BIOFERTILIZANTES NO ENSINO DE QUÍMICA: EXPERIMENTAÇÃO INVESTIGATIVA PARA PRODUÇÃO DE BIOGEL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18091676


Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2


RESUMO
Este trabalho relata uma experiência didática inovadora que integrou a produção experimental de um biofertilizante, denominado "biogel", com o estudo dos conceitos de transformações químicas da matéria e ciclos biogeoquímicos. A atividade foi desenvolvida com estudantes do 2º Ano do Ensino Médio com o objetivo de demonstrar, de forma prática e aplicada, a relevância da química e da biologia em processos sustentáveis e de baixo custo. Os estudantes, utilizando resíduos orgânicos (como esterco, restos vegetais e água não clorada, conforme metodologias simplificadas de produção de biofertilizantes), realizaram a fermentação anaeróbica em bombonas plásticas, monitorando o processo ao longo de várias semanas. Observou-se a decomposição da matéria orgânica por microrganismos, resultando em um produto líquido rico em nutrientes essenciais (como nitrogênio e fósforo), conforme ocorre naturalmente nos ciclos biogeoquímicos. Durante o experimento, os alunos puderam visualizar e discutir as transformações químicas envolvidas, como a conversão de compostos orgânicos complexos em formas inorgânicas simples, que podem ser reabsorvidas pelas plantas. A discussão focou nos ciclos do nitrogênio e do carbono, destacando o papel dos decompositores e a importância de práticas sustentáveis na agricultura. A abordagem prática permitiu aos alunos não apenas produzir um insumo agrícola útil e de menor custo que fertilizantes químicos, mas também compreender a dinâmica dos elementos químicos na natureza e a interferência humana nesses processos. A experiência demonstrou ser uma ferramenta pedagógica eficaz para contextualizar o conteúdo programático, promovendo a consciência ambiental e o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e experimentação.
Palavras-chave: Biofertilizante. Biogel. Educação Ambiental. Ciclos Biogeoquímicos. Ensino Experimental.

ABSTRACT
This work reports on an innovative teaching experience that integrated the experimental production of a biofertilizer, called "biogel," with the study of the concepts of chemical transformations of matter and biogeochemical cycles. The activity was developed with 11th-grade students with the aim of demonstrating, in a practical and applied way, the relevance of chemistry and biology in sustainable and low-cost processes. Using organic waste (such as manure, plant remains, and non-chlorinated water, according to simplified biofertilizer production methodologies), the students carried out anaerobic fermentation in plastic containers, monitoring the process over several weeks. The decomposition of organic matter by microorganisms was observed, resulting in a liquid product rich in essential nutrients (such as nitrogen and phosphorus), as occurs naturally in biogeochemical cycles. During the experiment, students were able to visualize and discuss the chemical transformations involved, such as the conversion of complex organic compounds into simple inorganic forms that can be reabsorbed by plants. The discussion focused on the nitrogen and carbon cycles, highlighting the role of decomposers and the importance of sustainable practices in agriculture. The practical approach allowed students not only to produce useful and lower-cost agricultural input than chemical fertilizers, but also to understand the dynamics of chemical elements in nature and human interference in these processes. The experiment proved to be an effective pedagogical tool for contextualizing the curriculum content, promoting environmental awareness and the development of research and experimentation skills.
Keywords: Biofertilizer. Biogel. Environmental Education. Biogeochemical Cycles. Experimental Teaching.

1. INTRODUÇÃO

A importância que a sustentabilidade vem tendo no desenvolvimento agrícola impõe que alternativas ao modelo convencional, menos impactantes aos ecossistemas e às linhas de produção da agricultura, sejam criadas. Nessa perspectiva, a busca de um desenvolvimento agrícola sustentável faz com que o produtor que planeja uma transição para um modelo agroecológico passe cada vez mais a se distanciar de insumos convencionais, como agrotóxicos e adubos químicos de alta solubilidade, e a fazer uso de substâncias naturais, para elevar a fertilidade do solo e controlar pragas e doenças nas lavouras. Essa mudança de paradigmas tem sido legitimada tanto por comprovações empíricas como científicas (SILVA et al., 2020; BETANHO & TAVARES, 2021; BOSA & ROVER, 2021).

