EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO ATUAL CENÁRIO POLÍTICO, HISTÓRICO E SOCIAL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10689831


Daniane Rafaela de Oliveira1


RESUMO
Sabemos que as pesquisas sobre relações étnico-raciais vêm se ganhando cada vez mais no espaço cenário acadêmico e nos movimentos sociais, a ponto de interferir de forma concreta em políticas públicas e ações governamentais. Assim, este trabalho, cujo nome é Educação antirracista no atual cenário político, histórico e social do Brasil, visa evidenciar reflexões e práticas pedagógicas que assegurem os pressupostos da Educação Antirracista na sociedade. A temática da educação antirracista é composta por desafios devido as nossas profundas raízes marcadas pelo racismo, portanto é importante que a educação se aproprie de um olhar amplo e que contemple os diversos atravessamentos sociais da prática escolar.
Palavras-chave: Educação Antirracista. Relações étnico-raciais. Racismo. Sociedade.

ABSTRACT
We know that research on ethnic-racial relations is increasingly gaining ground in the academic space and in social movements, to the point of concretely interfering in public policies and government actions. Thus, this work, whose name is Anti-racist Education in the current political, historical and social scenario in Brazil, aims to highlight reflections and pedagogical practices that ensure the assumptions of Anti-racist Education in Brazil. The theme of anti-racist education is made up of challenges due to our deep roots marked by racism, therefore it is important that education takes a broad view and takes into account the different social crossings of school practice.
Keywords: Anti-Racist Education. Ethnic-racial relations. Racism. Society.

1 INTRODUÇÃO

A educação antirracista pode ser entendida como uma prática escolar contempladora do combate ao racismo na escola e na formação dos alunos, reconhecendo as várias contribuições da cultura negra no Brasil e no mundo. O trabalho desenvolvendo ideias e pensamento crítico faz parte de uma luta antirracista, devendo estar presente na escola e envolver debates e reflexões sobre a representação e atuação da população negra na sociedade.

Segundo Ferreira (2014), as pesquisas sobre o Antirracismo vêm trazendo assuntos sobre raça, justiça social, igualdade racial/étnicas, além de temas como o poder e a exclusão, mostrando que os estudos não estão focados somente nos aspectos culturais. A autora destaca que Educação Antirracista é um termo utilizado no Brasil considerando fatores curriculares, pedagógicos e a uma vasta variedade de estratégias organizacionais, tendo como objetivo promover a igualdade racial e eliminar maneiras de discriminação e opressão, tanto individual como institucional.

O debate sobre a Educação Antirracista pode ser considerado importante, pois de acordo com Cavalleiro (2001) existe uma evidente escassez da presença dos estudantes não-brancos nas representações dos livros, fotografias ou cartazes nas paredes das escolas. Também, há evidências de desrespeitos pelos alunos não-brancos com práticas de xingamentos e uma inadequação dos professores com relação a estes comportamentos. Além de um tratamento diferenciado dado aos estudantes não-brancos, quando comparado a forma como os professores interagiram com os estudantes brancos. Isso mostra o quanto a formação do aluno está implicada em práticas educacionais favorecedoras ou não da luta antirracista.

Sendo assim, apoiado na Linguística Aplicada, que considera a atividade de pesquisa algo voltado à valorização, à heterogeneidade, à fragmentação e à mutabilidade do sujeito social (Moita Lopes, 2018) esse trabalho contempla a possibilidade política de construção de outras histórias e de outras formas de sociabilidade. Seu objetivo é mostrar o desenvolvimento da reflexão sobre como a educação antirracista vem atuando no atual cenário político, histórico e social do Brasil. Ele tratará do conceito de uma educação antirracista, bem como suas contribuições para o processo de construção de uma sociedade melhor.

1.1 EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

O papel da escola é assunto controverso e exaustivamente debatido, mesmo assim, há um desacordo de práticas educacionais. A preparação para o mercado de trabalho acaba sendo o objetivo básico e primordial da escola por parte de uma corrente de pensadores. Essa ideologia deu propulsão a um imenso número de escolas técnicas nos anos 70. Por outro lado, a escola tem como função formar cidadãos críticos para a contribuição no mundo. Essa proposta está nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998).

