DESAFIOS REGULATÓRIOS DA PROTEÇÃO DE DADOS NO MERCOSUL: O CASO BRASIL-ARGENTINA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17289895
Rafael Felipe da Silva1
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo examinar os principais desafios regulatórios enfrentados na harmonização da proteção de dados entre Brasil e Argentina, à luz dos avanços normativos ocorridos no contexto do Mercosul. O tema se torna relevante diante da crescente circulação transnacional de dados pessoais e da necessidade de garantir segurança jurídica para cidadãos e organizações nos países do bloco. A pesquisa baseou-se em metodologia qualitativa, com abordagem descritiva e exploratória, fundamentada em revisão bibliográfica e documental, utilizando como fontes legislações nacionais, publicações científicas e documentos institucionais. O estudo percorre aspectos como as bases legais para o tratamento de dados, os direitos dos titulares, a estrutura das autoridades reguladoras, a transferência internacional de dados e as sanções aplicáveis. Também discute as dificuldades impostas pela fragmentação normativa, os entraves institucionais à cooperação regional e os impactos desse cenário para usuários e empresas. Conclui-se que, embora haja avanços significativos na formulação de normas internas, persistem obstáculos à construção de um marco regulatório comum no Mercosul. A análise reforça a importância do diálogo normativo e institucional como caminho para garantir uma proteção de dados pessoais mais eficiente e coordenada no bloco.
Palavras-chave: Proteção de dados; Brasil; Argentina; Mercosul; regulamentação.
ABSTRACT
This paper aims to examine the main regulatory challenges in harmonizing data protection between Brazil and Argentina, considering the recent normative developments within the Mercosur context. The topic is relevant due to the increasing cross-border flow of personal data and the need to ensure legal certainty for citizens and organizations in the region. The research follows a qualitative methodology, with a descriptive and exploratory approach, based on bibliographic and documentary review, using national legislation, scientific publications, and institutional documents as sources. The study addresses topics such as legal bases for data processing, data subject rights, the structure of regulatory authorities, international data transfers, and applicable sanctions. It also discusses the difficulties caused by regulatory fragmentation, institutional barriers to regional cooperation, and the impact of this scenario on users and businesses. The analysis reveals that despite significant progress in national regulations, obstacles remain for building a common regulatory framework in Mercosur. It reinforces the importance of normative and institutional dialogue as a means to achieve more effective and coordinated personal data protection across the bloc.
Keywords: Data protection; Brazil; Argentina; Mercosur; regulation.
1. INTRODUÇÃO
A transformação digital tem alterado significativamente as dinâmicas sociais, econômicas e jurídicas no contexto global, exigindo respostas normativas eficazes para lidar com a crescente circulação de dados pessoais. No cenário sul-americano, destaca-se o desafio de compatibilizar legislações nacionais em matéria de proteção de dados dentro do bloco do Mercosul, especialmente diante do crescente volume de transações digitais transfronteiriças. A escolha do Brasil e da Argentina como objeto de estudo justifica-se tanto pela relevância econômica e política de ambos os países quanto pelo protagonismo na formulação de marcos regulatórios locais voltados à proteção da privacidade e da autodeterminação informativa.
A relevância do tema está associada à necessidade urgente de harmonização regulatória entre os países-membros do Mercosul, tendo em vista a fragmentação atual das normas e as dificuldades operacionais que decorrem dessa desarticulação. O objetivo do presente estudo é analisar comparativamente os sistemas normativos brasileiro e argentino de proteção de dados, identificando convergências, divergências e desafios para uma eventual integração normativa no bloco. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, com base em revisão documental e análise crítica de artigos científicos, relatórios institucionais e legislações nacionais.
O trabalho está estruturado em quatro partes principais: inicialmente, apresenta-se o panorama jurídico da proteção de dados no Brasil e na Argentina; em seguida, discutem-se as convergências e divergências normativas entre ambos os países; depois, abordam-se os desafios e as perspectivas para a integração regional no âmbito do Mercosul; por fim, sintetizam-se os principais achados da pesquisa, destacando a importância de uma agenda normativa comum para fortalecer os direitos fundamentais no ambiente digital sul-americano.
