ARTRODESE LOMBAR INTERLAMINAR ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA - RELATO DE CASO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10344713
Julia Medina Faria¹
Orientador: Dr. Haroldo Chagas²
Orientadora: Dra. Vanessa Lima²
RESUMO
A hérnia de disco é o evento em que ocorre extrusão do disco intervertebral de um indivíduo, sendo o diagnóstico mais comum dentre as alterações degenerativas da coluna lombar e a principal causa de cirurgia na coluna na população adulta. O quadro clínico típico inclui lombalgia e o tratamento inicial deve ser conservador, com manejo medicamentoso e fisioterápico, podendo ser acompanhado ou não por bloqueios percutâneos radulares. O tratamento cirúrgico está indicado na falha do controle de dor, déficit motor maior que 3, dor radicular associada à estenose óssea foraminal ou síndrome da causa equina. Uma técnica ciúrgica refinada, com remoção do fragmento extruso e preservação do ligamento amarelo resolve a sintomatologia da ciática e reduz a possibilidade de recidiva em longo prazo.
Palavras-chaves: Hérnia de disco; Artrodese lombar; Neurocirurgia;
ABSTRACT
Herniated disc is the event in which there is extrusion of the intervertebral disc of an individual, and it is the most common diagnosis among the degenerative changes of the lumbar spine and the main cause of spinal surgery in the adult population. The typical clinical picture includes low back pain, and the initial treatment should be conservative, with medication and physical therapy, and may or may not be accompanied by percutaneous root blocks. Surgical treatment is indicated in failure of pain control, motor deficit greater 4 than 3, radicular pain associated with foraminal bone stenosis, or equine cause syndrome. A refined surgical technique with removal of the extruded fragment and preservation of the ligamentum flavum resolves the symptomatology of sciatica and reduces the possibility of long-term recurrence.
Keywords: Herniated disc; Lumbar arthrodesis; Neurosurgery;
1. Introdução:
A hérnia discal lombar consiste em uma doença crônico-degenerativa, em que ocorre um deslocamento do conteúdo do disco intervertebral - o núcleo pulposo - através de sua membrana externa, o ânulo fibroso, geralmente em sua região posterolateral. Dependendo do volume de material herniado, poderá haver compressão e irritação das raízes lombares e do saco dural, representadas clinicamente pela dor conhecida como ciática.
A dor ciática é conhecida desde a Antiguidade, mas a sua relação com a hérnia discal não foi descoberta até o início do século 20, quando Mixter e Barr a descreveram. Ela geralmente aparece após ataque repetitivos de dor localizada e é percebida como aguda, de forma súbita, podendo se irradiar ao longo da raiz envolvida ou apenas uma parte dela.
Apesar de poder ser aguda, piorando com o esforço físico - geralmente ocorre nos jovens - pode ser permanente e menos intensa, como ocorre, principalmente, em idosos. As terminações nervosas livres utilizam duas vias para geração de estímulo: a de dor rápida e a outra para dor lenta e crônica. A rápida é o resultado de nociceptores mecânicos e térmicos, enquanto a lenta é evocada por três tipos de nociceptores: os mecânicos, os térmicos e os químicos.
É geralmente causada por herniação, degeneração do disco ou estenose do canal. Contudo, esses processos não são responsáveis pela dor por si só, devendo ser contabilizadas também a compressão mecânica e as mudanças inflamatórias ao redor do disco e da raiz do nervo. Os principais sintomas associados à hérnia são espasmo muscular, rigidez da coluna vertebral, dor lombar e parestesia.
O quadro clínico varia de acordo com a localização, tipo, tamanho e grau de envolvimento radicular, podendo ser também assintomático. O quadro típico é formado pela lombalgia inicial, evoluindo para lombociatalgia em cerca de uma semana e, finalmente, persiste como ciatalgia pura, irradiando-se para nádegas, coxas e joelhos.
