COMO O TDAH AFETA O RACIOCÍNIO LÓGICO-MATEMÁTICO: UMA REVISÃO DA LITERATURA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18057060


Claudiane Serafim Arquemin1


RESUMO
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por sintomas persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade, com impacto significativo no desempenho escolar. Assim, alunos com TDAH apresentam dificuldades específicas em tarefas que exigem raciocínio lógico-matemático, tais como resolução de problemas, compreensão de enunciados, planejamento de estratégias e manutenção da atenção em atividades sequenciais. O objetivo analisar como o TDAH afeta o raciocínio lógico-matemático de estudantes em idade escolar, discutindo as relações entre funções executivas, atenção, memória de trabalho e aprendizagem da matemática. O procedimento metodológico adotado, partiu de uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa, foram selecionados livros, artigos científicos, capítulos de livros, dissertações e teses disponíveis em bases de dados como Portal de Periódicos CAPES e Google Acadêmico nos últimos anos. Os resultados indicaram que prejuízos em funções executivas, especialmente na memória de trabalho, no controle inibitório e na flexibilidade cognitiva, estão diretamente associados a dificuldades para compreender etapas de problemas matemáticos, manter o foco até o final da atividade e selecionar estratégias adequadas. Assim, conclui-se que o TDAH não se traduz apenas em desatenção, mas em um conjunto de alterações cognitivas que interferem na aprendizagem matemática, demandando intervenções pedagógicas diferenciadas e maior articulação entre escola, família e equipe multiprofissional.
Palavras-chave: TDAH. Raciocínio lógico-matemático. Funções executivas. Dificuldades de aprendizagem. Matemática escolar.

ABSTRACT
Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is a neurodevelopmental disorder characterized by persistent symptoms of inattention, hyperactivity, and impulsivity, with a significant impact on school performance. Thus, students with ADHD present specific difficulties in tasks that require logical-mathematical reasoning, such as problem-solving, understanding statements, planning strategies, and maintaining attention in sequential activities. The objective is to analyze how ADHD affects the logical-mathematical reasoning of school-aged students, discussing the relationships between executive functions, attention, working memory, and mathematics learning. The methodological procedure adopted was based on a qualitative literature review, selecting books, scientific articles, book chapters, dissertations, and theses available in databases such as the CAPES Periodicals Portal and Google Scholar in recent years. The results indicated that impairments in executive functions, especially in working memory, inhibitory control, and cognitive flexibility, are directly associated with difficulties in understanding the steps of mathematical problems, maintaining focus until the end of the activity, and selecting appropriate strategies. Thus, it is concluded that ADHD is not just about inattention, but a set of cognitive alterations that interfere with mathematical learning, requiring differentiated pedagogical interventions and greater coordination between school, family, and a multidisciplinary team.
Keywords: ADHD. Logical-mathematical reasoning. Executive functions. Learning difficulties. School mathematics.

INTRODUÇÃO

O ensino de matemática exige do estudante a mobilização de habilidades cognitivas complexas, como atenção sustentada, memória de trabalho, planejamento, controle inibitório, organização de informações e raciocínio lógico. Em alunos com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, tais habilidades podem estar comprometidas, gerando obstáculos ao acompanhamento das atividades escolares e, em especial, às tarefas lógico-matemáticas.

O TDAH é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento, de base neurobiológica, caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que interferem de forma significativa no funcionamento acadêmico, social e emocional. No contexto escolar, além do comportamento agitado e da dificuldade de concentração, muitos alunos com TDAH apresentam problemas específicos em leitura, escrita e, de maneira recorrente, em matemática.

A literatura aponta que tais dificuldades não estão relacionadas à falta de capacidade intelectual, mas a alterações em processos cognitivos, entre eles as funções executivas e a memória de trabalho, que são fundamentais para o raciocínio lógico-matemático. Alunos com TDAH tendem a apresentar problemas para manter o foco em tarefas longas, seguir etapas sequenciais de resolução de problemas, reter temporariamente informações numéricas e textuais, e controlar impulsos de responder sem refletir sobre o procedimento adequado.