Este estudo se justifica pela necessidade de compreender como o desenvolvimento tecnológico pressiona os sistemas normativos a se adaptarem em ritmo acelerado, muitas vezes além da capacidade de resposta tradicional do direito. O aumento do uso de big data, inteligência artificial e serviços digitais transnacionais evidencia lacunas normativas que podem fragilizar direitos fundamentais caso não sejam tratados de forma integrada. Nesse contexto, a análise comparativa entre Brasil e Argentina fornece subsídios para identificar pontos de convergência capazes de orientar propostas regionais mais consistentes. O recorte adotado permite, ainda, refletir sobre a importância de alinhar interesses econômicos e políticos com a proteção da privacidade, assegurando que a inovação tecnológica se desenvolva em harmonia com princípios democráticos e garantias individuais.
2. PANORAMA JURÍDICO DA PROTEÇÃO DE DADOS NO BRASIL E NA ARGENTINA
Segundo Cabral (2019), a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil representou um avanço significativo na regulação da privacidade e no reconhecimento da autodeterminação informativa. Da mesma forma, a Argentina, com a promulgação da Lei 25.326, foi pioneira na América Latina ao estabelecer uma legislação específica para a proteção de dados pessoais ainda no ano 2000.
Conforme discutido por Raminelli e Rodegheri (2016), o histórico legislativo brasileiro foi marcado por decisões esparsas do Judiciário antes da LGPD, o que refletia a fragilidade normativa no tratamento de dados até então. A comparação entre os dois países revela que, embora o Brasil tenha se inspirado em experiências internacionais, como a europeia, a Argentina já havia consolidado práticas institucionais relevantes por meio de sua autoridade de controle, a Agencia de Acceso a la Información Pública (AAIP).
Conforme descrito por de Sousa e da Silva (2020), os princípios fundamentais da LGPD, como finalidade, necessidade e livre acesso, convergem com os valores previstos na legislação argentina, especialmente no que se refere ao consentimento livre e informado. A análise de Oro Boff e Janner Lea (2021) demonstra que, no contexto brasileiro, a proteção de dados se articula com a ideia de responsabilização ativa dos agentes de tratamento, princípio igualmente valorizado na norma argentina.
Na visão de Doneda (2003), esse alinhamento entre diferentes legislações é essencial para a criação de um ambiente regional mais seguro e harmônico quanto ao fluxo transfronteiriço de dados. Com base nesses fundamentos, observa-se que a base legal de ambos os países permite o fortalecimento de direitos fundamentais no cenário digital latino-americano.
De acordo com os achados de Raminelli e Rodegheri (2016), a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) no Brasil preenche uma lacuna institucional histórica, ao passo que a AAIP argentina já exerce suas competências há mais de duas décadas. Conforme apontado por Kramar (2021), a estrutura brasileira ainda enfrenta desafios operacionais e orçamentários para garantir fiscalização efetiva e a proteção do titular de dados. Na Argentina, apesar da maior consolidação da AAIP, também se observam entraves, como a limitação de recursos humanos e tecnológicos. O estudo de Cabral (2019) sugere que o fortalecimento institucional, aliado à transparência e à participação social, é essencial para que ambas as autoridades possam exercer de forma plena sua função reguladora diante da crescente complexidade do ecossistema digital.
A partir de Doneda (2003), pode-se inferir que os mecanismos de atualização normativa são centrais para garantir a eficácia das leis de proteção de dados frente às rápidas transformações tecnológicas. No Brasil, o desafio é recente e demanda uma atuação proativa da ANPD, por meio da produção de guias, notas técnicas e regulamentações setoriais. Já na Argentina, embora a Lei 25.326 tenha sido um marco inicial, há esforços contínuos para sua reforma, com o objetivo de alinhamento ao Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Como evidenciado por de Sousa e da Silva (2020), a ausência de processos contínuos de revisão normativa pode comprometer a efetividade da legislação diante de novas práticas de coleta, armazenamento e uso de dados pessoais.
Na visão de Oro Boff e Janner Lea (2021), os marcos regulatórios do Brasil e da Argentina refletem uma crescente preocupação com a soberania informacional e com a necessidade de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos em um ambiente digital cada vez mais complexo. Apesar das diferenças no tempo de implementação e no grau de maturidade institucional, ambos os países caminham para o fortalecimento da cultura de privacidade. O estudo de Raminelli e Rodegheri (2016) reforça que o intercâmbio regulatório no âmbito do Mercosul pode contribuir para a padronização de critérios de proteção, facilitando não apenas a cooperação internacional, mas também a proteção efetiva do usuário de dados pessoais. A articulação entre normas, princípios e instituições torna-se, portanto, essencial para o equilíbrio entre inovação tecnológica e respeito aos direitos fundamentais na região.
