EDUCAÇÃO E RECURSOS DIDÁTICOS NO BRASIL COLONIAL: ORIGENS E INFLUÊNCIAS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13918115
André Francisco Freire Monteiro1
Adriele Freire Monteiro2
RESUMO
Este artigo, de base historiográfica, analisa a educação formal no Brasil durante o período colonial que ocorreu de 1500 até 1822, abordando a chegada da Companhia de Jesus e sua influência na formação e estruturação educacional do país. Os jesuítas, ao serem enviados pelo governo português em 1549, tiveram a missão de catequizar os indígenas e educar os filhos dos colonizadores. A educação jesuíta, organizada principalmente para as elites coloniais, incluía o ensino de leitura, escrita e filosofia, influenciada pela escolástica e pelos textos de Aristóteles e São Tomás de Aquino. As cartilhas jesuítas, como a "Cartinha" de João de Barros, foram os primeiros materiais didáticos utilizados em terras brasileiras. A educação tinha um papel de reafirmação da fé católica, sendo um instrumento de colonização e exclusão social, voltada para as elites econômicas, excluindo indígenas e negros escravizados do processo educacional.
Palavras-chave: Colonização. Educação. Recursos Didáticos.
ABSTRACT
This historiographically-based article analyzes formal education in Brazil during the colonial period, which lasted from 1500 to 1822, focusing on the arrival of the Society of Jesus and its influence on the country’s educational formation and structure. The Jesuits, sent by the Portuguese government in 1549, were tasked with catechizing the indigenous peoples and educating the children of colonizers. Jesuit education, primarily organized for the colonial elites, included teaching reading, writing, and philosophy, influenced by scholasticism and the works of Aristotle and Thomas Aquinas. Jesuit primers, such as João de Barros' "Cartinha," were the first didactic materials used in Brazilian lands. Education played a role in reaffirming the Catholic faith, serving as an instrument of colonization and social exclusion, aimed at the economic elites while excluding indigenous peoples and enslaved Africans from the educational process.
Keywords: Colonization. Education. Teaching Resources. Didactic Resources.
1 INTRODUÇÃO
O processo educacional no Brasil durante o período colonial foi um dos principais elementos para a consolidação da colonização e domínio dos portugueses. Com a chegada dos portugueses em 1500, as diversas culturas dos povos originários, que já possuíam formas de transmissão de conhecimento, foram progressivamente substituídas por um modelo educacional imposto pela Coroa. Esse modelo tinha como base os interesses políticos e religiosos da metrópole, sendo a Companhia de Jesus uma das principais agentes desse processo.
Fundada em 1534, a Companhia de Jesus, composta por padres jesuítas, chegou ao Brasil em 1549 com a missão de catequizar os povos indígenas e garantir a formação intelectual dos filhos dos colonizadores. Este duplo objetivo revelava o caráter instrumental da educação no Brasil colonial, que buscava não apenas difundir a fé católica, mas também consolidar o controle sobre o território e os povos originários. O projeto educacional jesuíta, contudo, estava profundamente ligado às elites econômicas, deixando de lado grande parte da população, como os indígenas e os negros escravizados.
A estrutura curricular implementada pelos jesuítas foi influenciada pelos princípios da escolástica, com destaque para o ensino de filosofia baseado nas obras de Aristóteles e Tomás de Aquino. Materiais didáticos, como as cartilhas e compêndios filosóficos, foram trazidos de Portugal ou adaptados para o contexto colonial, sendo utilizados tanto no ensino primário quanto no secundário. Entre esses materiais, destaca-se a "Cartinha" de João de Barros, um dos primeiros livros utilizados no Brasil para o processo de ensino e aprendizagem.
No entanto, o caráter excludente dessa educação ficou evidente ao longo do período colonial. Ao privilegiar os filhos dos colonos, os jesuítas limitaram o acesso ao conhecimento a uma pequena parcela da população. A educação, nesse contexto, se consolidou como um mecanismo de reprodução das desigualdades sociais e raciais que marcaram a colonização. Assim, este artigo busca analisar o impacto da educação formal no Brasil colonial, explorando seus recursos didáticos e como foram influenciadas.