Considerando que o TDAH pode comprometer processos cognitivos essenciais para a aprendizagem, especialmente aqueles relacionados à autorregulação, ao planejamento e ao controle do comportamento, torna-se relevante investigar como tais fatores repercutem no desempenho escolar. No campo da matemática, o raciocínio lógico-matemático exige organização de etapas, seleção de estratégias, monitoramento do erro e flexibilidade para ajustar procedimentos, o que indica uma relação direta com as funções executivas. Diante disso, define-se como pergunta norteadora da pesquisa: De que modo alterações nas funções executivas (planejamento, controle inibitório e flexibilidade cognitiva) se associam ao desempenho em tarefas de raciocínio lógico-matemático em estudantes com TDAH?

Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo geral analisar como o TDAH afeta o raciocínio lógico-matemático de estudantes. Como objetivos específicos, busca-se:

  • Descrever as principais características do TDAH relacionadas ao funcionamento cognitivo;

  • Discutir as implicações do TDAH no desempenho em matemática, com ênfase nas habilidades de raciocínio lógico;

  • Apresentar estratégias pedagógicas que podem favorecer o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático em alunos com TDAH.

Metodologicamente, caracteriza-se como uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo. Foram selecionados livros, artigos científicos, capítulos de livros, dissertações e teses disponíveis em bases de dados como Portal de Periódicos CAPES e Google Acadêmico nos últimos anos, utilizando descritores em português, como: TDAH, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, matemática, raciocínio lógico-matemático, funções executivas, memória de trabalho e dificuldades de aprendizagem em matemática.

Os critérios de inclusão foram: publicações que abordassem o TDAH em idade escolar; estudos que relacionassem TDAH com desempenho em matemática e/ou raciocínio lógico; trabalhos que discutissem aspectos cognitivos (funções executivas, memória de trabalho, atenção) envolvidos na aprendizagem matemática. Foram excluídos: estudos exclusivamente clínicos, sem interface com o contexto escolar; trabalhos que abordassem dificuldades em matemática sem mencionar TDAH; materiais sem rigor científico (textos opinativos, resumos sem dados, etc.). Após a busca, procedeu-se à leitura exploratória e, em seguida, à leitura analítica dos textos selecionados.

A relevância deste estudo está em oferecer subsídios teóricos para professores, gestores e demais profissionais da educação compreenderem que as dificuldades em matemática, nesses alunos, não se resumem à falta de atenção ou ao desinteresse, mas decorrem de um modo específico de funcionamento cognitivo que exige adaptações nas práticas de ensino, nas formas de apresentação das tarefas e na organização do ambiente de aprendizagem.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. TDAH e Funcionamento Cognitivo

O TDAH é reconhecido como um transtorno do neurodesenvolvimento, frequentemente identificado na infância, com sintomas que podem persistir na adolescência e na vida adulta. Esses sintomas não se limitam à desatenção e hiperatividade visíveis em sala de aula; envolvem também alterações em processos cognitivos superiores, especialmente nas funções executivas.

O TDAH é um transtorno psiquiátrico que é caracterizado por uma série de problemas relacionados com a falta de atenção, hiperatividade e impulsividade, acometendo cerca de 3 a 6% das crianças em idade escolar e persistindo na vida adulta em mais da metade dos casos (Mattos, 2008, p. 129).

No âmbito diagnóstico, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) é um manual elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana, que descreve critérios para transtornos mentais com a finalidade de padronizar a comunicação clínica e científica entre profissionais. Embora versões anteriores, como o DSM-IV-TR, tenham contribuído historicamente para a sistematização dos critérios, atualmente o DSM-5 é amplamente utilizado como referência diagnóstica. Além disso, o TDAH também é reconhecido na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1993), o que reforça sua validade científica. Nesse sentido, o aumento de diagnósticos pode estar relacionado à ampliação do conhecimento, à maior difusão de informações e ao aprimoramento dos processos de identificação, e não apenas a um suposto “modismo”.

