital; El autismo y la interacción social: como desarrollar una crianza saludable en la Era Digital; Educação, Família e Geração Digital: os desafios e perspectivas da pós-modernidade.
2 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.
3 FRASER, Nancy. Redistribution or Recognition? A Philosophical Excahnge. London: Verso, 2003.
4 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
5 LAKOFF, George. Não pense em um elefante! Linguagem e debate política. São Paulo: Editora Contexto, 2017.
6 ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.
7 BAUMAN, Zigmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
8 ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism. Nova York: PublicAffairs, 2019.
9 HAN, Byung-Chul. Idem. 2015.
10 SIMON, Herbert. Designing Organizations for na Information-Rich World. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1971.
11 HAN, Byung-Chul. No exame: perspectiva do digital. Petrópolis: Vozes, 2014.
12 SUNTEIN, Cass. #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media. Princeton: Princeton University Press, 2017.
13 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.