Destaca-se que a consolidação de uma cultura de proteção de dados depende de políticas consistentes de governança de riscos e de conformidade contínua, tanto no setor público quanto no privado (Cabral, 2019). A incorporação de avaliações de impacto, políticas de retenção e registros de operações fornece lastro auditável à aplicação de princípios como finalidade e necessidade (de Sousa & da Silva, 2020). No Brasil, a ANPD tem papel central na difusão de guias interpretativos e na fiscalização responsiva, enquanto na Argentina a experiência da AAIP contribui para previsibilidade regulatória, ainda que limitada por recursos (Kramar, 2021; Raminelli & Rodegheri, 2016). A responsabilização ativa, defendida por Oro Boff e Janner Lea (2021), reforça a adoção de controles técnicos e organizacionais. Conforme advertia Doneda (2003), a atualização normativa só produz efeitos quando ancorada em capacidade institucional e transparência, elementos que apontam para possíveis arranjos cooperativos Brasil-Argentina.
Cabe observar que tanto no Brasil quanto na Argentina a efetividade das normas depende não apenas de seu conteúdo jurídico, mas também da capacidade de fiscalização, da conscientização dos cidadãos e do engajamento das organizações em políticas preventivas. A implementação de programas de treinamento, auditorias internas e políticas de privacidade claras constitui elemento indispensável para que a proteção de dados vá além do aspecto meramente formal e se traduza em práticas concretas de governança. Nesse sentido, a cooperação bilateral entre ANPD e AAIP poderia ampliar a troca de experiências e de metodologias, criando uma base comum de fiscalização e conformidade. Tal esforço tende a reforçar a confiança social, aumentar a segurança digital e projetar o Mercosul como um bloco mais competitivo e comprometido com a proteção dos direitos fundamentais no cenário global.
3. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS NA REGULAÇÃO DE DADOS PESSOAIS
A regulamentação do tratamento de dados pessoais no Brasil e na Argentina baseia-se em fundamentos jurídicos que procuram equilibrar segurança jurídica e proteção à privacidade. No Brasil, a LGPD estabelece diversas bases legais, entre elas o consentimento, o cumprimento de obrigação legal e o legítimo interesse (Cabral, 2019). Já na Argentina, a Lei 25.326 enfatiza o consentimento prévio e informado como princípio central, sendo menos flexível quanto a exceções.
Conforme demonstrado por Raminelli e Rodegheri (2016), a jurisprudência brasileira tem enfrentado desafios na aplicação prática dessas bases, especialmente em contextos onde o interesse público entra em conflito com o direito à privacidade. Essas distinções refletem não apenas diferentes tradições jurídicas, mas também o estágio de amadurecimento institucional de cada país em relação à proteção de dados.
Quanto aos direitos dos titulares, ambos os países preveem garantias fundamentais, como o acesso, correção e exclusão de dados. Contudo, existem diferenças marcantes na forma como esses direitos são exercidos. De acordo com Da silva et al. (2021), na Argentina há um histórico de judicialização mais recorrente das demandas sobre proteção de dados, impulsionado por uma estrutura mais antiga de regulação. No Brasil, os direitos são amplamente garantidos pela LGPD, mas sua efetividade depende da atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que ainda enfrenta limitações operacionais. Como indicam de Sousa e da Silva (2020), a autodeterminação informativa dos cidadãos brasileiros avança, mas esbarra em práticas corporativas e institucionais pouco transparentes.
A transferência internacional de dados representa um dos maiores desafios regulatórios no Mercosul. Conforme apontado por Oro Boff e Janner Lea (2021), a legislação brasileira exige garantias adequadas de proteção no país receptor dos dados, o que inclui cláusulas contratuais específicas ou decisões de adequação da ANPD. A Argentina, por sua vez, figura entre os países reconhecidos pela União Europeia como possuidores de legislação equivalente, facilitando tais transferências. Essa diferença tem impacto direto sobre as relações comerciais e o fluxo informacional transfronteiriço. À luz das considerações de Da silva et al. (2021), a ausência de harmonização normativa entre os países do bloco dificulta a implementação de mecanismos regionais integrados de proteção de dados.
