EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: O NEGRO NAS PESQUISAS DO INSTITUTO FEDERAL GOIANO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10925168


Lidiane Machado Dionizio1
Ana Alice dos Passos Gargioni2


RESUMO
Este artigo objetiva compreender as pesquisas desenvolvidas acerca do negro no âmbito do Instituto Federal Goiano. Além disso, intende, como objetivos específicos, e por meio de uma revisão bibliográfica, apresentar as particularidades de uma educação antirracista, resultado pretendido da lei 10.639/03, que versa sobre a obrigatoriedade dos estudos da diversidade étnico-racial na educação brasileira. Para tanto, realizou-se um levantamento dos estudos produzidos na instituição de modo a contemplar a paisagem acadêmica da instituição nos quase 20 anos de regulamentação da normativa governamental. Foram encontrados 16 trabalhos, sendo 9 trabalhos de conclusão de curso, 3 de especialização e 4 dissertações, com autoria predominante de mulheres entre 2017 a 2022, nos quais os campi com maior recorrência de estudo são Urutaí e Hidrolândia. Assim, verificou-se que existem políticas afirmativas no Instituto Federal Goiano como trabalho do Núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas, apesar de haver poucos trabalhos, produzidos apenas nos últimos 6 anos, que abordam as temáticas raciais ao longo dos anos de criação da instituição.
Palavras-chave: Educação antirracista. IF Goiano. Relações étnico-racial.

ABSTRACT
This study aims to to investigate the researches on blacks in the Instituto Federal Goiano. In addition to that, as specific objectives, and through a bibliographical review, it intends to present the particularities of an anti-racist education, the result of law 10.639/03, which deals with the obligatory study of ethnic-racial diversity in Brazilian education. To this end, a survey of the studies produced at the institution was carried out in order to contemplate the academic landscape of the institution in the almost 20 years of government regulations. A total of 16 papers were found, which 9 of them were graduation final papers, 3 lato sensu final papers and 4 master's degree thesis, predominantly authored by women between the years 2017 and 2022, having the highest recurrence of studies at Urutaí and Hidrolândia. Thus, it appears that there are affirmative policies at the Instituto Federal Goiano as work of the Nucleus of Afro-Brazilian and Indigenous Studies, although there are few works, developed only in the last 6 years, that address racial themes over the years of creation of the institution.
Keywords: Anti-racist education. IF Goiano. Race and ethnic relations 

INTRODUÇÃO

Indubitavelmente, é na escola que ocorre a construção e a desconstrução dos saberes do indivíduo. Por isso, é de suma importância o compromisso de todos os envolvidos nesse âmbito com o processo de ensino-aprendizagem, porque é na escola que se pode modificar os indivíduos e torná-los responsáveis e conscientes a fim de melhorar a sociedade. Logo, a instituição deve preparar o aluno para os desafios que envolvem o âmbito a sociedade no geral e com a educação antirracista não é diferente, isto posto, é um local propício para a discussão da cultura negra e os seus desdobramentos. 

Outrossim, houve diversas lutas, por intermédio dos movimentos negros, para a inserção da educação antirracista no contexto escolar, e como fruto, aconteceu promulgação da lei 10.639/2003 que obriga o ensino da educação étnico-racial, sendo tal ato de conquista.

No que concerne à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), segundo Feitosa Filho e Neves (2021), conforme este documento normativo é obrigatório à inserção do tema transversal, relações-étnico raciais na educação básica, sendo incorporado nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das instituições escolares, de maneira que favoreça o processo de ensino-aprendizagem para que assim ocorra a reconstrução do saber acerca da cultura negra. 

Todavia, apesar das lutas de movimentos negros para a formulação de leis e as tentativas do estado para que a educação antirracista seja enquadrada ao ensino, ainda existem desafios que permeiam a sua inserção na prática. Segundo Santos (2019), é notório no cotidiano das instituições de ensino a relevância de debates que envolvam as relações étnicas raciais, isso se deve porque boa parte da população brasileira é negra nas instituições de educação básica que se divide no ensino infantil, ensino fundamental e médio. Com esse embasamento, justifica-se então a importância de estudar e elaborar trabalhos que embasem estudos relacionados à cultura negra. Dessarte, a pesquisa possui como objetivo geral, formar cidadãos críticos e autônomos, por meio da interação entre professores e alunos. Para que haja uma relação de divisão de experiências que poderá proporcionar o seu compartilhamento e consequentemente a sua internalização. Essa situação, portanto, torna o aluno autor da sua própria autonomia, uma vez que se apropria do conhecimento, cabendo apenas a ele discernir o que é significativo ou não. Além disso, intende, como objetivos específicos, e por meio de uma revisão bibliográfica, apresentar as particularidades de uma educação antirracista e interpretar a lei 10.639/03, que versa sobre a obrigatoriedade dos estudos da diversidade étnico-racial na educação brasileira. Para tanto, um levantamento das pesquisas foi listado de modo a contemplar a paisagem acadêmica da instituição nos quase 20 anos de regulamentação da normativa governamental.

1 EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Os movimentos antirracistas no mundo começaram no continente europeu, e posteriormente, surgiram na América e no território australiano (FERREIRA, 2012). No Brasil, segundo Westruppe e Da Silva (2020) os jornalistas negros atuaram ativamente, contribuindo para mostrar a discriminação existente e isso foi fundamental no movimento antirracista.