Anatomicamente, o disco intervertebral é a estrutura localizada entre duas vértebras, funcionando como um amortecedor de cargas, recaindo sobre a coluna vertebral. O disco é dividido em duas áreas: a central, gelatinosa, chamada de núcleo pulposo, que é cincundada pela área fibrosa, chamada de anel fibroso,responsável pela manutenção do núcleo pulposo no interior. A hérnia ocorre quando o anel se rompe, permitindo a saída de parte do núcleo.
São 31 os pares de raízes nervosas que saem da coluna e se distribuem pelo corpo. O nervo ciático, maior deles, é formado por 5 dessas raízes e, quando uma delas é comprimida, gera dor além de outros sintomas. A maior parte das hérnias ocorre na região lombar atingindo L4-L5, ou L5-S1, embora possam ocorrer também nas regiões torácica e cervical.
Devemos estar atentos às formas atípicas de apresentação para que seja feito o diagnóstico diferencial. Apesar da hérnia discal ser a primeira causa de lombalgia, há outras possibilidades como tumores, instabilidade postural e infecção. Com um exame físico adequado pode-se avaliar cuidadosamente dermátomos e miótomos, determinando o espaço vertebral em que está localizada a hérnia.
Dentre os fatores de risco temos o tabagismo, exposição a cargas pesadas repetidas vezes, a predisposição genética, o envelhecimento e a permanência constante do indivíduo na posição sentada, devido à semi-retificação da curvatura lombar.
Quando a herniação se direciona para o centro dos corpos vertebrais que delimitam o disco, a hérnia poderá ser assintomática. Entretanto, quando a hérnia se direciona para dentro do canal vertebral, comprimindo terminações e raízes nervosas, então se torna sintomática.
A origem da dor é multifatorial, contando com o estímulo mecânico das terminações nervosas da porção externa do ânulo fibroso, a compressão da raiz nervosa -contando ou não com isquemia- e outros fenômenos inflamatórios como consequência do núcleo extruso.
Sabe-se que o que desencadeia a dor é a compressão da raiz nervosa pela hérnia discal, uma vez que o limiar de sensibilização neuronal para uma raiz comprimida pode chegar à metade do limiar de seguimentos não comprimidos. Pode ser aliviada por curtos períodos de repouso, principalmente na posição semi-flower, e pode ser exacerbada por movimentos de flexão ou ao sentar.
O objetivo do tratamento cirúrgico é a descompressão das estruturas nervosas quando não há resolução da dor por meio do tratamento conservador. Embora a discectomia tradicional ainda seja a técnica usada por alguns cirurgiões, operações minimamente invasivas vêm ganhando atenção nos últimos anos e a cirurgia endoscópica pode ser um meio-termo entre os dois polos.
Os resultados da abordagem endoscópica percutânea estão presentes tanto em curto prazo – com o tempo cirúrgico reduzido, menos sangramento, alívio dos sintomas mais rápido, taxa de complicações menores, devido a menor manipulação - quanto aos 10 anos de seguimento,fazem com que essa técnica seja preferível.
2. Objetivos:
2.1 - Geral:
Relatar a evolução clínica e terapêutica de um paciente com hérnia de discolombar L5-S1 e outras complicações, e discutir suas particularidades na neurocirurgia, a partir da análise de um caso do ano de 2022.1
2.2 - Específicos:
Proporcionar conhecimento acerca do diagnóstico das patologias em questão,evidenciando suas associações e desafios. Demonstrar a importância da neurocirurgia para abordagem adequada eevitar futuras sequelas. Expor a necessidade da intervenção precoce no contexto de afecções da coluna como forma preventiva de complicações
3. Referencial teórico:
A hérnia de disco é uma frequente desordem musculoesquelética, responsável pela lombociatalgia, em que há ruptura do anel fibroso com deslocamento da massa central do disco, sendo comuns ao aspecto dorsal ou dorsolateral do disco. Esse processo ocorre mais em pacientes entre 30 e 50 anos, mas pode ser observado em adolescentes, idosos e até crianças.
