APLICAÇÕES CLÍNICAS DA CISTATINA C: UM MARCADOR INTEGRADO PARA DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO E AJUSTE TERAPEUTICO NA DOENCA RENAL CRÔNICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17504589
Elizane Francisca Silva Pereira1
Natália Pinheiro Yamashiro2
Vivian Araujo Barbosa de Oliveira3
Dreison Aguilera de Olievira4
Ana Cristina Serra Polimeno5
RESUMO
A Doença Renal Crônica (DRC) é um grave desafio de saúde pública, cujo manejo é comprometido pelo diagnóstico tardio e pelas limitações de biomarcadores tradicionais, como a creatinina sérica 1. A imprecisão da creatinina em estágios iniciais, influenciada por fatores extrarrenais 2, cria uma "zona cega" diagnóstica que mascara a perda inicial da função renal3. Este trabalho tem como objetivo analisar a relevância clínica da Cistatina C como um biomarcador integrado para o diagnóstico precoce, avaliação de prognóstico e personalização terapêutica na DRC 4. A partir de uma revisão bibliográfica, os resultados demonstram consistentemente a superioridade da Cistatina C como prognosticador da Taxa de Filtração Glomerular em relação à creatinina 5,6.
Sua precisão é particularmente notável em populações de risco, como idosos, crianças 6 e diabéticos 8, permitindo a detecção de dano renal antes mesmo do surgimento da albuminúria em níveis baixos5. Além de seu papel diagnóstico, a Cistatina C consolidou-se como um prognosticador robusto de desfechos adversos e como uma ferramenta essencial para a personalização farmacoterapêutica 9.
Conclui-se que a Cistatina C é um biomarcador de precisão indispensável no manejo moderno da DRC 11,12. Apesar de seu custo mais elevado ser uma barreira, sua incorporação estratégica em protocolos clínicos representa um investimento com potencial para mitigar os altos custos futuros associados às terapias de substituição renal 10. Sugere-se a continuidade de pesquisas focadas na otimização de seus custos e na validação de sua aplicação para democratizar o acesso a um diagnóstico renal mais exato e apropriado 13,14.
Palavras-chave: Doença Renal Crônica. Cistatina C. Diagnóstico Precoce. Biomarcadores. Taxa de Filtração Glomerular. Saúde Pública.
ABSTRACT
Chronic Kidney Disease (CKD) is a major public health challenge, whose management is hindered by late diagnosis and the limitations of traditional biomarkers such as serum creatinine. The inaccuracy of creatinine in early stages, influenced by extrarenal factors, creates a diagnostic “blind spot” that masks the initial loss of kidney function. This study aims to analyze the clinical relevance of Cystatin C as an integrated biomarker for early diagnosis, prognosis assessment, and therapeutic personalization in CKD. Based on a literature review, the results consistently demonstrate the superiority of Cystatin C over creatinine in predicting the Glomerular Filtration Rate.
Its accuracy is particularly remarkable in high-risk populations such as the elderly, children, and diabetic patients, enabling the detection of renal impairment even before the onset of low levels of albuminuria. Beyond its diagnostic role, Cystatin C has been established as a robust predictor of adverse outcomes and as an essential tool for pharmacotherapeutic personalization.
It is concluded that Cystatin C is an indispensable precision biomarker in the modern management of CKD. Despite its higher cost being a limiting factor, its strategic incorporation into clinical protocols represents an investment with the potential to mitigate the high future costs associated with renal replacement therapies. Further research is suggested to optimize its cost-effectiveness and validate its application to democratize access to more accurate and appropriate renal diagnosis.
Keywords: Chronic Kidney Disease. Cystatin C. Early Diagnosis. Biomarkers. Glomerular Filtration Rate. Public Health.
INTRODUÇÃO
A disfunção renal é uma condição em que os rins perdem, parcial ou totalmente, a capacidade de exercer suas funções básicas, como a filtração do sangue e a eliminação de resíduos. Essa disfunção pode ser classificada em dois tipos principais: aguda, quando ocorre de forma súbita e geralmente reversível; e crônica, quando há uma perda progressiva e irreversível da função renal 1. Além disso, os estágios da disfunção renal crônica são divididos em cinco níveis, de acordo com a taxa de filtração glomerular (TFG), sendo o estágio 1 o mais leve e o estágio 5 o mais grave, caracterizado por insuficiência renal terminal. Essa classificação é fundamental para guiar o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento do paciente14.
