RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA: UMA REVISÃO NARRATIVA SOBRE BACTÉRIAS MULTIRRESISTENTES, MECANISMOS DE RESISTÊNCIA E ESTRATÉGIAS DE CONTROLE
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18091621
Fernanda Cristina Galerani Gualtieri Parpinelli
RESUMO
Introdução: A resistência antimicrobiana (RAM) constitui uma das mais graves ameaças contemporâneas à saúde pública global, comprometendo a eficácia terapêutica de infecções previamente tratáveis e colocando em risco avanços fundamentais da medicina moderna. O aumento expressivo de infecções hospitalares causadas por bactérias multirresistentes (BMR), particularmente aquelas produtoras de carbapenemases, evidencia a progressão concreta para a chamada era pós-antibiótica.
Objetivo: Revisar criticamente os principais agentes bacterianos multirresistentes e seus mecanismos de resistência de maior impacto clínico, analisar as repercussões epidemiológicas e assistenciais da RAM no contexto global e brasileiro, e discutir as estratégias contemporâneas de controle, com ênfase nos Programas de Antimicrobial Stewardship (AMS) e nas inovações terapêuticas emergentes.
Métodos: Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, conduzida a partir de publicações indexadas nas bases PubMed, Scielo, Scopus e WHO IRIS, além de diretrizes e relatórios oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Foram incluídos estudos clínicos, revisões sistemáticas e análises epidemiológicas de alto impacto publicados entre 2020 e 2025.
Resultados: A disseminação global de enterobactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (ESBL) e carbapenemases (KPC, NDM, OXA-48), bem como de patógenos não fermentadores multirresistentes, constitui o principal determinante de falhas terapêuticas e aumento da morbimortalidade. Estratégias integradas de vigilância microbiológica, uso racional de antimicrobianos e medidas rigorosas de controle de infecção demonstram impacto significativo na redução da RAM. Paralelamente, antibióticos de nova geração e terapias alternativas, como a terapia fágica, emergem como opções promissoras frente a infecções refratárias.
Conclusão: O enfrentamento da resistência antimicrobiana exige uma abordagem coordenada, sustentada pelo conceito de One Health, integrando vigilância epidemiológica, políticas públicas e inovação terapêutica. A implementação universal e consistente de programas de AMS representa a intervenção prioritária para preservar a eficácia dos antimicrobianos e garantir a segurança do cuidado em saúde.
Palavras-chave: Resistência antimicrobiana; Bactérias multirresistentes; Infecção hospitalar; Antimicrobial Stewardship; Saúde Pública.
ABSTRACT
Introduction: Antimicrobial resistance (AMR) constitutes one of the most serious contemporary threats to global public health, compromising the therapeutic efficacy of previously treatable infections and jeopardizing fundamental advances in modern medicine. The significant increase in healthcare-associated infections caused by multidrug-resistant (MDR) bacteria, particularly carbapenemase-producing organisms, highlights the concrete progression toward the so-called post-antibiotic era.
Objective: To critically review the main multidrug-resistant bacterial agents and their clinical-impact resistance mechanisms; to analyze the epidemiological and healthcare repercussions of AMR within the global and Brazilian contexts; and to discuss contemporary control strategies, emphasizing Antimicrobial Stewardship (AMS) programs and emerging therapeutic innovations.
Methods: This is a narrative literature review conducted using publications indexed in the PubMed, SciELO, Scopus, and WHO IRIS databases, as well as official guidelines and reports from the World Health Organization (WHO), Centers for Disease Control and Prevention (CDC), and the Brazilian Health Regulatory Agency (ANVISA). The review included high-impact clinical studies, systematic reviews, and epidemiological analyses published between 2020 and 2025.