A idade média de aparecimento do primeiro ataque é de 37 anos, sendo que em 76% dos casos há antecedente de crise lombar uma década antes. No Brasil, as lombalgias se tornaram a 2ª causa de pagamento de auxílio doença e a 3ª causa de aposentadoria por invalidez, gerando repercussões sobre a economia. Estima-se que 2 a 3% da população possa ser afetada, sendo 4,8% homens e 2,5% mulheres acima de 35 anos.
Os fatores de risco são hábitos de carregar peso, predisposição genética, fumar, manter-se em posição sentada durante longos períodos e o processo de envelhecimento. No entanto, de acordo com estudos realizados por Varlotta, 1991; Scarpinelli, 1993; Matsui, 1992; Battie, 1995; Urban & Roberts, 1995; Sambrook, 1999; tal afecção pode ser explicada na influência genética.
Dentre os possíveis genes envolvidos na predisposição genética às hérnias vertebrais temos o gene receptor da vitamina D, VDR, que codifica uma das cadeias polipeptídicas do colágeno IX, ou seja, o gene COL9A2 e o gene agreccan human (AGC), responsável pela codificação do proteoglicano, maior componente proteico da cartilagem estrutural, que suporta a função biomecânica nesse tecido.
Há duas vias para a geração de dor: a rápida e a lenta, que são resultado de estímulos em nociceptores distintos, sendo a rápida por mecânicos e térmicos, e a lenta por mecânicos, térmicos e químicos. Os nociceptores químicos, por sua vez, são estimulados por substâncias químicas como a bradicinina, a serotonina e a prostaglandina, que aumentam sua sensibilidade.
Os sinais de dor rápida são transmitidos nos nervos periféricos em direção à medula espinhal por fibras do tipo A, de pequeno diâmetro, enquanto os de dor lenta ocorrem por fibras do tipo C. Devido a esse duplo sistema, um estímulo doloroso brusco, como uma crise de hérnia aguda, gera uma sensação dolorosa dupla, tanto em pontada, como queimação.
A lombalgia inicia-se, geralmente, na região lombar e irradia para a região sacroilíaca e nádegas, podendo atingir também a região posterior da coxa, devido à localização de passagem do nervo ciático. Outros sintomas associados à hérnia discal incluem fraqueza e parestesia, sendo ambos intermitentes, apenas durante crises e variando de acordo com a atividade realizada pelo paciente e com o nível vertebral acometido.
O diagnóstico da hérnia de disco pode ser feito clinicamente, por meio do exame físico e relatos do cotidiano do paciente, e por exame neurológico específico. Exames complementares, como a radiografia e a tomografia computadorizada ajudam a determinar o tamanho da lesão e em que exata região da coluna vertebral está localizada.
A radiografia de coluna é um procedimento de baixo custo e permite a visualização de outras alterações sugestivas de degeneração discal como osteófitos, estreitamento do espaço discal, alterações sutis de translação, hipertrofia facetaria e alterações no alinhamento sagital -também chamada de espondilolistese.
É considerada padrão ouro a utilização da ressonância magnética como exame complementar para identificação da altura de vértebra comprometida. Os princípios da ressonância foram estabelecidas há quase 60 anos por F. Bloch e E.M.Purcell ao estudar o comportamento de núcleos atômicos colocados num campo magnético, permitindo a visualização da compressão do canal medular e seus anexos, no caso da hérnia discal.
Pacientes com hérnia de disco podem apresentar crisesincapacitantes de dor intensa e, durante esse período, não é recomendada a execução de nenhuma atividade que exija médios e grandes esforços, preconizando-se o descanso associado ao uso de anti-inflamatórios não esteroidais e, em alguns casos, associados a analgésicos. Quando contornada a crise, a indicação é de retomada de atividades -principalmente físicas- para fortalecimento da musculatura dorsal, a fim de estabilizar a coluna e prevenir novas ocorrências de lombalgias severas.
