ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DO TRABALHO: REFORMA E PRECARIZAÇÃO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17239425
Lara Moraes Beltcher1
Henrique Nelson Ferreira2
RESUMO
No Brasil, a Reforma Trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/2017 foi apresentada pelo Poder Executivo, no governo Michel Temer, como medida indispensável à geração de empregos e ao estímulo à atividade empresarial, sob o discurso neoliberal de modernização. Contudo, a prática revelou uma flexibilização que desconsiderou direitos indisponíveis e a dignidade da pessoa humana. Ao priorizar o negociado sobre o legislado, sem o devido fortalecimento sindical, instaurou-se uma lógica precarizante, marcada pelo aumento da informalidade e pelo desmonte progressivo do Direito do Trabalho, aprofundando sua crise. Este artigo analisa as principais mudanças introduzidas pela reforma, a partir do diálogo entre realidade e Direito. A abordagem crítica é imprescindível, uma vez que o Direito do Trabalho busca equilibrar desenvolvimento econômico e valores inerentes à condição humana. Para tanto, empregou-se metodologia qualitativa, fundamentada em revisão bibliográfica, análise jurisprudencial e doutrinária, com ênfase nas repercussões sociais, econômicas e jurídicas. Verificou-se que a Reforma afronta princípios laborais, normas constitucionais e Direitos Humanos, acentuando a fragilidade sindical e incentivando a precarização das relações de trabalho. Diante desse cenário, impõe-se a necessidade de reequilíbrio normativo, de forma a resgatar a proteção efetiva ao trabalhador, assegurando compatibilidade entre crescimento econômico e dignidade humana.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Precarização do Trabalho. Terceirização. Dignidade da Pessoa Humana. Neoliberalismo.
ABSTRACT
In Brazil, the Labor Reform introduced by Law No. 13,467/2017 was presented by the Executive Branch, under President Michel Temer, as essential to job creation and business stimulation, framed by a neoliberal discourse of modernization. In practice, however, it produced a flexibilization that disregarded non-derogable rights and human dignity. By prioritizing collective bargaining over statutory law, without strengthening trade unions, the reform fostered a precarious framework marked by rising informality and the progressive erosion of labor protections, intensifying the crisis in Labor Law. This article critically examines the main changes introduced by the reform, through the dialogue between social reality and legal norms. Such an approach is indispensable, as Labor Law is designed to balance economic development with values inherent to the human condition. Methodologically, a qualitative perspective was employed, drawing on bibliographic research, jurisprudential interpretation, and doctrinal analysis, with emphasis on the reform’s social, economic, and legal consequences. The findings reveal that the reform undermines fundamental labor principles, constitutional guarantees, and Human Rights, while accentuating union fragility and promoting the precarization of employment relations. In this context, a normative realignment is required to restore effective worker protection and to reconcile economic growth with the safeguarding of human dignity.
Keywords: Labor Reform. Precarization of Work. Outsourcing. Dignity of the Human Person. Neoliberalism.
INTRODUÇÃO
A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467 de 2017, marco para as relações de trabalho no Brasil, foi apresentada pelo Executivo como necessária à geração de empregos e redução de custos com a mão de obra. No entanto, por utilizar como meio para tal fim a flexibilização das leis de proteção ao trabalhador, o resultado foi um aprofundamento da precarização do trabalho no país, pondo em risco direitos e garantias já conquistados.
O impacto de tais mudanças é o principal foco do estudo aqui apresentado, uma vez que a terceirização irrestrita e o enfraquecimento de garantias históricas (como férias, limitação da jornada e descanso semanal) resultaram em uma crescente informalidade nas relações laborais. Neste contexto, o artigo se propõe a investigar e compreender como os efeitos da reforma incidem sobre a classe trabalhadora, especialmente, no que diz respeito ao enfraquecimento da proteção social e ao aumento da vulnerabilidade.
Além disso, realizou-se uma análise crítica do contexto do laboral atual no país, a fim de ampliar a discussão, visando uma cooperação de entes no combate à precarização do trabalho, valorização da CLT e promoção da dignidade humana acima dos lucros da minoria privilegiada, que vê a exploração como meio para o progresso.
Isto posto, a metodologia adotada para este estudo foi qualitativa, com abordagem exploratória e descritiva, utilizando uma revisão bibliográfica e pesquisa documental como principais fontes de dados. A análise será baseada em livros, artigos acadêmicos, jurisprudência e documentos legais, partindo de uma análise crítica de especialistas e da legislação vigente, a fim de compreender os efeitos da reforma na estrutura do mercado de trabalho brasileiro, assim como na própria cultura do país.
1. DO DIREITO DO TRABALHO: HISTÓRIA, LUTA E CONQUISTAS.
A história do Direito do Trabalho pode ser comparada com a história da humanidade, que, segundo Marx e Angels (2017, p.9) é a história das lutas de classes. Basta uma breve análise no contexto mundial para comprovar que tal afirmação é tão verdadeira e atual quanto quando foi cunhada em 1848. Nesse sentido, foi exatamente por admitir concretamente os trabalhadores, em suas desigualdades econômicas e posições no mercado, que o Direito do Trabalho surgiu, matizando a liberdade individual abstrata com medidas que possibilitassem um relativo equilíbrio de forças (Moraes, 2014, apud Scarpa, 2023, p. 25).