A impressa negra rompe com o imaginário racista do final do século XIX e início do século XX que, pautado no ideário do racismo científico, atribuía à população negra o lugar de inferioridade intelectual. Os jornais tinham um papel educativo, informavam e politizavam a população negra sobre os seus próprios destinos rumo à construção de sua integração na sociedade da época (GOMES, 2017, p. 29).

Com isso, houve a mobilização que ocasionou no surgimento de organizações que, ao longo da história, fizeram com que a luta negra ganhasse espaço na sociedade, situação que, durante a ditadura militar, perdeu sua potencialização.

Apesar disso, nos anos 70, ocorreu a instituição do Movimento Negro Unificado, mobilização que teve um papel primordial ao auxiliar a inserção da criminalização do racismo na Constituição Federal. Além disso, outro movimento importante foi a Marcha do Zumbi dos Palmares, que ocorreu na data de 20 de novembro de 1995, na cidade de Brasília, no Distrito Federal (JORGE, 2005). A marca teve como um de seus objetivos, de acordo com o documento apresentado, protestar contra a invisibilidade do negro e incentivar a criação de políticas públicas que mitigassem a desigualdade entre negros e brancos (DUARTE, 2008) tendo como consequência a criação de iniciativas municipais no estabelecimento de normativas para o combate de atos discriminatórios. 

Ribeiro (2019), no livro denominado “Pequeno Manual Antirracista”, defende que não basta apenas repudiar o racismo, é preciso ser antirracista. Para isso, faz-se necessário ir ao enfrentamento deste, seja ele explícito ou em atitudes estruturadas. Portanto, o combate ao racismo deve vir por intermédio de atitudes ativas.

No Brasil, o racismo pode ser agressivo e sutil e está presente em diferentes práticas. De modo que o racismo sutil, pode ser mascarado em diferentes faces. De maneira que os indivíduos acreditam em democracia racial que, em síntese, perpetua que o racismo foi diferente no Brasil devido à harmonia existente entre negros e brancos. Ribeiro (2019) também ressalta a importância das pessoas não se inibirem de dizer palavras como negro, branco, racismo e racista, pois é por meio da palavra que o racismo se caracteriza e também por meio da palavra que ele pode ser visibilizado e combatido.

Ademais, o racismo está estruturado nas pessoas, de modo a sociedade inferir que determinadas profissões são de ocupação por negros ou até mesmo tratar os negros com condescendência ao deduzir pouca inteligência ou incapacidade. Por cenários como esses que é urgente a valorização do fenótipo das pessoas de pele negra para, então, uma nova concepção de beleza ser criada com vistas à desconstrução do modelo eurocêntrico. Ademais a autora destaca que,

é importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como “eu não vejo cor” não ajudam. O problema não é a cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir. Vejam cores, somos diversos e não há nada de errado nisso — se vivemos relações raciais, é preciso falar sobre negritude e também sobre branquitude. (RIBEIRO, 2019, p.15)

A autora também menciona sobre a importância de apoiar as políticas afirmativas para tentar mitigar as desigualdades entre negros e brancos. Para tanto, é necessário fomentar o desenvolvimento de políticas que beneficiem os negros, inclusive, o apoio de candidatos que proponham políticas do tipo. Além disso, para de fato colocar o antirracismo em prática, é primordial transformar o ambiente de trabalho, questionando se as pessoas negras estão ali presentes e quais cargos ocupam a fim de mostrar o quão desigual é o ambiente de trabalho e, consequentemente às contatações, levar ou ampliar políticas afirmativas.

Outra percepção de Ribeiro (2019), é sobre o quão os negros são apagados no ambiente escolar, pois obras de pessoas negras não são citadas e nem mencionadas. Para mudar esse cenário, é preciso ler esses autores e citar para assim valorizar a cultura negra.

Faz parte da educação antirracista questionar a relação da pele negra com a sexualização, isso porque a autora (2019) apresenta que a mulher negra é enxergada como um indivíduo que não é digno de comunhão, mas sim como um símbolo sexual, sempre pronta para servir ao homem para o sexo casual.

Outrossim, é necessário que se reconheça os privilégios da branquitude de maneira que todos percebam que a maioria da população é negra no Brasil, problematizando, em contrapartida, a ausência dos negros em posições de poder, de modo que a branquitude compreenda e possa romper com processos naturalizantes em combate à realidade social.

Lamentavelmente, a desigualdade é explícita nas instituições escolares e na sociedade. Conforme estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), os negros são os que mais morrem, cerca de três vezes mais no Brasil, ao mesmo tempo que o censo mostra que a menor renda do país está no bolso dos negros. Além desses dados, sabe-se que menos de um quarto dos deputados, representação sociopolítica direta, são pretos ou pardos. Ainda sobre isso, 70% da população feminina branca ganha mais que as negras e somente uma em cada quatro pessoas com ensino superior é negra.

Portanto, os fatos indicam a desigualdade entre negros e brancos bem como evidenciam a disparidade em gênero e número da população que vem sofrendo há séculos por uma segregação fundamentada pelo poder etnocêntrico. Combate à violência racial por intermédio do apoio aos movimentos que debatam o punitivismo e os abusos raciais, a responsabilização da branquitude pelo racismo junto ao reconhecimento de seus privilégios são possibilidades de uma visão crítica combatendo ativamente o racismo. Diante disso, para uma educação antirracista é de suma importância aceitar que o racismo é uma realidade e que, por consequência, sua estrutura regulamenta modos de ser, pensar e agir. Ser antirracista implica um processo de vigilância na adoção de comportamentos e a inquietação é fundamental.