Existem técnicas quantitativas específicas na ressonância magnética para a avaliação do disco intervertebral, sendo que a maioria dos sistemas e escalas de classificação de sua degeneração empregados na rotina clínica se utiliza de imagens ponderadas em T2. Nas imagens ponderadas em T2, a água é caracterizada pelo sinal de alta intensidade, favorecendo a observação da perda do sinal das alterações morfológicas na degeneração do disco.
Modic, que são alterações degenerativas da coluna vertebral encontradas na ressonância magnética e utilizadas para identificar e classificar em três graus distintos as hérnias de disco, foram estudadas por Michael Modic, em 1988. No Modic Tipo 0, há visualização normal do disco e da vértebra. No Modic Tipo I, as alteraçõessão em forma de edema no platô vertebral adjacente a um disco que apresente degeneração. No Modic Tipo II há, além do edema, substituição gordurosa no platô vertebral acometido. Já no Modic Tipo III, que é o nível máximo de degeneração, há esclerose óssea.
A esclerose óssea é um aumento na massa (endurecimento) da densidade do osso em uma camada imediatamente abaixo da cartilagem articular. O desgaste do platô vertebral, que caracteriza a alteração Modic, se dá devido à sobrecarga sofrida por causa da degeneração do disco intervertebral -seja por envelhecimento, cargas altas, ou tabagismo-, que não consegue mais proteger a estrutura óssea da vértebra contra os impactos decorrentes de nossas atividades diárias.
Podemos identificar a diferenças dessas alterações radiológicas na Figura 1, que identifica Modic tipo I como as setas em A e B; Modic tipo II como as setas superiores em C e D; e Modic tipo III como as setas inferiores em C e D.
Figura 1.
Além das alterações radiológicas Modic, há as de Pfirmann, que é a escala de graduação mais difundida na literatura para classificar o nível de degeneração do disco intervertebral, exposta na Figura 2. Ela classifica o nível de degeneração de acordo com a intensidade do sinal do núcleo pulposo, a estrutura do disco, a altura do disco e a delimitação entre o núcleo pulposo e o ânulo fibroso. Os níveis vão de I a V, quanto maior o grau de degeneração maior será a pontuação na escala.
Porém, por ter como base a inspeção visual da imagem do disco intervertebral, a classificação de Pfirrmann está sujeita a ocorrência de variações intra e interobservador nas classificações feitas em momentos diferentes ou por diferentes profissionais, quando observado o mesmo disco intervertebral. Por isso, utiliza-se, normalmente, Modic e Pfirmann associadas.
Figura 2.
Há também outras maneiras de se classificar alterações radiológicas, como Michopoulou, em 1989, propôs a utilização de descritores baseados em textura para a quantificação da degeneração do disco, e a associação de tais características com a idade do paciente. Alomari, em 1989, desenvolveu um método para a segmentação de hérnia de disco, usando um modelo de vetor de gradiente de contorno ativo e a classificação dos discos com hérnia ou não por meio de um classificador Bayesiano.
Oktay, em 1990, realizou um trabalho que detectava se o disco está degenerado ou não, este trabalho analisou os discos intervertebrais de 102 voluntários obtendo uma acurácia de 92,81%. A pesquisa de Jong, em 1992, classificou o nível de degeneração segundo os graus definidos por Pfirrmann e de 30 discos intervertebrais, obtendo uma taxa de acerto de 50%.
Quanto ao tratamento conservador, temos a atividade física -incluindo exercícios de flexibilidade e alongamento, com aumento gradual de sua execução; a crioterapia, a acupuntura e a prescrição de analgésicos e anti-inflamatório. Quanto a crioterapia, tem efeito sobre o espasmo muscular, devido à vasoconstrição provocada pelo gelo, reduzindo a hiperemia e, ao mesmo tempo, promovendo vasodilatação periférica compensatória reflexa.