Historicamente, é mister citar a Revolução Francesa e as Revoluções Industriais para explanar sobre o surgimento e desenvolvimento do Direito do Trabalho. Isso porque, a Revolução Francesa, em 1789, transformou e influenciou todas as esferas do mundo ocidental, por meio dos ideários de liberdade, igualdade e fraternidade, reestruturando a sociedade e impactando as relações de trabalho, especialmente com a ascensão do capitalismo industrial (Ponzo; Silva, 2025).
Sob esse prisma Lourival José de Oliveira (2021, p.20), esmiuça o lema da revolução, ao afirmar o que o conceito da fraternidade defendido, pode ser explicado por meio de políticas públicas que visem à manutenção do mínimo de subsistência, a fim de que o trabalhador pudesse continuar a vender a sua força de trabalho, mas que ideologicamente é apresentada com espírito de cristandade ou de respeito ao próximo. A igualdade, por sua vez, é apresentada dentro do plano jurídico, em que todos, ideologicamente falando, são iguais, porque são livres, e a liberdade, por fim, é condição primeira para a venda da força de trabalho.
Contudo, o autor ressalta que os ideários defendidos na Revolução foram utilizados, na verdade, para atender aos interesses dos burgueses da época, que ansiavam pela expansão de seu comércio, livrando-se do absolutismo real para promover a busca do lucro de forma ilimitada e, assim, o povo foi a grande marionete que defendeu aquilo que acreditava representar algo novo, que poderia melhorar sua condição de vida, enquanto a mudança, na realidade, dizia respeito, sobretudo, à alteração da titularidade do seu mandatário (Oliveira, 2021, p.19).
Foi nesse contexto que a lei Le Chapelier foi criada, em 1791, proibindo a formação de associações profissionais, bem como a realização de qualquer tipo de greve ou movimento coletivo no âmbito do trabalho, extinguindo as corporações de ofício, por serem consideradas atentatórias aos direitos do homem e do cidadão, porque não interessava ao Estado que estas pessoas se reunissem devido à forma (e força) política que tais movimentos poderiam obter (Cassar, 2014, p. 60).
Ao proibir os trabalhadores de se organizarem em associações para defender seus interesses, a Lei Le Chapelier consolidou uma postura liberal colocando o trabalhador para negociar suas condições de trabalho, sem a mediação de corporações ou grupos. Em outras palavras, ela assegurava a liberdade do trabalho, mas restringia a possibilidade de os trabalhadores se unirem para lutar por melhores condições. A esse respeito, a autora esclarece:
O liberalismo clássico, surgido ao longo do século XVIII, alimentado filosoficamente pelo Iluminismo e finalmente vitorioso na Revolução Francesa de 1789, limitava sobremaneira os poderes do Estado e pregava a plena autonomia do indivíduo, reduzindo a sociedade à mera onda de poeira, proibindo organismos coletivos organizados, sociedades parciais, entre os indivíduos e o Estado (...) O liberalismo econômico refletia-se com perfeição no liberalismo político, com a vitória, pouco mais tarde, do sufrágio universal. Era o triunfo da democracia liberal, que, como é notório, fazia predominar a ideia de liberdade sobre a de igualdade, considerando somente a vontade geral dos indivíduos abstratamente considerados. Não os considerava in concreto, nas suas vidas reais, situados em suas condições sociais e econômicas (Moraes, 2014, apud Scarpa, 2023, p. 24).
Impulsionada pelos valores liberais que nortearam a Revolução Francesa, a Inglaterra se tornou palco das revoluções industriais. Contextualizando o período, Campana (2000), explana que as massas operárias se formaram com o crescimento industrial da cidade, já que a mão-de-obra provinha principalmente do campo, surgindo a figura do proletário: um trabalhador prestador de serviços em jornadas de quatorze a dezesseis horas, habitante das adjacências subumanas do próprio local de atividade, com prole numerosa e recebendo salário em troca da venda da sua força de trabalho.
Analisando as condições laborais desta parcela popular, a autora afirma que, pela falta de regulamentação, o livre acordo das partes ocorria injustamente, haja vista que era o empregador, polo mais forte da relação, quem determinava ou modificava a jornada, as condições de trabalho e os salários, conforme suas necessidades (Campana, 2000, p. 2).
Partindo de ideia semelhante, Oliveira (2021) usa o termo “desgraça” para se referir à situação do trabalhador europeu no final do século XVIII, visto que o Estado assistia de braços cruzados, esperando que o mercado se autorregulasse, residindo aí um das características fundamentais do Estado Liberal, que tinha como finalidade garantir o direito de propriedade e, com ele, o direito de herança, combatendo com suas forças tudo aquilo que pudesse colocar em risco a ordem estabelecida (Oliveira, 2021, p 20).