No mais, conforme cita Ribeiro (2010), é preciso que os professores possuam apoio no que concerne a inserção da educação étnico raciais no âmbito escolar, para assim elaborar metodologias a integrem para como por exemplo inserir personagens de grupos que são minoria na sociedade. Na formação de professores a autora sugere que

No campo da formação se torna premente a introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação: de análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico raciais e do ensino e aprendizagem da História e Cultura dos Afro-brasileiros e dos Africanos (RIBEIRO, 2010, p. 11).

Para tanto, é primordial que as questões raciais sejam debatidas em todos os âmbitos desde a educação infantil até a pós-graduação a fim de reconhecer a africanidade presente no país e desconstruir preconceitos que estão estigmatizados na sociedade desde os primórdios.

Frente aos argumentos mencionados, é percebido que os desafios ainda persistem no que se diz respeito ao antirracismo e, apesar das conquistas dos movimentos negros, é preciso saber como a educação antirracista repercute no âmbito escolar.

2 A LEI 10.639/03 E SEUS DESDOBRAMENTOS

O racismo é uma forma de discriminação que envolve a etnia ou cor de pele, em que, uma “raça” acredita ter mais capacidade que outra. No Brasil, de acordo com Guimarães (1999), após o fim da escravatura com a promulgação da Lei Áurea em 13 de maio de 1988, instituída pela Princesa Isabel, milhares de pessoas negras foram “libertadas” na sociedade colonial sem nenhum amparo. Assim, mesmo com a proibição do tráfico negreiro, os negros possuíam condições sociais, econômicas e políticas inferiores às dos brancos.

Com o passar do tempo, diversas desigualdades foram naturalizadas. Conforme De Oliveira (2000), no século XIX, foi adotada uma política que visava a construção de uma elite local de modo que essa atitude trouxesse progresso para o Brasil, haja vista que o retardo da nação era atribuído pelas características étnicas do povo, em outras palavras, o atraso da sociedade foi incumbido aos negros. Outrossim, esse movimento foi um marco para o preconceito e o racismo no país, porque consolidou uma sociedade que oprime e rejeita a cultura negra. 

O racismo, por sua vez, diferentemente do preconceito, é muito mais do que uma atitude. O racismo constitui-se num processo de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa (real ou imaginada), a qual é re-significada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento. Por exemplo, a cor da pele sendo negra (marca física externa) pode implicar na percepção do sujeito (indivíduo ou grupo) como preguiçoso, agressivo e alegre (marca cultural interna) (LIMA; VALA, 2004, p. 402).

Visto isso, é evidente que o processo ideológico de racismo se mantém nos dias atuais apesar de ser configurado de formas distintas, porque nos primórdios os negros eram tratados violentamente com chicotes e artefatos de tortura, enquanto hodiernamente a violência racial permanece de modo simbólico e é, muitas vezes, velada. Sobre isso, autores categorizam diversas manifestações de racismo.

Almeida (2019) institui o que denomina como racismo estrutural, ou seja, uma discriminação política e histórica que se fundamenta de modo sistemático. O estudioso problematiza a anormalização e a patalogização do racismo, pois é justamente o processo antagônico que regulamenta práticas discursivas e, por conseguinte, sociais. Isto é, por meio da normalização desses preconceitos é que o racismo se torna um aglomerado de práticas invisibilizadas, silenciadas, que advém de modo consciente e/ou inconsciente nas relações cotidianas. O autor pauta a questão dessa estruturação racista a partir da dinâmica econômica, política e subjetiva, que reproduzem normalizando, e normatizando, as condições de desigualdade racial.

Levando em consideração a sistematização desse racismo na sociedade nacional (ALMEIDA, 2019), entende-se que a inserção de uma educação que vise desconstruir preconceitos é de suma importância para a transformação da sociedade. Apesar disso, a lei que visou a obrigatoriedade do ensino sobre a cultura negra foi promulgada apenas nos anos 2000 (BRASIL, 2003), mais de 100 anos depois da abolição da escravatura no Brasil. Tal lei instituiu o direito e o dever de uma educação antirracista a partir da inserção da cultura negra no âmbito escolar a fim de buscar a valorização dessas práticas culturais e o combate aos preconceitos raciais, reconhecimento garantido por meio dos movimentos populares que lutam pelas questões raciais, e que, apesar disso, ainda vivenciam diversos desafios.

Segundo Guedes et al (2012), no início de 2003, um marco para a história ocorreu: a lei 10.639 (BRASIL, 2003) foi criada com o intuito de normatizar a obrigatoriedade do ensino de história e Cultura Afro Brasileira em todas as instituições escolar es brasileiras. Ademais, as lutas que os negros passaram ao longo da história e respectivas formação societal estariam inclusas nesse ensino. Conforme a lei,

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da Consciência Negra' (BRASIL, 2003)

Além disso, vale ressaltar que tal lei é uma alteração da lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ou seja, da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) e que, posteriormente, houve a alteração no artigo 26-A, parágrafos primeiro e segundo da lei 10.639/03, que reformulou o texto, acrescentando a história e a cultura indígenas, transformando essa lei no documento 11.645/08 (BRASIL, 2008). Portanto, no que se refere à cultura negra, esse fato foi de suma importância, pois constituiu subsídio legal para a valorização cultural, reconhecendo as lutas históricas dos negros (e indígenas), além de desconstruir preconceitos enraizados na sociedade e incitar a mudança da visão de que o que é negro é ruim, ao instigar o conhecimento da diversidade étnico-racial e proporcionar a representatividade para os alunos negros.