As sanções previstas nas legislações brasileira e argentina variam quanto à forma e à aplicação. Na visão de Cabral (2019), o Brasil adota uma gradação que vai desde advertências até multas expressivas, podendo alcançar até 2% do faturamento da empresa infratora. A Argentina, embora possua sanções administrativas, ainda carece de mecanismos efetivos de fiscalização e aplicação, o que compromete a força coercitiva da sua legislação. Segundo a análise de Kramar (2021), a atuação da ANPD no Brasil vem se consolidando, embora ainda haja lacunas na sua estrutura. Já a autoridade argentina (AAIP) possui tradição mais longa, mas enfrenta dificuldades similares de recursos e pessoal qualificado para a fiscalização em larga escala.
A convergência regulatória entre Brasil e Argentina pode representar uma via estratégica para o fortalecimento da proteção de dados no contexto regional. Como argumentam Doneda (2003) e Da silva et al. (2021), a construção de parâmetros comuns de proteção de dados, respeitando as especificidades nacionais, é fundamental para garantir segurança jurídica e efetividade dos direitos. Isso inclui a adoção de medidas técnicas e organizacionais compartilhadas, além do reconhecimento mútuo de decisões regulatórias. A partir dos achados de de Sousa e da Silva (2020), pode-se inferir que a consolidação da cultura de proteção de dados exige não apenas leis robustas, mas também uma cidadania informada e instituições transparentes, capazes de exercer regulação com responsabilidade e eficiência.
A efetividade dos fundamentos legais e dos direitos dos titulares exige procedimentos padronizados e rastreáveis, como registros de decisão sobre base jurídica, logs de atendimento a requisições e avaliações de impacto para operações de alto risco (de Sousa & da Silva, 2020). Situações envolvendo reconhecimento facial e perfis algorítmicos demandam justificativas proporcionais e testes de balanceamento especialmente rigorosos (Da Silva et al., 2021). No Brasil, a consolidação de critérios para o legítimo interesse ainda está em maturação; na Argentina, a centralidade do consentimento convive com maior intervenção judicial (Raminelli & Rodegheri, 2016). Controles contratuais e auditorias técnicas em transferências internacionais reduzem assimetrias (Oro Boff & Janner Lea, 2021). Conforme Cabral (2019), a padronização de práticas — DPIA, minimização, segurança — favorece convergência sem reduzir garantias, ampliando previsibilidade regulatória no Mercosul.
4. DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A INTEGRAÇÃO REGIONAL DA PROTEÇÃO DE DADOS
A necessidade de harmonização normativa no âmbito do Mercosul surge como prioridade diante da intensificação dos fluxos de dados entre os países do bloco. Conforme discutido por Ruaro e Silva (2021), a ausência de um padrão regulatório comum enfraquece a proteção dos titulares e compromete o alinhamento com padrões internacionais como o da União Europeia. Essa lacuna dificulta a cooperação jurídica e reduz a previsibilidade para empresas que operam em múltiplas jurisdições do Mercosul. Como indicam Bezerra e Ruaro (2021), a construção de um marco regulatório compatível entre os países exige o reconhecimento mútuo de princípios fundamentais, como o da autodeterminação informativa e o da finalidade no uso dos dados. Essa convergência permitiria consolidar uma identidade regional de proteção de dados pessoais.
Barreiras institucionais e jurídicas continuam sendo obstáculos à cooperação transnacional em matéria de proteção de dados no Mercosul. Segundo Bakonyi (2019), os países do bloco apresentam diferentes níveis de maturidade institucional, o que dificulta a interlocução entre autoridades nacionais. No caso brasileiro, embora a LGPD tenha criado a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), ainda há desafios quanto à sua autonomia e efetividade. Na Argentina, a Agência de Acesso à Informação Pública (AAIP) possui estrutura consolidada, mas enfrenta limitações orçamentárias. Como observam Ruaro e Silva (2021), essas assimetrias institucionais fragilizam os esforços por uma governança regional robusta, dificultando o intercâmbio seguro de dados pessoais e o reconhecimento recíproco das decisões administrativas.