Os benefícios trazidos à sustentabilidade da agricultura com o uso de bioinsumos são vários: aumento na atividade microbiana do solo, fornecimento equilibrado de nutrientes, aumento da resistência a estresses bióticos e abióticos e aumento da produção em quantidade e qualidade. Além disso, eles não causam impactos negativos ao meio ambiente. Para o agricultor, os biofertilizantes têm a vantagem de ser de baixo custo, utilizar recursos locais e não expô-lo às substâncias tóxicas que prejudicariam a sua saúde. Para o consumidor, a vantagem está na aquisição de um produto sem resíduos tóxicos e de alto valor biológico.

Existem várias maneiras de se fazer biofertilizantes, bem como de ingredientes utilizados nesse processo de produção (Sebrae, 2016). A maneira mais simples é quando se mistura esterco e água, mas, a esses dois, pode-se acrescentar também restos vegetais, leite, melaço, farelos, urina animal e materiais inorgânicos como cinzas, fosfatos naturais, calcários, pó de rocha e micronutrientes. Quanto mais variada for a composição básica do biofertilizante, mais rico ele tende a ser em nutrientes essenciais às plantas superiores, fitorreguladores, enzimas, antibióticos, vitaminas e microrganismos benéficos.

Importância dos biofertilizantes para o solo:

  • Promovem a formação de agregados no solo e aumentam a resistência contra a compactação, melhorando a estrutura e a porosidade;

  • Aceleram a decomposição natural de matéria orgânica em húmus;

  • Aumentam a viabilidade e disponibilidade de nutrientes no solo;

  • Promovem a correção biológica do solo, criando uma rica colônia de microrganismos benéficos, que ajudam a evitar doenças e pragas, além de potencializar o transporte de nutrientes.

Bolo decorado com flores

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Figura 1. Ação de biofertilizantes no solo.
Fonte: https://verdeacqua.eco.br/nossos-produtos/biofertilizantes/

O objetivo deste trabalho é entender o que são biofertilizantes, seu modo de confecção, como são aplicados às culturas, os benefícios à agricultura, produção do biofertilizante denominado biogel no Brasil e seu efeito sobre as culturas do algodão, gergelim, amendoim e mamona, bem como os constituintes químicos presentes nestes materiais, de modo a contextualizar a Química com a agricultura sustentável.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A palavra “biofertilizante” deriva de duas partes: “bio“, que significa vida, e “fertilizante “, que indica uma substância que promove a fertilização ou fecundação. Portanto, biofertilizante refere-se à fertilização através de organismos vivos.

Segundo a legislação brasileira, “Biofertilizante é um produto que contém princípio ativo ou agente orgânico, isento de substâncias agrotóxicas, capaz de atuar, direta ou indiretamente, sobre o todo ou parte das plantas cultivadas, elevando a sua produtividade, sem ter em conta o seu valor hormonal ou estimulante” (ABDELGHANY et al., 2022).

Os biofertilizantes são compostos complexos que incluem uma ampla gama de nutrientes ao desenvolvimento e crescimento das plantas. Entre esses nutrientes estão: nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxofre (S), boro (B), zinco (Zn), molibdênio (Mo), ferro (Fe), manganês (Mn) e cobre (Cu).

Além dos nutrientes, os biofertilizantes contêm hormônios vegetais que promovem o desenvolvimento e aumentam a resistência das plantas a diversos estresses ambientais. Substâncias como álcool e fenol presentes nos biofertilizantes também desempenham um papel crucial ao auxiliar na formação e desenvolvimento das células vegetais.

Um componente essencial dos biofertilizantes são os microrganismos benéficos. Estes organismos vivos ajudam a melhorar a defesa natural das plantas contra patógenos e a aumentar a disponibilidade de nutrientes no solo, promovendo um ambiente adequado e produtivo para o crescimento das plantas.

Os biofertilizantes são produzidos utilizando diversos ingredientes disponíveis nas propriedades agrícolas, como esterco, leite, caldo de cana e cinzas (ABDELHAFEZ et al., 2021).

Os antibióticos encontrados em biofertilizantes, provenientes principalmente do uso de esterco animal (como de gado e galinha) na produção desses fertilizantes, pertencem a classes químicas específicas, sendo as mais comuns as tetraciclinas, sulfonamidas e fluoroquinolonas.