Sabe-se que a preocupação maior da escola, principalmente da privada, é com o número de aprovados nos exames de vestibulares e que, com a disparidade de exigências, é consolidada, na escola, as desigualdades existentes na sociedade, entre elas a étnico-racial. Portanto, é evidente que a escola, muitas vezes, não assume um papel na formação de cidadãos críticos e acaba se prendendo aos aspectos conteudistas, sendo que o exemplo da escola particular implica em um desfavorecimento da luta antirracista na formação das pessoas.

É necessário ter em mente que o assunto “antirracismo” ainda carece de debates e estudos entre os educadores, uma vez que é preciso compreender quais seriam as efetivas ações para a prática de uma educação antirracista. Pensando nisso trago um a quadro 1, de Ferreira (2011), feito para orientar a análise das aulas dos professores quando se considera o antirracismo. A autora realiza este quadro a partir do estudo de Gillborn (1995) intitulado Racismo e Antirracismo nas Escolas Reais.

Quadro 1 Características das aulas de Educação Antirracista

Na Educação Antirracista, o professor estimula os alunos a dizer o que eles têm ouvido ou pensam sobre um assunto, sem ser demasiado vigiado por medo das interpretações dos outros (GILLBORN, 1995, p. 145).

A Educação Antirracista ultrapassa um interesse na “cultura” e na “diferença”, e implica um ativo desafio para os pressupostos negativos e tratamento desigual (seja por pares ou professores) (GILLBORN, 1995, p. 154).

A Educação Antirracista deveria ter aulas que dão voz a todos os alunos, permitindo-lhes explorar o racismo a partir de diferentes perspectivas (GILLBORN, 1995, p. 142).

Fonte: FERREIRA, Aparecida de Jesus. Addressing Race/Ethnicity in Brazilian Schools: A Critical Race Theory Perspective. Seattle, WA, USA: CreateSpace, 2011.

O quadro acima pode ser utilizado como uma orientação aos professores, uma vez que surgiu da constatação das dificuldades encontradas no trabalho docente para a abordagem de questões relacionadas à pluralidade cultural, e principalmente, às questões sobre raça/etnia. Antes disso, algumas ações já haviam sido sugeridas por Cavalleiro (2001) para que a educação estivesse voltada para a igualdade. Tal discussão inclui oito características de uma Educação Antirracista que serão citadas abaixo:

1. Reconhece a existência do problema racial na sociedade brasileira.

2. Busca permanentemente uma reflexão sobre o racismo e seus derivados no cotidiano escolar.

3. Repudia qualquer atitude preconceituosa e discriminatória na sociedade e no espaço escolar e cuida para que as relações interpessoais entre adultos e crianças, negros e brancos sejam respeitosas.

4. Não despreza a diversidade presente no ambiente escolar: utiliza-a para promover a igualdade, encorajando a participação de todos/as os/as alunos/as.

5. Ensina às crianças e aos adolescentes uma história crítica sobre os diferentes grupos que constituem a história brasileira.

6. Busca materiais que contribuam para a eliminação do ‘eurocentrismo’ dos currículos escolares e contemplem a diversidade racial, bem como o estudo de ‘assuntos negros’.

7. Pensa meios e formas de educar para o reconhecimento positivo da diversidade racial.

8. Elabora ações que possibilitem o fortalecimento do auto-conceito de alunos e de alunas pertencentes a grupos discriminados (Cavalleiro. 2001, p. 158).

O autor acima sugere assuntos para o trabalho nas escolas. Hoje, temos a Lei nº 10.639/03 que contribui ao trazer novas práticas pedagógicas e tornar o enfrentamento ao racismo uma experiência real na educação. Essa experiência real envolve todos os sujeitos da escola e uma prática de releitura dos conhecimentos acumulados. Portanto, essa lei desafia ao questionamento de estruturas relacionadas à formação do ser humano.