Diante de todos esses fatores, os trabalhadores realizaram diversos movimentos históricos que marcaram a luta por melhores condições de trabalho, como o Ludismo, o Cartismo e até mesmo a criação de entidades sindicais, apesar de sua proibição. Contudo, o reconhecimento formal dos sindicatos só veio muito tempo depois, na Inglaterra, por volta de 1871, sendo institucionalizado somente no século XX, em meio aos impactos da Revolução Russa e popularização de ideais socialistas e sindicalistas. Conforme a mesma autora ensina:
Nesse contexto, quando a organização sindical surgiu estruturando o movimento trabalhista, foi clandestinamente. O reconhecimento oficial dos sindicatos na Inglaterra ocorreu somente em 1871 e na França, em 1884. O direito trabalhista, a partir da ação dos trabalhadores associados para defesa dos seus interesses contra a exploração capitalista, entretanto, somente foi institucionalizar-se no século XX, no processo intervencionista do Estado. As reivindicações das massas urbanas trabalhadoras cresciam associadas às representações socialistas e anarco-sindicalistas, e ao impacto ideológico da Revolução Russa de 1917. Desse momento histórico decorre o constitucionalismo social, afirmando que o Estado deveria incluir direitos trabalhistas e sociais fundamentais na sua Constituição, pondo o trabalho sob sua proteção, garantindo a liberdade de associação, fixando salários e condições laborais. Exemplos marcantes desse processo foram a Constituição Social Mexicana em 1917, a Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918 e Constituição de Weimar em 1919. Ao final da Primeira Guerra, em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho, consagrando os direitos fundamentais dos trabalhadores e criando uma legislação internacional do trabalho (Campana, 2000, p. 2).
No Brasil, o desenvolvimento do Direito do Trabalho começou com o avanço da industrialização e expansão das relações do trabalho assalariado, processo que ganhou relevância somente após a Proclamação da República. Até então, o país seguia um modelo agrário, com relações de trabalho informais, sem regulação estatal, marcadas pela precariedade, com jornadas longas, salários baixos e ambientes insalubres, consoante à visão liberal do Estado, considerando a intervenção nas relações contratuais uma limitação à liberdade individual (Ritzel, Coelho, 2023, p. 4).
Por conseguinte, apesar da mudança da organização do trabalho e da forma de governo, pós-abolição da escravidão e Proclamação da República, os trabalhadores não gozavam de proteção contra o abuso patronal ou qualquer regulamentação de trabalho. Nesse interim, Addor (2013, p.23) afirma que, no Brasil da Primeira República, os trabalhadores urbanos viviam num verdadeiro ‘inferno social’, pois homens, mulheres e crianças passavam doze, quatorze e até mesmo dezesseis horas diárias, ao longo de seis dias por semana, no interior de fábricas insalubres e perigosas.
Contudo, a crescente mobilização operária e as greves em busca de melhores condições de trabalho começaram a pressionar o governo e, assim, as primeiras normas regulamentadoras começaram a ser instituídas. Em 1891, por exemplo, houve institucionalização de fiscalização permanente dos estabelecimentos fabris onde trabalhassem elevado número de menores, proibindo o trabalho a menores de doze anos e o trabalho noturno dos menores de quinze anos, limitando a sete horas a jornada de trabalho (Campana, 2000, p.3).
Na década seguinte, surgiram outras regulamentações importantes, como o Decreto nº 979/1903 que estabeleceu as primeiras normas sobre os sindicatos rurais e o Decreto Legislativo nº 1.637, que fez o mesmo para os sindicatos urbanos. Porém, foram com as grandes greves de 1917-1919, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que o movimento operário se tornou uma preocupação central para o governo, que aprovou a Lei de Acidentes de Trabalho em 1919 e criou a Comissão de Legislação Social:
Após algumas destas conquistas, uma verdadeira febre associativa tomou conta dos grandes centros urbanos, o que causou reação do patronado e, o não cumprimento dos empresários ao acordo feito após a grande greve de 1917, fez ressurgirem grandes paralisações em 1919 e 1920, com reivindicações semelhantes, o que levou ao aumento da repressão e a formulação de leis sociais e trabalhistas (Moraes, 2021, p. 15).
Em 1923, o Brasil foi vanguardista, com a criação da Lei Elói Chaves, instituindo o direito à estabilidade no emprego após dez anos de trabalho aos empregados ferroviários, com a demissão restrita aos casos de falta grave, fechamento da instalação ou setor. O direito à estabilidade decenal se estendeu gradualmente a outros grupos profissionais até que se fez chegar a todos os trabalhadores urbanos, pela Lei Nº 62/1935. Essa Lei foi aprimorada pela Consolidação das Leis de Trabalho e, posteriormente, pela Constituição de 1946 garantindo estabilidade aos trabalhadores rurais (Ceia, Santos, 2020, p. 43).