3. METODOLOGIA

As atividades foram desenvolvidas em uma turma do 2º Ano do Ensino Médio de uma Escola do Programa Ensino Integral (PEI) do Estado de São Paulo. A turma em questão pertencia aso Itinerário Formativo de Ciências da Natureza e contava com 20 estudantes. De modo geral, o trabalho seguiu conforme disposto na Figura 2.

Figura 2. Metodologia utilizada no trabalho.
Fonte: Os autores

Inicialmente, os alunos foram orientados a pesquisarem sobre a importância da agricultura sustentável e a importância da utilização de biofertilizantes. Para a pesquisa foi utilizada a sala de informática, onde os estudantes tiveram acesso a diferentes sites para busca de informações sobre o assunto. Todo o processo de pesquisa foi acompanhado pela professora de Química, que esclarecia as dúvidas que surgiam no decorrer das leituras. A complementação das leituras foi feita também através de pesquisas em livros da Sala de Leitura. À medida que iam lendo, os alunos eram orientados também a utilizarem a técnica de fichamento. Fichar é “sintetizar, documentar, identificar as principais ideias e conceitos de uma obra”. Isso ajuda no planejamento da produção do próprio texto, além de ser uma ótima maneira de organizar os estudos por temas, livros e capítulos. A técnica facilita a própria realização de avaliações que trazem citações dos conteúdos nos enunciados, “já é uma orientação para que o aluno consiga organizar os seus estudos a partir das questões”. As informações trazidas pelos estudantes eram debatidas em sala de aula a partir de aulas dialogadas com mediação da professora. Nesse processo eram esclarecidas as dúvidas, bem como, a realização de exercícios de aprofundamento dos conteúdos trazidos pelo tema. Em vista da importância da experimentação para o ensino de Química, foi proposta uma aula experimental de produção do biofertilizante denominado biogel. A produção do biofertilizante foi feito em um espaço não formal (um terreno dentro da própria escola onde funciona uma horta escolar). O Biogeo é muito utilizado na chamada agricultura biológica. Além de água com esterco bovino, esse biofertilizante é feito à base de restos culturais, tiririca e pó de rocha, inoculados com bactérias, fungos e leveduras, postos para se decompor por meio do processo de Compostagem Líquida Continuada (CLC), que garante prazo de validade indeterminado ao biofertilizante, estando sempre pronto para ser usado (Figuras 3). Pode ser usado como adubo para o solo e foliar, e é bastante eficiente na inoculação de sementes.

Figura 3. Produção de biogel (etapas).
Fonte: LEITE & MEIRA (2016).

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os biofertilizantes são compostos complexos e vivos, cuja composição exata varia em função da matéria-prima utilizada e do processo de produção (fermentação ou compostagem). De modo geral, seus principais constituintes podem ser divididos em três categorias: 

1. Nutrientes Minerais (Macro e Micronutrientes)

Os biofertilizantes fornecem uma ampla gama de elementos essenciais para o desenvolvimento das plantas, tanto os requeridos em grandes quantidades (macronutrientes) quanto em pequenas quantidades (micronutrientes). 

  • Macronutrientes:

    • Nitrogênio (N): Essencial para o crescimento vegetativo e a fotossíntese.

    • Fósforo (P): Crucial para o desenvolvimento de raízes, flores e frutos.

    • Potássio (K): Ajuda na regulação da água e na resistência a doenças.

    • Cálcio (Ca), Magnésio (Mg) e Enxofre (S): Também necessários em quantidades consideráveis.

  • Micronutrientes: Incluem ferro, boro, cobre, zinco, manganês e molibdênio, que, embora necessários em pequenas doses, são indispensáveis para as funções vitais da planta. 

2. Matéria Orgânica e Compostos Bioativos

A base dos biofertilizantes é a matéria orgânica (esterco, restos de plantas, resíduos agroindustriais, etc.). Durante o processo de fermentação ou compostagem, essa matéria é transformada em: 

  • Substâncias Húmicas: Melhoram a estrutura do solo e a capacidade de retenção de água e nutrientes (Figura 4).

  • Aminoácidos, Vitaminas e Hormônios Vegetais: Atuam como bioestimulantes, promovendo o crescimento e aumentando a tolerância das plantas a estresses.

  • Polissacarídeos: Podem induzir respostas de defesa contra patógenos nas plantas. 

