AS RAÍZES DO PENSAMENTO LIBERAL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA E FILOSÓFICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17196532
Elizabeth Ivone Santos Nunez1
Nerilton Vidal de Almeida2
RESUMO
Este artigo explora as raízes históricas e filosóficas do pensamento liberal, analisando suas origens no Iluminismo e na Revolução Francesa. Examina as contribuições de John Locke, Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau, focando em seus conceitos de liberdade individual, formação cidadã e direito à educação. Discute a dualidade desses ideais, que, embora progressistas, foram instrumentalizados para justificar desigualdades, especialmente no contexto da escolarização e da industrialização. O estudo compara as visões desses pensadores sobre sucesso, fracasso e o papel da educação, revelando como suas perspectivas moldaram o liberalismo e suas implicações sociais e econômicas. Argumenta-se que a compreensão dessas raízes é fundamental para analisar as manifestações contemporâneas do liberalismo e suas críticas.
Palavras-chave: Liberalismo, Iluminismo, Revolução Francesa,Educação, Industrialização.
ABSTRACT
This article explores the historical and philosophical roots of liberal thought, analyzing its origins in the Enlightenment and the French Revolution. It examines the contributions of John Locke, Adam Smith, and Jean-Jacques Rousseau, focusing on their concepts of individual liberty, civic formation, and the universal right to education. It discusses the duality of these ideals, which, although progressive, were instrumentalized to justify inequalities, especially in the context of schooling and the industrialization process of the time. The study compares the views of these thinkers on success, failure, and the role of education, revealing how their perspectives shaped liberalism and its social and economic implications. It is argued that understanding these roots is fundamental to analyzing contemporary manifestations of liberalism and its criticisms.
Keywords: Liberalism, Enlightenment, French Revolution, Education, Industrialization.
1 INTRODUÇÃO
O liberalismo, como doutrina política e econômica, emergiu de um contexto de profundas transformações sociais e intelectuais na Europa, notadamente durante o Iluminismo e a Revolução Francesa. Este artigo se propõe a analisar as raízes históricas e filosóficas desse movimento, explorando seus conceitos fundamentais e a maneira como foram interpretados por pensadores cruciais como John Locke, Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau. Será abordada a complexa dualidade desses ideais, que, embora inicialmente progressistas e libertários, foram por vezes instrumentalizados para justificar e perpetuar desigualdades sociais e econômicas. Além disso, será crucial discutir a dualidade desses conceitos, que, embora progressistas em sua origem, podem ter sido instrumentalizados para justificar desigualdades, especialmente no âmbito da escolarização e do processo de industrialização que a época vivia. A compreensão dessas raízes é fundamental para analisar as manifestações contemporâneas do liberalismo e suas críticas.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1. O Iluminismo e a Gênese do Pensamento Liberal
O século XVIII, conhecido como o Século das Luzes, foi um período de efervescência intelectual que marcou o surgimento do Iluminismo. Este movimento filosófico e cultural defendia o uso da razão como principal ferramenta para o progresso humano, questionando as estruturas sociais, políticas e religiosas vigentes, como o absolutismo monárquico e o dogmatismo religioso. Os ideais iluministas, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, serviram de base para o desenvolvimento do pensamento liberal e culminaram em eventos históricos de grande impacto, como a Revolução Francesa.
A Revolução Francesa (1789-1799) é amplamente reconhecida como um marco fundamental na consolidação dos princípios liberais. Inspirada pelos ideais iluministas, a revolução buscou derrubar o Antigo Regime e estabelecer uma sociedade baseada na liberdade individual, na igualdade perante a lei e na soberania popular. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1789, é um dos documentos mais emblemáticos desse período, ao proclamar que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos" (BRASIL ESCOLA, 2023).