O diagnóstico da Doença Renal Crônica (DRC) é fundamentado na avaliação de dois aspectos principais: a função de filtração dos rins e a presença de lesões renais. Atualmente, a abordagem padrão combina exames de sangue e de urina, que utilizam biomarcadores bem estabelecidos para identificar a doença, muitas vezes antes do surgimento de sintomas 1. Biomarcadores são substâncias, estruturas ou processos que podem ser medidos com precisão e objetividade para indicar um estado biológico normal, patológico ou uma resposta a uma intervenção terapêutica. A constante busca por novos biomarcadores mais sensíveis e específicos reflete a importância dessas ferramentas na medicina personalizada e na tomada de decisões clínicas mais eficazes 2.
Os biomarcadores tradicionais utilizados para a avaliação da função renal são, principalmente, a creatinina sérica e a uréia, ambos amplamente empregados na prática clínica há décadas 12. A creatinina, um produto do metabolismo muscular, é filtrada pelos glomérulos e, em menor grau, secretada pelos túbulos renais, sendo considerada um marcador indireto da taxa de filtração glomerular (TFG) 9. Já a uréia, resultado do metabolismo proteico, é reabsorvida em parte nos túbulos renais, o que reduz sua precisão como indicador da função renal 12. Apesar de serem de fácil acesso e baixo custo, esses biomarcadores apresentam importantes limitações. A concentração sérica de creatinina pode ser influenciada por diversos fatores não relacionados à função renal, como idade, sexo, etnia, massa muscular, dieta e uso de medicamentos, o que pode mascarar alterações precoces da função glomerular 2,5. A ureia, por sua vez, é ainda menos específica, sofrendo variações de acordo com o estado de hidratação, ingestão proteica e presença de hemorragias digestivas 12. Dessa forma, embora úteis, esses marcadores tradicionais muitas vezes não refletem com precisão o estado real da função renal, especialmente em estágios iniciais da insuficiência renal, o que ressalta a necessidade de biomarcadores mais sensíveis e específicos, como a Cistatina C 2.
A Cistatina C é uma proteína que atua como um poderoso biomarcador da função renal 4. Sua origem é universal dentro do nosso organismo: ela é produzida a uma taxa constante por praticamente todas as células nucleadas do corpo, funcionando originalmente como uma inibidora de protease, ou seja, ajudando a regular a atividade de outras proteínas 2. O que a torna tão útil para avaliar a saúde dos rins é a maneira como o corpo lida com ela. Após ser liberada na corrente sanguínea, a Cistatina C é livremente filtrada pelos glomérulos, as unidades de filtração dos rins. Uma vez filtrada, ela é quase que totalmente reabsorvida e metabolizada pelas células dos túbulos renais, não retornando ao sangue. Portanto, sua concentração no sangue depende diretamente da eficiência dessa filtração 4. Se os rins não estão funcionando corretamente e a taxa de filtração diminui, a Cistatina C não é removida adequadamente e seus níveis no sangue começam a subir 2,4.
Sua grande vantagem em relação à creatinina, o marcador mais tradicional, é sua estabilidade. Os níveis de creatinina podem variar de acordo com a massa muscular, idade, sexo e até mesmo a dieta do indivíduo, o que pode mascarar uma perda inicial da função renal 2,5. A Cistatina C, por outro lado, não sofre influência significativa desses fatores, oferecendo um retrato mais fiel e confiável da capacidade de filtração dos rins 2. Essa precisão é fundamental para superar a chamada "zona cega da creatinina", um estágio inicial da doença renal em que a função de filtração já começou a cair, mas os níveis de creatinina ainda permanecem dentro da faixa considerada normal 5. Por ser mais sensível a essas pequenas quedas, a Cistatina C é uma ferramenta excepcional para o diagnóstico precoce da Doença Renal Crônica, permitindo a identificação da condição em seus estágios iniciais, quando as intervenções médicas e as mudanças no estilo de vida são mais eficazes para retardar ou até mesmo impedir a progressão da doença 6,8.