Results: The global dissemination of extended-spectrum β-lactamase (ESBL) and carbapenemase-producing (KPC, NDM, OXA-48) Enterobacterales, as well as multidrug-resistant non-fermenting pathogens, constitutes the primary determinant of therapeutic failure and increased morbidity and mortality. Integrated strategies for microbiological surveillance, rational antimicrobial use, and rigorous infection control measures demonstrate a significant impact on reducing AMR. Concurrently, next-generation antibiotics and alternative therapies, such as phage therapy, are emerging as promising options for refractory infections.
Conclusion: Addressing antimicrobial resistance requires a coordinated approach sustained by the One Health concept, integrating epidemiological surveillance, public policy, and therapeutic innovation. The universal and consistent implementation of AMS programs represents the priority intervention to preserve antimicrobial efficacy and ensure the safety of healthcare delivery.
Keywords: Antimicrobial resistance; Multidrug-resistant bacteria; Healthcare-associated infection; Antimicrobial Stewardship; Public Health.
1. INTRODUÇÃO
A resistência antimicrobiana (RAM) é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma das dez maiores ameaças globais à saúde humana, com implicações diretas sobre a mortalidade, os custos assistenciais e a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Dados recentes do Global Antimicrobial Resistance and Use Surveillance System (GLASS) indicam que mais de cinco milhões de óbitos anuais estão associados a infecções causadas por microrganismos resistentes, número que tende a aumentar de forma exponencial caso medidas efetivas não sejam implementadas.
A emergência e a rápida disseminação de bactérias multirresistentes, como Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa, transformaram infecções hospitalares comuns — incluindo pneumonias associadas à ventilação mecânica, infecções de corrente sanguínea e sepse — em desafios terapêuticos de elevada complexidade. Em muitos cenários, as opções antimicrobianas disponíveis são limitadas, menos eficazes e associadas a maior toxicidade.
Esse cenário é amplificado pelo uso inadequado de antimicrobianos na prática clínica e na agropecuária, bem como pela desaceleração no desenvolvimento de novas moléculas antibióticas. A chamada era pós-antibiótica, antes considerada uma hipótese distante, tornou-se uma realidade progressivamente tangível, exigindo respostas urgentes, integradas e sustentadas no âmbito da saúde pública, da assistência hospitalar e da inovação científica.
2. METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, conduzida entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025, com o objetivo de sintetizar criticamente o conhecimento contemporâneo sobre bactérias multirresistentes, seus mecanismos de resistência e estratégias de controle.
A busca bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, Scielo, Scopus e WHO IRIS, complementada por documentos oficiais e relatórios técnicos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Os descritores controlados (MeSH terms) utilizados incluíram: antimicrobial resistance, multidrug-resistant bacteria, infection control, carbapenemase-producing organisms e Antimicrobial Stewardship, combinados por operadores booleanos “AND” e “OR”, conforme as especificidades de cada base.
Foram incluídos estudos clínicos randomizados, revisões sistemáticas, análises epidemiológicas e diretrizes institucionais publicados entre 2020 e 2025, com relevância direta para o manejo clínico e a vigilância da resistência antimicrobiana. Relatos de caso isolados, artigos de opinião e publicações anteriores a 2020 foram excluídos, exceto quando considerados fundamentais para o contexto histórico e conceitual da RAM.
Por tratar-se de uma revisão narrativa, não foi adotado protocolo PRISMA nem realizada avaliação formal de risco de viés, priorizando-se a seleção de literatura de alto impacto científico e normativo.
3. PRINCIPAIS AGENTES E MECANISMOS DE RESISTÊNCIA CRÍTICOS
A rápida adaptação bacteriana frente à pressão seletiva exercida pelo uso extensivo de antimicrobianos tem resultado na disseminação global de mecanismos de resistência altamente eficientes, capazes de comprometer múltiplas classes terapêuticas. Entre esses, destacam-se a produção de β-lactamases de amplo espectro, carbapenemases e mecanismos combinados de resistência estrutural e funcional.