O impacto da fragmentação regulatória é significativo tanto para as empresas quanto para os cidadãos. De acordo com Marques (2021), a ausência de uma padronização normativa gera insegurança jurídica para os operadores econômicos, que precisam adaptar seus sistemas e políticas a requisitos distintos em cada país. Para os titulares de dados, isso pode representar a perda de garantias mínimas e dificultar o exercício de direitos fundamentais. Na visão de Bezerra e Ruaro (2021), a complexidade normativa também pode ser explorada por agentes mal intencionados, especialmente em ambientes digitais transfronteiriços, onde a ausência de cooperação regulatória contribui para a vulnerabilidade dos dados pessoais e amplia os riscos à privacidade.
Diante desse cenário, diversas propostas vêm sendo formuladas para construção de um marco comum de proteção de dados no Mercosul. Como argumentam Ruaro e Silva (2021), a adoção de um protocolo regional inspirado no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia poderia oferecer um ponto de partida. Esse marco deveria contemplar princípios como consentimento, transparência, responsabilidade e limitação da finalidade, bem como estabelecer mecanismos de supervisão cooperativa. Na análise de Bakonyi (2019), tal modelo permitiria ao bloco fortalecer sua posição nas negociações internacionais e aumentar a confiança dos parceiros comerciais, ao mesmo tempo em que garante maior segurança jurídica para os titulares de dados.
A construção desse ambiente normativo comum depende, contudo, da superação de interesses políticos divergentes e da consolidação de uma cultura institucional voltada à proteção da dignidade humana na era digital. Segundo a perspectiva de Bezerra e Ruaro (2021), a proteção de dados não deve ser encarada apenas como instrumento técnico-jurídico, mas como elemento central de um modelo democrático que valoriza a autonomia individual. Para Marques (2021), o Mercosul precisa aproveitar os avanços legislativos já conquistados e fomentar o diálogo entre suas autoridades nacionais. Uma agenda regional coordenada, pautada por valores éticos e jurídicos compartilhados, pode ser o caminho mais promissor para garantir direitos fundamentais em um contexto de crescente integração digital.
Como agenda operacional, a integração pode avançar com a criação de um “colegiado” regional de autoridades para coordenação de incidentes, modelos padronizados de notificação, prazos mínimos de resposta e procedimentos de assistência mútua (Ruaro & Silva, 2021). A aproximação a parâmetros europeus pode servir de referência sem engessar adaptações locais (Bakonyi, 2019). A participação estruturada de sociedade civil e setor produtivo confere legitimidade e aumenta adesão regulatória (Bezerra & Ruaro, 2021; Marques, 2021). Iniciativas conjuntas de capacitação, guias setoriais e métricas públicas de desempenho elevam previsibilidade e reduzem custos de conformidade. Em perspectiva estratégica, tais medidas reforçam a posição do Mercosul em negociações internacionais, protegem titulares e dão segurança jurídica a ecossistemas digitais regionais, compondo um caminho de harmonização responsável.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise realizada permitiu verificar que os marcos legais de proteção de dados no Brasil e na Argentina compartilham princípios comuns, embora apresentem diferenças significativas na estrutura institucional e na aplicação prática das normas. Observou-se que ambas as legislações se fundamentam no respeito à privacidade e na autodeterminação informativa, mas enfrentam desafios relacionados à efetividade das garantias e à atualização diante do avanço tecnológico.
Os objetivos propostos foram contemplados por meio da comparação entre as bases legais, os direitos dos titulares, as regras de transferência internacional de dados e os mecanismos de sanção existentes nos dois países. A abordagem metodológica adotada contribuiu para identificar pontos de convergência e de tensão normativa, bem como os entraves à cooperação regional no âmbito do Mercosul.
A partir da leitura crítica dos documentos e da legislação vigente, observou-se a necessidade de maior integração regulatória entre os países do bloco. A ausência de padrões comuns dificulta o intercâmbio de dados com segurança jurídica e compromete a proteção efetiva dos direitos dos cidadãos. Nesse sentido, a criação de um marco regulatório regional aparece como alternativa viável para promover alinhamento normativo e fortalecer a governança digital no contexto sul-americano.
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1 Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo. Mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University. E-mail. [email protected]