Além de seu papel no diagnóstico da Doença Renal Crônica, a Cistatina C emerge como um indicador de grande potencial para a personalização da farmacoterapia, especialmente no ajuste de doses de medicamentos 9. Muitos fármacos, incluindo antibióticos, quimioterápicos, anticoagulantes e alguns anti-hipertensivos, são eliminados do corpo principalmente pelos rins. Quando a função renal está diminuída, a depuração desses medicamentos é reduzida, levando ao seu acúmulo no organismo e a um risco elevado de toxicidade e efeitos adversos graves 3,9.
A urgência por biomarcadores mais sensíveis, como a Cistatina C, é reforçada pela realidade do diagnóstico tardio, que constitui o principal obstáculo no manejo da Doença Renal Crônica (DRC) no Brasil 11. Como a doença é silenciosa em seus estágios iniciais, muitos pacientes só recebem o diagnóstico quando a função renal já está severamente comprometida, tornando as intervenções menos eficazes e os tratamentos mais complexos e custosos 10,11.
A dimensão deste desafio é expressa em dados epidemiológicos contundentes, compilados em um boletim do Ministério da Saúde divulgado em setembro de 2024 11. O documento, que abrange o período de 2010 a 2023, revela um cenário crítico onde mais de 150 mil pessoas já dependem de diálise e enfrentam longas filas para transplante, consequências diretas desse diagnóstico tardio 10,11. A raiz do problema reside na subnotificação, evidenciada pela discrepância entre diferentes fontes: enquanto a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 estimava uma prevalência de 1,5% de DRC entre adultos, dados do Sisab em março de 2024 mostram que apenas 0,1% das mais de 180 milhões de pessoas cadastradas na Atenção Primária possuem o registro da doença 11.
Apesar da subnotificação, a carga sobre o sistema de saúde é crescente e insustentável. Entre 2019 e 2023, os atendimentos a pacientes com DRC na Atenção Primária à Saúde (APS) aumentaram 152,81%. No mesmo sentido, as internações hospitalares saltaram de 84 mil em 2010 para mais de 140 mil em 2023, com a doença sendo responsável por 8.542 mortes registradas apenas no ano de 2021 11. Este avanço é impulsionado, principalmente, pela crescente prevalência de condições crônicas como hipertensão e diabetes na população brasileira, reforçando a DRC como um problema de saúde pública de primeira ordem 1.
Nesse contexto, a Cistatina C emerge como uma ferramenta de precisão fundamental, superando as limitações dos marcadores tradicionais e oferecendo uma janela de oportunidade para a intervenção precoce 5. Considerando o grave impacto da DRC na saúde pública e a necessidade imperativa de um diagnóstico mais ágil para evitar a progressão da doença, torna-se essencial avaliar métodos mais sensíveis. Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a relevância clínica da Cistatina C, discutindo sua aplicação como biomarcador estratégico para o rastreamento e o diagnóstico precoce da Doença Renal Crônica 1.
METODOLOGIA
Este artigo tem como foco o aprofundamento teórico sobre o papel da Cistatina C como biomarcador de diagnóstico para pacientes com doença renal crônica, a abordagem escolhida foi qualitativa de análise da literatura, que permite uma compreensão aprofundada e contextualizada do tema, aproveitando o conhecimento acumulado na literatura já existente de diversos artigos escolhidos.
O procedimento metodológico adotado foi a pesquisa bibliográfica, buscando identificar e expor as principais contribuições teóricas já publicadas a respeito do tema. Foram analisados artigos acadêmicos e científicos que abordam as palavras-chaves específicas: “Cistatina C”, “doença renal crônica” e “biomarcador”, combinados com os operadores booleanos AND e OR. As publicações selecionadas foram das bases de dados como Pubmed e Scielo, entre os anos de 2014 e 2025, garantindo discussões mais recentes sobre o tema. Foram considerados artigos publicados em português, inglês e espanhol.