TABELA 1 — Síntese dos principais patógenos multirresistentes, mecanismos de resistência e opções terapêuticas atuais
| Patógeno | Principal Determinante de Resistência | Fenótipo/Perfil Clínico Predominante | Abordagem Terapêutica de Escolha (Opções Atuais)* |
|---|---|---|---|
| Escherichia coli | Produção de ESBL (família CTX-M) | ITU (comunitária e hospitalar) e bacteremias de foco urinário | Carbapenêmicos; Pip/Tazo (se sensível in vitro); Cefepime (com cautela) |
| Klebsiella pneumoniae | Carbapenemases (KPC, NDM, OXA-48-like) | Sepse grave, PAV e infecções intra-abdominais complexas | Ceftazidima-avibactam; Meropenem-vaborbactam; Cefiderocol |
| Enterobacterales (CRE) | Metalobetalactamases e Carbapenemases | Infecções invasivas em pacientes críticos (UTI) | Cefiderocol; terapias combinadas guiadas por MIC e genotipagem |
| Acinetobacter baumannii | Oxacilinasas (OXA-23/24/58) e bombas de efluxo | Pneumonia Associada à Ventilação (PAV) e infecções de sítio cirúrgico | Sulbactam-durlobactam; Cefiderocol; Polimixina B (em esquemas combinados) |
| Pseudomonas aeruginosa | Perda de porina OprD e bombas de efluxo | Bacteremia e PAV em pacientes imunossuprimidos ou fibrocísticos | Ceftolozano-tazobactam; Ceftazidima-avibactam; Piperacilina-tazobactam |
| S. aureus(MRSA) | Gene mecA(Produção de PBP2a) | Infecções de pele e partes moles, osteomielite e endocardite | Vancomicina; Daptomicina; Linezolida; Ceftarolina |
| Enterococcus spp. (VRE) | Alteração do sítio-alvo (Genes vanA/vanB) | ITU e bacteremias em pacientes oncológicos ou transplantados | Linezolida; Daptomicina; Tedizolida |
3.1. Enterobactérias Produtoras de Β-lactamases de Espectro Estendido (ESBL)
As β-lactamases de espectro estendido (ESBL) conferem resistência a penicilinas, cefalosporinas de terceira geração e monobactâmicos, preservando, em geral, a sensibilidade aos carbapenêmicos. Escherichia coli e Klebsiella pneumoniaerepresentam os principais reservatórios desses mecanismos, com destaque para a disseminação global dos genes bla<sub>CTX-M</sub>.
Inicialmente associadas ao ambiente hospitalar, as ESBLs passaram a ser amplamente detectadas em infecções comunitárias, especialmente infecções do trato urinário, configurando um importante problema de saúde pública. A expansão clonal e a transferência horizontal de plasmídeos contribuem para sua persistência e ampla distribuição geográfica.
3.2. Enterobactérias Produtoras de Carbapenemases (CRE/CPO)
A produção de carbapenemases representa um dos mecanismos de resistência mais críticos da atualidade, uma vez que compromete os carbapenêmicos, considerados a última linha terapêutica para diversas infecções graves.
As principais enzimas envolvidas incluem a Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), a New Delhi metallo-β-lactamase (NDM), a OXA-48 e a VIM. Essas enzimas apresentam ampla variabilidade geográfica e impacto clínico significativo.
No Brasil, a disseminação endêmica de Klebsiella pneumoniae produtora de KPC, especialmente em unidades de terapia intensiva, está associada a elevadas taxas de morbimortalidade, prolongamento do tempo de internação e limitação severa das opções terapêuticas, conforme relatórios recentes da ANVISA.
3.3. Patógenos Não Fermentadores e Outros Agentes Relevantes
Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa figuram entre os patógenos mais desafiadores no contexto hospitalar. Esses microrganismos apresentam múltiplos mecanismos de resistência simultâneos, incluindo superexpressão de bombas de efluxo, perda de porinas e produção de carbapenemases, sendo frequentemente associados a pneumonias associadas à ventilação mecânica, infecções de ferida operatória e sepse em pacientes críticos.