No mesmo ano, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, um órgão consultivo com representantes dos trabalhadores, empregadores e do governo, destinado a tratar de questões relacionadas à organização do trabalho e à previdência social:
Também como consequência das obrigações assumidas no Tratado de Versalhes, criou-se, em 1923, por meio da publicação do Decreto 16.027, o Conselho Nacional do Trabalho, órgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes à organização do trabalho e da previdência social. Ainda no ano de 1923, a Comissão Especial de Legislação Social da Câmara dos Deputados apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 625, que pretendia regulamentar de forma ampla as relações de trabalho no Brasil. Não obstante, em 1925, editou-se o Decreto n. 4.982, que, de forma apartada, instituiu o direito às férias (Lima, 2021, p. 18).
Outras normas continuaram a ser adotadas, refletindo uma mudança no reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, como o Código de Menores em 1927, que proibia que os menores de doze anos laborassem no setor minerário, bem como o labor noturno aos menores de dezoito anos e em junho de 1928 o seguro-enfermidade passou a cobrir tanto a doença como a morte para os empregados das empresas de comunicações radiotelegráficas e telegráficas (Biavaschi, 2005, p. 210).
Esses primeiros passos no reconhecimento dos direitos trabalhistas culminaram na promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que concretizou e ampliou os direitos dos trabalhadores no Brasil. A partir da década de 1930, a legislação trabalhista brasileira foi desenvolvida e inspirada nos preceitos da Organização Internacional do Trabalho – OIT, como parte do projeto de modernização da sociedade brasileira. Logo, a CLT reuniu a legislação de então, que ganhou status de direitos sociais fundamentais do trabalho na Constituição de 1988 no seu art. 7º (Ritzel, Coelho, 2023, p. 36).
Os avanços iniciais, impulsionados por conflitos sociais e a pressão do movimento operário, estabeleceram as bases para o que viria a se tornar o Direito do Trabalho no Brasil, com a criação de um sistema legal que busca equilibrar as relações entre empregador e empregado, promovendo a justiça social no campo do trabalho. No entanto, à medida que o cenário socioeconômico se transforma, novos questionamentos surgem, especialmente no que tange à flexibilização da legislação trabalhista diante das novas dinâmicas do mercado.
2. REFORMA TRABALHISTA E A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS: FUNDAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS
Assim como visto ao longo da história laboral, ante um contexto de crise, após a conquista de alguns direitos, a lógica capitalista tende a se voltar contra sua base e, novamente, o trabalhador se vê prejudicado. Nesse sentido, a CLT, instrumento tão importante e celebrado, marco dos direitos trabalhistas, foi severamente tensionado com a promulgação da Lei nº 13.467/2017, que instituiu a Reforma Trabalhista.
Dessa forma, as principais mudanças da lei trabalhista brasileira ampliaram a discricionariedade do empregador sobre os contratos individuais e coletivos, como a expansão do banco de horas, jornada 12x36, indenização de intervalo de descanso, ampliação da jornada por tempo parcial, estabelecimento do trabalho intermitente, vedação da caracterização do trabalhador autônomo como empregado mesmo em caso de exclusividade e continuidade, possibilidade de terceirização irrestrita, entre outros itens (Carvalho, 2017, p. 93).
É importante ressaltar que, mesmo que o ponto principal da reforma proposta seja sobrepor o negociado sobre o legislado, de maneira a flexibilizar as relações de trabalho mediante a negociação entre empregadores e empregados, não há preocupação em fortalecer a associação coletiva; pelo contrário, os empregados tendem chegar à negociação mais enfraquecidos, na medida em que a Lei n.º 13.467/2017 procura descentralizar ao máximo as negociações, bem como restringir a intervenção da Justiça do Trabalho, dificultando o poder de barganha dos trabalhadores (Carvalho, 2017, p. 93).
Seguindo tal lógica, a tônica da reforma se assentou no enfraquecimento estrutural das entidades sindicais que representavam os interesses da classe trabalhadora, como resultado imediato houve o esvaziamento da negociação coletiva e a legitimação de acordos prejudiciais ao trabalhador, celebrados sob coação econômica ou ausência de alternativas. Esse novo arranjo institucional favoreceu a hegemonia da lógica mercadológica sobre a proteção social, aprofundando assimetrias históricas que o Direito do Trabalho buscava mitigar. Nesse sentido, Antunes (2015), já discutia o enfraquecimento sindical:
A crise atingiu também diretamente a subjetividade do trabalho, sua consciência de classe, afetando seus organismos de representação, dos quais os sindicatos e os partidos são expressão. Os primeiros, os sindicatos, foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais atada à imediatidade, à contingência, regredindo sua já limitada ação de defesa de classe no universo do capital. Gradativamente foram abandonando seus traços anticapitalistas, aturdidos que estavam visando a preservar a jornada de trabalho regulamentada, os demais direitos sociais já conquistados e, quanto mais a “revolução técnica” do capital avançava, lutavam para manter o mais elementar e defensivo dos direitos da classe trabalhadora, sem os quais sua sobrevivência está ameaçada: o direito ao trabalho, ao emprego. (Antunes, 2015, p. 199)
A reforma se desenvolveu então sob um processo de transfiguração profunda das formas de ocupação e das relações laborais, própria da “era da informalização”, onde a estabilidade contratual cede lugar à intermitência, à terceirização, ao trabalho por demanda e a falta de direitos. O discurso do “empreendedor de si mesmo”, amplamente difundido como solução para o desemprego estrutural, reforçado pelas plataformas digitais, encobre formas dissimuladas de subordinação e intensifica a extração do sobretrabalho, sob um novo verniz de autonomia (Antunes, 2006, apud Patricio; Silva, 2018, p. 10).