Incluímos critérios de artigos que tratavam diretamente da Cistatina C no contexto biomarcador de diagnóstico. Os critérios de exclusão envolveram estudos que tratavam de outros contextos, como aqueles focados em pacientes que não tem doença renal crônica e que não abordavam diretamente Cistatina C como biomarcador de diagnóstico para pacientes com doença renal crônica.
DISCUSSÃO
No contexto da medicina e da nefrologia, os biomarcadores são ferramentas essenciais para o diagnóstico precoce, monitoramento da progressão de doenças e avaliação da resposta ao tratamento 14. Eles podem ser encontrados no sangue e/ou na urina e refletem alterações fisiológicas ou patológicas no organismo ou nos rins especificamente 14. Um bom biomarcador deve apresentar alta sensibilidade (capacidade de detectar alterações precoces) e especificidade (capacidade de distinguir entre diferentes condições), além de ser de fácil mensuração, reprodutível e acessível em termos de custo 12. Na avaliação da função renal, biomarcadores como a creatinina, ureia e mais recentemente, a cistatina C, têm sido utilizados para estimar a taxa de filtração glomerular (TFG) e detectar a presença e a gravidade da disfunção renal com mais exatidão e de forma precoce 2, 4, 5, 6, 8, 9, 12.
A cistatina C é uma proteína de baixo peso molecular (cerca de 13 kDa), pertencente à família das inibidoras de proteases cisteínicas, produzida de forma constante por todas as células nucleadas do organismo 2. Diferentemente da creatinina, sua produção é estável e independente de variáveis como idade, sexo, etnia, dieta ou massa muscular, o que a torna um marcador mais confiável da função renal em diversas populações 2, 4, 12. Em situações normais, após ser produzida, a cistatina C é liberada na corrente sanguínea, filtrada livremente pelos glomérulos renais e quase completamente reabsorvida e catabolizada nos túbulos proximais, sem ser secretada na urina 2.
A meia-vida da cistatina C no organismo é de aproximadamente 2 a 3 horas, o que significa que, após ser filtrada pelos glomérulos renais, ela é rapidamente removida do plasma e degradada nos túbulos proximais dos rins, sem ser secretada de volta para a urina. Essa característica a torna uma excelente molécula para refletir de maneira precisa a taxa de filtração glomerular (TFG), já que suas concentrações no sangue aumentam de forma proporcional à redução da função renal 2, 4.
Ao contrário da creatinina, que pode ser influenciada por diversos fatores extrarrenais, a cistatina C tem a vantagem de ser filtrada de maneira exclusivamente glomerular, sendo menos suscetível a essas variações 2, 4. Assim, níveis elevados de cistatina C no sangue indicam uma diminuição na TFG, servindo como indicativo direto da disfunção renal 2, 4, 5.
A utilização da cistatina C vem crescendo tanto em ambientes hospitalares quanto ambulatoriais, consolidando-se como uma ferramenta moderna e eficaz na monitorização da função renal, uma vez que a mesma tem se mostrado especialmente útil em situações clínicas em que a creatinina sérica pode fornecer estimativas imprecisas da TFG, como em pacientes idosos, crianças, portadores de doenças musculares, indivíduos desnutridos ou com baixa massa muscular 2, 4, 6, 8.
O uso da cistatina C como biomarcador da função renal também tem se mostrado particularmente útil e necessária em populações específicas, como no acompanhamento de pacientes com diabetes mellitus, que frequentemente apresentam doença renal crônica 6, 8, e em transplantados renais, onde a cistatina C tem se mostrado uma ótima aliada para monitorar a função renal e detectar rejeições precoces, já que níveis elevados da proteína podem refletir uma redução na TFG, antes que os sinais clínicos de rejeição se tornem evidentes 2, 4.
Um dos maiores desafios clínicos relacionados à Doença Renal Crônica (DRC) é o diagnóstico tardio, uma vez que a doença é silenciosa no início, o que leva muitos pacientes a necessitarem de tratamentos de alto custo, como diálise, gerando um grande impacto no SUS 1, 7, 10, 11. Com o crescimento da doença e a falta de recursos para tratar, a utilização dos biomarcadores como ferramentas de acompanhamento podem ser úteis para o diagnóstico precoce, diminuindo assim a evolução de casos e aumentando as chances de um tratamento eficiente logo em estágios iniciais 1, 3.