Logo, após a promulgação da lei, somente em 2004 ela foi efetivamente regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), assim fundamentou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da cultura negra e seus desdobramentos. Portanto, o CNE por intermédio do parecer n° 3 recomenda que políticas de reparações precisam obrigatoriamente proporcionar aos negros a possibilidade de êxito escolar e de valorização cultural. Ademais, necessitam de aporte que subsidie o processo de ensino-aprendizagem a fim de promover a conclusão da vida acadêmica para a formação de cidadãos conscientes do seu papel na sociedade (CNE, 2004).

Por outro lado, salienta-se que houve um longo percurso até a lei ser sancionada, em decorrência dos diversos movimentos negros que culminaram nos anos de 1970 e 1980. Nesses anos, pesquisadores constataram que o maior índice de evasão escolar era de negros e que a maioria dos alunos com déficit de aprendizagem também eram negros, isso foi atribuído, além de outros fatores, à escassez de conteúdos na escola que envolvessem e exaltassem a cultura negra. Em 1990, conforme será discorrido na sessão posterior, ocorreu a Marcha Zumbi dos Palmares, levando mais de 10 mil negros ao plenário, diretamente ao presidente da república da época para reivindicar direitos. Assim, em meio a tantas lutas, foi promulgada a lei 10.639/03 (PEREIRA; DA SILVA, 2012).

A lei que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira foi o início para o aprofundamento de discussões acerca dos negros e, a partir disso, surgir novas leis. Uma das políticas públicas promovidas pelos movimentos negros, foi a Lei 12.711/2012, que instituiu a obrigatoriedade da reserva de vagas nas instituições escolares para pretos pardos e indígenas. A implementação dessa política foi iniciada no governo de 1995 a 2003 e apenas se tornou, de fato, uma lei no ano de 2012, assim escancarando o quanto as lutas negras foram longas e penosas.  Outrossim, essa política visou a equidade, pois trata o desigual de acordo com a sua necessidade, isto é, a partir do princípio da equidade (OLIVEIRA; DE ANDRADE, 2014). Logo, os que possuem menos oportunidades ao longo da sua trajetória possuem a chance de ocupar os mesmos lugares dentro de uma universidade ou setor público que uma pessoa mais favorecida na sociedade, reafirmando o princípio da Igualdade presente na Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988).

Além dessas leis, houve a promulgação da Lei 12.288/2010, que instituiu o tratamento igualitário entre raças. Por conseguinte, a publicação dessa lei, de acordo com Da Silva (2011), trouxe novas discussões acerca da forma que o Estado reconhece e trata os cidadãos de maneira desigual, o que evidencia a “discriminação positiva”, porque o racismo estrutural atravessa esses decretos – e toda a sociedade.

A lei em destaque trouxe, sobretudo, novas possibilidades – e desafios – à educação nacional, dentre elas desdobramentos que impactam a realidade das instituições de ensino frente a diversidade das relações étnico-raciais, como veremos na seção a seguir.

2.1 POLÍTICAS AFIRMATIVAS DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO INSTITUTO FEDERAL GOIANO

De acordo com a plataforma do Instituto Federal Goiano (doravante IF Goiano), a instituição é originária das antigas escolas agrícolas voltadas ao ensino técnico e profissionalizante. O IF Goiano foi criado por meio da lei 11.892/08. Acerca da história do órgão, sabe-se que

o IF Goiano integrou os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) de Rio Verde, de Urutaí e sua respectiva Unidade de Ensino Descentralizada de Morrinhos, mais a Escola Agrotécnica Federal de Ceres (EAFCE) – todos provenientes de antigas escolas agrícolas. Como órgão de administração central, o IF Goiano tem uma Reitoria instalada em Goiânia, Capital do Estado. Em 2010, a Instituição inaugurou mais um campus em Iporá e em 2014 iniciou atividades em três novos campi, em Campos Belos, Posse e Trindade. Além destes, a Instituição também possui quatro campi avançados, nas cidades de Catalão, Cristalina, Ipameri e Hidrolândia, totalizando doze unidades em Goiás (INSTITUTO FEDERAL GOIANO, 2019, sp).

Assim, o IF Goiano conta com cursos técnicos, superiores, mestrados, doutorados, especializações e Ensino a Distância, sendo que possui ao total cerca de 6 mil alunos em todas as suas unidades. Ademais, os cursos superiores são voltados para a tecnologia, agropecuária, bacharelado e licenciatura e os cursos técnicos profissionalizantes atuam de maneira participativa, permitindo o ingresso nos campi também por intermédio do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos (Proeja). Além disso, na modalidade de mestrado possui diversas áreas e é o único Instituto Federal que abrange o grau acadêmico de doutorado. Em relação aos cursos de Ensino a Distância, há cerca de 55 polos nas microrregiões do estado que contemplam cerca de 60 municípios, possuindo um número próximo de 7.000 alunos. Por fim, de acordo com o IF Goiano em relação a tríade de Missão, Visão e Valores:

Missão
O Instituto Federal Goiano (IF Goiano) busca promover educação profissional de qualidade, visando à formação integral do cidadão para o desenvolvimento da sociedade.

Visão
Consolidar-se como instituição de referência nacional na promoção de educação profissional verticalizada.