O autoempresário de sua força de trabalho, frequentemente providencia sua própria formação e aperfeiçoamento profissional, mesmo estando contratado, assim como seus equipamentos e meios necessários ao seu labor. Além disso, deve ser absolutamente adaptável aos objetivos do tomador de seus serviços, adotando uma postura de disponibilidade permanente para o trabalho que presta para quem o contrata, em condições cada vez mais instáveis e inseguras (Alonso, 2007, p. 42, apud Menezes, 2017, p. 116).
Não bastasse a exploração e alienação do seu trabalho, a classe torna-se algoz de si mesmo, pois nessa cultura laboral cria-se uma autoexigência em uma espécie de competência permanente e generalizada, que impõe uma pressão contínua, subordinação de todos os tempos e horários e uma necessidade de suportar cargas mentais, agendas, horários e calendários sobrecarregados. O tempo de trabalho, a carreira e a vida privada ficam totalmente desordenados (Alonso, 2007, p. 76, apud Menezes, 2017, p. 116).
Essa nova morfologia laboral desconstrói o paradigma do emprego típico — aquele regulado, com jornada definida, proteção previdenciária e acesso aos direitos sociais— em seu lugar, proliferam os vínculos frágeis e flexíveis, alicerçados na informalidade e na ausência de amparo legal. O próprio tempo de trabalho torna-se fluido, dissolvido na lógica da produtividade, da capacitação contínua e da competitividade individual, convertendo o “tempo livre” em espaço de consumo e autovalorização do capital (Paoletti, 1998, apud Antunes, 2009).
Elementos marcantes da reforma, como a flexibilização da jornada, da remuneração, da função e da própria forma de contratação, são apenas os sintomas visíveis de um processo mais profundo de desmonte do Direito do Trabalho enquanto instrumento civilizatório e protetivo e impulsionando a concentração de riqueza (Delgado, 2017, p. 140). Embora a terceirização, por si só, não seja necessariamente redutora de postos de trabalho e geradora da informalidade, revela-se em profunda conexão com estas. Isso porque, conforme Delgado (2017, p. 45), ela é essencialmente desorganizadora do sistema de garantias e direitos estipulados pelo clássico Direito do Trabalho. Nessa medida, ela propicia significativa redução das garantias e ganhos obreiros.
O autor explica que a terceirização desorganiza o sistema de garantias e direitos ao reduzir artificialmente o número de trabalhadores em setores como a indústria, já que os terceirizados são enquadrados no setor terciário da economia, por serem vinculados a empresas de prestação de serviços. Para Delgado (2017, p. 45), essa dinâmica pulveriza a classe trabalhadora e dificulta a aplicação do Direito do Trabalho, gerando peculiaridades conforme os segmentos, empresas e trabalhadores envolvidos, além de dispersar a compreensão e regulação do fenômeno pela ordem jurídica e fiscalização.
A multiplicação de “bicos” e atividades por conta própria refletem a tentativa desesperada de sobrevivência de uma massa laboral excluída do mercado formal que, graças à difusão do discurso do “empreendedorismo”, “seja dono do seu tempo”, “todos podem ser microempresários”, não enxergam que estão servindo aos interesses do capital, enquanto são explorados, não muito diferente do que aconteceu entre os revolucionários e a burguesia na Revolução Francesa. Conforme o autor:
Por fim, é preciso enfatizar que a informalidade, em seus distintos modos de ser — que aqui tão somente indicamos alguns exemplos — supõe sempre a ruptura com os laços de contratação e regulação da força de trabalho, tal como se estruturou a relação capital e trabalho especialmente ao longo do século XX, sob a vigência tayloriano-fordista, quando o trabalho regulamentado tinha prevalência sobre o desregulamentado. Se a informalidade não é sinônimo direto de precariedade, suavigência expressa formas de trabalho desprovido de direitos e, por isso, encontra clara similitude com a precarização. Se a boa teoria e a cuidadosa reflexão não devem borrar conceitos e categorias que são assemelhados e similares (mas não necessariamente idênticos), apontar suas conexões, suas interrelações e suas vinculações tornam‐se, entretanto, imprescindível. (Antunes, 2015, p. 260).
Outrossim, Teixeira (2018, p. 191) afirma que há um processo dialético de fragmentação da classe trabalhadora, que se dá com a externalização da produção, chamada empresa-rede, que descentraliza o seu espaço territorial, chamando para a colaboração empresas menores, mais frágeis e manipuláveis, criando as precarizações trabalhistas mais intensas, com a terceirização e contratos temporários.