Tradicionalmente, a implementação do tratamento e os ajustes de dose são baseados na TFG estimada a partir da creatinina sérica. Contudo, as limitações da creatinina, que é influenciada por fatores como massa muscular e dieta, podem levar a uma estimativa imprecisa da TFG, resultando em dosagens inadequadas, seja por excesso, causando toxicidade, ou por falta, comprometendo a eficácia do tratamento, e é neste ponto que a Cistatina C oferece uma vantagem significativa 2, 4, 12. Por ser um marcador mais estável e preciso da função renal, sua utilização para calcular a TFG proporciona uma base muito mais confiável 2, 4, 5. Dessa forma, a incorporação da cistatina C na prática clínica pode refinar a prescrição médica, minimizando o risco de nefrotoxicidade e outros efeitos colaterais, ao mesmo tempo em que garante a eficácia terapêutica 1, 2.
Estudos demonstram que a cistatina C é capaz de detectar reduções sutis da função renal antes mesmo de alterações significativas nos níveis de creatinina 2, 4, 5. Fórmulas de estimativa da TFG baseadas na cistatina C, ou combinando-a com a creatinina, têm sido cada vez mais estudadas 5, 8, 9.
De acordo com Oliveira (2014, p. 62): "estimativa da TGF através de fórmulas é importante para detecção da DCR. Essa estimativa pode ser feita através do clearance de marcadores exógenos como a insulina, porém é um procedimento demorado, de alto custo e necessita preparo especial do paciente. A estimativa pode também ser avaliada pelo clearance de substâncias endógenas, como a creatinina, lembrando que ela sofre interferência da massa molecular, idade e sexo. Para contornar essas limitações várias fórmulas têm sido propostas para estimativa da TFG, através das variáveis como a concentração de creatinina sérica, clearance de creatinina, cistatina C sérica, idade, sexo e superfície corporal. A fórmula mais comumente utilizada para estimar TFG em adultos é MDRD" 9.
A equação MDRD (Modification of Diet in Renal Disease) foi desenvolvida a partir de um ensaio clínico controlado que avaliou os impactos da restrição proteica na dieta associada ao controle rigoroso da pressão arterial em indivíduos com doença renal crônica (DRC) 9.
Essa fórmula apresenta duas modalidades: uma versão completa e outra simplificada. A versão completa requer a dosagem laboratorial de creatinina sérica, ureia nitrogenada e albumina, o que implica maior custo operacional e necessidade de infraestrutura laboratorial adequada 9.
A fórmula MDRD completa está representada abaixo:
TFG (mL/min/1,73m²) = 170 x Creatinina sérica (mg/dL) -0,999 x Idade (anos)-0,176 x BUN*(mg/dL) - 0,170 x Albumina sérica(mg/dL)0,318 x 0,762 (se mulher) x 1,18 (se afrodescendente) |
BUN é a determinação sérica da uréia nitrogenada.
A fórmula MDRD simplificada está representada abaixo:
TFG (mL/min/1,73m²) = 186 x Creatinina sérica(mg/dL) -1,154 x Idade (anos)-0,203 x 0,742 (se mulher) x 1,212 (se afro descendente) |
Essa fórmula pode subestimar a TFG em públicos específicos como obesos e recém-diagnosticados com diabetes 9. Essa equação não é indicada em pacientes com doenças em estágios graves, idosos acima de 70 anos, crianças, obesos e pessoas sem disfunção renal 9. Essa estimativa sugere como valor de referência 90 mL/min/1,73m² 12.
Fórmulas que combinam a creatinina e a cistatina C, apesar de não serem a opção inicial devido ao seu custo, trazem valores mais precisos 5, 8, 9. A equação CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology) foi desenvolvida em 2009 utilizando apenas a creatinina, porém em 2012 foi expandida e passou a utilizar a combinação entre creatinina e cistatina C 5, 9. Essas equações complementam e em até alguns casos substituem a fórmula MDRD 5, 9.
A equação CKD-EPI permite usar diferentes biomarcadores de forma individual e combinada, isso a torna mais confiável em seus resultados 5, 9. Na prática, a CKD-EPI é mais utilizada para diagnósticos e acompanhamento, enquanto a MDRD é aplicada em pacientes com insuficiência renal já estabelecida 9.