Valores
Ética, respeito à diversidade e ao meio Ambiente, comprometimento, gestão Democrática, transparência, Integração, excelência na atuação (INSTITUTO FEDERAL GOIANO, 2019, sp)

No que concerne ao sistema de cotas, o Instituto Federal Goiano segue a lei 12.711/12 que institui que as 50% das vagas das instituições federais serão de estudantes de escolas públicas, pessoas com a renda per capta inferior a 1,5 e por fim

[..] autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2012).

Ações afirmativas são de suma importância para mitigar os preconceitos enraizados nas sociedades. Para tanto, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em 2006 superintendeu a criação dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros aos Institutos Federais e, posteriormente com a promulgação da lei 11.645/08, a mesma secretaria deliberou a instituição de comissões que visavam a criação de tais núcleos nos demais locais (MARTINS; DE SOUZA, 2021).

De acordo com Ribeiro e Branquinho (2020), no âmbito do Instituto Federal Goiano, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI)3 é um departamento de pesquisa que promove ações afirmativas que envolvam a diversidade étnico-racial no tocante, principalmente, as culturas negras e indígenas. Ademais, as autoras ressaltam que a fundação do núcleo visou efetivar o cumprimento da legislação e incentivar ações que findem com o preconceito e a discriminação.

3 PANORAMA DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NAS PESQUISAS DO IF GOIANO

Diante das articulações anteriores, nesta seção, a fim de vislumbrar a discussão acerca da temática ao longo dos quase 20 anos de efetivação da lei 10.639/03, propõe-se aqui um levantamento bibliográfico dos trabalhos de pesquisa realizados no Instituto Federal Goiano.

Dessa maneira, visitou-se as plataformas da Capes e do Repositório do IF Goiano (RIIF GOIANO) com a finalidade de coletar dados, sendo que, na primeira plataforma, selecionou-se apenas trabalhos de dissertações e, na segunda, selecionou-se, de trabalhos de teses e dissertações, trabalhos de monografia - especialização, dado o interesse do estudo em trabalhos direcionados à temática. Para tanto, os vocábulos chaves selecionados para a pesquisa estão em consonância com o tema do trabalho, sendo eles, em regra alfabética: “educação antirracista”, “étnico-raciais”, “étnico raciais”, “antirracista”, “negra/o”, “negritude”, “raça”, “racismo”, “racista”. Com a realização das pesquisas pelos termos chaves, na plataforma Capes, apenas um artigo relacionado foi encontrado. No RIIF GOIANO, 4 dissertações e 3 artigos de especialização estavam relacionados ao assunto estudado. Vale ressaltar que a maioria dos pesquisadores que se interessam pelo tema são do gênero feminino, sendo as mulheres correspondentes a quase 70% dos trabalhos, isso se deve pelas mulheres serem predominantes nos cursos de formação de professores.

Após esses levantamentos, realizou-se a leitura dos trabalhos encontrados para entender de que maneira a educação antirracista é abordada pelos pesquisadores nos trabalhos do IF Goiano. Para descrever os trabalhos selecionados, primeiramente foram descritos os trabalhos de doutorado e mestrado e, posteriormente, os trabalhos de especialização.

Quadro 1: Levantamento Bibliográfico realizado por intermédio dos bancos de dados da CAPES e Repositório do Instituto Federal Goiano (RIIF GOIANO).

TÍTULO

AUTOR

ANO

CAMPUS

GÊNERO

TIPO

PALAVRAS CHAVES

Formação docente e as relações étnico-raciais: a literatura como instrumento de implementação da lei n° 10.639/03 nas escolas públicas estaduais na cidade de Pires do Rio -GO.

Leandra Aparecida Mendes dos Santos RODRIGUES

2021

Urutaí

Feminino

Dissertação

étnico raciais, étnico-raciais, étnico, negra, negro, raça, racismo, racista.

Literatura infantil e formação de professores: caminhos para a implantação da lei nº 10.639/03

Leida Corrêa DA SILVA

2021

Urutaí

Feminino

Dissertação

educação antirracista, étnico-raciais, étnico raciais, antirracista, étnico, negra, negro, raça, racismo, racista

Ações afirmativas no IF Goiano Campus Urutaí: viabilidade para fortalecimento da identidade negra

Patrícia Gonçalves JESUS

2021

Urutaí

Feminino

Dissertação

étnico raciais, étnico-raciais, étnico, negra, negro,

Quilombo Boa Nova de Professor Jamil: olhares sobre racismo, educação não formal e empoderamento

Elias Paes de ARAÚJO

2022

Ceres

Masculino

Dissertação

negra, racismo

Das representações do negro no universo escolar aos desafios da educação para as relações étnico-raciais

João Batista OLIVEIRA NETO

2021

Ipameri

Masculino

Monografia-especialização

étnico-raciais, étnico raciais, étnico, negritude, negro

A noção de raça e racismo nos discursos de construção e apresentação de personagens negros na literatura infanto-juvenil brasileira

Roselina AGUIAR

2021

Rio Verde

Feminino

Monografia-especialização

étnico-raciais, étnico raciais, étnico, negra, negro, raça, racismo, racista

Dificuldades encontradas por jovens negros para o acesso à universidade

Gisele Curi de FARIA

2019

Ipameri

Feminino

Monografia-especialização

negro, racismo

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa.