De fato, há uma preconização do Direito do Trabalho a novos cânones econômicos, gerando um conformismo que Teixeira (2018, p. 191) conceitua como determinismo econômico. O autor explana que a mão de obra mais adequada ao mercado é a mais flexível e com menos direitos trabalhistas, contratação barata e lucros mais seguros para o capital, com sindicatos, de preferência, os mais enfraquecidos possíveis. Assim ocorre o determinismo econômico, no sentido de que o direito não influencie a dinâmica social, deixando os ideais de livre mercado predominarem como se não houvesse outra alternativa.
Esse fenômeno é associado a derruição do pensamento crítico, principalmente no tocante ao capitalismo, como Delgado (2017, p. 30) afirma. Ocorre que a hegemonia político-cultural capitalista resulta em um aprofundamento e generalização nesse processo desconstrutivo do pensamento, comprometendo contrapontos políticos, sociais e culturais à matriz antissocial liberalizante que prepondera no presente momento. Isso gera uma massa alienada, perfeitas aos ideais do capital.
Nesse cenário, a Reforma Trabalhista brasileira, com teor neoliberal, a alienação em massa e a difusão do discurso “libertador”, remetem sob diversos aspectos, à lógica distópica de “Admirável Mundo Novo” (2006), de Aldous Huxley, na subordinação dos Ípsilons, que exercem funções repetitivas e subalternas, sem consciência crítica de sua exploração, pois de modo análogo, o cenário brasileiro pós-reforma parece ter naturalizado uma massa de trabalhadores Ípsilons, condenada a atividades mal remuneradas, precarizadas, desprotegidas, sem acesso à organização coletiva. Tal como os Ípsilons eram condicionados a aceitar sua condição com resignação, o trabalhador contemporâneo é bombardeado por discursos meritocráticos e pela ideologia do empreendedorismo individual, que desresponsabilizam o Estado e ocultam os efeitos perversos do desmonte das garantias trabalhistas.
Essa resignação social não é espontânea: é produzida e reforçada por uma engenharia institucional e simbólica que transforma a flexibilização em virtude, enquanto perpetua a exploração como se fosse liberdade. Nesse sentido, Dardot e Laval (2016, p. 230), entendem que essa engenharia é o neoliberalismo, não se limitando a um conjunto de políticas econômicas, indo além, ao incentivo de uma lógica de responsabilização individual pelos riscos e fracassos, mascarando os impactos estruturais da precarização e do enfraquecimento das garantias trabalhistas, enquanto naturaliza a flexibilização como um ideal de liberdade.
Isto posto, a flexibilização dos direitos trabalhistas, sob o pretexto de modernização, revela-se, na verdade, como estratégia de intensificação da exploração da força de trabalho e de destruição progressiva das garantias sociais (Teixeira, 2018, p. 194). A compreensão crítica desse processo é essencial para rearticular, a partir de novos fundamentos, a proteção do trabalho humano frente à lógica do capital, promovendo uma sociedade que se organize pela dignidade da vida e centralidade do ser humano no processo produtivo (Delgado, 2017, p. 135).
3. (DES)VALORIZAÇÃO DO ASSALARIADO, CULTURA E FUTURO DO TRABALHO
No contexto atual, o trabalhador do século XXI enfrenta um cenário dominado pela Quarta Revolução Industrial, pela hiperconectividade e pela lógica da globalização, fatores que favorecem a disseminação de discursos que desvalorizam a legislação trabalhista e, embora a tentativa de desmonte dos direitos do trabalhador não seja recente, ela ganha nova força por meio das redes sociais. Entendendo que o direito incorpora valores socialmente relevantes em cada época, Delgado (2017, p. 115) ensina que:
A ordem jurídica como um todo, na qualidade de instrumento de regulação de instituições e vínculos entre pessoas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Sendo as regras e os diplomas jurídicos resultados de processos políticos bem-sucedidos em determinado quadro sociopolítico, tendem a corresponder ao estuário cultural hegemônico ou, pelo menos finalístico, à proporção que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes. (Delgado, 2017, p. 115).
Com a Indústria 4.0 e a globalização, emerge uma nova fase da hegemonia informacional-digital, liderada pelo capital financeiro, em que aplicativos e dispositivos eletrônicos controlam e supervisionam a ciberindústria do século XXI (Antunes, 2020, p. 15). Atualmente, o emprego formal passou a ter, para muitos, teor negativo — percepção legítima, frente à precarização real do trabalho, mas manipulada por uma elite que promove a flexibilização de direitos como se fosse o caminho para um trabalho digno. Delgado (2017, p. 37), afirma que há um jornalismo de mercado, que se mantêm uníssono no elogio e na justificação do ideário extremado do neoliberalismo, desvestindo-se da independência investigativa e questionadora, assumindo papel político-cultural de decisivo aparelho ideológico do capitalismo sem peias.