3. Microrganismos Benéficos

Uma característica fundamental dos biofertilizantes, que os diferencia dos fertilizantes minerais, é a presença de uma comunidade viva e diversa de microrganismos (bactérias, fungos, leveduras). 

  • Esses microrganismos auxiliam na ciclagem de nutrientes e na sua disponibilidade para as plantas.

  • Eles também podem atuar como agentes de controle biológico, ajudando a proteger as plantas contra certas pragas e doenças, melhorando a saúde geral do solo e das culturas. 

Em resumo, os biofertilizantes são soluções nutritivas e complexas que não apenas fornecem nutrientes, mas também melhoram a saúde do solo e a resistência das plantas por meio de sua composição orgânica e microbiológica. 

Forma

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Figura 4. Estrutura química de um ácido húmico.
Fonte: https://www.glpbio.com/sp/gc36647.html

Aproveitando-se do interesse manifestado pelos estudantes, a professora projetou a estrutura química do ácido húmico e explicou que essas substâncias se constituem no componente orgânico mais amplamente distribuído no planeta, as substâncias húmicas (SH) estão presentes tanto em ambientes aquáticos como em terrestres (GARCÍA, 2013).

As substâncias húmicas são formadas a partir da degradação química e biológica de resíduos de plantas, animais e atividades microbianas; possuem abundância de grupos carbonila e fenólicos que contribuem para sua complexação e troca iônica (Figura 4); além disso, apresentam características anfipáticas e podem se ligar às superfícies minerais do solo (MIKKELSEN, 2005; VAZ, 2006; BURLAKOVS et al., 2013).

A experimentação da produção de biogel como biofertilizante nas aulas de Química foi uma atividade pedagógica de grande relevância, que propiciou a conexão a teoria à prática, abordando a química ambiental e a sustentabilidade. Essa prática permitiu aos alunos visualizarem a aplicação real de conceitos químicos, além de promover habilidades cognitivas como o pensamento crítico e a elaboração de hipóteses.

Importância Pedagógica e Ambiental

  • Contextualização do Conteúdo: A atividade saiu do abstrato e mostrou aos estudantes como a Química está presente em soluções para problemas reais, como a nutrição de plantas e a conservação do solo.

  • Sustentabilidade: Demonstrou a produção de insumos de baixo custo a partir de resíduos orgânicos, fomentando a economia circular e práticas agrícolas sustentáveis, em contraste com fertilizantes químicos industriais.

  • Engajamento e Motivação: A natureza prática e "mão na massa" da atividade aumentou o interesse e a motivação dos alunos, facilitando a compreensão de conceitos científicos complexos.

  • Desenvolvimento de Habilidades: Estimulou a observação, o registro de dados, a análise química (mesmo que em nível básico) e a discussão sobre os resultados e benefícios do produto final.

Conceitos Químicos Aprendidos

Durante a produção do biogel (um polímero hidro-absorvente que pode reter centenas de vezes seu peso em água) e seu enriquecimento como biofertilizante, diversos conceitos químicos são abordados:

  • Química Orgânica e Bioquímica: A base do biofertilizante é a matéria orgânica (esterco, restos vegetais). Os alunos aprenderam sobre a composição desses materiais, a ação de microrganismos e os processos de fermentação e decomposição que liberam nutrientes essenciais para as plantas.

  • Elementos Essenciais e Nutrição Mineral: A discussão envolveu a importância de micronutrientes e macronutrientes (como nitrogênio, fósforo e potássio - NPK, cálcio, magnésio) para o desenvolvimento das plantas. A análise química do solo e do próprio biofertilizante para determinar a concentração desses elementos é fundamental.

  • Propriedades Físico-Químicas: A produção envolveu a manipulação de pH, solubilidade de sais minerais e a capacidade de retenção de água do biogel (polímeros hidro-absorventes), que formam uma estrutura gelatinosa.

  • Reações Químicas: Conceitos de reações ácido-base, oxidação-redução e a formação de compostos orgânicos complexos foram discutidos no contexto da decomposição e da interação dos nutrientes com o solo e a água.

Em suma, a produção de biogel/biofertilizante é uma experiência interdisciplinar que empodera os alunos com conhecimento prático, consciente e alinhado aos desafios contemporâneos da sustentabilidade agrícola (Figura 5).

Figura 5. Aluna e professora demonstrando a utilização do biogel produzido na germinação de sementes.
Fonte: Os autores.