No entanto, a aplicação desses princípios não foi isenta de contradições. Embora a Revolução Francesa tenha promovido avanços significativos em termos de direitos civis e políticos, a liberdade e a igualdade nem sempre foram estendidas a todos os segmentos da sociedade. A questão da escravidão nas colônias francesas, por exemplo, demonstra a dualidade dos ideais revolucionários, que coexistiam com práticas de opressão. Além disso, a ascensão da burguesia ao poder consolidou um modelo social que, embora rompesse com os privilégios da nobreza, estabeleceu novas formas de desigualdade baseadas na propriedade e no capital.
2.2. John Locke e a Fundamentação do Liberalismo Político
Considerado o pai do liberalismo político, John Locke (1632-1704), filósofo inglês, é amplamente considerado pela importância do seu legado. Suas ideias sobre o contrato social, os direitos naturais e a propriedade privada foram cruciais para a formação do pensamento liberal. Locke defendia que os indivíduos possuem direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à propriedade, que precedem a formação do Estado e que este deve ter como principal função a proteção desses direitos. Em sua obra seminal, Dois Tratados sobre o Governo Civil, Locke argumenta que o governo legítimo deriva do consentimento dos governados e que o poder deve ser limitado para evitar a tirania. Segundo Locke (1689, tradução disponível em Marxists, 2025) onde afirmava:
"O grande e principal objetivo, portanto, da união dos homens em comunidades, e de sua submissão a governos, é a preservação de sua propriedade. Para isso, em primeiro lugar, faltam na natureza um grande número de coisas. Primeiro, uma lei estabelecida, fixa, conhecida, recebida e aprovada por consentimento comum, como padrão do certo e do errado, e a medida comum para decidir todas as controvérsias entre eles."
O pensamento liberal de Locke enfatiza a razão e a experiência como fundamentos do conhecimento e da moralidade. Para ele, a mente humana é uma tábula rasa ao nascer, e a educação desempenha um papel crucial na formação do indivíduo. Locke acreditava que a educação deveria cultivar a virtude, a sabedoria e a boa criação, preparando os indivíduos para a vida em sociedade e para o exercício de sua liberdade. Contudo, sua visão de educação era predominantemente voltada para a formação de cavalheiros, o que, na prática, limitava o acesso a uma educação de qualidade para as classes menos favorecidas. A escolarização, nesse contexto, era um privilégio que capacitava os indivíduos a gerir suas propriedades e a participar da vida política, reforçando a ideia de que o sucesso era intrinsecamente ligado à capacidade individual e à posse de bens. A falha em alcançar o sucesso, portanto, poderia ser atribuída à falta de virtude ou de uma educação adequada, desconsiderando as barreiras sociais e econômicas. Segundo Locke (1693, tradução disponível em Gutenberg, 2025), onde expressou em Alguns Pensamentos sobre a Educação:
"Não se deve esperar que todos os homens sejam ricos, ou que todos sejam grandes. Mas todos podem ser virtuosos, e isso é o que a educação deve visar. Não é tanto o que se ensina, mas como se ensina, que faz a diferença. A virtude é a primeira e mais importante parte de uma boa educação."
Essa perspectiva, embora progressista para a época, estabelecia as bases para uma meritocracia que, ao valorizar a virtude e a educação formal, implicitamente marginalizava aqueles que não tinham acesso a tais recursos, perpetuando um ciclo de sucesso e fracasso atrelado à posição social e econômica.
2.3. Adam Smith e o Liberalismo Econômico
O filósofo escocês, considerado o pai do liberalismo econômico, Adam Smith (1723-1790), escreveu em sua obra mais influente, A Riqueza das Nações (1776), a defesa da ideia da livre concorrência e a não intervenção estatal na economia (o laissez-faire) como sendo os pilares para o progresso e a prosperidade de uma nação. Smith argumentava que a busca individual pelo autointeresse, guiada por uma "mão invisível" do mercado, resultaria em benefícios para toda a sociedade. Ele acreditava que a divisão do trabalho e a especialização aumentariam a produtividade e, consequentemente, a riqueza geral. Smith postulou:
"Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm por seu próprio interesse. Não nos dirigimos à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas de suas vantagens." (SMITH, 1776).