A injeção epidural de esteróides e a infiltração peri-radicular são recomendadas por alguns pesquisadores, apesar da literatura científica apresentar resultados conflitantes. De acordo com Hopayian & Mugford, em 1999, são indicados em caso de insucesso de relaxantes musculares via oral. Já a acupuntura, seu efeito está relacionado à liberação de neurotransmissores que, por sua vez, inibem ou excitam as sinapses, proporcionando significante melhora dos sintomas.
Os analgésicos são necessários para o alívio da dor periférica, prevenindo a evolução para estado crônico. Os relaxantes musculares são usados quando há severo espasmo muscular paravertebral, porém devem ser empregados por um curto espaço de tempo. Morfina e outras drogas que induzem dependência devem ser evitadas, embora possam ser indicadas em casos extremos, sendo preconizado drogas psicoativas para pacientes crônicos, devido ao componente de ansiedade e depressão.
De acordo com Söderberg, em 1956, somente a imobilização assegurada pelo repouso absoluto associada ao uso de colete pode ser encarada como tratamento de real valor terapêutico. Anos após, Armstrong, em 1965, corroborou com essa tese e acrescentou que a imobilização pode ter graus variados, sendo desde intensidade relativa até o repouso completo, evitando tensão dorsal. No entanto, Vroomen, em 1999, demonstrou em seu estudo que não há resultados conclusivos sobre os benefícios da imobilização.
Kakelius, em 1970, acompanhou pacientes tratados de modo conservador e cirúrgico por um período de 7 anos e 4 meses, recolhendo resultados mais promissores em pacientes submetidos à cirurgia. Resultados semelhantes foram obtidos por Weber, em 1983, com significativa melhora no grupo de pacientes operados após o primeiro ano.
No caso da hérnia de disco lombar, a microdiscectomia aberta é o tratamento padrão ouro. No entanto, a discectomia lombar endoscópica percutânea apresenta menor trauma cirúrgico, mínima perda sanguínea, menor tempo de internação, recuperação mais rápida e menor morbidade pós operatória, devido à preservação da musculatura dorsal e das estruturas osteoligamentares.
A primeira ressecção de disco foi feita por Mixter & Barr em 1934 usando um artroscópico. Em 1936, Kambin & Gellman aprimoraram a ressecção com a descrição do “Triângulo de segurança” entre as raízes de saída e de descida, usando como base os acessos 13 foraminais. Houve também a introdução de parafusos pediculares, além da fusão intersomática lombar transforaminal, chamada de TLIF, com menos retração neural.
O padrão ouro em uma artrodese lombar, seja endoscópica percutânea ou aberta, é a fusão, evitando a movimentação das vértebras gerando compressão do disco herniado sob as raízes nervosas, gerando dor. A vantagem da percutânea é a menor perda sanguínea, menor lesão muscular e menor ressecção de estruturas.
A partir de uma meta-análise com 9 estudos clínicos randomizados, realizada em outubro de 2021 e publicada em 2022 na Revista Brasileira de Ortopedia, comparou-se a cirurgia endoscópica com a abordagem aberta para hérnia de disco lombar sintomática, verificando-se que a satisfação do paciente foi maior e o tempo de hospitalização menor no grupo que foi submetido à cirurgia endoscópica.
Ainda nesse estudo foi observada melhora significativa na dor ciática pós-operatória de nos grupos Modic 1 e Modic 2, e nos que foram classificados por Pfirmann, após a discectomia endoscópica transforaminal.
Considerando a anatomia da coluna lombar, em que as dimensões do forame intervertebral diminuem à medida que os espaços interlaminares aumentam de L1 para L5, temos duas vias diferentes para a abordagem de cada caso.
Em pacientes com compressões em níveis altos da coluna, como L3/L4 e pacientes com estenose foraminal ou do recesso lateral, faz-se a abordagem transforaminal. Já em casos de níveis mais baixos, como L4/L5 e L5/S1, ou pacientes com estenose de recesso central e lateral, faz-se a abordagem interlaminal.