Cria-se, então, um ciclo perverso. Diante da insatisfação com as condições de trabalho, o trabalhador — mal-informado e bombardeado por promessas irreais — passa a ver a CLT como obstáculo ao sucesso, quando, na verdade, ela é uma proteção contra abusos. Com isso, muitos acabam defendendo propostas que enfraquecem seus próprios direitos, acreditando no discurso empresarial de que a legislação trabalhista impede o crescimento econômico e o “emprego de qualidade”. Vejamos:
Os relatos de campo evidenciaram que a maioria dos entrevistados não tem o trabalho formal no horizonte ocupacional. Nessa situação, encontram-se: os vendedores ambulantes nas regiões Sul e Sudeste; costureiras no Nordeste; manicures na região Sul e Centro-Oeste. Para estes trabalhadores, as justificativas se concentram nas desvantagens do vínculo formal, especialmente no tocante à renda. Ou seja, eles entendem que a permanência na informalidade significa ter um “salário” maior no final do mês. (Pereira, 2021, p. 220)
Porém, a verdade é que os problemas enfrentados pela classe trabalhadora decorrem de um modelo capitalista excludente e predatório, que concentra renda e favorece a exploração (Piketty, 2014, p. 27). Não é a CLT a responsável pela desigualdade social, mas sim a lógica de um mercado que naturaliza a precariedade como meio para o lucro desmedido (Antunes, 2018, p. 25). Ao invés de destruir a legislação, o caminho é fortalecer a luta por melhores condições de trabalho, salários dignos, ambientes saudáveis e não aceitar como solução o abandono das poucas garantias que ainda restam (Harvey, 2011, p. 36).
É preciso considerar que a perda de prestígio do emprego formal não se limita ao aspecto econômico, mas reflete uma reconfiguração cultural e simbólica. Antes associado à estabilidade e respeito social, hoje é substituído pela valorização de modelos laborais sem garantias, sob a retórica ilusória de liberdade e autonomia que não se concretiza para a maioria (Câmara, 2019, p. 96). Essa visão é absorvida pela classe trabalhadora porque os pensamentos da classe dominante são, em todas as épocas, o pensamento dominante, porque a classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual (Gonçalves, 2004, p. 105, apud Câmara, 2019, p. 96).
Esse deslocamento discursivo cumpre uma função estratégica ao transformar a segurança em sinônimo de acomodação e a instabilidade em sinônimo de coragem, criando uma narrativa que legitima a erosão dos direitos trabalhistas. A imposição de metas inalcançáveis, a pressão constante por desempenho e a volatilidade das relações laborais passam a ser apresentadas como desafios naturais da “nova economia”, mascarando o caráter exploratório de tais práticas. A noção de empreendedorismo e de “ser chefe de si mesmo” pode ser então deslocada para a de uma permanente gestão pela sobrevivência (Pereira, 2021, p. 187).
Paralelamente, observa-se a ascensão de um fenômeno global: o trabalho mediado por plataformas digitais, conhecido como gig economy. Motoristas de aplicativo, entregadores e prestadores de serviços sob demanda são tratados como “parceiros”, visto que os requisitos necessários para a configuração de vínculo de emprego são diluídos e/ou disfarçados, transferindo integralmente os riscos da atividade para o trabalhador. Assim, se tornam uma espécie de falsos empreendedores, visto que não formam negócio por não terem clientela e dessa forma, não têm qualquer chance de prosperar (Carelli, 2020, p. 78).
Dessarte, o caso dos motoristas de aplicativos, como o Uber, tem sido objeto de intensos debates no judiciário brasileiro. Em várias decisões, tribunais têm se posicionado contra o reconhecimento do vínculo empregatício, utilizando como argumento a ausência de subordinação direta. Por outro lado, afirmam que a subordinação está presente de maneira velada, na medida em que os trabalhadores dessas plataformas estão sujeitos a regras rígidas de conduta e a algoritmos que controlam a prestação de seus serviços (Romão, 2025, p.144).
O problema da “uberização” é algo que vem sendo enfrentado por países do mundo todo. Na Espanha, por exemplo, o Tribunal Supremo, na sentença n. 805/2020, reconheceu o vínculo empregatício dos entregadores da plataforma GLOVO, levando em consideração o fato de que o trabalho desempenhado por esses autônomos estar inserido dentro do conceito de empregado (Garcia; Braz, 2022, p.63).
Já nos Estados Unidos, a aprovação da Assembly Bill 5 (AB-5) na Califórnia, promoveu a reclassificação de milhares de trabalhadores erroneamente classificados como autônomos, reconhecendo a condição de empregado a diversas categorias, inclusive dos motoristas plataformizados (Ribeiro; Cunha, 2021, p. 21).
A retórica empresarial, reforçada por campanhas publicitárias tende a suavizar esses impactos, exaltando histórias pontuais de sucesso como se fossem representativas do conjunto. Essa manipulação é parte de uma distorção sistemática, falseada por discursos, registros e notícias selecionadas de maneira a ocultar fatos e relações na sociedade, para que privilégios e interesses ganhem cores de legitimidade e aceitação, assim, as grandes mídias, instituições de reprodução do saber e do poder, garantem o sucesso da exclusão e da manipulação (Menezes, 2017, p. 47).