Outra necessidade para o desenvolvimento de uma educação antirracista seria a reflexão da representação de raça na educação, de modo a fazer reconstruções históricas que priorizem novos olhares para a população negra colocando sua história, memória e cultura como centro dos assuntos e temáticas educacionais. Hooks (2020) traz a experiência com sua escrita de livros infantis e como isso ofereceu outros paradigmas e novos olhares para descolonizar as mentes dos alunos.

Eu sabia que queria escrever livros infantis que oferecessem novos paradigmas, novas maneiras de enxergar o mundo e pensar sobre ele, e que fossem, ao mesmo tempo, livros divertidos, cuja leitura desse prazer. Assim como grande parte de minha teoria sobre raça, gênero e classe social foi motivada por experiência pessoal, lembrei-me da linguagem carinhosa que mamãe com frequência usava com suas meninas; ela nos chamava de girlpie [menininha]. E foi aí que começou a primeira frase de Meu crespo é de rainha: “Menininha do cabelo lindo e de cheiro doce, macio como algodão, pétalas de flor ondulada e fofa, cheio de chamego e de aconchego.” “Uau!”, pensei, ao escrever isso. “De onde veio isso? Ah! O poder da imaginação. Ela me proporcionou uma maneira de pensar fora da caixa, de imaginar formas de falar e de pensar positivamente e com alegria sobre meninas negras e nossos cabelos. (Hooks. 2020, p. 216-217)

A educação precisa, então, recordar que os moldes políticos e econômicos constituem, historicamente, o favorecimento da branquitude e que esses também interferiram nos moldes educacionais. Deve-se compreender que a educação é algo influenciado pelos desdobramentos econômicos e sociais, revertidos no contexto escolar.

O contexto histórico colonial no Brasil gerou culturalmente a ideia de uma história única, universal, pautadas na lógica do colonizador europeu. Tal lógica, já não é mais cabível na formação de nossas crianças e adolescentes, nesse sentido, a aplicabilidade da lei 10.639/03 e da lei 11.645/08 vem trazer para a educação a reflexão dessa universalização da cultura associada a lógica do poder atravessada a todos os espaços sociais, entre eles a escola. Compreender essa lógica pode levar à reflexão em favor de uma educação anticolonial.

Ao citar uma educação anticolonial é importante entendermos que a natureza colonial, colonialista e colonizadora impregnada nos povos que foram submetidos a esse processo de dominação, cabendo à educação promover processo que o denuncie e possibilite sua superação. Dessa maneira, referenciar dignidade humana no contexto de uma Educação Anticolonial significa debater para superar a lógica jurídica imposta por quem dominou e impôs princípios para reger a organização social.

Compreender a construção histórica baseada no colonialismo europeu, ajuda-nos a enxergar uma construção e implementação de um currículo baseado em relações de poder. Segundo Pessanha (2019), um currículo euro centralizado infringiu a cultura ancestral de povos nativos, africanos e afro-brasileiros dentro do conhecimento. Por isso, é preciso repensar o currículo para obtermos uma educação antirracista.

Para Pereira e Cordeiro (2014), é preciso fazer a retomada histórica no currículo como uma ressignificação das culturas que ajudaram a construção da sociedade brasileira para que, dessa maneira, possibilitemos o reconhecimento negado aos diferentes povos e culturas que ajudaram a construir o Brasil.

Assim, retomar o histórico de ressignificação das culturas que, embora façam parte das raízes históricas do Brasil, não são consideradas como tal, é possibilitar o reconhecimento negado a esses povos, pois geralmente são lembrados de forma pejorativa, inclusive nos livros didáticos, nos quais são apresentados de forma estereotipada, ligados apenas à condição de escravos ou a trabalhos considerados inferiores socialmente e de caráter submisso, servil, negando-lhes atributos intelectuais e, portanto, a condição de ser humano e com participação social e cultural na constituição e desenvolvimento da população e da história do Brasil em todos os seus aspectos. (Pereira; Cordeiro. 2014, p. 8-9)