A maior vantagem da abordagem transforaminal, com relação à interlaminal, seria o fator da primeira ser realizada sob anestesia local em ambiente ambulatorial, evitando então os riscos da anestesia geral, que é utilizada na interlaminal, principalmente em pacientes idosos.
Os fatores de risco gerais para a recorrência em cirurgia endoscópica percutânea são: sexo masculino, obesidade, idade maior que 50 anos, história de trauma e hérnia de disco central. No entanto, existem fatores relacionados à técnica cirúrgica, como cirurgiões menos experientes e uso de material inadequado.
Portanto, no caso de recidiva da dor mesmo após tratamento conservador, há a possibilidade de cirurgia aberta ou endoscópica percutânea, sendo a segunda comprovadamente superior devido ao pequeno trauma tissular durante a cirurgia, resultando em uma reabilitação mais rápida e, consequentemente, menores custos para a sociedade.
4. Materiais e métodos:
Este trabalho consiste em um relato de caso, descritivo, e com revisão narrativa de artigos, cujas informações e dados contidos foram obtidos por meio daleitura e revisão atenciosas do prontuário, entrevista com o paciente e registro fotográfico dos exames complementares.
O paciente preencheu um termo de consentimento livre e foi avaliado clínica e radiograficamente por neurocirugiões que usaram a escala de Modic e Pfirrmann. Foi também pesquisado nos prontuários médicos tempo de cirurgia, tempo de internação hospitalar, necessidade de transfusão de sangue, retorno ao trabalho e avaliação radiológica da fusão.
Tendo o prontuário em mãos e usando-o como norteador estratégico, será realizado um relato de caso tendo como meios de fundamentação teórico não sistemática as revistas acadêmicas e cientificas disponíveis em Plataformas onlinesde pesquisa como PubMed® (National Library of Medicine), Scielo® (Scientific Eletronic Library Online), UpToDate® e Google Acadêmico. Foi utilizada uma seleção de datas de 1985 a 2022, pois o tema é recente, tendo sido dada preferência aos artigos publicados entres 1999 e 2022, nos idiomas português, inglês, espanhol e alemão.
Foram encontrados 45 artigos publicados, onde 30 foram selecionados a partir da análise do título. A partir desses, 22 foram selecionados a partir da leitura do resumo e, então, 18 foram selecionados a partir da leitura completa do documento. Os descritores utilizados durante a pesquisa foram hérnia de disco, dor lombar, tratamento de hérnia discal, lombalgia, protusão discal, entre outros.
5. Relato de caso:
Paciente R.F.B, 44 anos, sexo masculino, branco, natural e residente do Rio de Janeiro, engenheiro, chega para a consulta com o neurocirurgião no consultório em Ipanema, no dia 20 de abril de 2022, referindo a dores intensas em membros inferiores, sem melhoras com analgésicos comuns ou opioides, irradiando para joelhos e associada a redução da força, com consequente dificuldade para caminhar, motivos que o fizeram procurar atendimento médico.
O paciente relatou ter iniciado, em meados de março de 2022, quadro de dor lombar, associada à redução da mobilidade dos membros inferiores devido a irradiação para joelhos, dificultando o caminhar. Não foi capaz de correlacionar o quadro com nenhum evento ou trauma, mas relatou que a dor começou ao iniciar a rotina de jogar futebol às segundas. Relatou também trabalhar sentado ao computador e não ter uma postura adequada.
Procedendo, dessa forma, com o início da investigação, o neurocirurgião solicitou ressonância magnética de coluna lombar para averiguar possível prolapso de disco intervertebral, sem necessidade de internação hospitalar. Além disso, começou-se Cetoprofeno 75mg 2x/dia para o paciente, que é um potente anti- inflamatório não esteroidal, com efeito analgésico periférico e central, e Dipirona 1g de 6/6h em caso de dor, analgésico também da classe de fármacos anti-inflamatórios não esteroidais.