O pensamento liberal de Smith, embora focado na economia, tinha implicações profundas para a sociedade e a educação. Ele reconhecia a importância de uma educação básica para a população, especialmente para os trabalhadores, a fim de que pudessem desempenhar suas funções de forma mais eficiente e participar minimamente da vida cívica. No entanto, sua visão sobre o financiamento da educação era complexa. Embora defendesse a provisão pública de educação em certos casos, ele também acreditava que a educação deveria ser, em grande parte, financiada pelos próprios indivíduos ou por meio de taxas, o que, na prática, limitava o acesso à educação de qualidade para os mais pobres. A educação, para Smith, era vista como um investimento que aumentaria o capital humano e, consequentemente, a capacidade produtiva da nação, essencial para o avanço da industrialização. Ele observou que a divisão do trabalho, embora aumentasse a produtividade, poderia embrutecer a mente dos trabalhadores, tornando a educação ainda mais necessária para mitigar esses efeitos. Em A Riqueza das Nações, ele argumenta:
"O homem que passa toda a sua vida a executar algumas operações simples, cujos efeitos são talvez sempre os mesmos, ou muito semelhantes, não tem ocasião de exercer o seu entendimento, ou de exercitar a sua invenção para encontrar meios de remover dificuldades que nunca surgem. Ele naturalmente perde, portanto, o hábito de tal exercício, e geralmente torna-se tão estúpido e ignorante quanto é possível a uma criatura humana tornar-se." (SMITH, 1776, Livro V, Capítulo I, Artigo II).
Essa perspectiva utilitarista e a ênfase na responsabilidade individual pelo financiamento da educação podem ter contribuído para a perpetuação das desigualdades educacionais, uma vez que o acesso à instrução de qualidade se tornava um privilégio para aqueles com recursos financeiros. O sucesso era medido pela capacidade de acumular riqueza e de se adaptar às demandas do mercado industrial, enquanto o fracasso era frequentemente atribuído à falta de iniciativa ou de qualificação, sem considerar as disparidades de oportunidades no acesso à educação e ao capital.
2.4. Jean-Jacques Rousseau e a Contradição do Liberalismo
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo genebrino, apresenta uma perspectiva mais complexa e, por vezes, contraditória em relação aos outros pensadores liberais. Embora defendesse a liberdade individual e a soberania popular, Rousseau criticava a sociedade civil e a propriedade privada como fontes de desigualdade e corrupção. Em sua obra Do Contrato Social, ele argumenta que a verdadeira liberdade reside na submissão à vontade geral, que representa o interesse comum da comunidade. Rousseau afirmava:
"O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros. Aquele que se julga senhor dos outros, não deixa de ser mais escravo que eles. Como se deu esta mudança? Eu o ignoro. O que a pode tornar legítima? Creio poder resolver esta questão." (ROUSSEAU, 1762).
O pensamento liberal de Rousseau diverge significativamente de Locke e Smith ao criticar a civilização e a propriedade como elementos corruptores da natureza humana. Para ele, a sociedade e suas instituições, incluindo a educação formal de sua época, desviavam o homem de sua bondade natural. Em Emílio, ou Da Educação, Rousseau propôs uma abordagem revolucionária, defendendo uma educação natural que respeitasse as fases de desenvolvimento da criança e a protegesse das influências corruptoras da sociedade. Ele acreditava que a educação deveria cultivar a autonomia, a moralidade e a cidadania, preparando o indivíduo para viver em harmonia com a natureza e com a comunidade. No entanto, a educação proposta por Rousseau era idealizada e, em muitos aspectos, elitista, uma vez que pressupunha um tutor dedicado e um ambiente controlado, o que a tornava inacessível para a maioria da população. Além disso, sua visão sobre o papel da mulher na educação e na sociedade era conservadora, limitando-a ao âmbito doméstico e à função de mãe e esposa.