Contexto Histórico
Essa pesquisa aborda a temática da educação formal no período colonial. Entende-se como Período Colonial os anos entre 1500 e 1822 em que o Brasil foi colônia de Portugal. No início do século XVI as terras brasileiras, até então ocupadas por várias nações e populações, que possuíam diversas formas de transmitir sua cultura e conhecimento, foram invadidas por Portugueses, que em 1534 dividiram as terras em capitanias hereditárias, visando garantir seu domínio. Com o fracasso da política de capitanias hereditárias o Rei de Portugal D. João III decidiu criar um governo geral para toda a colônia, assim, em 1549, a Coroa Portuguesa enviou Tomé de Sousa para assumir o cargo de governador geral, trazendo em sua esquadra os primeiros seis missionários da Companhia de Jesus para iniciar o processo de catequização dos índios e educativo em terras brasileiras.
A Companhia foi fundada em 1534 pelo padre e antigo miliar espanhol Inácio de Loyola. Desta forma, a Companhia de Jesus, instalada em Salvador (Bahia, sede do governo geral), iniciou o processo de educação formal a partir da metade do século XVI. Segundo Morais Filho (1959), o governador geral ofereceu em 1550 ao padre Manuel da Nóbrega, líder da Ordem dos Jesuítas no Brasil, um terreno em Águas de Meninos, localizado na Bahia, para construir o primeiro colégio.
A missão da Companhia de Jesus inicialmente era de catequização dos índios e ensinar a ler escrever. Constata-se que
os catecismos jesuíticos do século XVI se constituíram num instrumento de duplo significado: de um lado, possibilitavam o aprendizado das primeiras letras tanto no português quanto no tupi, isto é, transformaram-se em ‘cartilhas’ que eram utilizadas como material didático do processo pedagógico desenvolvido no âmbito das casas de bê-á-bá, embriões dos futuros colégios da Companhia de Jesus e, do outro, veiculavam a concepção de mundo da chamada ‘civilização ocidental cristã’ por meio da violência simbólica contra os elementos estruturais da cultura ameríndia. (FERREIRA JR, 2010, p. 21).
Surgiu dessa experiência de alfabetização em língua portuguesa os primeiros materiais didáticos utilizados em terras brasileiras. As cartilhas foram as principais ferramentas que auxiliaram na tarefa outorgada a Ordem dos Jesuítas de catequização dos nativos e escolarização dos filhos dos colonizadores. Para Vieira (2017, p. 27), a “cartilha, vista como primeiro livro didático no processo de escolarização, foi tomada ao longo dos séculos como imprescindível para ensinar a ler e escrever, no processo de alfabetização”.
No Brasil as cartilhas foram os primeiros materiais didáticos a darem suporte ao processo de ensino e aprendizagem. Vieira (2017) aponta ainda que a primeira cartilha a ser utilizada no Brasil foi a “Cartinha com os Preceitos e Mandamentos da Santa Madre Igreja” escrita por João de Barros, publicada em 1540 e trazida de Portugal pela Companhia de Jesus.
A educação inicialmente instituída no Brasil teve uma função primária de escolarização, ensinar a ler e escrever a partir do idioma oficial dos colonizadores/invasores e ainda propagar a religião Católica. Segundo Morais Filho (1959), juntamente com a atividade de ensino primário desenvolvido no colégio baiano jesuíta se iniciou a educação secundária (atual Ensino Médio). Cartolano (1985) mostra que com o colégio e a educação de nível médio surgiu o ensino de Filosofia no Brasil. Morais Filho (1959, p. 4), afirma que “não há dúvida alguma, pois, de que se ensinava filosofia em pleno século XVI em terras da Colônia [...]”. No mesmo caminho Nunes (2004, p. 36) afirma que:
o ensino secundário foi introduzido pelos jesuítas na sociedade colonial brasileira há praticamente 500 anos, embora outras ordens religiosas, como os franciscanos, carmelitas e beneditinos, também estivessem realizando em nossa terra um apostolado que privilegiava a educação. Ao dirigirmos nossa atenção para o passado, percebemos uma herança que criou, mediante as instituições pedagógicas e os livros didáticos, de um modo silencioso e poderoso, representações centradas na Europa. É de lá que se definiu uma data, 1500, e um ponto de partida para toda uma trajetória que tem como protagonista o colonizador branco europeu na Terra das Palmeiras ou Pindorama e sua luta contra as sociedades ágrafas aqui existentes. Tornamo-nos território de experimentação das políticas colonizadoras. É nesse contexto que surgem os colégios de ensino secundário, como produtos da missão da Companhia de Jesus no Brasil.