Para fins de cálculo, a CKD-EPI é representada pela seguinte equação, considerando valores séricos de cistatina C ajustados por idade e sexo 5, 9:
TFGe (mL/min/1,73m2) = 135 x min (creatinina/κ, 1)a x max (creatinina/k,1)– 1200 x min (cistatina/0,8,1)-0.323 x min (cistatina/0,8,1)- 0,778 x (0,9961) idade x 0,963 (se mulher) x |
k: valor constante que depende do sexo (0,7 para mulheres e 0.9 para homens)
a: valor constante que depende do sexo (-0,248 para mulheres e -0,207 para homens)
Essa equação foi atualizada em 2021, é a forma mais precisa de estimar TFG usando a creatinina e cistatina C.
A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) disponibiliza em seu site uma calculadora que estima a TFG, através da equação CKD-EPI, porém digitalmente para que os profissionais tenham acesso durante os atendimentos, tornando o resultado mais preciso e com menos chances de erros 14. Com esse dispositivo disponível, as equipes hospitalares conseguem traçar um plano de tratamento que preserve a função renal de pacientes já comprometidos, e também diminua os impactos renais em pacientes nefrossaudáveis, e não tem contraindicações como a equação do MDRD 1, 14.
A NefroCalc, calculadora disponibilizada pelo site da Sociedade Brasileira de Nefrologia, também oferece o ajuste de dose de medicamentos, o que é bastante comum em pacientes com Injúria Renal Aguda (IRA) e Insuficiência Renal Crônica (IRC) 13, 14. Nestes casos, o tratamento medicamentoso precisa ser cuidadosamente adaptado e monitorado para minimizar os impactos renais, isso acontece porque muitos medicamentos são nefrotóxicos e quando administrados em pacientes saudáveis não são observados danos graves, mas quando o paciente tem disfunções renais esses fármacos podem gerar complicações irreversíveis 13. Por isso, alguns fármacos precisam sofrer ajustes em sua dose para tornar o tratamento seguro e eficiente, e a cistatina C é um dos biomarcadores disponíveis para esses ajustes 2, 4.
Em setembro de 2024, o Ministério da Saúde divulgou um boletim da DRC no Brasil, abrangendo o período de 2010 a 2023, evidenciando estimativas importantes como no ano de 2023 que chegou a 140.648 internações por doenças renais crônicas no Brasil 7, 11. O boletim epidemiológico apresenta a gravidade dessa condição e o aumento desses números comparados ao ano de 2010. Nesse período, houve um crescimento de 84,337% no número de internações por DRC 7, 11.
Dados do Sisab de março de 2024 mostram que de 180 milhões de pessoas cadastradas na Atenção Primária à Saúde (APS), 0,1% apresentavam registro de algum nível de DRC 7. Entre 2019 e 2023, os atendimentos na APS a pacientes com DRC aumentaram 152,81% 7.
Este mesmo documento reforça que a melhor estratégia é investir na prevenção e no diagnóstico precoce, fortalecendo a atenção primária para identificar os grupos de risco, promover hábitos de vida saudáveis e a importância de um acompanhamento médico visando à detecção precoce, uma vez que a DRC é um problema de saúde pública grave e crescente no Brasil, impulsionado principalmente pelo aumento da hipertensão e do diabetes 7, 11.
Um dos principais pontos que geram impactos significativos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) é justamente o diagnóstico tardio, mesmo em pacientes que fazem parte do grupo de risco, decorrente da natureza silenciosa dessas enfermidades em seus estágios iniciais 1, 7, 10, 11. Essa limitação frequentemente resulta na necessidade de tratamentos complexos e de alto custo, como a diálise 1, 10. Diante do crescimento expressivo da prevalência dessas doenças e da escassez de recursos para seu manejo adequado, a implementação da dosagem de Cistatina C como protocolo de acompanhamento de pacientes em estado de risco pode contribuir para a identificação de alterações renais antes do comprometimento funcional avançado, reduzindo o número de pacientes em estado crítico e ampliando as possibilidades de intervenção terapêutica eficaz ainda nas fases iniciais da doença e, consequentemente, diminuindo os gastos com pacientes 1, 2, 4.