De acordo com o DSM-5-Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2014), o TDAH é caracterizado pela presença de seis ou mais sintomas de desatenção e/ou seis ou mais sintomas de hiperatividade/impulsividade que devem ter estado presentes em um período de, no mínimo, seis meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento, em crianças antes dos doze anos de idade, e constatados em mais de um contexto. A apresentação atual do transtorno pode ser caracterizada da seguinte forma: com predomínio da desatenção, com predomínio da hiperatividade/impulsividade e combinada, além de ser classificada como leve, moderada e grave, dependendo do grau de comprometimento que os sintomas causam na vida do paciente. Silva (2009) ainda reforça que uma pessoa com este transtorno pode ou não apresentar a hiperatividade física, mas jamais deixará de apresentar forte tendência à desatenção.

Um dos desafios para o diagnóstico e tratamento corretos do TDAH está relacionado à alta frequência de comorbidades. Estima-se que cerca de 70% dos pacientes com TDAH apresentem, pelo menos, um diagnóstico comórbido, que 33% apresentem dois transtornos psiquiátricos e que 18% apresentem três ou mais diagnósticos combinados (Gattás, 2014). Outra dificuldade para o diagnóstico correto é o fato de que os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade podem aparecer em outros quadros psíquicos, independentemente do diagnóstico da criança. Portanto, ressalta-se a importância da coleta de dados objetivos sobre os sintomas e aspectos comportamentais, além de uma avaliação subjetiva e de um estudo clínico cuidadoso.

Quanto ao tratamento do TDAH deve envolver uma abordagem multidisciplinar, associando o uso de medicamentos a intervenções psicoeducativas e psicoterapêuticas (Teixeira, 2013). Nesse sentido, entende-se que uma avaliação detalhada do paciente, de sua família, do ambiente e a aplicação do tratamento adequado pode proporcionar ao paciente um desenvolvimento global positivo muito mais do que apenas o controle dos seus sintomas (Ribeiro, 2013).

No que se refere as funções executivas, FE, incluem um conjunto de habilidades mentais responsáveis por planejar, organizar, iniciar, monitorar e concluir tarefas, controlar impulsos, alternar entre atividades e manter informações na mente enquanto se realiza uma ação (memória de trabalho). Em muitos estudos, crianças e adolescentes com TDAH apresentam desempenho inferior em testes de memória de trabalho, atenção sustentada, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, quando comparados a pares sem o transtorno.

Conforme Abreu et al. (2016), a funções executivas são responsáveis por planejar, ponderar, focar no objetivo visando alcançar um resultado e realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo. Elas estão presentes em atividades com raciocínio flexível, atenção concentrada, inibição comportamental e planejamento. São denominadas como controle cognitivo, desenvolvendo habilidades que controlam o comportamento, pensamentos e emoção.

O desenvolvimento integral das FE, é necessário algum tempo, pois é um processo de amadurecimento do córtex pré-frontal que prossegue até a terceira década da vida adulta. Porém, seu desenvolvimento na infância, entre os 6 e 8 anos, é mais evidente devido à maior mielinização das conexões pré-frontais nessa fase. Após esse período, passam a estabilizar e durante o envelhecimento vão diminuindo sua eficiência (Barros, 2013). Sendo assim, suas experiências e vivências geradas na infância influenciam por toda sua vida.

Considerando que as FE se desenvolvem ao longo do tempo e são fortemente influenciadas pelas experiências vividas na infância, entende-se que o contexto escolar ocupa um papel central na consolidação dessas habilidades. Nesse cenário, discutir o funcionamento cognitivo torna-se indispensável, pois é nele que se articulam processos como atenção, memória de trabalho e autorregulação, dimensões frequentemente sensíveis em estudantes com TDAH e decisivas para o desempenho acadêmico.

2. IMPLICAÇÕES DO TDAH NO DESEMPENHO EM MATEMÁTICA

O TDAH é caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desempenho acadêmico, devendo ocorrer em mais de um contexto (por exemplo, casa e escola) e estar presente desde a infância. No ambiente escolar, essas características afetam diretamente o modo como o estudante mantém o foco, acompanha explicações, regula o comportamento e sustenta o esforço em tarefas que exigem sequenciamento, precisão e monitoramento de erros, elementos centrais para a aprendizagem matemática.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um dos principais transtornos do desenvolvimento infantil e tem causado preocupação devido a sua grande incidência em crianças em idade escolar, atingindo de 3% a 6% delas (Muszkat, Miranda, Rizzutti, 2011, p. 15).

Entre os mecanismos mais associados às dificuldades em Matemática no TDAH, destacam-se alterações nas funções executivas, especialmente memória de trabalho, controle inibitório e planejamento. A memória de trabalho é decisiva para manipular informações temporariamente (guardar dados do enunciado, realizar cálculos intermediários, manter regras e passos do algoritmo), e estudos indicam que crianças com TDAH frequentemente apresentam déficits nessa habilidade, o que se relaciona a fragilidades em diferentes domínios matemáticos, como cálculo e resolução de problemas. Além disso, evidências apontam que fatores executivos compartilhados (como velocidade de processamento e memória de trabalho verbal) podem se associar tanto a sintomas de TDAH quanto ao desempenho aritmético, sugerindo um ponto de encontro cognitivo entre atenção/autorregulação e aprendizagem matemática.

Na prática pedagógica, essas dificuldades tendem a aparecer como: erros por distração (“erros de descuido”), perda do passo em operações com múltiplas etapas, dificuldade em compreender e organizar problemas escritos, oscilação de desempenho (faz bem em um dia e no outro não), baixa persistência em exercícios repetitivos, dificuldade em checar resultados e, em alguns casos, lentidão para concluir atividades por desorganização e recomeços frequentes. Tarefas matemáticas longas e pouco estruturadas costumam aumentar a carga cognitiva, elevando a probabilidade de falhas de atenção e de memória de trabalho.

No ambiente escolar os sintomas dos portadores de TDAH aparecem com maior evidência, pois as funções de atenção e organização, extremamente necessárias na escola, são comprometidas. O aluno com TDAH apresenta comprometimento no rendimento escolar devido à dificuldade em prestar atenção, observar detalhes cotidianos, permanecer atento, e concentrar-se em uma atividade até o fim. Ensinar é uma tarefa que impõe desafios diários e variados para o educador. Neste sentido, Muszkat, Miranda e Rizutti (2011):

Ensinar uma criança com TDAH é ainda mais desafiador, pois além de os sintomas de TDAH envolverem dificuldades no processo de aprendizado e no comportamento, cada criança com TDAH é única. Na maioria das vezes, os educadores não sabem o que fazer e sentem-se perdidos, cansados, desanimados e sem apoio. Entretanto, não é possível recusar o direito destas crianças ao ensino adequado de suas necessidades. Para isso, as leis de inclusão estão mais abrangentes e rígidas. Também, não é possível ignorar a presença dessas crianças na sala de aula (Muszkat et al., 2011. 112).

Muszkat, Miranda e Rizutti (2011) destacam que é necessário disponibilizar aos professores conhecimentos teóricos sobre o TDAH, para que aliado a novas práticas metodológicas e ao saber do próprio professor ele obtenha resultados satisfatórios.

Também é importante considerar que o desempenho em Matemática pode ser agravado por comorbidades e fatores emocionais, como transtornos específicos de aprendizagem, dificuldades de linguagem que afetam a compreensão de problemas e ansiedade frente à disciplina, que reduz a disponibilidade de recursos cognitivos durante a resolução. Por isso, a análise do desempenho matemático do estudante com TDAH deve evitar explicações simplistas e considerar a interação entre sintomas, demandas da tarefa, contexto de ensino, adaptações oferecidas e histórico escolar.

O jogo é considerado como uma importante atividade na educação da criança, uma vez que pode permitir o desenvolvimento afetivo, motor, cognitivo, moral e a aprendizagem de conceitos, pois jogando a criança experimenta, descobre, inventa, exercita e confere as suas habilidades. O jogo estimula a curiosidade, a iniciativa e a autoconfiança proporcionando aprendizagem no desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração da atenção sendo indispensável para a saúde física, emocional e intelectual da criança (Fredegotto et al., 1999). A criança, ao manipular o brinquedo, de acordo com a sua faixa etária e o seu desenvolvimento psicomotor vai descobrindo novas aprendizagens. Através do brinquedo a criança descobre, experimenta, reinventa, analisa, compara, cria imaginação, desenvolve suas habilidades e estimula a linguagem e o aumento de vocabulário. Segundo Oliveira:

As crianças aprendem a lidar com situações mais complexas (jogos com regras) e passam a compreender que as regras podem ser combinações arbitrárias que os jogadores definem; percebem também que só podem jogar em função da jogada do outro [...]. Os jogos com regras têm um aspecto importante, pois neles o fazer e o compreender constituem faces de uma mesma moeda. A participação em jogos de grupo também representa uma conquista cognitiva, emocional, moral e social para a criança e um estímulo para o desenvolvimento do seu raciocínio lógico. 

[...] um aspecto relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer. Por isso, é importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos e o aspecto curricular que se deseja desenvolver (Oliveira, 1984, p.43).

Alunos com TDAH e outras deficiências demonstraram maior aprendizado e interação com o uso dos jogos matemáticos, dessa forma espera-se que esse trabalho possa acrescentar para os professores e profissionais de educação na condução do ensino e do desenvolvimento dos alunos. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular “o conhecimento matemático é necessário para todos os alunos da Educação Básica, seja por sua grande aplicação na sociedade contemporânea, seja pelas suas potencialidades na formação de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades sociais” (Brasil, 2017, p. 265).

Do ponto de vista educacional, as evidências sustentam a importância de intervenções estruturadas e suporte contínuo: instruções explícitas, divisão de tarefas em etapas curtas, uso de exemplos graduados, pistas visuais, checklists de procedimentos, tempo adicional quando necessário e rotinas de revisão de erros (autocorreção guiada). Para Gaye et al. (2024), treinos cognitivos (como programas de “memória de trabalho”), revisões meta-analíticas sugerem cautela: podem existir ganhos em tarefas próximas ao treino, mas a transferência ampla para desempenho acadêmico é limitada e não deve substituir estratégias pedagógicas e apoio multimodal.

3. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA FAVORECER O RACIOCÍNIO LÓGICO-MATEMÁTICO EM ALUNOS COM TDAH

Alunos com TDAH podem apresentar maior instabilidade atencional e dificuldades em funções executivas (como inibição, memória de trabalho, planejamento e monitoramento), impactando diretamente o raciocínio lógico-matemático, sobretudo em tarefas com muitas etapas, necessidade de organização de informações e checagem de erros (Rohde et al., 2000). Nessa perspectiva, a intervenção pedagógica precisa reduzir demandas desnecessárias de processamento e, ao mesmo tempo, ensinar estratégias de autorregulação e resolução de problemas de forma explícita e progressiva.

Uma primeira estratégia é reduzir a carga cognitiva das atividades, especialmente para estudantes que se perdem em procedimentos longos. Pela Teoria da Carga Cognitiva, o uso de exemplos trabalhados, com passos organizados e visualmente integrados (evitando “atenção dividida” entre texto e figura), ajuda a diminuir carga extrínseca e favorece a aprendizagem de esquemas para resolver problemas.

A Teoria da Carga Cognitiva é atribuída a John Sweller (2003). Segundo essa teoria, quando um indivíduo aprende por meio de multimídia, as informações devem ser apresentadas respeitando-se uma espécie de “norma cognitiva”. Em outras palavras, devido ao modo que a memória humana se encontra estruturada, o design, a quantidade de informações, cores e sons devem respeitar certa “quantidade”, pois a memória humana é, por natureza, impossibilitada de processar várias informações ao mesmo tempo. Essa condição, segundo Sweller (2003), deve ser especialmente considerada na elaboração de materiais multimídia, pois se houver sobrecarga de informações em um dos componentes da memória, o aprendizado pode ser prejudicado não gerando o interesse que o indivíduo necessita para aprender. Para entendermos melhor a questão da Teoria da Carga Cognitiva, faz-se necessária uma breve consideração a respeito de uma das partes do funcionamento cognitivo mais importante, a memória.

Outra estratégia central é o ensino por andaimes scaffolding o professor propõe desafios dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal e fornece apoio temporário, retirando esse suporte conforme o aluno ganha autonomia; uma forma clássica de operacionalizar a mediação Vygotskiana, sistematizada no Brasil por Marta Kohl de Oliveira ao discutir aprendizagem e desenvolvimento em perspectiva socio-histórica (Oliveira, 1995/2010).

Para fortalecer compreensão e raciocínio, é recomendado trabalhar com múltiplas representações (concreto–visual–simbólico), pois muitos estudantes com TDAH se beneficiam quando o conteúdo não fica apenas no nível abstrato. A ideia de transitar entre formas de representação (ação/imagem/símbolo) é associada a Bruner e é amplamente aplicada no ensino de Matemática (materiais manipuláveis, desenhos, esquemas, linhas numéricas, tabelas) antes da formalização algébrica (Borin, 2007).

Na resolução de problemas, uma estratégia didática muito eficaz é ensinar rotinas metacognitivas com etapas fixas, como as quatro fases de Pólya (compreender o problema, elaborar um plano, executar o plano e revisar/“olhar para trás”). Essa estrutura favorece o autocontrole do processo e reduz impulsividade (responder rápido sem conferir) (Onuchic, 2014).

Para estudantes com TDAH, vale explicitar a etapa de revisão com checklist (unidade, operação usada, plausibilidade do resultado) e reservar tempo curto e obrigatório para checagem. Em paralelo, a proposta de reduzir barreiras e ampliar participação e autonomia pode ser alinhada aos princípios de educação inclusiva discutidos por Mantoan, ao defender mudanças pedagógicas e organizacionais para atender a diversidade (Mantoan, 2003).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estudo permite afirmar que o TDAH afeta o raciocínio lógico-matemático não por comprometer diretamente a capacidade intelectual do estudante, mas por interferir em processos cognitivos de base, como atenção, memória de trabalho e funções executivas, que sustentam a aprendizagem da matemática. Alunos com TDAH tendem a apresentar dificuldades em manter o foco, seguir etapas de resolução de problemas, reter informações relevantes enquanto realizam operações, controlar respostas impulsivas e revisar o próprio desempenho. Esses aspectos se traduzem em erros frequentes, baixa produtividade, evasão de tarefas e sentimentos de fracasso em relação à disciplina de matemática.

Contudo, os estudos analisados também apontam que intervenções pedagógicas específicas podem minimizar esses impactos. Estratégias de organização do material, adaptação dos enunciados, uso de recursos visuais e concretos, fracionamento das atividades, apoio à memória de trabalho e valorização do processo de resolução contribuem para que alunos com TDAH desenvolvam, de forma mais segura, suas habilidades lógico-matemáticas.

Quanto a pergunta proposta pode ser respondida indicando que as alterações nas funções executivas se associam de forma direta ao desempenho em tarefas de raciocínio lógico-matemático de estudantes com TDAH, porque esse tipo de tarefa exige organizar passos, sustentar regras, selecionar estratégias, monitorar erros e ajustar procedimentos ao longo da resolução. Quando há fragilidades no planejamento, observa-se maior dificuldade em iniciar a tarefa com estratégia adequada, organizar a sequência de etapas e administrar o tempo, o que aumenta a probabilidade de respostas incompletas, troca da ordem das operações e abandono da atividade antes da conclusão.

Conclui-se que compreender como o TDAH afeta o raciocínio lógico-matemático é fundamental para que a escola deixe de atribuir o baixo desempenho à falta de esforço do estudante e passe a reconhecer sua forma particular de aprender. Isso implica investir em formação continuada, promover práticas pedagógicas diferenciadas e fortalecer o trabalho conjunto entre professores, família e equipe multiprofissional, garantindo condições reais de aprendizagem e participação para alunos com TDAH nas aulas de matemática.

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1 Graduada em Matemática pela Faculdade Integradas de Ariquemes – FIAR (2012). Pós-graduada em Educação Matemática com ênfase em Matemática Financeira pela Faculdade Integradas de Ariquemes – FIAR (2013). E-mail: [email protected]