Adicionalmente, Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) permanece altamente prevalente em infecções de pele, partes moles e pneumonias hospitalares, enquanto Enterococcus spp. resistente à vancomicina (VRE) constitui causa relevante de infecções urinárias e bacteremias, sobretudo em pacientes imunocomprometidos.
4. IMPACTO CLÍNICO, EPIDEMIOLÓGICO E ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO
4.1. Impacto Clínico e Econômico da Resistência Antimicrobiana
A resistência antimicrobiana está associada a consequências clínicas graves, incluindo falha terapêutica, aumento da gravidade das infecções, prolongamento do tempo de internação hospitalar e elevação significativa das taxas de mortalidade. Estima-se que o impacto econômico global da RAM ultrapasse US$ 100 bilhões anuais, considerando custos diretos com hospitalização, terapias de resgate e perdas indiretas de produtividade.
No contexto brasileiro, dados recentes apontam crescimento sustentado das infecções por bactérias multirresistentes em unidades de alta complexidade, reforçando a necessidade de intervenções estruturadas e contínuas, especialmente em hospitais públicos de grande porte.
4.2. Programas de Antimicrobial Stewardship (AMS)
Os Programas de Antimicrobial Stewardship (AMS) constituem a principal estratégia institucional para o enfrentamento da resistência antimicrobiana. Esses programas visam otimizar o uso de antimicrobianos, assegurando a escolha adequada do agente, da dose, da via de administração e da duração do tratamento.
Evidências robustas demonstram que a implementação efetiva do AMS está associada à redução do consumo de antibióticos de amplo espectro, diminuição da incidência de infecções por BMR e melhora dos desfechos clínicos. Hospitais com programas bem estruturados relatam reduções de até 30% nas taxas de infecção por microrganismos multirresistentes.
As ações centrais do AMS incluem auditorias prospectivas de prescrição, protocolos baseados em evidência, restrição ao uso de antimicrobianos críticos e prescrição guiada por dados microbiológicos e biomarcadores inflamatórios.
4.3. Medidas de Controle de Infecção Hospitalar
O controle da transmissão cruzada de bactérias multirresistentes no ambiente hospitalar depende da adesão rigorosa às medidas de controle de infecção. Entre elas, a higiene adequada das mãos permanece como a intervenção isolada mais eficaz.
O isolamento de contato para pacientes colonizados ou infectados por BMR, aliado à desinfecção rigorosa de superfícies e equipamentos, constitui estratégia essencial para interromper a cadeia de transmissão, especialmente em unidades de terapia intensiva e setores de alta densidade assistencial.
5. INOVAÇÃO TERAPÊUTICA E RESPOSTAS À CRISE DA RAM
5.1. Antibióticos de Nova Geração
Diante do avanço da resistência aos antimicrobianos tradicionais, novas moléculas e combinações terapêuticas têm sido desenvolvidas para o tratamento de infecções causadas por bactérias multirresistentes, especialmente enterobactérias produtoras de carbapenemases.
O cefiderocol, uma cefalosporina siderófora, destaca-se por seu mecanismo inovador de entrada na célula bacteriana mediada por sistemas de captação de ferro, conferindo atividade contra diversos patógenos resistentes, incluindo Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa.
Além disso, associações de β-lactâmicos com inibidores de β-lactamases, como ceftazidima-avibactam, meropenem-vaborbactam e imipenem-relebactam, tornaram-se pilares no tratamento de infecções por Klebsiella pneumoniaeprodutora de KPC, ampliando as opções terapêuticas e reduzindo a dependência de agentes mais tóxicos, como as polimixinas.
5.2. Terapias Não Convencionais
Paralelamente ao desenvolvimento de novos antibióticos, estratégias terapêuticas alternativas vêm sendo exploradas. A terapia fágica, baseada no uso de bacteriófagos capazes de infectar e lisar seletivamente bactérias específicas, ressurge como uma abordagem promissora para infecções refratárias a todas as opções antimicrobianas disponíveis.
Embora ainda limitada a protocolos experimentais e uso compassivo, a terapia fágica representa um campo em expansão, com potencial para integrar o arsenal terapêutico futuro no enfrentamento da resistência antimicrobiana.
6. DISCUSSÃO: A RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA SOB A PERSPECTIVA ONE HEALTH
A resistência antimicrobiana configura-se como um fenômeno multifatorial e transnacional, cuja complexidade ultrapassa os limites da assistência hospitalar. A crescente disseminação de bactérias multirresistentes reflete a interação dinâmica entre o uso inadequado de antimicrobianos em humanos, animais e agricultura, a circulação global de microrganismos e genes de resistência, e as fragilidades estruturais dos sistemas de saúde. Nesse contexto, o paradigma One Health emerge como abordagem essencial para o enfrentamento sustentável da RAM.
As evidências demonstram que intervenções isoladas, embora eficazes localmente, são insuficientes para conter a expansão global da resistência. A implementação de Programas de Antimicrobial Stewardship em ambientes hospitalares reduz o consumo inadequado de antimicrobianos e melhora desfechos clínicos; contudo, sua eficácia é limitada quando não integrada a políticas públicas amplas, vigilância epidemiológica robusta e controle rigoroso do uso de antimicrobianos fora do ambiente hospitalar.
Nos países de renda média, como o Brasil, os desafios são particularmente complexos. A heterogeneidade estrutural do sistema de saúde, a escassez de profissionais especializados em infectologia e controle de infecção, e as limitações de acesso a diagnósticos microbiológicos rápidos dificultam a implementação uniforme do AMS. Além disso, o alto custo e a disponibilidade restrita de antibióticos de última geração criam um paradoxo terapêutico: ao mesmo tempo em que se busca preservar novas moléculas, sua inacessibilidade pode levar ao uso prolongado de agentes menos eficazes e mais tóxicos, perpetuando desfechos desfavoráveis.
Outro aspecto crítico reside na vigilância genotípica. Embora avanços significativos tenham sido alcançados na identificação molecular de mecanismos de resistência, a incorporação sistemática dessas ferramentas na prática clínica ainda é limitada. A lacuna entre a vigilância laboratorial e a tomada de decisão terapêutica compromete a resposta precoce a surtos e a formulação de estratégias de controle mais eficazes.
Por fim, apesar do entusiasmo em torno de terapias alternativas, como a terapia fágica, sua aplicação clínica ainda enfrenta desafios regulatórios, metodológicos e logísticos. A ausência de ensaios clínicos randomizados de grande escala e de marcos regulatórios claros limita sua incorporação ampla, reforçando a necessidade de investimentos contínuos em pesquisa translacional e cooperação internacional.
7. CONCLUSÃO
A resistência antimicrobiana representa uma emergência global silenciosa, com potencial de comprometer de forma irreversível os pilares da medicina moderna. A disseminação de bactérias multirresistentes, particularmente aquelas produtoras de carbapenemases, evidencia a fragilidade do arsenal terapêutico atual e a urgência de respostas coordenadas e sustentáveis.
O enfrentamento efetivo da RAM exige uma abordagem integrada, fundamentada no conceito One Health, que articule vigilância epidemiológica, políticas públicas intersetoriais, controle rigoroso do uso de antimicrobianos e incentivo contínuo à inovação terapêutica. Nesse cenário, a implementação universal e consistente de Programas de Antimicrobial Stewardship configura-se como a intervenção mais impactante e imediatamente factível para preservar a eficácia dos antimicrobianos disponíveis.
Adicionalmente, investimentos em vigilância microbiológica avançada, acesso equitativo a antibióticos de nova geração e fortalecimento da pesquisa clínica são essenciais para mitigar o impacto futuro da resistência antimicrobiana. Somente por meio de ações coordenadas, baseadas em evidência científica e compromisso institucional, será possível conter a progressão da era pós-antibiótica e garantir a segurança do cuidado em saúde para as próximas gerações.
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