O trabalho “Formação docente e as relações étnico-raciais: a literatura como instrumento de implementação da lei n° 10.639/03 nas escolas públicas estaduais na cidade de Pires do Rio - GO”, Rodrigues (2021) versa sobre a falta de formação de professores acerca da educação para as relações étnico-raciais, justificando a persistência do preconceito no âmbito escolar. O objetivo do trabalho foi contribuir com a mudança desse cenário, de maneira a implementar a lei 10.639/03 no ensino fundamental de escolas públicas da cidade de Pires do Rio, situada no interior de Goiás, por intermédio de um curso de formação continuada que abrangeu professores da Língua Portuguesa. Para tanto, houve uma investigação para compreender se a Lei 10.639/03 estava sendo efetivada de maneira fidedigna na realidade desses professores, realizando um questionário antes e após o curso de formação continuada. Desta maneira, como resultados da pesquisa, Rodrigues (2021) apontou que os professores não possuíam formação acerca da educação para as relações étnico-raciais. Ademais, constatou-se que a legislação traz a obrigatoriedade dessa premissa, mas há um abismo entre a lei e a sua efetiva implementação. Após a realização do curso, aqueles professores se mostraram motivados a trabalhar a temática, de modo que houve uma boa aceitação por parte dos docentes, demonstrando aprendizado sobre o assunto.

Na pesquisa intitulada “Literatura infantil e formação de professores: caminhos para a implantação da lei nº 10.639/03”, Silva (2021) discute sobre a literatura infantil ser um potencial recurso para tratar da lei 10.639/03 a fim de implantá-la efetivamente. Em primeira instância, o autor discorreu sobre os documentos legais que fomentam a lei a fim de dar aporte teórico ao trabalho. Os objetivos do trabalho, de maneira geral, consistiram na análise, elaboração e implementação de práticas pedagógicas antirracistas por intermédio da literatura infantil na rede pública ensino da cidade de Pires do Rio, no estado de Goiás. Como percurso metodológico tem-se a análise da literatura infantil e de documentos que norteiam as escolas alvo da pesquisa. Além disso, ocorreu a aplicação de um questionário antes e após o curso de formação continuada que foi realizado. Os resultados mostraram que os professores desconheciam a lei, o que determina a necessidade de cursos que visem a formação continuada e da qualificação profissional dos professores para que a lei 10.639/03 seja garantia real e prática. Ademais, a pesquisa evidenciou a carência de políticas públicas que efetivem a formação continuada em relação à educação das relações étnico-raciais.

O trabalho “Ações afirmativas no IF Goiano - Campus Urutaí: viabilidade para fortalecimento da identidade negra”. Jesus (2021) objetivou investigar o modo como os alunos do IF Goiano entendem suas identidades raciais no âmbito escolar e qual a função da escola nessa construção. Para obter essa compreensão, foi necessário investigar o convívio dos alunos negros no campus e verificar a maneira que as questões étnico-raciais foram trabalhadas, para, por fim, identificar os subsídios ofertados para a construção da identidade negra. O estudo foi realizado com alunos do Ensino Médio que se autodeclaravam pretos e pardos por meio de uma pesquisa antes e após uma oficina que tinha como intuito levar conhecimento acerca das políticas de ações afirmativas. Na primeira entrevista, constatou-se que os alunos não notavam discriminação no âmbito escolar e que desconheciam a lei das cotas, além de não serem elaboradas atividades com a temática étnico-racial. Após a realização da oficina e aplicação do questionário, percebeu-se que a oficina conseguiu repassar apresentar os direitos garantidos institucionalmente de maneira congruente.

No estudo “Quilombo Boa Nova de Professor Jamil: olhares sobre racismo, educação não formal e empoderamento”, Araújo (2022) intencionava entender o combate ao racismo efetuado pela comunidade, além dos modos de busca pelo autorreconhecimento e empoderamento comunitário. Assim, foi feita uma pesquisa bibliográfica acerca do tema e posteriormente foi realizada uma entrevista com integrantes dos quilombos. Como resultados, observou-se que a comunidade quilombola referida é um espaço informal para a disseminação de informações que combatem o racismo e também gera o empoderamento. Ao final da pesquisa um E-book sobre a cidade de Professor Jamil e Quilombo Boa Nova foi organizado.

O trabalho “Das representações do negro no universo escolar aos desafios da educação para as relações étnico-raciais”, Oliveira Neto (2021) propôs a apresentação de um cenário da aplicação da lei 10.639/03. Assim, o autor apresentou uma revisão bibliográfica para entender os movimentos históricos que originaram a lei citada. Ademais, verificou alguns desafios que permeiam o âmbito escolar, tais como o desconhecimento da história africana e afrodescendente, assim como imagens negativas associadas à negritude. De maneira geral, o autor destacou a importância do estudo para mostrar a carência de políticas públicas que visem o reconhecimento, a representatividade e a visibilidade da história afro-brasileira em todas as formações docentes, sejam elas inicial ou continuada.

A pesquisa “A noção de raça e o racismo nos discursos de construção e apresentação de personagens negros na literatura infanto-juvenil brasileira”, Aguiar (2021) apresentou a produção discursiva de narrativas sobre a história negra na literatura infanto-juvenil para identificar as noções de raça e racismo. De modo que, foi questionado de que forma as falas em nas literaturas infanto-juvenis podem reproduzir discursos racistas e contribuir para a perpetuação do racismo. Ademais, também foi questionado se havia indicadores de quilombismo na comunicação dos livros. A pesquisa teve cunho qualitativo e investigou o que é reproduzido nos livros infanto-juvenis para, assim, destacar quais as consequências desses discursos. As análises foram realizadas com diversos autores que abordam o tema. Após as pesquisas, notou-se que as falas e os discursos proferidos podem trazer sentidos ambíguos sobre a aparência, disseminando racismo e uma inferioridade relacionada ao negro.