Ao longo de toda a atividade, na finalização das aulas, o aprofundamento e verificação do aprendizado efetivo sobre o tema era feito a partir de questões para discussão, conforme a abaixo indicada:

“Com 80% da área plantada fazendo uso de biofertilizantes, a soja brasileira mostra o impacto ambiental e econômico da substituição de adubo químico pelo que os cientistas chamam de microbioma. A estratégia consiste no efeito conjunto de fungos, bactérias e outros microrganismos em prover os nutrientes necessários às plantas, garantindo maior produtividade nas lavouras, além, é claro, de ganhos econômicos e ambientais. O Brasil é o maior produtor e exportador de soja e, atualmente, 80% da área plantada com essa cultura utiliza microrganismos para fixar o nitrogênio. Esse método tem um impacto ambiental positivo muito grande na proteção de mananciais, pois o nitrogênio proveniente de fertilizantes químicos tende a contaminar os rios. (https://agencia.fapesp.br. Adaptado.)

a) A qual nível trófico pertencem os fungos e bactérias responsáveis pela disponibilização de compostos inorgânicos provenientes da matéria orgânica? Que impacto ambiental decorre da contaminação dos rios pelo nitrogênio presente em fertilizantes químicos?

b) No que consiste a fixação biológica do nitrogênio pelas bactérias da microbiota? Por ser uma leguminosa, que vantagem a soja apresenta quanto à obtenção de compostos nitrogenados fornecidos pelos microrganismos fixadores de nitrogênio?”

A questão, baseada em um texto adaptado da Agência FAPESP, aborda conceitos químicos e biológicos relacionados à sustentabilidade agrícola. O foco é a substituição de fertilizantes químicos por biofertilizantes no cultivo da soja brasileira. A intenção da docente seria abordar com os estudantes conceitos de ecologia e ciclos biogeoquímicos. Dessa forma, a professora mediava as respostas dadas de modo que os estudantes entendessem que a função da microbiota do solo (os fungos e bactérias mencionados pertenciam ao nível trófico dos decompositores ou detritívoros). São extremamente importantes porque atuavam como fixadores de nitrogênio, sendo fundamental no ciclo da matéria. Eles atuam quebrando (decompondo) a matéria orgânica morta (folhas, restos de plantas, organismos mortos) e a transformam em compostos inorgânicos simples (como nitrato, amônio, fosfato, água, gás carbônico, etc.) que podem, então, ser reabsorvidos pelos produtores (plantas). Eles reciclam nutrientes essenciais no ecossistema. Ainda em relação ao item (a) da questão foi discutido que o principal impacto ambiental é a eutrofização (ou eutroficação) dos corpos d'água (rios, lagos, represas). O excesso de nutrientes, como o nitrogênio e o fósforo provenientes do escoamento agrícola (lixiviação), estimula o crescimento excessivo de algas e outras plantas aquáticas (proliferação de fitoplâncton, também conhecida como "floração de algas"). Isso impede a penetração de luz solar, o que causa a morte de plantas subaquáticas e, posteriormente, a decomposição dessa matéria orgânica consome grandes quantidades de oxigênio dissolvido na água (hipóxia ou anoxia), resultando na morte de peixes e outros organismos aeróbicos, desequilibrando todo o ecossistema aquático. Em relação ao item (b) foram discutidos que a fixação biológica do nitrogênio pelas bactérias da microbiota consiste na conversão do gás nitrogênio (𝑁2) atmosférico em formas nitrogenadas utilizáveis pelas plantas (Figura 6). O gás nitrogênio (𝑁2) compõe cerca de 78% da atmosfera, mas é uma molécula muito estável e inerte para a maioria dos seres vivos, incluindo as plantas. As bactérias fixadoras de nitrogênio (como as do gênero Rhizobium, que vivem em associação com a soja) possuem a enzima nitrogenase, capaz de quebrar as ligações fortes do 𝑁2 e convertê-lo em amônia (NH3) ou amônio (NH+4), que são compostos solúveis e assimiláveis pelas raízes das plantas. A soja, como a maioria das leguminosas, estabelece uma relação de simbiose mutualística com essas bactérias fixadoras. Essa associação é mutuamente benéfica. As bactérias formam estruturas especializadas nas raízes chamadas nódulos. Dentro desses nódulos, as bactérias recebem proteção e nutrientes (como carboidratos/energia) fornecidos pela planta (produto da fotossíntese). Em troca, as bactérias fornecem amônio (NH+4) diretamente para a planta, suprindo suas necessidades de nitrogênio de forma eficiente. Isso dispensa ou reduz drasticamente a necessidade de adubação química nitrogenada externa, gerando os ganhos econômicos e ambientais mencionados no texto. 