Os movimentos sociais em favor da população negra vêm de encontro com uma maior valorização de um conhecimento transgressor da lógica colonial. O negro foi relegado à uma condição de subalternidade e inferioridade perpétua por meio de uma estratégia de matar o pensamento do outro e transformação desse outro em “coisa”, em uma mera ferramenta para gerar lucro para o sistema econômico capitalista (Pessanha. 2019). A escola, por ser um lugar de debate sobre as questões sociais e políticas, vem por meio da lei 10.639/03 e da lei 11.645/08 trazer a obrigatoriedade da difusão das diretrizes dos documentos oficiais com o objetivo de descolonização epistêmica do conhecimento, refletindo na formação social dos cidadãos brasileiros.

Novamente, hooks (2020) contribui ao refletir sobre como as representações da pessoa negra podem acontecer na sociedade ao falar de sua prática com a escrita de histórias infantis. A referida autora também coloca a importância de se criar imagens que se opõem a estereótipos negativos, levando ao entendimento de que precisamos de uma formação que desenvolva ativamente práticas de valorização do negro.

É certo que, no interior do patriarcado imperialista capitalista supremacista branco, garotas negras e todas as pessoas negras são diariamente bombardeadas com representações negativas de nosso corpo e de nossa personalidade, que têm intenção de nos socializar para internalizar o auto-ódio racial. Não é uma tarefa fácil criar imagens que nos representam como somos e como queremos ser, representações resistentes, imagens que se opõem a estereótipos negativos. No entanto, quando nos inventamos, quando nos movemos para fora da caixa que nos estereotipa e nos confina, é maravilhoso, é sensacional. Soube disso por meio de todas as pessoas, as adultas e as pequenas, que reagiram a Meu crespo é de rainha, compartilhando seu prazer ao ler um livro divertido e engraçado, que celebra formas novas e diferentes de pensar e falar sobre nós mesmas. (Hooks. 2020, p. 217)

Paulo Freire que lutou por uma educação igualitária e justa acaba trazendo, mesmo que indiretamente, a vivência do contexto das lutas anticoloniais.

Tendo vivenciando o contexto das lutas anticoloniais, a proposta teórica de Paulo Freire apresentada em obras como Educação e Transformação e Pedagogia do Oprimido têm como cerne a defesa da necessidade de compreender a inseparabilidade entre educação e política. Suas teorizações apontam para a denúncia de como a educação é marcada pelas estruturas de poder, numa sociedade colonialista cujas marcas são a opressão, a desigualdade e a exclusão social, as quais funcionam como instrumento de poder à serviço da dominação e alienação social. (Oliveira. Oliveira. 2020, p. 59)

Segundo as autoras acima citadas a educação freiriana apresenta como característica principal a sensibilidade ao humano, expressada a partir de uma preocupação ontológica com os valores éticos e políticos que conduzem a emancipação e a consciência crítica da realidade. O sentimento estruturado culturalmente de superioridade branca é uma realidade presente desde o início da vida escolar de nossos alunos. Sobre isso, Diagelo (2020) fala do senso de superioridade branca desenvolvido em crianças desde a pré-escola demonstrado em pesquisas sobre crianças e racismo. “Esse início tão precoce não é de surpreender, dado que a sociedade emite constantes mensagens de que ser branco é melhor do que ser de cor.” (Diangelo. 2020, p. 73).

Como professora, vejo o quanto é possível observar o desconforto de muitas crianças com sua identidade negra e como a branquitude se manifesta na infância, como um padrão dominador dos espaços e que já existe, entre as crianças, uma hierarquia branca. Dessa forma, o espaço escolar contribui para a construção das identidades desde a Educação Infantil e pode ser um reforçador negativo da população negra. “Uma maneira através do qual o indivíduo pode distinguir a sua identidade é em termos de grupos raciais.” (Monteiro. França. 2002, p. 294).

Carneiro e Russo (2020, p. 106-107) falam da importância do ambiente escolar:

A presença de diferentes etnias no ambiente escolar amplia o reconhecimento da identidade, da autoestima, da autovalorização e do “empoderamento” infantil para as crianças, que dificilmente se veem representadas nos recursos existentes em seu universo. Além disso, os elementos que contemplam a diversidade étnica proporcionam a identificação positiva e permitem a construção dessa autoestima, para que as crianças tenham um bom relacionamento tanto com a sua autoimagem quanto com a imagem do outro.

Dornelles e Marques (2015) nos recordam que o cotidiano de crianças acaba sendo atrelado a brincadeiras e a bonecos que destacam somente a raça branca, evidenciando efeitos sobre ser “negro” como algo negativo. As crianças são submetidas ao status quo, o padrão das bonecas e bonecos é construído baseado na branquitude, sendo brancas e com olhos claros, manifestando a supremacia branca e a esfera escolar, por sua vez, acaba fazendo a manutenção dessa lógica.

Segundo Souza e Dinis (2018) o sujeito ideal sempre foi representado pelo ser branco/a na história, seja na literatura infantil, seja na mídia televisiva ou impressa como um modelo a ser perseguido por aqueles que são diferentes, especialmente as pessoas negras. E o espaço geográfico da escola sempre viveu essa situação de privilégio do ser branco. Percebe-se, então o quanto a escola contribui com o processo de formação de estruturas sociais com os materiais e metodologias utilizados.

Marçal e Lima (2015) nos oferece uma síntese de como a teoria do branqueamento vem sendo representada pela sociedade brasileira, elucidando componentes históricos, políticos e econômicos. Segundo os autores, a ciência começou a ser usada para dar valor racional à dominação racial no século XIX. O campo denominado eugenia tomou força no início do século XX, no Brasil. O eugenismo abordava métodos científicos sobre raça e desencadeou a teoria que via os negros como inferiores.

A eugenia propunha o pensamento de que o fator genético causava empobrecimento da funcionalidade biológica e mental dos seres humanos. Um dos teóricos mais importantes da época, Conde Arthur Gobineau (1816-1882), declarava que, quanto mais o sangue de uma raça era diluído por integrar-se a outra raça, mais enfraquecido ficava e a sua propensão era a decadência. Para esse pensador, a raça negra era inferior à raça branca. Gobineau conheceu o Brasil, onde permaneceu por um ano como representante da França, e sua percepção era de que a miscigenação produzia uma população degenerada e feia, que fatalmente levaria o novo país ao estágio de subdesenvolvimento e degeneração. (Marçal. Lima. 2015, p. 38)

Também, existiu na história do Brasil, a influência de pesquisadores que causaram danos à sociedade com conclusões erradas sobre a população negra como a descrita a seguir.

No Brasil, no ano de 1880, na Escola de Medicina da Bahia, o professor Raimundo Nina Rodrigues realizou um estudo sobre a influência de Cesare Lombroso, pesquisador que se tornou famoso por medir o crânio para identificar a capacidade e o grau de inteligência dos humanos. O pesquisador bahiano concluiu, por esses meios, que os africanos eram seres inferiores. A pesquisa encontrava uma grande incógnita, pois defendia que lei deveria ser separada por raças para que pudesse ser seguida, porém o estudo continha incertezas em relação aos mulatos, pois naquela época muitos deles ocupavam posição de destaque na sociedade. (Marçal. Lima, 2015, p. 39)

O branqueamento é um processo que faz parte da história do país e é um mediador de várias escolhas sociais. De acordo com Martins (2017), o processo de branqueamento está dentro de um legado do sistema colonizador e escravista e é uma estratégia para embranquecer a sociedade brasileira no âmbito simbólico, ideológico e das relações sociais. Desse modo, a criação e o fortalecimento dos estereótipos sobre a população negra e a naturalização de práticas racistas são resultado da criação de um suporte baseado em teorias deterministas do século XIX sobre a hierarquização das raças ligado à Biologia e a Antropologia evolucionista, assim como da autoclassificação da superioridade branca.