Essa dualidade no pensamento de Rousseau reflete as tensões inerentes ao próprio liberalismo, que, ao mesmo tempo em que propunha a liberdade e a igualdade, muitas vezes falhava em estendê-las a todos os indivíduos, perpetuando hierarquias e exclusões. A ênfase na vontade geral, embora buscando o bem comum, poderia, em certas interpretações, abrir caminho para a supressão das liberdades individuais em nome de um ideal coletivo, evidenciando a complexidade e as ambiguidades do pensamento liberal. Ele argumentava em Emílio:
"Tudo o que sai das mãos do Criador é bom; tudo degenera nas mãos do homem. Ele força uma terra a nutrir as produções de outra, uma árvore a dar frutos que não são os seus; mistura e confunde os climas, os elementos, as estações; mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo; transtorna tudo, desfigura tudo; ama a deformidade, os monstros; não quer nada como a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso adestrá-lo para si, como um cavalo de picadeiro; é preciso moldá-lo à sua maneira, como uma árvore de seu jardim." (ROUSSEAU, 1762, Livro I).
Para Rousseau, o sucesso não estava na acumulação de bens ou na adaptação ao sistema industrial, mas na preservação da pureza natural e na formação de um cidadão virtuoso, capaz de participar da vida política de forma autêntica. O fracasso, por sua vez, era resultado da corrupção social e da perda da liberdade inata, um contraste marcante com as visões de Locke e Smith, que viam o progresso social e econômico como o caminho para o sucesso individual.
2.5. Similaridades e Diferenças na Construção do Pensamento Liberal: Sucesso, Fracasso, Escolarização e Industrialização
Embora Locke, Smith e Rousseau sejam pilares do pensamento liberal, suas concepções sobre sucesso, fracasso, escolarização e o impacto da industrialização revelam similaridades e diferenças cruciais. Todos eles, de alguma forma, valorizavam a liberdade individual e a razão, mas divergiam sobre como esses princípios deveriam se manifestar na sociedade e, em particular, na educação e no desenvolvimento econômico.
John Locke via a escolarização como um meio de cultivar a razão e a virtude, essenciais para a preservação da propriedade e a participação na vida política. O sucesso, para Locke, estava ligado à capacidade de gerir a propriedade e de exercer a liberdade de forma racional. O fracasso, por outro lado, poderia ser atribuído à falta de uma educação adequada ou de virtude. A industrialização, embora não fosse o foco central de sua obra, seria vista como um processo que exigiria indivíduos educados e proprietários para prosperar, mas que também poderia acentuar as divisões sociais se o acesso à educação permanecesse restrito. Ele acreditava que a educação era fundamental para a formação de indivíduos capazes de se autogovernar e de contribuir para a sociedade, mas essa formação era, em grande parte, um privilégio das classes mais abastadas. Como ele afirmou, "Aquele que não tem propriedade, não tem interesse na comunidade, e, portanto, não tem direito a ela." (LOCKE, 1689, Livro II, Capítulo IX, Seção 120) e essa citação, embora não diretamente sobre educação, reflete a mentalidade da época que associava a participação plena na sociedade à posse de propriedade, o que, por sua vez, estava ligado ao acesso à educação e às oportunidades de sucesso.
Adam Smith, por sua vez, focava na economia e via a escolarização como um investimento no capital humano, essencial para a produtividade e o crescimento econômico impulsionado pela industrialização. O sucesso era medido pela capacidade de acumular riqueza e de se adaptar às demandas do mercado. O fracasso era frequentemente atribuído à falta de qualificação ou de iniciativa individual. A industrialização, com sua divisão do trabalho, tornava a educação básica ainda mais importante para evitar o embrutecimento dos trabalhadores, mas a responsabilidade pelo financiamento dessa educação recaía, em grande parte, sobre o indivíduo. Smith, em sua análise da divisão do trabalho, reconhecia o potencial de alienação e a necessidade de alguma forma de instrução para os trabalhadores, mas sua visão era pragmática e utilitarista. Ele escreveu:
"Em todas as artes e manufaturas, os efeitos da divisão do trabalho, em termos de aumento das forças produtivas do trabalho, são evidentes. Mas a própria divisão do trabalho, na medida em que torna a ocupação de cada homem uma ou duas operações muito simples, tem a tendência de tornar o trabalhador tão estúpido e ignorante quanto é possível a uma criatura humana tornar-se." (SMITH, 1776, Livro V, Capítulo I, Artigo II).