A maior variação do número de oxidação do átomo de nitrogêni...
Figura 6. Ciclo biogeoquímico do nitrogênio.
Fonte: https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/7848fd0a-6e

A discussão de questões ao final de uma atividade é fundamental, pois funciona como uma avaliação formativa que permite a consolidação do conhecimento, a identificação de lacunas de aprendizado e o ajuste das práticas pedagógicas, tais como:

  • Verificação do Aprendizado Efetivo: Permite ao professor e ao aluno verificar, em tempo real, o que foi de fato compreendido e o que ainda gera dúvidas. Isso vai além da simples memorização, focando na aplicação e entendimento crítico do tema.

  • Consolidação do Conhecimento: A discussão pós-atividade ajuda a fixar o conteúdo na memória de longo prazo. Verbalizar, explicar e debater conceitos força o cérebro a processar a informação de maneiras diferentes, o que reforça o aprendizado.

  • Identificação de Dificuldades (Diagnóstico): Funciona como um momento de diagnóstico contínuo. Ao ouvir as respostas e questionamentos dos alunos, o educador identifica as causas das dificuldades de aprendizagem e os pontos que precisam de revisão ou abordagens diferentes.

  • Feedback Imediato e Orientador: Oferece feedback imediato tanto para o aluno quanto para o professor. O aluno entende onde errou e como corrigir, enquanto o professor pode ajustar sua abordagem de ensino para a próxima aula.

  • Estímulo ao Pensamento Crítico: Fazer perguntas e discuti-las instiga o aluno a ir além da resposta superficial, promovendo a reflexão, a capacidade de resolver problemas e o desenvolvimento de habilidades de raciocínio.

  • Engajamento e Metodologia Ativa: Transforma o aluno em protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, saindo de uma postura passiva para uma ativa, o que aumenta o interesse e o engajamento geral com o conteúdo.

  • Desenvolvimento de Habilidades de Comunicação: A discussão em grupo ou em sala de aula permite que os alunos aprendam a expressar suas ideias, defender pontos de vista e ouvir a opinião dos colegas, uma habilidade social e profissional valiosa. 

Em resumo, a discussão de questões no fechamento de uma atividade é uma ferramenta pedagógica essencial que enriquece o processo de ensino-aprendizagem, garantindo que o aprendizado seja mais profundo, duradouro e significativo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção de biofertilizante pelos alunos, utilizando resíduos orgânicos, demonstrou ser uma atividade prática e eficaz para a consolidação dos conceitos teóricos abordados em sala de aula. O experimento permitiu uma compreensão tangível das transformações químicas da matéria — como a decomposição e a fermentação aeróbica ou anaeróbica — e sua relevância nos ciclos biogeoquímicos, especificamente o ciclo do nitrogênio, fósforo e carbono.

Observou-se que os alunos conseguiram visualizar a importância da ciclagem dos nutrientes, que retornam ao meio ambiente para serem reutilizados pelos organismos vivos, garantindo a disponibilidade de elementos essenciais à vida. Além do aprendizado conceitual, o projeto ressaltou a importância da sustentabilidade ambiental, ao transformar resíduos em um insumo agrícola valioso, alinhando a prática a sistemas agroecológicos.

Em suma, a abordagem prática não apenas facilitou a aprendizagem dos conteúdos de química e biologia de forma interdisciplinar, mas também incentivou o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a interferência humana nos ciclos naturais e a busca por soluções sustentáveis. Acredita-se que esta metodologia contribui para a formação de cidadãos mais conscientes e aptos a aplicar o conhecimento científico em prol de práticas mais responsáveis com o meio ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Docente do Curso Superior de Engenharia Química da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química (UNESP- Campus de Araraquara-SP). E-mail: [email protected]

2 Docente do Curso Superior de Engenharia Química da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Mestre em Química (PPGQUIM/UNESP-Araraquara-SP). E-mail: [email protected]