Após a análise dos resultados da ressonância, confirmou-se a hipótese diagnóstica de hérnia lombar L5-S1, podendo ser identificada na Figura 3. Dessa forma, manteve-se o anti-inflamatório por mais 7 dias, associado à analgesia, uma vez que a maioria dos pacientes com dor lombar aguda melhora em até 4 semanas. Orientou-se também que não é aconselhado repouso absoluto no leito e modificações das atividades habituais devem ser mínimas, retornando às atividades de vida diária e ao trabalho o mais rápido possível.
Figura 3: Ressonância magnética de coluna lombar demonstrando hérnia em L5-S1
No entanto, apesar de ter cumprido as orientações dadas pelo médico, o paciente volta ao consultório em maio relatando dor incapacitante, irradiando para joelho esquerdo, em pontada ao caminhar. Relata redução da força em membro inferior esquerdo e dificuldade para deambular. Relata dor intensa que o incapacitade sentar-se ereto por muito tempo, sendo preferível a posição de decúbito dorsal.
Visto que o quadro clínico do paciente era compatível com a imagem radiológica, refratário ao tratamento medicamentoso conservador e, seu quadro, incapacitador de atividades básicas diárias, interferindo inclusive em seu trabalho, foi decidido marcar então a artrodese - que é a cirurgia de fusão - desse paciente para que o disco intervertebral herniado fosse retirado descomprimindo a medula vertebral, parareversão dos possíveis sintomas e para que fossem evitadas sequelas.
No entanto, como já demonstrado em inúmeros artigos, a técnica de microdiscectomia por via endoscópica percutânea apresenta muitos benefícios em comparação com a cirurgia aberta, tais como: menor trauma cirúrgico, mínima perda sanguínea, menor tempo de internação, recuperação mais rápida e menor morbidade pósoperatória, em virtude da preservação da musculatura dorsal e das estruturas osteoligamentares. Portanto, o pequeno trauma tissular durante a cirurgia endoscópica resulta em uma reabilitação mais rápida, tendo sido o procedimento de escolha para o paciente.
O procedimento é realizado com o paciente anestesiado com propofol e remifentanil. Fica posicionado em decúbito ventral em uma mesa radiotransparente sob controle fluoroscópico ortogonal de dois planos, sobre um suporte para o quadril e tórax, a fim de aliviar os órgãos abdominais e torácicos. A mesa cirúrgica pôde ser ajustada para cifose intraoperatória no nível lombar vide Figuras 4 e 5. O cirurgião operou do lado do prolapso discal, sendo que o monitor de vídeo e o braço em C foram posicionados no lado oposto.
Figura 4.
Após a determinação da posição da crista ilíaca, a incisão na pele tem uma distância desde a linha média até o ponto de punção, conforme o nível abordado. Nesse caso, serão de 12 a 14 cm para L5–S1. Após a assepsia, o ponto de entrada foi marcado, sempre superior à crista ilíaca, sendo traçada uma linha através do processo articular superior (PAS) até a linha média da placa terminal inferior, determinando a distância da incisão de 1 centímetro a ser feita, vide Figura 6.
Após a incisão na pele com o uso do bisturi frio, e o aprofundamento dos tecidos subcutâneo e muscular pelo bisturi elétrico, a agulha espinhal é inserida ortogonalmente ao espaço discal com o auxílio de uma radiografia posteroanterior intraoperatória, como demonstrado na Figura 7.
O ideal é que, quando observada por meio do fluoroscópio, a ponta da agulha avance até a linha posterior do corpo vertebral na incidência lateral e até o meio da linha do pedículo medial na incidência anteroposterior. Com a agulha espinhal alojada no disco, passa-se o fio-guia através da agulha espinhal, a agulha espinhal é removida e o obturador é inserido no disco ao atingir o anel fibroso.
Figura 7.
Avança-se a cânula de trabalho de formato oval e chanfrada (para dentro do disco) ao longo do obturador e, então, o obturador é removido. Em seguida, o endoscópio é inserido através da cânula, e o núcleo patológico e qualquer tecido fibroso cicatricial são liberados, sendo completamente removidos com o uso de um fórceps endoscópico e de um dispositivo de radiofrequência.