Essa citação reforça a ideia de que, para Smith, a educação era um meio para mitigar os efeitos negativos da industrialização e garantir a funcionalidade do sistema, não necessariamente um direito universal para a emancipação plena.
Jean-Jacques Rousseau, em contraste, criticava a sociedade e a propriedade como fontes de desigualdade e via a escolarização formal de sua época como corruptora da natureza humana. Para ele, o sucesso não estava na acumulação de bens ou na adaptação ao sistema industrial, mas na preservação da pureza natural e na formação de um cidadão virtuoso, capaz de participar da vida política de forma autêntica. O fracasso, por sua vez, era resultado da corrupção social e da perda da liberdade inata. A industrialização, com sua ênfase na produção e no consumo, seria vista por Rousseau como um fator que afastava o homem de sua essência natural e o submetia a novas formas de servidão. Sua visão da educação era radicalmente diferente, buscando um desenvolvimento integral do indivíduo, longe das influências negativas da sociedade. Ele argumentava em Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens:
"O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: 'Isto é meu', e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: 'Guardai-vos de escutar esse impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra de ninguém!'" (ROUSSEAU, 1755).
Essa citação finaliza a seção sobre as similaridades e diferenças, enfatizando a visão de Rousseau sobre a origem da desigualdade e sua crítica à propriedade privada, que contrasta com as perspectivas de Locke e Smith. A próxima etapa será elaborar o resumo, a introdução e a conclusão de forma mais formal, e compilar as referências bibliográficas.
3 O IMPACTO DAS CRÍTICAS DA ESCOLA DE FRANKFURT E DE MARIA HELENA SOUZA PATTO NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
As análises da Escola de Frankfurt sobre a indústria cultural e a teoria da carência cultural, somadas à profunda crítica de Maria Helena Souza Patto à produção do fracasso escolar, oferecem um arcabouço teórico robusto para compreender e questionar as políticas educacionais brasileiras. Embora nem sempre explicitamente citadas, as ideias desses pensadores ressoam em debates e movimentos que buscam uma educação mais justa, crítica e emancipatória no Brasil.
Historicamente, as políticas educacionais brasileiras foram, em grande medida, influenciadas por concepções que, de alguma forma, dialogam com a ideia de "carência" ou "déficit" do aluno e de sua família. A crença de que o insucesso escolar reside em fatores individuais ou culturais, e não em questões estruturais do sistema, permeou diversas reformas e práticas pedagógicas. Nesse sentido, a crítica de Patto à produção do fracasso escolar foi fundamental para desmascarar essa lógica, evidenciando como a escola, ao invés de ser um espaço de superação das desigualdades, pode se tornar um mecanismo de sua reprodução. A obra de Patto, ao longo das décadas, tem sido uma voz dissonante que questiona a naturalização do fracasso e a culpabilização do aluno, influenciando pesquisadores, educadores e, em certa medida, a formulação de políticas que buscam uma educação mais inclusiva e equitativa (PATTO, 1990).
As críticas da Escola de Frankfurt, por sua vez, ao expor a lógica da indústria cultural e a instrumentalização da cultura para a manutenção do status quo, oferecem uma lente para analisar como as políticas educacionais podem ser influenciadas por essa mesma lógica. A padronização de currículos, a ênfase em avaliações em larga escala que desconsideram as particularidades regionais e sociais, e a crescente mercantilização da educação, com a proliferação de materiais didáticos e sistemas de ensino que visam o lucro, podem ser interpretados como manifestações da indústria cultural no campo educacional. Essas práticas, ao invés de promoverem a autonomia e o pensamento crítico, tendem a formar indivíduos adaptados a um sistema que prioriza a eficiência e a produtividade, em detrimento da formação humana integral.
Um exemplo da influência dessas críticas pode ser observado nos debates sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Embora a BNCC tenha como objetivo padronizar o currículo nacional, críticos argumentam que, em sua implementação, ela pode reforçar a lógica da padronização e da exclusão, desconsiderando as realidades locais e as necessidades específicas dos alunos. A preocupação com a "formação para o mercado de trabalho" e a ênfase em competências e habilidades mensuráveis, sem um aprofundamento na formação crítica e humanística, ecoa as críticas frankfurtianas à razão instrumental e à semiformação. A busca por uma educação que prepare o indivíduo para o consumo e para a inserção em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, sem questionar as estruturas de poder e as desigualdades, reflete a influência dos valores liberais na formulação das políticas educacionais (SILVA, 2014).
No entanto, é importante ressaltar que as críticas da Escola de Frankfurt e de Patto não se limitam a uma análise pessimista da realidade. Pelo contrário, elas oferecem ferramentas para a resistência e a transformação. A compreensão de como as políticas educacionais podem ser instrumentalizadas para a reprodução das desigualdades é o primeiro passo para a construção de alternativas. Movimentos sociais, educadores e pesquisadores têm se apropriado dessas críticas para propor políticas educacionais que valorizem a diversidade, promovam a autonomia, estimulem o pensamento crítico e busquem a superação do fracasso escolar através da transformação das estruturas, e não da culpabilização do indivíduo. A luta por uma educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade para todos, que reconheça a pluralidade cultural e social do Brasil, é um reflexo direto da influência dessas perspectivas críticas na construção de um projeto educacional verdadeiramente emancipatório.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Os resultados da investigação permitem constatar que o liberalismo, em suas diferentes vertentes filosóficas, constituiu-se a partir de um conjunto de princípios que, embora progressistas em sua formulação, revelam contradições estruturais quando confrontados com seus desdobramentos históricos. A análise dos escritos de Locke, Smith e Rousseau evidencia a coexistência de ideais emancipatórios — liberdade, igualdade e educação — com práticas sociais e políticas que limitaram sua efetivação, sobretudo no campo da escolarização e da organização do trabalho.
Locke, ao fundamentar o liberalismo político, estabeleceu o vínculo entre virtude, propriedade e cidadania, configurando uma concepção meritocrática que excluía amplos segmentos sociais do acesso à educação e à participação política. Smith, na esfera econômica, valorizou a instrução como mecanismo de fortalecimento do capital humano, mas a restringiu ao horizonte produtivista da industrialização, reforçando a associação entre sucesso individual e capacidade de adaptação às exigências do mercado. Rousseau, por sua vez, propôs uma crítica mais radical à sociedade e à propriedade, sugerindo uma educação voltada à autonomia e à formação cidadã; entretanto, sua proposta, ao mesmo tempo inovadora e elitista, permanecia distante das realidades sociais mais amplas.
A leitura comparativa desses autores permite observar que o pensamento liberal, longe de se constituir como um bloco homogêneo, abrigou tensões internas que se refletiram nas formas de compreender sucesso, fracasso e igualdade. Tais tensões permanecem atuais ao se analisar as dinâmicas educacionais contemporâneas, nas quais a meritocracia, a lógica utilitarista e a exclusão social ainda se fazem presentes.
Nesse sentido, as críticas de Maria Helena Souza Patto e da Escola de Frankfurt revelam-se fundamentais para problematizar a permanência das contradições do liberalismo. Patto demonstra que o chamado “fracasso escolar” não resulta de deficiências individuais, mas de um processo histórico de reprodução de desigualdades no interior da instituição escolar. A Escola de Frankfurt, ao discutir a indústria cultural e a razão instrumental, oferece subsídios para compreender como a educação, em sociedades capitalistas avançadas, pode ser reduzida a uma função de adaptação, reforçando a lógica da eficiência em detrimento da formação crítica e emancipatória.
Portanto, a análise dos dados indica que o liberalismo, ao mesmo tempo em que contribuiu para a formulação de conceitos fundamentais da modernidade política e educacional, também forneceu as bases para a legitimação de novas formas de exclusão. Compreender essa ambivalência é essencial para interpretar os desafios atuais das políticas educacionais, sobretudo diante do avanço de concepções neoliberais que retomam, sob novas roupagens, as mesmas tensões estruturais presentes desde a gênese do liberalismo.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
As raízes do pensamento liberal, forjadas no Iluminismo e consolidadas pela Revolução Francesa, revelam uma complexa tapeçaria de ideais progressistas e contradições inerentes. Pensadores como John Locke, Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau, embora divergindo em suas abordagens, contribuíram para a edificação de conceitos fundamentais como liberdade individual, formação cidadã e o direito à educação. No entanto, a análise aprofundada de suas obras demonstra que esses ideais, apesar de seu potencial emancipatório, foram frequentemente instrumentalizados para justificar e perpetuar desigualdades, especialmente no que tange à escolarização e ao impacto da industrialização.
A dualidade desses conceitos é evidente: a liberdade individual, por vezes, traduziu-se em meritocracia que culpabiliza o indivíduo pelo fracasso, desconsiderando as barreiras sociais e econômicas. A formação cidadã, idealizada por Rousseau, confrontou-se com a realidade de uma educação elitista e excludente. O direito à educação, defendido por Locke e Smith, mostrou-se limitado pelo acesso restrito e pela visão utilitarista de um sistema que priorizava a formação de mão de obra para a industrialização. A intersecção dessas visões com o processo de industrialização da época evidencia como o liberalismo, em sua aplicação prática, moldou estruturas sociais e educacionais que, embora prometendo progresso, também consolidaram novas formas de hierarquia e exclusão.
Compreender essas raízes históricas e filosóficas é crucial para analisar as manifestações contemporâneas do liberalismo e suas críticas. A persistência de discursos meritocráticos na educação, a mercantilização do ensino e a reprodução de desigualdades sociais, mesmo em sociedades que se declaram liberais, são ecos das contradições que acompanham o liberalismo desde sua gênese. A reflexão sobre o legado desses pensadores e a forma como seus ideais foram interpretados e aplicados oferece ferramentas valiosas para questionar as estruturas atuais e buscar uma educação e uma sociedade mais justas e equitativas.
O liberalismo, como doutrina política e econômica, emergiu de um contexto de profundas transformações sociais e intelectuais na Europa, notadamente durante o Iluminismo e a Revolução Francesa. Este artigo se propõe a analisar as raízes históricas e filosóficas desse movimento, explorando seus conceitos fundamentais e a maneira como foram interpretados por pensadores cruciais como John Locke, Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau. Será abordada a complexa dualidade desses ideais, que, embora inicialmente progressistas e libertários, foram por vezes instrumentalizados para justificar e perpetuar desigualdades sociais e econômicas. Além disso, será crucial discutir a dualidade desses conceitos, que, embora progressistas em sua origem, podem ter sido instrumentalizados para justificar desigualdades, especialmente no âmbito da escolarização e do processo de industrialização que a época vivia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Licenciada em Letras Português - Espanhol, graduanda em Sociologia, pós graduada em Psicopedagogia, mestranda em Ciências da Educação pela UNISAL. E-mail: [email protected].
2 Licenciado em Matemática, Bacharel em Engenharia Civil, pós graduado em Gestão Pública, especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho, Mestrando em Administração de Empresas pela Must University. E-mail: [email protected]