Os recursos didáticos utilizados pelos professores jesuítas no ensino secundário eram em grande parte textos filosóficos e compêndios de Filosofia. Segundo Xavier (2015, p. 22), “[...] o compêndio de Filosofia consiste em uma síntese geral dos conhecimentos considerados filosóficos, possibilitando conhecer, sumariamente, autores conceituados e suas principais ideias”.
A utilizações de manuais didáticos para o ensino não se consolidou como uma opção de fácil acesso durante todo o período Colonial. Serafim Leite (1948) afirma que existiram livros de Filosofia criados no Brasil, mas eles não conseguiam competir com os manuais que a Companhia de Jesus trazia da Europa, sendo o Padre Antônio Viera o primeiro a elaborar um livro de textos em terras brasileiras, intitulado “Curso de Filosofia”, destinado para suas aulas no curso de artes.
Domingues (2017) acrescenta que não foram muitos os livros voltados ao ensino e dos poucos que restaram o registro, vários não foram publicados. Ele elenca a hipótese de que a existência de livros-textos dentro dos padrões exigidos pela Companhia de Jesus acabava tornando dispensável criar novos manuais, devido aos “[...] pesados custos que uma publicação ordinária implicava na Colônia (censura, viagem dos originais e dos impressos nos dois lados do Atlântico, custo do papel, pequena escala do mercado), e recomeçar do zero” (DOMINGUES, 2017, p. 175-176).
No fim do século XVI se ensinava Filosofia em outros colégios construídos pela Companhia de Jesus, a Filosofia era ensinada no Colégio de Olinda em 1580, tinha-se colégios nas províncias de São Paulo, fundado em 1554, Rio de Janeiro em 1568. Até a expulsão dos jesuítas foram construídos outros colégios em diversas partes do Brasil.
levando-se em conta as dificuldades, seus objetivos, as dimensões geográficas do Brasil, as estruturas materiais, físicas e financeiras disponíveis e sua relativa autonomia, os números da obra jesuítica impressionam pela grandeza, pois foram fundadas 36 missões; escolas de ler e escrever em quase todas as povoações e aldeias; 25 residências dos jesuítas; 18 estabelecimentos de ensino secundário, entre colégios e seminários, nos principais pontos do Brasil, entre eles: Bahia, Vicente, Rio de Janeiro, Olinda, Espírito Santo, São Luís, Ilhéus, Recife, Santos, Porto Seguro, Paranaguá, Alcântara, Vigia, Pará, Colônia do Sacramento, Florianópolis e Paraíba. (NETO; MACIEL, 2008, p. 169).
Em sua maioria, eram colégios de ensino primário e secundário voltados para o processo de alfabetização e integração do plano de estudo dos jesuítas (instrumento de colonização e dominação). Segundo Saviani (2011, p. 57), as instituições jesuítas “[...] multiplicaram-se rapidamente, chegando a um total de 728 casas de ensino em 1750, nove anos antes da expulsão dos jesuítas do Brasil e dos demais domínios portugueses, e vinte e três anos antes da supressão da Ordem pelo papa Clemente XIV”. No período colonial “funcionavam diversas instituições do ensino secundário de tipo clássico. Nos colégios jesuítas da Bahia e do Rio de Janeiro ministrava-se o curso de artes, intermediário entre o de humanidades e os superiores” (PAIM, 1885, p. 20). O curso superior criado no Colégio da Bahia era destinado apenas para os jovens que iriam seguir carreira eclesiástica.
Segundo Cartolano (1985, p. 21), o Ensino de Filosofia que foi ofertado pela Companhia de Jesus era uma materialização das ideias da Contra Reforma Católica, caracterizando-se como uma reafirmação da Igreja, dos clássicos, apego ao dogmatismo e sendo uma “[...] reação contra o espírito crítico que nascia na Europa. [...]. O objetivo dessa educação filosófica era formar homens letrados e eruditos, e acima de tudo, católicos”.