A cânula de trabalho é ajustada para localizar e remover a faceta superior hiperplásica, o disco herniado, a borda posterior do corpo vertebral e os osteófitos que existem ao redor da raiz transversal, com a utilização de uma broca de alta velocidade, escareador ou cortador ósseo (de dentro para fora)
Para que a descompressão seja considerada satisfatória, é necessário que o nervo apresente pulsações semelhantes à frequência cardíaca e que a quantidade de material removido do disco seja equivalente à quantidade observada na RM. Ao completar o procedimento, o endoscópio é retirado e a pele é suturada. Podemos analisar o material removido do disco nas Figuras 8 e 9 abaixo, provando que a descompressão foi bem sucedida.
Figura 8.
Figura 9.
6. Discussão de caso:
A hérnia discal é um problema de saúde pública que merece atenção. Quanto aos tratamentos disponíveis, há duas vertentes: o conservador e o cirúrgico. No tratamento conservador temos a possibilidade de iniciar analgésicos, anti-inflamatórios, atividade física - incluindo exercícios de flexibilidade e alongamento-, fisioterapia, crioterapia e acupuntura. No entanto, no caso do tratamento cirúrgico, duas são as possibilidades: cirurgia aberta e cirurgia minimamente invasiva percutânea.
A finalidade de ambas as abordagens é aliviar a dor, além de estimular a recuperação neurológica para que ocorra o retorno precoce do paciente às atividades de vida diária, como o trabalho. Os anti-inflamatórios não esteroidais são os medicamentos que devem ser preconizados por atender às necessidades da fisiopatologia -que é inflamatória- ficando os analgésicos como terapia adicional, assim como a fisioterapia, a crioterapia e a acupuntura.
Na abordagem cirúrgica temos o alívio da dor, aumento da capacidade funcional e o retardo da progressão da doença. Ela é indicada quando o curso natural da doença segue uma piora significativa mesmo após o uso de medidas conservadoras. Dentre os métodos de tratamento cirúrgico, devido a menor manipulação, indica-se a cirurgia minimamente invasiva percutânea, também chamada de artrodese lombar endoscópica percutânea, como realizada no paciente do caso exposto.
A artrodese lombar endoscópica percutânea mostra bons resultados no longo prazo, além de ser vantajosa no pós operatório por diminuir a dor, a instabilidade e a fibrose epidural. A técnica usa dilatadores sucessivos, com incisões mínimas e pouca lesão tecidual, justificando as menores complicações.
Quanto ao caso clínico exposto, foi feita uma artrodese lombar interlaminal endoscópica percutânea pensando nas vantagens dessa se comparada com a artrodese aberta. Vemos que a recuperação do paciente foi rápida, além de suficiente, pois logo após 1 mês de cirurgia, o paciente já se encontrava fazendo atividades físicas.
O procedimento percutâneo foi escolhido levando-se em consideração a idade, 44 anos, pois quanto mais novo, melhor será para a reabilitação na rotina diária. Além disso, o paciente tinha plano de saúde, que cobria totalmente os custos materiais de uma cirurgia desse porte.
Se comparadas as ressonâncias magnéticas de pré e pós operatório, observa-se que o Modic II tornou-se um Modic I após o procedimento, demonstrando regressão da lesão. Portanto, o procedimento percutâneo demonstra ser uma opção segura para a resolução de hérnia discal sintomática.
7. Conclusão
O tratamento cirúrgico da hérnia lombar, quando bem indicado após falha de tratamento conservador prévio, não deve ser postergado, devido ao alto potencial de resolução. Para a abordagem adequada do paciente, é importante que haja uma equipe preparada para a condução do caso, além de tratamento farmacológico ou não farmacológico, ambos modificadores de doença. Os bons resultados em procedimentos minimamente invasivos é amplamente demonstrado na literatura e o caso clínico exposto reforça esses dados.
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