Para Bento (2022), existem pactos narcísicos entre os brancos e ainda ressalta que, no Brasil, o negro é considerado o culpado pelo branqueamento, pois procura identificar-se como branco e reduzir suas características raciais devido ao seu descontentamento e desconforto com sua condição de negro. Dentro do processo de branqueamento: “o branco pouco aparece, exceto como modelo universal da humanidade, alvo da inveja e do desejo dos outros grupos raciais não-brancos e, portanto, encarados como não tão humanos.” (Bento, 2022, p. 5).

A proposta de aperfeiçoamento da população brasileira tem como referência o branqueamento e puração da raça na construção de uma identidade nacional (Martins, 2017). A autora ainda destaca o fato de as políticas imigratórias facilitarem a entrada de europeus no território brasileiro e o esforço na miscigenação das raças contribuírem com o cenário de branqueamento da população.

Compreender tais estruturas sociais é importante para irmos em direção a uma antirracista na educação. Teixeira e Cruz (2020) caracterizam uma educação na perspectiva antirracista como a que deseja alcançar a construção de uma sociedade justa e igualitária e apresenta uma ação que parte dos preceitos legais e da defesa das multiplicidades das expressões étnico-raciais.

Goiz (2019) traz a perspectiva da interdisciplinaridade no tratamento da educação para as relações étnico-raciais. Segundo a autora, a interdisciplinaridade viabiliza a comunicação e interação entre os diversos campos científicos e pode romper com a superespecialização e o esfacelamento dos conhecimentos.

Tornar interdisciplinar a Educação para as Relações Étnico Raciais na amplitude de toda a grade curricular é compreender que nem sempre é preciso constituir um novo programa, que incluir este tema nos programas que já existem, relacionando-os já seria um grande passo. Um outro aspecto é a importância de se reavaliar continuamente os processos de ensino e aprendizagem, assim como as práticas didáticas e metodológicas a fim de que a diversidade esteja efetivamente incluída neste processo e não seja apenas mais uma normativa exposta em uma legislação desconhecida (Goiz, 2019, p. 127)

Desse modo, superar o ensino focado na prática de disciplina isolada e com considerar o aluno um ser plural. Uma vez que, “a interdisciplinaridade se associa às históricas movimentações intermitentes que são próprias da produção dos conhecimentos e permite que os saberes construídos estejam conectados com contextos sociais cada vez mais heterogêneos e complexos.” (Goiz. 2019, p.119) E para que isso aconteça é necessário a compreensão do conceito de disciplina. Portanto, percebe-se o nascimento de uma disciplina não somente pelo interno, mas também pelo conhecimento e pela reflexão externa a ela. A disciplina, então, deve se voltar para as relações com o mundo e trabalhar em uma perspectica inter-poli-transdisciplinar, de modo a impedir que os conceitos se esvaziem e provoquem seu fechamento.

A vivência das pessoas pretas na sociedade brasileira é atravessada pela vivência do racismo, porém mascarado pelo mito da democracia racial que omite os processos de discriminação que ocorre inclusive na escola (Melo; Souza. 2021). Desse modo, o espaço escolar deve romper com atividades que perpetuam a desigualdade racial.

2 CONCLUSÃO

É preciso compreender que discutir os caminhos das relações étnico-raciais na prática escolar, desse modo a discussão sobre uma educação antirracista tornou-se uma realidade nacional e a atuação dos movimentos sociais contribuíram para delimitar uma dimensão pedagógica da luta contra o racismo. Vale ressaltar, que o racismo é uma prática, extremamente, constante em nossa sociedade e ao mesmo tempo silenciada, tal silenciamento é emblemático quando analisamos a dinâmica relacionada à distribuição de educação, trabalho, poder e riqueza. Diante da construção exposta, destaca-se a necessidade de pensar no tratamento pedagógico do antirracismo. Sendo que esse tratamento pedagógico deve envolver práticas que consigam além de colocar em prática a lei 10.639/03, levar a comunidade escolar à reflexão crítica sobre a posição da população negra na educação.

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1 Mestranda em Linguística Aplicada Interdisciplinar do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e-mail: [email protected]