Ferreira Jr (2010) mostra que os colégios jesuítas na Colônia eram diferentes dos mantidos pela Companhia na Europa, visto que no Brasil se mantinha o ensino primário, ação proibida pelo regulamento geral da Companhia de Jesus. Ele ressalta ainda que “o processo de criação dos colégios no Brasil Colonial, mantidos materialmente pelas fazendas de agropecuária (gado e cana-de-açúcar), efetivou-se concomitantemente à própria elaboração do método jesuítico de ensino e aprendizagem: o Ratio Studiorum” (FERREIRA JR, 2010, p. 24).
O plano geral de estudos da Companhia de Jesus o Ratio Studiorum (Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu) começou a ser construído a partir das experiências pedagógicas dos jesuítas e foi finalizado no ano de 1599, normatizando o sistema educacional em todos os países que eles estavam presentes. O plano de estudos era um conjunto de regras (cerca de 467) que estruturava todo o sistema de ensino, passando pela administração, currículo escolar e métodos de aprendizagens.
O método, por sua vez, estava assentado nos princípios pedagógicos herdados da universidade medieval e eram os seguintes: 1. Controle disciplinar rígido das normas pedagógicas estabelecidas; 2. Repetição (leitura por meio da memorização/aprendizagem mnemônica); 3. Disputas (emulação entre os grupos de alunos da mesma turma tendo como conteúdo as obras lidas, ou seja, exercícios coletivos de fixação dos conhecimentos por meio de perguntas e respostas); 4. Composição (redação de textos tendo como referência os temas de estudo); 5. Interrogações (questões formuladas sobre as obras clássicas latinas estudadas); 6. b Declamação (exposição oral dos conhecimentos aprendidos por meio da retórica); 7. Prática sistemática de exercícios espirituais (FERREIRA JR, 2010, p. 25).
O método de estudo perpassava todas as disciplinas, tanto do ensino secundário quanto dos estudos superiores. A abordagem dos textos filosóficos começava com a memorização e elaboração de comentários. O sistema educacional era dividido em nível inferior (ensino secundário) e superior,
o novo Plano começava com o curso de humanidades, denominado no Ratio de ― estudos inferiores‖, correspondentes ao atual curso de nível médio. Seu currículo abrangia cinco classes ou disciplinas: retórica; humanidades; gramática superior; gramática média; e gramática inferior. A formação prosseguia com os cursos de filosofia e teologia, chamados de ― estudos superiores‖. O currículo filosófico era previsto para a duração de três anos, com as seguintes classes ou disciplinas: 1º ano: lógica e introdução às ciências; 2º ano: cosmologia, psicologia, física e matemática; 3º ano: psicologia, metafísica e filosofia moral. (SAVIANI 2011, p. 56).
Os cursos específicos de Filosofia se voltavam para formação eclesiástica, entretanto, mantinha-se presente no ensino secundário, com o estudo da escolástica, centrado nas obras de Aristóteles e São Tomás de Aquino. No curso de Filosofia dos estudos superiores (studia superiora) estudava-se os textos de Aristóteles, “A Lógica”, no primeiro ano, De Coleo, De Generatione e Meteoros no segundo ano, continuava-se com De Genertione, De Anima e Metafísica no último ano (CUNHA, 1980). Cabe ressaltar que o ensino superior ocorria nos colégios, visto que, Portugal proibia a abertura de universidades em terras brasileiras.
No plano de estudos dos jesuítas foram descritas várias regras aos professores indicando como deviam lecionar, quais livros deveriam ser lidos, regras provinciais, normas para os reitores e prefeitos de estudo. Na 17° regra destinada ao Reitor observa-se que ele deveria cuidar para que os bibliotecários durante a “[...] distribuição de livros não se afaste das normas traçadas pelo Prefeito dos estudos” (FRANCA, 1952, p. 7), pois somente poderiam ser entregues livros permitidos no plano de estudos, devendo impedir acesso aos livros considerados perniciosos.
Na 30° regra destinada ao prefeito de estudos observa-se os livros que os estudantes poderiam ter acesso:
30. Livros que se devem dar aos estudantes. — Nas mãos dos estudantes de teologia e filosofia, não se ponham todos os livros, mas somente alguns, aconselhados pelos professores com o conhecimento do Reitor: a saber, além da Suma de Santo Tomás para os teólogos e de Aristóteles para os filósofos um comentário para consulta particular. Todos os teólogos devem ter o Concilio Tridentíno e um exemplar da Bíblia, cuja leitura lhes deve ser familiar. Consulte o Reitor se convém se lhes dê algum Santo Padre. Além disto, dê a todos os estudantes de teologia e filosofia algum livro de estudos clássicos e advirta-lhes que lhe não descuidem a leitura, em hora fixa, que parecer mais conveniente. (FRANCA, 1952, p. 9).
Normas semelhantes também foram prescritas para os professores das disciplinas dos estudos inferiores. Na 1° regra para os professores de retórica aparece que “[...] em todas as fontes, não se deve, contudo, explicar, na preleção quotidiana, senão nos livros retóricos de Cícero, na Retórica de Aristóteles, e, se parecer conveniente, também na sua Poética” (FRANCA, 1952, p. 26). Para os professores de Humanidades prescreve-se que devem ensinar os textos de Cícero, tão-somente os seus livros de filosofia moral, textos de Virgílio, Horácio, de alguns historiadores e de Cipriano Soares. Confirma-se então que os materiais de ensino mais utilizados nas aulas de nível secundário eram textos filosóficos aceitos pela Companhia de Jesus e elencados no seu plano de estudos.
A Filosofia era ensinada nos estudos inferiores a partir de diversos textos filosóficos. Alves (2002) afirma que o ensino de Filosofia durante o período colonial teve presença garantida, porém, a Filosofia estudada era aquela que correspondia a visão de mundo da Companhia de Jesus.
Cartolano (1985, p. 21) salienta que o plano de estudos elaborado pelos jesuítas não se adequava a toda a realidade da Colônia, excluindo índios e negros do sistema escolar, sendo “[...] dirigido exclusivamente aos filhos dos colonos e aos futuros sacerdotes que serviriam como elementos de articulação entre os interesses metropolitanos as atividades coloniais”. A catequese era destinada aos índios, missão ordenada por Portugal, mas o ensino secundário e o superior eram voltados para os filhos de ricos proprietários de terras. O ensino de Filosofia ficava subordinado aos preceitos teológicos se tornando, “[...] juntamente com a posse da terra e de escravos, um sinal de classe” (CARTOLANO, 1985, p. 20). Ferreira Jr (2010, p. 26), sintetiza a empreitada jesuíta da seguinte maneira:
podemos dividir a educação jesuítica colonial em duas fases que se distinguiram entre si, mas que, ao mesmo tempo, estavam relacionadas historicamente: a primeira achava-se ligada à catequese dos índios, e a segunda, aos filhos dos colonos. Dito de outra forma, na mesma medida em que o processo colonizador luso-jesuítico avançava por meio da monocultura da cana-de-açúcar, que se utilizava da grande extensão territorial (latifúndio) e da mão de obra escrava (negros desafricanizados), desapareciam as populações ameríndias, isto é, o próprio objeto da missão evangelizadora dos padres jesuítas foi sendo extinto em decorrência da ocupação violenta do território brasílico. Portanto, ao começar a segunda metade do século XVII, a educação jesuítica no Brasil Colonial já era quase exclusivamente uma educação de elite, ou seja, os colégios da Companhia de Jesus transformaram-se em verdadeiros redutos educacionais frequentados apenas pelas elites econômicas coloniais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos então um sistema educacional voltado para os filhos dos colonizadores para cerca de cem famílias, principalmente das regiões da Bahia e de Pernambuco, sendo a Filosofia para poucos “[...] lunáticos que desviados da rota tradicional da aristocracia: primogênito herdeiro da casa-grande, o segundo varão advogado e o terceiro sacerdote, já que não havia cardeal ou bispo” (DOMINGUES, 2017, p. 177). A educação aparece como privilégio e manutenção de poder. Os próprios jesuítas se beneficiavam com o processo de escravização de pessoas. A Coroa portuguesa concedia aos jesuítas o direito de uma vez por ano receber um navio com pessoas escravizadas vindo da África, transporte livre de impostos, que traziam pessoas escravizadas para trabalhar nas criações de gado e plantações de cana de açúcar mantidas pelos jesuítas. Desta forma, a ordem dos jesuítas excluiu do processo educacional os indígenas e os negros escravizados, visando tanto manter a colonização portuguesa quanto os seus interesses políticos e econômicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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XAVIER, C. F. de A. O texto filosófico no currículo do ensino de Filosofia do Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Campinas, 2015.
1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]
2 Bacharel em Psicologia e Especialista em Avaliação Psicológica. E-mail: [email protected]