Embora a adoção ampla ainda enfrente barreiras econômicas por seu custo ainda ser superior ao da creatinina, seu potencial para transformar o modelo de cuidado renal no Brasil é evidente, promovendo menor uso dos recursos públicos para tratamentos de pacientes com DRC avançada e melhor qualidade de vida aos pacientes 1, 2. Diante da alta prevalência da DRC e da necessidade urgente de abordagens mais eficazes, a incorporação gradual da cistatina C na prática clínica representa uma estratégia promissora que merece maior atenção por parte dos sistemas de saúde 1.
CONCLUSÃO
A Cistatina C se consolida como um biomarcador de precisão, essencial para a detecção precoce da Doença Renal Crônica devido à sua capacidade superior de identificar declínios sutis na Taxa de Filtração Glomerular antes mesmo que alterações nos níveis de creatinina se tornem aparentes. Apesar de seu custo inicial mais elevado ser um obstáculo para sua implementação na prática clínica, uma análise de custo-benefício a médio e longo prazo é fundamental. O investimento na detecção precoce, mediada pela Cistatina C, tem o potencial de reduzir significativamente os gastos futuros com terapias de alto custo, como diálise e transplantes, que são consequências diretas do diagnóstico tardio. Portanto, a incorporação da Cistatina C em protocolos clínicos, especialmente para populações de risco, representa um avanço estratégico e econômico. Sugere-se, ademais, a continuidade de pesquisas focadas na otimização dos custos laboratoriais e na validação de sua aplicação nas diversas realidades do sistema de saúde, a fim de democratizar o acesso a um diagnóstico renal mais exato e apropriado. A Cistatina C se estabelece como um biomarcador de precisão indispensável, essencial para a detecção precoce da Doença Renal Crônica. Sua capacidade superior de identificar declínios sutis na Taxa de Filtração Glomerular, muitas vezes antes que alterações nos níveis de creatinina se tornem evidentes, a posiciona como uma ferramenta de vanguarda na nefrologia. Apesar de seu custo inicial mais elevado ser uma barreira para a implementação em larga escala na prática clínica atual, uma análise criteriosa de custo-benefício a médio e longo prazo é fundamental. O investimento na detecção precoce, mediada pela Cistatina C, tem o potencial de gerar uma economia substancial ao sistema de saúde, mitigando os gastos futuros com terapias de alto custo, como diálise e transplantes, que são consequências diretas do diagnóstico tardio e da progressão da doença. Portanto, a incorporação progressiva da Cistatina C em protocolos clínicos, especialmente para populações de risco e no âmbito da Atenção Primária à Saúde, representa um avanço estratégico tanto clínico quanto econômico. Sugere-se, ademais, a continuidade de pesquisas focadas na otimização dos custos laboratoriais e na validação de sua aplicação em diferentes realidades do sistema de saúde, visando democratizar o acesso a um diagnóstico renal mais exato e, consequentemente, a um manejo mais apropriado e precoce da Doença Renal Crônica.
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11. Brasil. Ministério da Saúde. Divulgado boletim epidemiológico sobre doença renal crônica no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2024 out. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/outubro/divulgado-boletim-epidemiologico-sobre-doenca-renal-cronica-no-brasil
12. Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC). Taxa de filtração glomerular estimada em adultos. [Artigo aprovado em 03/02/2016]. Disponível em: https://www.rbac.org.br/artigos/taxa-de-filtracao-glomerular-estimada-em-adultos/
13. Injúria renal aguda em unidade de terapia intensiva: Estudo prospectivo sobre a incidência, fatores de risco e mortalidade. [Revista ou Editora, se conhecida]. [Ano de publicação, se conhecida]. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-507X2011000300010
14. Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). O que é nefrologia? Compreendendo os rins. Disponível em: https://sbn.org.br/publico/o-que-e-nefrologia/compreendendo-os-rins/
1 Aluna do curso de Farmácia no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio. E-mail: [email protected].
2 Aluna do curso de Farmácia no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio. E-mail: [email protected].
3 Docente no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio
4 Docente no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio
5 Docente no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio