CIBERCRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13327833


Alice Maria Silva de Aquino


RESUMO
O presente artigo analisa a violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes no âmbito virtual, expondo as fragilidades dos entes responsáveis pela tutela dessa parcela social. Para tal, é abordado o conceito de cibercrime com a identificação dos sujeitos envolvidos e as diversas formas de atuação nas redes de computadores. Além disso, o artigo explora os aspectos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais envolvidos nos crimes de pornografia infantil virtual e estupro vulnerável no meio digital. Ademais, discorre-se sobre o papel de responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade, devido ao dever imposto pela Constituição Federal e direito assegurado pela Lei nº 8.069/1990.
Palavras-chave: cibercrime; virtual; internet; criança; adolescente.

ABSTRACT
This article analyzes the sexual violence committed against children and adolescents in the virtual world, revealing the weaknesses of the institutions responsible for the protection of this social group. To this end, the concept of cybercrime is addressed, with the identification of the persons involved and the various forms of action on computer networks. Furthermore, the article examines the legislative, doctrinal and jurisprudential aspects involved in the crimes of virtual child pornography and vulnerable rape in the digital environment. It also discusses the role of the shared responsibility of the family, the State and society, by virtue of the duty imposed by the Federal Constitution and the right guaranteed by Law No. 8,069/1990.
Keywords: cybercrime; virtual; internet; child; adolescent.

1 INTRODUÇÃO

Produto da Guerra Fria, a internet surge como mecanismo de comunicação entre militares, que ganha ao longo dos anos alcance global. Sua finalidade inicial era proteger informações em caso de uma guerra física, além da transmissão rápida de dados entre um campo e outro. Contudo, aliado ao avanço tecnológico dos dispositivos eletrônicos, a internet ganha dimensão mundial, ao ser popularizada para fins de comunicação, seja por meio de e-mails, sites e redes sociais.

No Brasil, a internet chega no final da década de 1980 voltada para o uso acadêmico. Com o sucesso, amplia-se a rede de usuários, alcançando mais universidades e empresa. A sua popularização vem com a expansão das conexões no território nacional, além da criação de programas pelo governo, tal como o Programa Sociedade da Informação, que visava a difusão da internet em todas as camadas sociais. O aparecimento também das redes sociais nos anos iniciais da primeira década dos anos 2000, eleva o Brasil a um dos maiores usuários de internet ainda em 2004.

Há ainda de citar a transposição significativa da vida real para o meio virtual, dada a possibilidade de realizar no âmbito virtual as mais diversas atividades, seja de trabalho, estudo, lazer, comércio e entre outras. Contudo, a velocidade de crescimento das ferramentas para aprimorar o uso da internet não acompanhou a disseminação do conhecimento para uso das mesmas. Para além das vantagens da rede mundial de computadores, surgem os problemas ligados a ferramenta, tais como os spams e vírus. Logo, esse novo meio social proporciona não apenas facilidades, mas reproduz e faz surgir violências já conhecidas no universo real. Essa crescente no número de crimes virtuais está, muitas vezes, atrelada a facilidade de acesso, falta de conhecimento técnico pelos usuários e a rápida popularização.

Outra dificuldade ao uso desse moderno instrumento está relacionado a perda da privacidade, desvio de informações pessoais, ataques cibernéticos e a sensação de impunidade pelo anonimato. Assim, desde seu surgimento, registram-se relatos do desvio moral e legal do seu uso para reprodução de crimes, tais como pornografia, pedofilias e ameaças. Porém, o Direito brasileiro não acompanhou simultaneamente a rápida evolução das tecnologias para proteger seus cidadãos.

Assim, apesar do significativo desenvolvimento da internet e das redes sociais na década 2000, somente com a Lei nº 11.829/2008 que se altera a redação original do Estatuto da Criança e Adolescente criminalizando a pornografia infantil virtual. Desde então, outras leis entram em vigor, como a nº 12.015/2009 que penaliza aqueles que se envolvem com menores de dezoito anos em salas de bate-papo na internet. Em 2012, é sancionada a Lei Carolina Dieckmann, que versa sobre a alteração dos art. 154-A e 154-B do Código Penal, a fim de punir a invasão de computadores por hackers.