No estudo “Dificuldades encontradas por jovens negros para o acesso à universidade” Faria (2019) analisa as dificuldades dos negros no ingresso e na permanência nas universidades por intermédio de um levantamento sobre a frequência e a evasão escolar no Ensino Fundamental e Médio. Os resultados do levantamento identificaram que o número de negros que concluíram o Ensino Superior aumentou, entretanto ainda existem desafios que permeiam a entrada e a conclusão de curso nas universidades, tais como: a necessidade de trabalhar e estudar o que acaba na evasão escolar e o racismo.

Diante desse panorama, nota-se que seis trabalhos mencionam a educação e ações antirracistas. As dissertações “Formação docente e as relações étnico-raciais: a literatura como instrumento de implementação da lei n° 10.639/03 nas escolas públicas estaduais na cidade de Pires do Rio - GO” e “Literatura infantil e formação de professores: caminhos para a implantação da lei nº 10.639/03” versam acerca da implementação da lei 10.639/03 com o auxílio da literatura infantil. Em ambas fica evidente que a lei não é implementada de maneira fidedigna no âmbito escolar e que diversos desafios permeiam essa prática, como a falta de preparo dos professores que, muitas vezes, desconhecem modos de trabalhar as relações étnico-raciais.

No estudo “Ações afirmativas no IF Goiano Campus Urutaí: viabilidade para fortalecimento da identidade negra” foi constatado que os alunos não sabem sobre leis antirracistas e que há pouca promoção de ações que envolvam as relações étnico-raciais o que indica novamente o descumprimento ou a mitigação da efetivação da lei 10.639/03. Isso corrobora com Santos (2019) ao mencionar que a instituições escolares, na maioria das vezes, possui conhecimento acerca da legislação e da obrigatoriedade de se ensinar a cultura negra, mas a descumpre, seja por não saberem trabalhar o conteúdo no âmbito escolar ou por acharem desnecessário. Visto isso, ressalta-se que existem diversos desafios no ensino das relações étnico-raciais e que é preciso fiscalizar e fazer com que ele seja garantido.

Os três trabalhos citados acima desenvolvem produtos educacionais que tentam mudar essa realidade e possuem resultados positivos na questão do aprendizado das questões raciais. Ao ter em vista esses resultados, infere-se a importância de trabalhos de pesquisa que desenvolvam a temática racial para tentar transformar essa realidade.

O trabalho “Quilombo Boa Nova de Professor Jamil: olhares sobre racismo, educação não formal e empoderamento” mostra uma educação antirracista de maneira informal, de modo que uma associação quilombola instituiu uma educação informal dentro da comunidade com a finalidade de promover o empoderamento entre seus pares. Isso leva ao seguinte questionamento, será que se a educação antirracista depende exclusivamente do ensino formal, da escolarização? Lima, Silva e Araújo (2021), nesse viés, entendem que é função da escola assegurar a todos e todas uma educação antirracista, a fim de que os alunos possam se desenvolver diante dos aspectos de sua existência como profissionais sociais e emocionais. Inclusive porque a escola, com professores capacitados, pode desmistificar e corrigir determinados conceitos equivocados que podem existir em uma educação informal.

No que concerne aos trabalhos voltados à especialização, a pesquisa “Das representações do negro no universo escolar aos desafios da educação para as relações étnico-raciais” também mostra a dificuldade na efetivação da legislação. Além disso, problematiza as consequências de não se exercer esse tipo de educação no ambiente escolar. Deste modo, verifica-se quantos impasses ainda estão presentes na realidade escolar, ressaltando a necessidade de continuar o trabalho científico que versa sobre as relações-étnico raciais de modo a coadunar teoria e prática.

O trabalho “A noção de raça e racismo nos discursos de construção e apresentação de personagens negros na literatura infanto-juvenil brasileira” apresenta a percepção de que, em livros de literatura infantil, há discursos que valorizam a cultura negra, mas eles, ao mesmo tempo, podem levar a pensamentos racistas. Logo, entende-se a importância de o professor estar capacitado para lidar com essas concepções, bem como para romper o senso comum, diante de normalizações das vidas negras. Para tanto, ressalta-se a urgência da inquietação dessa figura mediadora assim como a consciência do seu inacabamento.

Além desses estudos, constatou-se, no âmbito da graduação, outros 9 Trabalhos de Conclusão de Cursos4 no repositório do IF Goiano. Ademais, igualmente aos trabalhos de dissertação e especialização, o gênero que demonstra maior interesse pela pauta é o feminino, sendo cerca de 90% deles escritos por mulheres.

Quadro 2: Levantamento bibliográfico realizado por intermédio do banco de dados do Repositório do Instituto Federal Goiano (RIIF GOIANO): graduação.

TITULO

AUTOR

ANO

CAMPUS

GÊNERO

TIPO

PALAVRAS CHAVES

Reflexões sobre a Lei 10.639/2003 a partir da obra Africalidades, da coleção Afroletramento, voltada para os anos iniciais do ensino fundamental

Amanda Karla Correa RÊGO

2022

Hidrolândia

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Educação antirracista, étnico-raciais, étnico raciais, antirracista, negro, raça, racista


Ludicidade no processo de ensino e aprendizagem da matemática no contexto da Educação Infantil: contribuições da teoria histórico-cultural

Cristiane Maria Lisboa NUNES

2022

Hidrolândia

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

“Educação antirracista”

A abordagem de questões étnico-raciais em sala de aula por meio da literatura infantil

Kátia Sulaine Goulart da SILVA

2021

Morrinhos

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Étnico-raciais, étnico raciais, negra

A literatura infantil e o tratamento de questões étnico-raciais nos anos iniciais do ensino fundamental

Deizylaila Dalyla SILVA

2017

Morrinhos

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Étnico-raciais, étnico raciais, negra, negro, racismo, racista

Racismo estrutural: questões étnicas no ambiente escolar

Francys Maria Carlota Mendes SÁ

2022

EAD

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Negra, negro, racismo, raça

O negro e suas facetas no livro didático de história para as séries iniciais

Luciene de Lima Xavier SILVA

2019

Morrinhos

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Negro.

A composição da personagem Tia Anastácia em Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato

Rosa, Leandro da SILVA

2022

Iporá

Masculino

Trabalho de Conclusão de Curso

Racismo


O cabelo de Lelê: uma análise da representação dos negros nas obras de literatura infantil

Neurane Joaquim de SOUSA

2022

Iporá

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Negritude, negro, negra

O multiculturalismo e sua importância na educação infantil

Elisandra Tolentino SOUZA

2022

EAD

Feminino

Trabalho de Conclusão de Curso

Negro

Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa.

Diante do exposto, de acordo com o levantamentos realizado no presente estudo, percebe-se que há poucos artigos no IF Goiano nas categorias de mestrado e especialização e graduação, mostrando que é preciso elaborar mais trabalhos na temática e consequentemente incentivar e ascender discussões nesse âmbito, pois, apesar de uma educação antirracista já regulamentada, diante de todos os aspectos legais apresentados, existem ainda diversos desafios para que tais práticas sejam difundidas no âmbito escolar, o que torna necessário o entendimento de como uma educação antirracista, conforme diferentes autores, ocorre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o findar da pesquisa, é perceptível que as lutas negras foram penosas e duradouras e persistem atualmente. Então, pode-se perceber que, para uma educação antirracista, é preciso colocar práticas antirracistas no nosso cotidiano para assim ser de fato um indivíduo que repudia o racismo. Faz- se necessário colocar essas atitudes no âmbito escolar, no trabalho e é preciso ser crítico para observar o racismo em si.

Ademais, é notório que foi por intermédio dessas lutas que diversas conquistas aconteceram, como a lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira na educação básica e, além disso, outras leis adjacentes, criadas graças ao incentivo desta, como a reserva de vagas para pretos em universidades e concursos, pauta de grande reparação histórica para os afro-brasileiros.

Entretanto, ainda existem diversos desafios que precisam ser enfrentados, tais como o preconceito recorrente na sociedade e a falta de representatividade no âmbito escolar e na sociedade de modo geral. Indubitavelmente, há escassez de figuras negras nos livros didáticos e quando se comenta acerca da história negra em sala de aula, na maioria das vezes, o negro é colocado em subserviência, como coadjuvante na construção dos cidadãos brasileiros.

No que concerne ao Instituto Federal Goiano, a instituição possui políticas afirmativas que mobilizam ações que reafirmam os pretos pardos e indígenas. Dentre essas ações, pode-se destacar o sistema de reserva de vagas. O IF Goiano possui o Núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas, fundado com o intuito de cumprir com as leis que visam a introdução da cultura negra e indígena no âmbito escolar, além da promoção ao combate do preconceito e da discriminação.

Ao realizar o panorama nas pesquisas relacionadas às relações étnico – raciais, notou-se que, do ano de fundação do IF Goiano até o ano de 2022, ou seja, 14 anos de instituição, foram encontrados apenas quatro trabalhos de dissertação de mestrados, três de monografia- especialização e nove trabalhos de conclusão de curso (TCC), totalizando 16 trabalhos acadêmicos de temáticas obrigatórias, no que diz respeito ao campo legislativo.

Notou-se também que o gênero predominante na autoria de abordagem dessa temática é o feminino e o campus com maior quantidade de TCC é o campus Hidrolândia e o com maior quantitativo de trabalhos de mestrado é o campus Urutaí, entre 2017 e 2022, fator que evidencia a incipiência de tais estudos, bem como a escassez de pesquisadores de tais pautas no âmbito institucional. Nesse sentido, verifica-se a necessidade de aprofundamento temático, bem como políticas que garantam a capacitação de profissionais, a efetivação/contratação de mais docentes que possam assumir e sustentar a visibilização das questões raciais e étnicas desconsideradas historicamente.

Para futuros trabalhos, sugere-se que a pesquisa seja ampliada nos Institutos Federais do Brasil para a realização de um panorama nacional a fim de revelar a atual situação das pesquisas das relações étnicos-raciais no país.

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Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Formação de Professores e Práticas Educativas do Instituto Federal Goiano - Campus Avançado Ipameri.

1 Licenciada em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal Goiano- Campus Urutaí.

2 Professora EBTT – IF Goiano - Campus Avançado Ipameri. Doutora em Linguística Aplicada – UNICAMP.

3 Para mais informações, acesse o regulamento dos NEABI – IF Goiano por meio do link: https://suap.ifgoiano.edu.br/media/documentos/arquivos/Regulamento_NEABI_lAVR4TB.pdf

4 Os trabalhos de conclusão de curso não serão esmiuçados aqui a fim de possibilitar futuras análises em pesquisas mais amplas.