Nesse ínterim, o poder, além de forçar a obediência, quebra resistências por meio da sedução e do engodo. Sua forma pode ser inibitória, proibitiva, opondo-se à liberdade, porém como técnica mais apurada, externa-se de maneira mais sútil, flexível, inteligente e pouco visível (Han, 2014, p. 28). Assim, a trama de dominação oculta é mais eficiente do que a censuradora e repressiva, submetendo os homens, de forma inteligente, sem operar de frente contra a vontade dos submetidos, utilizando, portanto, a vontade dos dependentes em seu favor (Han, 2014, p. 29).
Por isso, é necessário resgatar a realidade laboral da propaganda e dos discursos ideológicos de certos meios políticos, empresariais e midiáticos que bombardeiam o Direito do Trabalho e a legislação trabalhista, alegando que estas devem ser mais simples e flexíveis. O mesmo cuidado deve ser imposto às críticas à Justiça do Trabalho, acusada de obsoleta e protecionista, a fim de favorecer os meios alternativos de solução de conflitos às custas do empregado (Menezes, 2017, p. 170).
Sem tais cuidados, o trabalho tende à fragmentação, com a negociação individual substituindo conquistas coletivas e privilegiando interesses do capital em detrimento dos direitos humanos fundamentais. Isso amplia a desigualdade e compromete o valor social do trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal, como fundamento da República que impõe ao Estado assegurar condições laborais dignas, uma vez que os trabalhadores, embriagados pela ideologia da empresa, não só aceitam esse jogo, como, docilmente, se tornam seus próprios algozes (Menezes, 2017, p. 170).
Para romper esse ciclo, é necessário resgatar a consciência de que a legislação trabalhista não é um entrave, mas um instrumento de equilíbrio entre forças desiguais. Atualizar a CLT para que esta abranja novas formas de prestação de serviços é fundamental, mas o desafio contemporâneo é justamente garantir que a modernização se traduza em expansão de direitos (Krein; Biavaschi, 2021, p. 131).
Além disso, políticas públicas de qualificação profissional, fortalecimento sindical e fiscalização efetiva são elementos indispensáveis para reverter o quadro de precarização crescente e restabelecer padrões mínimos de justiça social (Druck, 2011, p. 215). É necessário um novo Estado que proteja além dos trabalhadores formais, com a cidadania social tendo como referência o trabalho, os que caíram na pobreza e estão desempregados ou vivem de pequenos “bicos”, por isso deve haver uma tutela mínima ou mínimo existencial para qualquer trabalho, como afirma Teixeira (2018, p. 215).
Em última análise, a valorização do assalariado passa pela reafirmação de que dignidade, segurança e justiça social são compatíveis com crescimento econômico, à medida que constituem as bases para um desenvolvimento inclusivo, capaz de distribuir os frutos da produtividade de maneira equitativa e sustentável, pois como Teixeira (2018, p. 215) conclui, é preciso afirmar os interesses civilizatórios do Direito do Trabalho e seus princípios de proteção em face do ser humano, pois do contrário, a exclusão social, a violência e o preconceito com os precarizados, levará a sociedade cada vez mais para o campo da barbárie.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória recente do trabalho assalariado no Brasil reflete não apenas uma reconfiguração jurídica das relações laborais, mas sobretudo uma transformação estrutural da própria cultura social e econômica que circunda a figura do trabalhador. A Reforma Trabalhista de 2017, ao flexibilizar direitos e fragilizar os instrumentos coletivos de defesa da classe, não apenas impactou as condições materiais do labor, mas produziu uma mudança simbólica: o assalariado, que outrora representava o núcleo do pacto social moderno, passa a ser encarado como recurso descartável, submetido a uma lógica de permanente adaptação e competitividade.
Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil, mas parte de um movimento global de transformação do capitalismo, no qual a racionalidade neoliberal orienta comportamentos, subjetividades e estruturas. Ao apresentar instabilidade e competitividade como virtudes sociais, ela legitima a precarização do trabalho sob a aparência de meritocracia. O assalariado, antes protegido por normas rígidas, é levado a se enxergar como “empreendedor de si”, responsável tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso, mesmo que fatores estruturais determinem suas condições de trabalho.
Essa mutação cultural serve à lógica contemporânea de acumulação, enfraquecendo sindicatos, movimentos sociais e fragmentando a classe trabalhadora, em benefício do capital. Socialmente, a precariedade é internalizada como natural, enquanto a ideologia do “empreendedorismo individual” transforma instabilidade e sobrecarga em supostas virtudes, levando trabalhadores a acreditarem que jornadas irregulares, múltiplos vínculos e baixa remuneração resultam de escolhas pessoais e liberdade de mercado.
O futuro do trabalho se apresenta como uma arena de tensões e incertezas. A automação, a digitalização e a “uberização” reduzem a demanda por mão de obra tradicional e ampliam o número de trabalhadores em condições precárias. Ao mesmo tempo, há urgência na reestruturação da proteção social, já que os modelos clássicos, baseados na relação empregatícia formal, não acompanham a diversidade e volatilidade das formas laborais atuais, por isso, é importante que haja uma onda de reformulações de legislações e políticas públicas. A fim de garantir que a inovação tecnológica e a reorganização produtiva não se transformem em pretextos para retrocessos sociais e exploração.
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