AS CONTRIBUIÇÕES DE KARL MARX, ÉMILE DURKHEIM E MAX WEBER PARA A COMPREENSÃO DAS DESIGUALDADES ÉTNICO-RACIAIS E DE GÊNERO NO CAMPO JURÍDICO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17654461


Hemily Oscarina D’osso1


RESUMO
O presente trabalho aborda a análise das contribuições de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber para compreender as desigualdades étnico-raciais e de gênero no âmbito jurídico. O ponto de partida é o problema central de como o Direito, como instituição social, pode tanto reproduzir quanto combater desigualdades estruturais. O objetivo geral é compreender como as teorias clássicas da sociologia ajudam a interpretar as interações entre direito, poder, economia e cultura, enfatizando as dinâmicas que mantêm as hierarquias sociais de classe, raça e gênero. Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber oferecem distintas perspectivas sobre o direito e sua função na sociedade. Para Marx, o direito é como parte da superestrutura ideológica que reflete as relações econômicas e de classe, Durkheim, por outro lado, interpreta o direito como expressão da consciência coletiva e da moral social, e Weber entende o direito como produto do processo de racionalização das sociedades modernas, associado à dominação racional e à burocracia estatal. Com base nessas perspectivas, o estudo propõe reflexões sobre o papel do direito na manutenção e superação das desigualdades estruturais.
Palavras-chave: Sociologia do Direito; desigualdade; gênero; raça; estrutura social.

ABSTRACT
This paper analyzes the contributions of Karl Marx, Émile Durkheim, and Max Weber to understanding ethnic-racial and gender inequalities within the legal framework. The starting point is the central problem of how law, as a social institution, can both reproduce and combat structural inequalities. The overall objective is to understand how classical sociological theories help interpret the interactions between law, power, economics, and culture, emphasizing the dynamics that maintain social hierarchies of class, race, and gender. Karl Marx, Émile Durkheim, and Max Weber offer distinct perspectives on law and its function in society. For Marx, law is part of the ideological superstructure that reflects economic and class relations; Durkheim, on the other hand, interprets law as an expression of collective consciousness and social morality; and Weber understands law as a product of the rationalization process of modern societies, associated with rational domination and state bureaucracy. Based on these perspectives, the study proposes reflections on the role of law in maintaining and overcoming structural inequalities.
Keywords: Sociology of Law; inequality; gender; race; social structure.

1. INTRODUÇÃO

O Direito, como um conjunto de normas e instituição social, exerce uma função ambivalente nas sociedades contemporâneas: por um lado, ele serve como ferramenta fundamental para a manutenção da ordem e para a garantia de direitos; por outro, pode atuar como um mecanismo eficaz na reprodução de desigualdades estruturais. É com base nessa dialética que o presente estudo busca analisar as contribuições de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, os autores fundadores da Sociologia Clássica, para a compreensão das desigualdades étnico-raciais e de gênero, especificamente no campo do estudo jurídico.

A disciplina de Estudos Socioantropológicos étnico-raciais e de gênero aplicados ao Direito requer uma perspectiva que transcenda a dogmática jurídica e insira o Direito no seu contexto social, econômico e cultural. O problema central que orienta esta pesquisa é, portanto, como as obras de Marx, Durkheim e Weber, apesar de terem sido escritas em um contexto histórico em que as categorias de raça e gênero não eram o foco central de suas análises, podem ser reinterpretadas e utilizadas como alicerce para desvendar as interações complexas entre direito, poder, economia e cultura no Brasil, destacando as dinâmicas que sustentam as hierarquias sociais.

O objetivo principal desse trabalho é compreender de que modo a tríade clássica da sociologia fornece ferramentas importantes para uma análise crítica das estruturas de opressão combinada, para alcançar tal objetivo, o trabalho está organizado em uma abordagem teórica e crítica. A segunda seção analisa a visão de Karl Marx sobre o Direito como ideologia e superestrutura, sendo útil para a compreensão do racismo estrutural e das desigualdades de classe no acesso à justiça, a terceira seção dedica-se a Émile Durkheim, analisando a função do Direito na coesão social e o conceito de anomia como chave para entender a marginalização e a desintegração social de minorias, a quarta seção aborda Max Weber, concentrando-se na racionalização formal do Direito, na burocracia e nas relações de dominação, conceitos essenciais para a análise do racismo institucional e das categorias de status e estamento que legitimam a exclusão de grupos raciais e de gênero, por último, a quinta seção aplica o legado desses sociólogos ao estudo das desigualdades étnico-raciais e de gênero no contexto jurídico brasileiro, utilizando o conceito de interseccionalidade, que se refere à sobreposição e interconexão das diferentes categorias de identidade e opressão (como raça, gênero e classe) na vida de indivíduos e grupos, conforme desenvolvido por Crenshaw (2002), para analisar as desigualdades no campo jurídico, como lente crítica para sintetizar as contribuições de cada autor na análise do Direito Penal, das políticas afirmativas e da violência simbólica.

Dessa forma, o estudo busca demonstrar a relevância contínua da Sociologia Clássica para a formação do bacharelando em Direito, fornecendo-lhe ferramentas para uma prática jurídica que se compromete ativamente com a superação das desigualdades históricas e estruturais.

2. MARX: MODO DE PRODUÇÃO, IDEOLOGIA E DESIGUALDADE ESTRUTURAL

2.1. Materialismo Histórico e a Luta de Classes Como Determinantes da Ordem Jurídica

Materialismo Histórico e a Luta de Classes como Determinantes da Ordem Jurídica, para Karl Marx a história não é como uma sequência de grandes acontecimentos ou ideias, mas como um processo dialético e materialista, sendo essencialmente impulsionado pela luta de classes e pelas relações de produção, por conseguinte, o materialismo histórico propõe que a estrutura econômica, ou a base material da sociedade (formada pelas forças produtivas e pelas relações de propriedade), é o fator decisivo que configura a superestrutura, esta, por sua vez, abrange as instituições sociais, o Estado, a religião e, principalmente, o Direito (MARX, 2013).

Na sociedade capitalista, o conflito ocorre entre a classe burguesa, detentora dos meios de produção, e a classe proletária, que possui apenas a força de trabalho, em contraste, a exploração do proletariado é essencial para a manutenção e reprodução do sistema, de modo que o ordenamento jurídico, ao emergir dessa base material, exerce a função de legitimar a ordem estabelecida.

2.2. Direito Como Ideologia e Aparato de Dominação de Classe

Direito como Ideologia e Aparato de Dominação de Classe, na perspectiva marxista, o Direito não possui neutralidade ou universalidade intrínsecas; ele é parte integrante da superestrutura ideológica e reflete os interesses da classe dominante, as normas jurídicas, ao mesmo tempo que estabelecem uma igualdade formal perante a lei, operam sob uma aparência de universalidade para mascarar as profundas desigualdades materiais e de classe (MARX, 2013), ademais, o Direito Contratual, o Direito de Propriedade e a própria organização do Estado, portanto, servem a dois propósitos centrais: legitimar as relações de propriedade e sustentar o modo de produção capitalista. Consequentemente, o Direito é um poderoso aparato de dominação que garante que a exploração econômica e o domínio burguês sejam percebidos como fenômenos naturais, justos e inevitáveis, configurando-se como uma ferramenta de controle social.

2.3. A Crítica da Ideologia e a Intersecção com Raça e Gênero: o Feminismo Negro

A Crítica da Ideologia e a Intersecção com Raça e Gênero: O Feminismo Negro. Apesar de Marx ter se concentrado analisar primariamente na classe social, sua teoria da ideologia e da exploração é fundamental para a análise contemporânea de outras formas de opressão, no entanto, teóricos críticos como Silvio Almeida (2019), mostram que o racismo estrutural e o patriarcado atuam como poderosos mecanismos ideológicos interligados ao capital, o racismo estrutural, por exemplo, não é apenas um desvio moral, mas uma peça fundamental para a manutenção da exploração, definindo a quem ocupa os postos de trabalho mais precário e quem permanece na base da estrutura social.

A crítica feminista negra, especialmente por meio do conceito de interseccionalidade (CRENSHAW, 2002; RIBEIRO, 2019), utiliza a lógica da superestrutura marxista para mostrar que o sistema jurídico favorece não apenas a classe dominante, mas também a intersecção de grupos privilegiados (historicamente, homens brancos e proprietários), em decorrência disso, a mulher negra, é duplamente subalternizada pela ideologia: por sua classe, sendo obrigada a aceitar empregos precarizados; e por seu gênero/raça, enfrentando o racismo e o machismo institucional, o que demonstra a inadequação da "neutralidade" da lei para garantir a equidade material.

3. DURKHEIM: FATOS SOCIAIS, SOLIDARIEDADE E COESÃO NORMATIVA NO DIREITO

3.1. O Direito Como Fato Social e Instrumento de Coercitividade

O Direito como Fato Social e Instrumento de Coercitividade, para Émile Durkheim, o objeto de estudo da Sociologia são os fatos sociais: maneiras de agir, de pensar e de sentir que são externos ao indivíduo, comuns em toda a sociedade e possuem de poder de coercitividade, entretanto, o Direito é um fato social por excelência, pois ele é externo (existe antes e depois do indivíduo), é universal (aplicado a todos ou a grupos definidos) e coercitivo (indivíduos são obrigados a se conformar sob pena de sanção), sendo assim, o Direito é, portanto, uma manifestação mais visível, organizada e tangível da moral social e da consciência coletiva (DURKHEIM, 2010).

3.2. Solidariedade Mecânica e Orgânica: a Evolução do Direito Repressivo Ao Restitutivo

Em Da Divisão do Trabalho Social, Durkheim (2010) analisa a evolução das sociedades pela forma de solidariedade que as une:

  • Solidariedade Mecânica (Sociedades Simples): Baseada na semelhança e na consciência coletiva forte, sendo assim, o Direito é predominantemente repressivo, visando punir severamente o crime para vingar a ofensa à moral comum.

  • Solidariedade Orgânica (Sociedades Modernas): Baseada na diferença e na alta divisão do trabalho, sendo assim, o Direito é majoritariamente restitutivo, visando a reparação de danos ou a regulação contratual para garantir a interdependência funcional entre as partes.

3.3. Anomia, Desintegração Social e a Falha da Coesão Normativa

Anomia, Desintegração Social e a Falha da Coesão Normativa, a mudança para a sociedade orgânica, caracterizada por sua complexa divisão de trabalho e especialização, pode levar aos problemas sociais, sendo a principal delas a anomia, visto que a anomia é um estado caracterizada pela ausência, enfraquecimento ou insuficiência das normas e regras morais que deveriam orientar o comportamento, resultando em desorientação e desintegração social, no contexto das desigualdades, a anomia pode ser compreendida como a incapacidade do Direito Restitutivo de exercer sua função de regulação justa e restabelecer a ordem social, reparando os danos causados, ao invés de aplicar punições, devido ao sistema econômico e jurídico falhar em integrar de maneira justa determinados grupos, como populações periféricas, mulheres em desvantagem no mercado de trabalho ou minorias étnico-raciais, tais grupos vivenciam a anomia, sentindo-se excluídos da sociedade e de seus benefícios, os elevados índices de criminalidade e encarceramento em massa são reflexos dessa patologia, evidenciando o colapso da solidariedade orgânica.

3.4. Direito, Coesão Social e a Exclusão das Minorias

Direito, Coesão Social e a Exclusão das Minorias, para Durkheim, o Direito é como uma ferramenta que visa a coesão social, entretanto, as normas morais coletivas que ele retrata geralmente são as regras dos grupos dominantes, as desigualdades raciais e de gênero, que são reproduzidas culturalmente, acabam se manifestando nas leis e nas práticas que sustentam o "consenso social".

A exclusão de grupos étnico-raciais e de gênero evidencia a fragilidade da solidariedade orgânica: quando a sociedade se baseia na interdependência, a marginalização de um segmento indica que o sistema não conseguiu estabelecer normas morais e jurídicas que assegurassem a inclusão e o pertencimento de todos, ademais, ao não proteger esses grupos de maneira eficaz, o Direito reforça a ideia de que a norma predominante não os considera como partes integrantes e valiosas do conjunto social, a violência simbólica (Bourdieu), que mantém a subordinação, é uma manifestação dessa moral coletiva dominante.

4. WEBER: AÇÃO SOCIAL, DOMINAÇÃO RACIONAL-LEGAL E AS DESIGUALDADES DE STATUS

4.1. A Sociologia Compreensiva e o Método do Tipo Ideal

A Sociologia Compreensiva e o Método do Tipo Ideal, Max Weber sugere que a Sociologia deve ser uma ciência interpretativa (ou verstehen), com o objetivo de compreender o subjetivo da ação social (o comportamento humano guiado pelo sentido que o indivíduo lhe confere), entretanto, para realizar essa compreensão e comparação, Weber propõe o método do tipo ideal: uma construção conceitual pura, abstrata e heurística de fenômenos sociais (como o capitalismo, a burocracia ou o legalismo), o tipo ideal funciona como uma ferramenta analítica que permite ao pesquisador analisar e avaliar a realidade concreta, identificando suas semelhanças e desvios (WEBER, 2015).

4.2. Formas de Dominação Legítima e a Ascensão do Tipo Racional-legal

Segundo Weber, a dominação é a probabilidade de que um grupo específico de pessoas cumpra ordens específicas, contudo, para que essa dominação seja estável, é necessário que seja vista como legítima, Weber identifica três tipos puros de dominação (WEBER, 2015):

  • Dominação Tradicional: Baseada na crença na santidade das tradições e na autoridade herdada, por exemplo, monarquias.

  • Dominação Carismática: Baseada na devoção a características heroicas, santidade ou exemplaridade de um líder.

  • Dominação Racional-Legal: Baseada na crença na legalidade das regras condicionais e no direito de mando daqueles que ascendem ao poder por meio dessas regras, sendo esta a forma que domina o Estado moderno.

4.3. Racionalização, Burocracia e Desigualdades Institucionais

Racionalização, burocracia e desigualdades institucionais, a sociedade moderna é definida pelo processo de racionalização, que na esfera jurídica, culmina na burocracia, o sistema burocrático racional-legal funciona com base em princípios de impessoalidade, hierarquia e previsibilidade, garantindo que o direito seja estabelecido e implementado de maneira técnica e "cega" (WEBER, 2015).

Logo assim, a crítica reside no fato de que, embora seja formalmente justa, essa impessoalidade não garante a equidade material, que se refere ao princípio que regula e busca corrigir as desigualdades sociais, entretanto, a burocracia do sistema de justiça (polícia, Ministério Público e Judiciário), impõe princípios que parecem "neutros", mas, na prática, os aplicam de maneira desigual, o princípio de que "todos são iguais perante a lei" entra em conflito com a realidade da seletividade penal e do racismo institucional, dessa forma, a legalidade formal weberiana, portanto, pode funcionar como uma blindagem institucional para a exclusão, uma vez que a aplicação da regra "cega" ou imparcialidade da lei ignora as desigualdades estruturais pré-existentes.

4.4. Relações de Gênero e Raça: Estamento e Status

Relações de gênero e raça: estamento e status, Weber aborda a estratificação social além da simples classe (posição no mercado), empregando os termos Status e Estamento para explicar como a distribuição de honra, prestígio social e estilo de vida determina os grupos sociais, portanto o estamento é um grupo que monopoliza certos bens, poder ou honra com base em critérios não econômicos, como a raça, a etnia, o gênero ou privilégios de nascimento.

A exclusão de negros e indígenas da plenitude da honra social e dos cargos de poder pode ser perfeitamente enquadrada na categoria de Estamento, a desigualdade étnico-racial, que não é apenas uma questão de classe, mas também de status desvalorizado atribuído pela sociedade, logo, o Direito, ao institucionalizar certas práticas burocráticas (como a seletividade policial baseada em critérios raciais), atua para preservar a dominação estamental e a hierarquia social, dando legitimidade racional a uma distinção baseada em honra (status) e não em capacidade.

5. APLICAÇÃO INTERSECCIONAL DAS TEORIAS CLÁSSICAS AO DIREITO BRASILEIRO E ÀS DESIGUALDADES

A análise das desigualdades no Direito exige a combinação dos fundamentos de Marx, Durkheim e Weber sob a perspectiva da interseccionalidade (CRENSHAW, 2002), que reconhece as opressões de classe, raça e gênero como sistemas interligados e que se relacionam mutuamente.

5.1. A Reprodução das Desigualdades Pelo Direito Formal (perspectiva Marxista)

A Reprodução das Desigualdades pelo Direito Formal (Perspectiva Marxista), o racismo estrutural (ALMEIDA, 2019) no Brasil é a manifestação da superestrutura em ação, a crítica marxista revela que o Direito de Propriedade e a legislação trabalhista, que aparentemente são neutros, foram historicamente criados para sustentar a acumulação capitalista e a exploração, já a desigualdade racial e de gênero atua como uma ferramenta ideológica para justificar a precarização do trabalho e a exclusão social de mulheres e pessoas negras, mantendo-os em posições de vulnerabilidade social e econômica, o Direito Penal, nesse contexto, é utilizado não contra o capital, mas para o controlar a “população excedente” e reprimir a luta de classes e racial.

5.2. Políticas Afirmativas e o Papel do Estado-juiz (perspectiva Weberiana)

Políticas afirmativas e o papel do Estado-juiz (Perspectiva Weberiana), as políticas afirmativas, como as cotas raciais e de gênero, utilizam o sistema de dominação racional-legal (Weber) de maneira corretiva., tais políticas exigem uma ação burocrática e regulatória do Estado, empregando o Direito (leis e decretos) para remediar os efeitos da dominação estamental e da exclusão de status.

Na perspectiva weberiana, a eficácia dessas ações reside na legitimidade que o Estado-juiz confere a elas, como fez o Supremo Tribunal Federal - STF ao aprovar as cotas, no entanto, a burocracia também impõe seus desafios, como a exigência de monitoramento rigoroso para prevenir fraudes, demonstrando que a neutralidade deve ser desenvolvida pela própria lógica estatal para atingir a equidade.

5.3. Direito Penal, Sistema de Justiça e Encarceramento em Massa (foco Interseccional)

O sistema de justiça criminal é o ponto de maior convergência crítica entre os três clássicos:

  • Marx: O encarceramento em massa de jovens negros e pobres é interpretado como uma forma de controlar a "população excedente" e reprimir os conflitos de classe e raça.

  • Weber: A seletividade penal é consequência da burocracia que, disfarçada de impessoalidade, utiliza critérios racistas, legitimando a dominação estamental e a baixa honra social de determinados grupos.

  • Durkheim: As elevadas taxas de encarceramento evidenciam a falta de coesão social (anomia), onde a punição é o reflexo da incapacidade da sociedade de integrar a população marginalizada através do Direito Restitutivo.

A interseccionalidade demonstra que o sistema penal não penaliza apenas a classe (pobres) ou a raça (negros), mas sim a combinação dessas categorias, faz com que a mulher negra e pobre seja o grupo mais suscetível à violência institucional e à perda de direitos (RIBEIRO, 2019).

5.4. Gênero, Violência e a (in)suficiência da Moral Coletiva (perspectiva Durkheimiana)

Gênero, Violência e a (In)Suficiência da Moral Coletiva (Perspectiva Durkheimiana), a violência persistente contra mulheres e minorias de gênero, apesar de ter sido estudada por Bourdieu (violência simbólica), pode ser interpretada à luz de Durkheim como uma manifestação da moral coletiva dominante, no entanto, a continuidade de normas sociais que normalizam a submissão feminina ou a violência de gênero demonstra que a consciência coletiva e o Direito (mesmo com leis específicas, como a Lei Maria da Penha) permanecem frágeis e inadequados para plena integração dessa população.

A Lei Maria da Penha (LMP) é, portanto, um exemplo de tentativa para promover a coesão social, utilizando a coerção do Direito (fato social) para proteger a integridade de um grupo que, historicamente, não foi integrado nem protegido pelo sistema, trata-se de uma tentativa de estabelecer um novo consenso moral, mais inclusivo, por meio da lei.

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou estabelecer um diálogo crítico entre a Sociologia Clássica (Marx, Durkheim e Weber) e a contemporânea Sociologia do Direito, no que diz respeito às desigualdades étnico-raciais e de gênero, apesar que os autores clássicos se concentram principalmente nas relações de classe e na transformação societária europeia, a análise demonstrou que seus fundamentos teóricos oferecem ferramentas fundamentais para a crítica do Direito brasileiro.

Karl Marx forneceu o conceito de superestrutura ideológica, permitindo-nos o que nos leva a concluir que o Direito, ao formalizar a propriedade e as relações de produção, contribui para a naturalização das desigualdades, esse princípio aplica-se ao Racismo Estrutural, que é sustentado por instituições aparentemente neutras, Émile Durkheim, por meio dos conceitos de coesão social e anomia, possibilita a interpretação da marginalização de grupos como um indicativo de desintegração moral, na qual o Direito Restitutivo falha em reintegrar aqueles que estão estruturalmente excluídos, Max Weber, por outro lado, iluminou o papel da racionalização legal-formal e da dominação burocrática, evidenciando como o sistema de justiça opera de forma previsível, porém desigual, transformando o preconceito em uma rotina institucionalizada, o que é fundamental para a análise da estratificação racial (estamento) dentro do aparato estatal.

A aplicação dessas teorias, mediada sob a perspectiva da interseccionalidade (Crenshaw; Akotirene), possibilitou a conclusão de que a opressão no campo jurídico nunca ocorre de forma isolada, mas sim pela combinação da lógica de classe (Marx), da rotina institucional/estamental (Weber) e da exclusão do consenso moral (Durkheim), entretanto, a incapacidade do Direito em combater as desigualdades de forma abrangente se deve, em grande parte, de sua própria origem em estruturas que ele se propõe a regular.

Por conseguinte, o trabalho propõe que, para que o Direito brasileiro se torne um meio eficaz de justiça social, é fundamental que o operador jurídico adote uma perspectiva crítica e descolonial, isso significa entender que o Direito não é um dado neutro, mas um campo de batalha onde as hierarquias de raça, classe e gênero são negociadas e, muitas vezes, condicionais, sendo assim, a contribuição dos sociólogos clássicos, quando interpretada de maneira contextualizada e interseccional, é fundamental para orientar essa mudança epistêmica e prática.

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Trabalho apresentado à disciplina Estudos Socioantropológicos Étnico-Raciais e de Gênero Aplicados ao Direito, do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim(FDCI), como requisito parcial para a obtenção denota no 2° período. Professor Ticiano Yazegy Perim.

1 Graduanda em Direito pela FDCI.