Em outras esferas foram criadas leis visando a proteção de grupos vulneráveis, tais como questões raciais e consumidores do comércio eletrônico. Contudo, é com o Marco Civil da Internet em 2014 que se estabelecem princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. A partir de então, a proteção a privacidade torna-se um princípio norteador descrito no art. 3º da Lei nº 12.965/2014. Embora a legislação brasileira não tenha sido integralmente omissa prever punições a certos crimes virtuais, a carência de legislação específica para tratar de temas sensíveis, envolvendo grupos vulneráveis, expõe essas vítimas a sensação de impunidade.

2 DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Uma das primeiras declarações chamando atenção para a condição especial das crianças na sociedade, foi com a Declaração de Genebra de 1924, na qual menciona a importância de uma proteção especial a esse grupo. Posteriormente, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Nações Unidas proclamam a necessidade de cuidados e assistência especial as crianças. Contudo, é com a Convenção sobre os Direitos da Criança que se institui um marco na tutela de direitos daqueles menores de dezoito anos.

Nessa conferência destaca-se no art. 3º que os Estados Partes tem o dever de garantir proteção e cuidados a crianças e adolescentes, considerando o dever dos pais, tutores ou pessoas responsáveis. Nesse ínterim, o Brasil ratifica a Convenção em 1990, dois anos após promulgação da Constituição Cidadã. Pela Lei Maior brasileira, foi ampliada a responsabilidade da família, sociedade e Estado na proteção desse grupo, conforme descrito no caput do art. 227. Além disso, o §4º do referido artigo constitucional, estabeleceu normas punitivas para casos de abuso, violência e exploração sexual de crianças e adolescentes (Roberti Júnior, 2012, p. 11).

Até aquele momento o Estado brasileiro fazia pouca ou nenhuma menção a tutela dessa população, como na constituição imperial e Carta Magna de 1891. A primeira referência na Lei Maior nacional foi a partir da Constituição de 1934 quando se menciona a responsabilidade da União, Estados e Municípios de amparar a maternidade e a infância, na alínea “c” do art. 138.

Posteriormente é gradativo a proteção aos direitos dos menores de dezoito anos, como o reconhecimento do dever estatal de resguardar e tutelar as crianças e adolescentes na Constituição de 1937. Nas Leis Maiores sucessivas e com a EC nº 01/1969 foi reconhecida também a assistência a maternidade, a infância e adolescência, além da educação dos excepcionais, que seria definida em lei especial (Roberti Júnior, 2012, p. 11).

Assim, também é em 1990 a proclamação do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA visando regulamentar o disposto na Constituição Federal de 1988. Com a Lei nº 8.069/1990, é assegurada a proteção integral, além de definir os termos criança e adolescente. A partir desse momento o Brasil reconhece a prioridade a efetivação da dignidade dos menores de dezoito anos, consoante descrito no art. 4º da referida lei. A esses sujeitos de direito é assegurado a proteção contra violências, cabendo punição pela ação ou omissão que desrespeite os direitos fundamentais.

O ECA foi tão abrangente na tutela a esse grupo que reconhece a possibilidade da condição da criança e o adolescente como agente que ameaça ou causam lesão aos próprios direitos. Nesse sentido, o doutrinador Guilherme Barros (2021), cita:

Quando sua conduta está em desacordo com os ditames do Estatuto, ainda que terceiros não sejam prejudicados, fica caracterizada a situação de risco para abrir as portas à aplicação de medidas de proteção. O Estatuto dá proteção ao adolescente através das medidas de proteção. Em relação a atos lesivos aos direitos infanto-juvenis praticados pela sociedade, o Estatuto dá proteção através da previsão de crimes e infrações administrativas (arts. 225 a 258-C). Já quanto ao Poder Público, muitos são os seus deveres e, diante do descumprimento, podem ser propostas ações individuais e coletivas. Por fim, os pais e responsáveis podem sofrer a perda do poder familiar - além, é claro, de incidir em hipóteses de crimes e infrações administrativas.

Ademais, atos lesivos a dignidade da criança e do adolescente deverá considerar a condição de vulnerabilidade, em especial dos menores de catorze anos, conforme também colocado no Código Penal. Isso se deve, segundo Bitencourt (2020) pela falta de discernimento da vítima que é alvo da violência. Assim, esse menor de idade não teria meios de se defender da condição atentatória a sua dignidade e bem-estar. Portanto, o legislador, reconhecendo a vulnerabilidade dos menores de catorze anos, ofereceu maior proteção a esse grupo em crimes, como contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes (Bitencourt, 2020).

Apesar das tentativas de proteção dessa parcela da sociedade, a sua vitimização involuntária é propagada na internet dada a falsa presunção que os atos praticados nos meios virtuais não impactam no mundo real. Deste modo, a falta de experiência aliada a sensação de impunidade pelos infratores expõe crianças e adolescente a cibercrimes.

3 CIBERCRIMES

Cibercrimes, crimes digitais, crimes na internet ou no meio virtual são expressões que tentam sintetizar a violação de direito de terceiros ocorridas nas diversas plataformas digitais. Entende-se que a terminologia cibercrime deriva da palavra ciberespaço utilizada pela primeira vez na obra Neuromancer de Willian Gibson (Santos, 2016). Apesar da ausência de um termo oficial na legislação brasileira para essas práticas criminosas, a cibercriminalidade abrange diferentes atividades ilícitas, envolvendo computadores e sistemas informáticos.

No leque das infrações ocorridas no espaço virtual há desde falsificação, fraude, roubo de identidade, incitação ao ódio até distribuição de material pornográfico e entre outros (Santos, 2016). A princípio, os Estados incluem nas suas legislações internas de direito penal as conduta ilícitas praticadas no meio virtual, contudo, com a expansão e diversificação desses atos, requerem-se normas específicas.

O crime cibernético pode ser classificado em próprios ou puros e impróprios ou abertos. Considera-se próprio ou puro aquelas condutas contra um sistema informático, independentemente da motivação dos agentes. Nesses casos, os infratores utilizam obrigatoriamente de um computador, visto que esse é o objeto e meio para execução do crime (Almeida, 2015, p.6). Portanto, os bens tutelados que são violados nessa espécie de cibercrime é a inviolabilidade das informações automatizadas, interceptação telemática ilegal, violação de e-mail, danos causados em arquivos devido a vírus e outros (Santos, 2020, p. 63-64).

Já nos crimes impróprios ou abertos, o sistema informático é apenas o meio para lesar outros bens jurídicos. Nesses casos, os crimes já estão tipificados no Código Penal sendo apenas o computador ou notebook um modo de execução de tal prática. São exemplos dessa classificação casos de injúria, difamação e calúnia ocorridos em meios virtuais, mediante computadores, notebooks ou celulares, que já são caracterizadas como crime nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal (Santos, 2020, p. 64-65).

Ademais, por cibercrime poderem ser praticados por inúmeros agentes, é possível haver danos em diversas plataformas, sites e sistemas operacionais simultaneamente. Por ter um caráter discreto, esse conduta lesiva não provoca a princípio a sensação de violência, uma vez que não há contato físico direto com as vítimas e nem atinge exclusivamente um grupo social específico (Souza, 2021).

3.1 Sujeitos do cibercrime

Com a globalização das redes de informática, é crescente o número de sujeitos ativos de crimes digitais que não possuem profundo conhecimento tecnológico. Dessa forma, a prática de ilegalidades no âmbito digital não está apenas vinculada aos Hackers ou Crackers, mas também aqueles agentes que caluniam, disseminam notícias falsas, praticam cyberbullying, propagam discursos de ódio e outros atos danosos a sociedade.

Quando se fala de sujeitos ativos entende-se por aqueles que praticam ativamente o crime digital, tal como os hackers, ou seja, invasores de sistemas informáticos visando o benefício próprio. É característico desses profissionais ilegais vasto conhecimento tecnológico, contudo, diferentemente dos Crackers, os Hackers não buscam publicizar seus crimes. Assim, para os Crackers além do cometimento da ilegalidade, é essencial dar o protagonismo do crime praticado, como ocorre nos casos dos recados ofensivos (Santos, 2020).

No outro lado da equação, há as vítimas desses crimes cibernéticos denominadas sujeitos passivos. Insta-se salientar que além das pessoas físicas, as pessoas jurídicas, instituições de crédito, governo podem ser alvo desses ataques digitais. Desse modo, todo aquele usuário dos sistemas informáticos está sujeito a violência praticada pelos agentes dos cibercrimes (Siqueira Filho, 2022).

Contudo, apesar do cibercrime não fazer distinção de raça, faixa etária, gênero, religião e outros aspectos sociais, no recorte de crianças e adolescentes como vítimas dessa espécie de crime, a vulnerabilidade é um aspecto relevante. Tal aspecto foi evidenciado por Whittle, Hamilton-Giachritsis, Beech (2014), na qual retrata como esse critério associado a carência afetiva ou confusão acerca da orientação sexual influenciava na escolha das vítimas pelos agressores (Pereira, 2021, p. 19).

Diante desta nova era digital com grande acesso a redes sociais e páginas na internet, essa geração é exposta e estimulada ao uso desses equipamentos. Tal cenário é refletido nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad/TIC), que revela que cerca de 85% das crianças e adolescentes entre 10 a 13 anos acessam a internet no Brasil em 2022. Além disso, segundo a ONG SaferNet Brasil (2008), 64% dos relativos e absolutamente incapazes acessam a internet em total privacidade e 87% revelou não possuir nenhuma restrição ao uso da internet.

Portanto, perante o fácil acesso a esses meios digitais irrestritamente, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos trouxe a público que no primeiro semestre de 2022, houve uma alta nas denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes brasileiros no meio virtual. Contudo, como essa realidade ainda não alcançou a integralmente a legislação vigente, as ações cometidas pelos agentes carecem de tipificação, evidenciando, portanto, que nesses casos o mais complexo não é a identificação dos sujeitos, mas sim, sua responsabilização.

3.2 Pornografia infantil virtual

A chamada pornografia infantil virtual trata-se de uma variante da pornografia infantil que ganha ênfase principalmente a partir do final do século XX. Essa prática violenta não conta com a presença física de crianças e adolescentes, mas utiliza-se de imagens ou vídeos desse para satisfação de desejo pessoais de determinado grupo e para fins comerciais. Dentre os produtores e consumidores dessa prática ilegal encontram-se pedófilos e não-pedófilos (Landini, 2004).

Nesse ínterim, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM - 5, o Transtorno Pedofílico é caracterizado pelo desejo, fantasia ou comportamento sexualmente excitante, frequentes e intensos, envolvendo crianças. Portanto, por se tratar de parafilia, não há previsão legal que criminalize a pedofilia, contudo, são tipificadas condutas relacionadas, tais como as ações previstas nos arts. 217, 218 e 231 do Código Penal. Enquanto anteriormente a popularização da internet, os crimes relacionados a pedofilia detinham-se aos ambientes físicos, com a evolução dos meios tecnológicos e câmeras digitais, muitas vezes vinculado aos aparelhos, essa prática ganha impulso (Gomes, 2009).

Porém, apesar do avanço da prática, em termos de tutela jurídica, apenas em 1990, com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, que o Brasil redige lei específica para criminalizar tais atos. Em sequência, em 2004 é ratificado pelo Estado brasileiro o Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil (Landini, 2007). Todavia, apenas a criminalização não impediu os avanços da violação da dignidade de crianças e adolescentes.

A massificação da internet além de proporcionar uma revolução nas relações públicas e privadas, aumentou o alcance da divulgação de montagens e conteúdos sexuais envolvendo menores de dezoito anos. Tal extensão da propagação desse material vincula-se a visibilidade promovida pelo advento da internet a outros grupos que até aquele momento não eram consumidores desse conteúdo pornográfico.

Paralelamente, desde a promulgação do ECA, houve uma maior repercussão de jornalística na investigação de redes criminosas, assim como uma maior defesa dos interesses de crianças e adolescentes pelas ONGs internacionais. Em debates nas convenções internacionais, verifica-se a conexão entre a pornografia infantil, exploração sexual de menores e o tráfico e venda de crianças e adolescentes (Landini, 2007). Deste modo, as conferências internacionais corroboram na avaliação da pornografia infantil como um problema social, por não mais se restringir a internet, devido à facilidade de disseminação e produção de conteúdos com a popularização de novas tecnologias, como os celulares com câmeras.

Visando aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet foi promulgada a Lei nº 11.829/2008. Assim, no que tange a propagação desse conteúdo ilícito em meio virtual, o art, 241-A do ECA disciplina:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ Nas mesmas penas incorre quem:
I - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
II - assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.
§ 2. As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 10 deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

Contudo, a configuração do crime estipulado no referido artigo requer notificação, uma vez que não seria viável a prévia análise de todo conteúdo disponibilizado na internet, seja pela vasta dimensão e pela vedação de censura (Barros, 2021).

Por sua vez, o art. 241-B prevê a punibilidade é voltada para aquele que consome e armazena material pornográfico infantil. Conforme o caput, trata-se de infração de médio potencial ofensivo, sem caber, contudo, a suspensão condicional do processo. Ademais, é cabível excludente de ilicitude para aqueles que no exercício regular do direito ou estrito cumprimento do dever legal detém esse tipo de material. Aplica-se esse caso aos profissionais que atuam no combate da pornografia infantil virtual, devendo manter o sigilo do conteúdo em seu domínio (Pereira, 2023, p. 160).

Em continuidade, no art. 241-C do Estatuto da Criança e Adolescente, é tipificado como crime a simulação da presença de menor de dezoito anos em cena explícita de sexo. Nesses casos, o agente, por não dispor de conteúdo sexual verídico envolvendo esse grupo, realiza montagens e adulterações de cenas e vídeos a fim de propagar pornografia infantil. Essa conduta criminosa é tida como de médio potencial ofensivo, aplicando previsões similares ao disposto no artigo anterior da mesma lei.

Ademais, pelo art. 241-E é elucidado que ao termo “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende-se toda e qualquer situação envolvendo menores de dezoito anos em atividades sexuais explícitas, sejam reais ou simuladas, ou ainda a exibição das partes íntimas para fins sexuais. Esse dispositivo tinha como objetivo evitar contrariedades na interpretação, porém, o legislador deixou lacunas. Como no caso da exibição dos seios por meninas, que por não ser classificado como parte íntima não estaria protegida pela lei. Nesse sentido, o STJ dirimiu a matéria, decidindo:

A definição de material pornográfico acrescentada por esse dispositivo legal não restringe a abrangência do termo pornografia infanto-juvenil e, por conseguinte, deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e do adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA). Desse modo, o conceito de pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do órgão sexual da criança e do adolescente e, nesse sentido, há entendimento doutrinário. (REsp 1543267 – Informativo 577/2016).

3.3 Estupro virtual de vulnerável.

Anterior a alteração do Código Penal, o art. 244 presumia haver violência nos casos de crime de estupro contra vulnerável menor de catorze anos, dada a incapacidade de defesa desse. Naquele momento o estupro com violência real ou presumida integravam o mesmo tipo penal e com penas idênticas. Todavia, após a mudança no CP/1940, essa espécie criminal recebeu uma pena maior que a prevista para o crime de estupro, além de virar um crime autônomo, estabelecido no art. 217-A, com nomenclatura de estupro de vulnerável (Maia, 2011).

Acerca da temática discutia-se a respeito da natureza da presunção, se essa era relativa ou absoluta. Uma das correntes doutrinarias defendia a apuração da incapacidade do menor para consentimento, enquanto, a outra vertente defendia a aplicação absoluta da regra quanto à idade. Apesar da Lei nº 12.015/2009 revogar o art. 244 do CP/1940 e a aplicação da regra de presunção de violência, manteve-se o debate acerca da vulnerabilidade. Assim, para Sanches (2017), a redação da lei é clara, sendo vetado relação sexual com menor de catorze anos. No mesmo sentido, o STJ corrobora afastando a apuração concreta da vulnerabilidade.

Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime (REsp 1.480.881/PI, Rei. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 10/9/2015.).

Assim, pelo art. 217-A do Código Penal, são hipóteses de vulnerabilidade os menores de catorze anos, pessoas com enfermidade ou deficiência mental e aqueles que estão impedidos de oferecer resistência ao ato sexual por qualquer causa (Gomes, 2023, p.8). Quanto a ausência de impedimentos ao ato, menciona-se a incapacidade de consentimento, seja inclusive, devido à vítima está sob efeito de substâncias químicas. Nesse sentido, o

Superior Tribunal de Justiça decidiu na Súmula nº 539 que a vulnerabilidade independe da consciência do ato.

O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Logo, extraí-se do entendimento do STJ a inexistência de vulnerabilidade relativa, prevalecendo que qualquer indivíduo menor de catorze anos é absolutamente vulnerável. Ademais, entende-se que para a tipificação do estupro de vulnerável não se requer o contato físico obrigatório entre autor e vítima, sendo possível ser cometido a distância. Portanto, ainda que o termo “estupro virtual” não esteja tipificado em lei, esse consiste no estupro que ocorre sem contato físico no âmbito digital (Greco, 2020).

A possibilidade legal da configuração desse crime advém das mudanças a partir da promulgação da Lei n° 12.015/2009. Pelo art. 217-A, caracterizando-se como estupro de vulnerável o desejo do agressor em praticar ato libidinoso com a vítima. Nesse sentido, ato libidinoso torna-se sinônimo de ato que busque a satisfação do desejo sexual do outro. Portanto, a tipificação do delito resta-se demonstrada pela prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (Tomaz, 2023).

Há nesse delito característica comuns ao estupro e estupro de vulnerável, como o constrangimento da vítima a prática do ato, seja com violência ou grave ameaça, vítimas absolutamente incapazes e a não obrigatoriedade do contato físico (Gomes, 2023). Também assemelham-se às consequências gerada a partir do fato na vida da vítima, tais como depressão, ansiedade, baixa autoestima, estresse pós-traumático, problemas de adaptação social e disfunção sexual (Pedrosa, 2020).

Apesar da semelhança entre os delitos, a carência de um dispositivo legal tipificando especificamente essa forma de violação gera insegurança jurídica ao ordenamento brasileiro. Conforme apontado por Tomaz (2023), as posições doutrinárias sobre a temática divergem, sendo suscitadas a possibilidade de configuração do ato como crime tanto pelo art. 213 quanto pelo art. 271-A. Os debates doutrinários orbitam em torno da possibilidade de haver estupro sem contato físico dado ocorrer em ambiente virtual. Porém, independentemente do meio utilizado, uma vez preenchido os elementos primordiais do tipo penal, seja de estupro ou estupro de vulnerável, além da punição do agressor, há de se discutir a responsabilidade da família, Estado e sociedade.

3.4 Responsabilidade compartilhada

Segundo a Constituição Federal, no art. 227 constitui-se dever da família, Estado e sociedade zelar com absoluta prioridade pela dignidade das crianças e adolescentes. Quanto à obrigação familiar de tutela dos menores de dezoito anos, deve-se incluir todas as formas de família trazida com a Constituição Cidadã, não sendo, portanto, uma mera recomendação, mas uma diretriz nas relações entre pais e filhos. Segundo Dias (2021, p. 71) essa proteção especial se deve a maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os dezoito anos, dado seu estado em desenvolvimento.

O Código Civil preconiza a responsabilidade aos pais ou responsáveis pela criação dos filhos. Pois é na fase de desenvolvimento humano em que se deverá se dedicado o mais alto grau de assistência, proporcionando ao menor de idade o acesso à educação, segurança e saúde, dentro da realidade social familiar. Assim, os cuidados em relação a crianças e adolescentes deve estender-se aos meios tecnológicos, uma vez que o abandono digital poderá expor esses vulneráveis a violências virtuais.

É nesse sentido, que a Lei nº 12.965/2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, assegurou aos pais e responsáveis o poder de controle dos computadores, conforme citado no art. 29. Ressalta-se ainda a responsabilidade também do Poder Público de fornecer educação e informações sobre o uso de programas digitais, além de definir boas práticas de inclusão digital para crianças e adolescentes, consoante o parágrafo único do mesmo artigo.

Referente a proteção estatal, a própria Constituição impõe punição severa a abusos, violências e exploração sexual de crianças e adolescentes como uma garantia a proteção desse grupo em observância também ao art. 204, conforme menciona Pedro Lenza (2023). Nesse sentido, cabe ao Estado brasileiro estabelecer políticas, planos e programas para a primeira infância, consoante cada faixa etária. Segundo Pedro Lenza (2023) essas políticas devem ser elaborada e executadas para:

Atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã.
Adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços;
Promover a formação da cultura de proteção e promoção da criança, com apoio dos meios de comunicação social.

Em consonância com a Constituição, o art. 70-A do ECA, alterado pela Lei nº 13.010/2014, atribui responsabilidade a União, Estados, Distrito Federal e Municípios a atuação articulada de políticas públicas para coibir tratamentos cruéis e degradantes.

Acrescenta ainda a relevância no inciso II, da integração do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Conselhos Tutelares na atuação de proteção e defesa de crianças e adolescentes.

Ademais, em respeito ao melhor interesse das crianças e adolescentes, associado a proteção absoluta desses, requer não apenas a atuação do Poder Público, como a participação social. Essa integração da sociedade perpassa em buscar alternativas dentro da comunidade no combate a essa forma de violência, além de exigência de vias administrativas e jurisdicionais para efetivação das políticas públicas. Nesse sentido, o ECA cria uma estrutura para as políticas de defesa e proteção dos direitos das crianças e adolescente pautada na participação popular e na responsabilização pelo atendimento falho ou ausente prestado pelos entes responsáveis (Cuccia e Cucci, 2015, p. 83).

4 CONCLUSÃO

A evolução tecnológica foi essencial para o estabelecimento das relações jurídicas, pessoais, comerciais e sociais nesta era. Todavia, apesar de possibilitar a sociedade significativos avanços quanto a comunicação e na otimização do tempo, também tornou-se um novo meio para prática de crimes. Assim como no mundo físico, o ambiente virtual violenta ainda mais os grupos vulnerabilizados, que por falta de recursos, sejam físicos, financeiros, estruturais; tornam-se alvos de criminosos.

Além da fragilidade no desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes, outros fatores, como abandono digital dos responsáveis e o fácil acesso a redes sociais e a internet, facilitam a ação dos criminosos. Para combater os atos criminosos, a principal ferramenta é a denúncia, juntamente com a atuação de órgãos como o Conselho Tutelar, Varas da Infância e Juventude, Delegacias de Proteção a Criança e Adolescente e a Delegacia de Combate aos Crimes Virtuais. Associado a ação das entidades estatais

Contudo, além de ferramentas de denúncia como o número 100, discagem gratuita para todo território nacional, é fundamental o combate a sensação de impunidade vigente na sociedade. Portanto, a promoção de justiça e o respeito a dignidade sexual de crianças e adolescente é assegurada por meio do combate as falhas legislativas, assim como a tipificação de determinados crimes sexuais, tais como o estupro de vulnerável no meio virtual.

Logo, para efetivação da tutela dos menores de dezoito anos, requer-se a atuação conjunta da família, comunidade, judiciário, legislativo e executivo. Pois os cibercrimes utilizam-se da vulnerabilidade desses entes para vitimizar criança e adolescentes. Outro mecanismo está voltado as políticas públicas de proteção a esse grupo e na difusão de conhecimento sobre as boas práticas no uso da internet e redes sociais.

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